KIANDA COM ONGWEVA - Espírito com saudade
Por
o ::: SOBA T´CHINGANGE
Januário Pieter surgiu-me num entretanto, pedaço de nada, acabado de cuchilar na minha rede de Pambu N´jila a escassos metros da Kalunga, lugar de desova de tartarugas e alguns urubus catando vida. Giboiando no sopro do vento da lagoa Manguaba, com ele, veio até mim a kianda-mor. Surpreso com sua aparição, no cumprimento do sonho, dei-lhe um abraço de completo vácuo; era Januário Pieter, meu guia-surpresista. Nós que vivemos no além (referindo-se a ele), podemos fazer diversas coisas, mesmo sem entender como as realizamos tais como locomovermo-nos e plasmarmo-nos, disse Januário em jeito de rouca explicação. Neste meio tempo e depois de ter estado contigo em Zanzibar, formei-me “engenheiro espiritual” em Toledo; e, dizendo isto como se tudo tivesse acontecido escassos dias antes, disse que por via dessa formação e, através dos fluidos da natureza, conseguia pelo pensamento, criar no espaço, paisagens de multicolores holografias.
Desde que sou “engenheiro espírita” explico o que custa a apreender às gentes desavindas mas, boas como tu (referia-se a mim) que nutres de paixões, orações e bons pensamentos. Neste meu estado, luto contra atitudes de espíritos que não são evoluídos, que não possuem compreensão e que ainda estão arreigados em paixões inferiores. Apontando para os caniços do jardim, foi falando, estás a ver este beija-flor que sem medo sugam as flores do teu jardim, coisa que tu tanto aprecias, e também aquele bem-te-vi pousado ali perto de seu ninho naquela mangueira; são condicionantes a que eu recorri para teu exclusivo agrado e, porque aprecias, decidi contemplar-te. Nunca antes, Januário Pieter, figura recriada por mim, se referiu assim tão directamente como um especial meu protector. Enquanto isto, as notas de Dó a Si do espanta espíritos da varanda N´jila, saudavam a mim mas, mais propriamente à kianda ilustre vinda do alem com o vento de bolina.
Sorrindo, indiquei o lugar da rede a meu lado dizendo-lhe entretanto que neste agora estava de bem comigo, contente com sua inesperada visita, acrescentando que a minha principal procuração, era viver com dignidade, tentando ser útil, sentir a gratidão vendo sorrisos em olhares tranquilos, saber contribuir para alguém ficar bem; tentar deixr de ser infeliz, fabricando a felicidade com pouco mais que nada, sem menosprezar a vontade de fazer e querer fazer, sem sugar energias alheias. Foi bom visitar-te, disse Januário Pieter, sentir que das migalhas que te dei, me orgulhas te com uma bomba de vontade. Antes de se deixar soprar pela bolina sem destino nem roteiro no seu destino, deixou em directo discurso, um resquício de sua sabedoria: “- Não podemos fintar as lei que nos regem e, uma delas é: fazermos a nós o que fazemos aos outros”. Irónico, talvez, Pieter fintador, assim como veio, foi-se!
GLOSSÁRIO:
KIANDA: - Espírito das águas na forma de sereia, ritos de Angola, fantasma, holograma; ONGWEVA: saudade em português; Pambu N´jila: - Espaço místico, agente de ligação entre o espaço físico e místico, encruzilhada elo que liga os seres aos Minkisi, os elementos fogo, água, ar e terra; Kalunga: - divindade abstracta podendo ter a forma humana que preside ao reino dos mortos, em Umbundo é um Deus, em Kimbundo é o mar, sereia na forma de homem musculoso tipo o Adamastor dos Lusiadas, quando alguém é levado pelo mar ou pela Kalunga faz Uafu (morreu nas águas), é uma jura de última instância apelando a kalunga
Januário Pieter:- Um personagem amigo, um sábio que me assiste e complementa conhecimentos...Um fantasma feito guia Kalunga; o homem que nasce da morte metaforizada com mais de 300 anos. Tem no seu ADN a picardia cutucada até a exaustão, Cruz credo!
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