FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
“BULUNGA DO ULTRAMAR . Nos reinos de Maconge e Huambo”
Flor de cacto no Namibe
Em terras Ultramarinas, num sítio chamado de Porto-à-mão, reunem-se hoje em kizomba, nobres, altos dignatários e plebeus dum reino perene; neste reino de Faz-de-conta aonde ninguém morre e, aonde os africanos se tornam brancos e vice-versa, reúnem-se vivências com recordações de peregrina amizade, (Coisas de Valério Guerra e ex-kompas do Diogo Cão- Mandume de Sá da Bandeira - Lubango)
E, para quê peregrinar no tempo?
- Para ratificar a vida!
No meio do hino, taciturnar-me-ei entre a malta, prensado no texto que se cantará assim:
-“A malta ganhou a taça, sem ter nada que fazer; quem quiser ganhar à malta tem um osso p´ra roer, roer, roer”.
Neste reino de sonho e fantasia dão-se vivas à vida, num vira, vira, regado a tinto.
- “Se houvesse uma revolta em Angola, movida pelos colonos, não era preciso tropa para a debelar; chegava um bom orador, romântico, sentimental, que lhes falasse de Portugal, que todos se abraçariam com lágrimas nos olhos”. Foi o que disse Henrique Galvão no ano de 1937 em visita de soberania a Angola.
- “ Há quem viva de teu perfume e dent´routros matos e espinheiras rasgando-se em sonhos, por ti ruma!”.
Como um funante mazombo, suspeitoso, divagarei em pensamento
-“ Há quem, nas águas de salina, se purifique em lágrimas cristalizadas por em teu ventre não cumprir sina”
Paisagem no deserto Namibe
Num torpor de antigas kizombas, agachei-me por detrás da bissapa,… era o soba Cunhangâmua.
Bebia bulunga, antes da grande caminhada para sul e, eu também ali estava a seu lado como conselheiro real em assuntos de brancos; num repentemente, deu-lhe vontade de cuspir. A um primeiro esboço de lançar cuspo, logo um gentio se acocorou submisso, curvando-se a jeito p´ra receber tamanha cuspidela. Cuspo de soba, com aquela estirpe, não podia ser desperdiçado numa terra só de pó. Cheio de honraria, o súbdito de arrecuas balançou a cabeça, umas quantas vezes, em jeito de agradecimento.
Da t´ximpaca soou um som forte, ferindo o silêncio da planura e, bastou o soba dizer que aquele boi tinha um bom “berro” para ser anexado aos tributos, que mais atrás seguiam em caravana.
Num repentinamente, restolhando o silêncio, surgiu do mato, um T´chingange agitando um pote de barro preto e, dizendo coisas desconexas, abeirou-se do soba; de seguida, ambos se esgueiraram para trás dum muxito denso. O kimbanda, cumprindo o ritual, tinha naquela hora de recolher, a urina do grande soba .
BOI chifrudo
Neste espaço de fantasia e verdade, invadi a rota que desembocava na paliçada do Kimbo maior e, nessa noite de lua cheia, aconteceu assistir à circuncisão dos candengues daquele arraial; crepitava o lume em ondas de cores quentes pelas palhotas quando, de uma delas, trouxeram o rapaz,… sentaram-no num cepo e, no meio de inebriante batuque, um M´fumu, auxiliar de kimbanda, com uma pequena faca passada pelo lume, cortou o prepúcio do pénis do rapaz. De seguida, com as bochechas cheias de álcool, borrifou para o órgão despelado. O grito mal se notou no meio da algazarra.
Aquele seria um guerreiro umbundo p´ra valer!
A bulunga de massambala tinha naquele dia uma mistura especial. A urina do soba Cunhangâmua!
Assim se tornariam homens de têmpera nobre. Tudo foi feito nos verdadeiros conformes, na roda da grande fogueira, batuque, sangria de boi berrante e bulunga.
Povo N´Haneca
No contraluz da perdida imensidão, naquela noite especial, dormi com um cafeco de feição N’nhaneca, enfeitada de trancinhas e cortes no rosto com forma de avião. Tinha cabaço,… mesmo!
Na outra manhã as mulheres surgiram em algazarra, levantando os braços, chocalhando discos de lata, batiam com os pés no chão; do peito, pendiam couros, das orelhas escorridas, pesadas argolas. Festejavam! Ué,... Alambado no custume virei M´fumo de T´Chingange.
Na semana seguinte viajei até Quilengues, terra de supostos indolentes gentios que, nada mais fazem, além do pastoreio ou roubar; ouvi grandes feitos de roubos, actos de coragem no seu entender.
Do Cunhangâmua ao Kuvale, a pedra do trovão, nesse tão único lugar mítico truou. Acordei aturdido às margens do Arade, um rio do Puto no lugar de Porto-à-mão (Portimão). Háka!
Kota Muíla
“Há quem viva entoando, dos batuques a oração, há quem nunca esqueça o chão, os cheiros do coração”.
Hoge estou promovido. De candengue a Kota; de kota a Século.
Glossário:
Bissapas - arbustos; Muxito - tufo de mato; M´fumu - chefe, homem de respeito; T´ximpaca - cacimba de água de chuva; Kizomba - festa com álcool; Bulunga - bebida suave fermentada de massambala; T´chingange - feiticeiro, cobrador de impostos e jurista auxiliar do soba; Kimbanda - médico tribal; Candengue - rapaz; Cafeco – catorzinha, menina virgem; Cabaço - virgindade; Kuvale - zona do sul (Angola); Soba - Chefe tribal de mando quase absoluto, rei da tribo; N’haneca - mulher da zona do Cuvelai(Lubango); Século - mais velho, muito kota; Háka - porra, caramba.
(… Continua)
O Soba T`Chingange
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