FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
O Branco T’Chingange
Hoje lembrei-me de desfragmentar o meu disco afim de dar arrumo a todas as mukandas do ego-consciente e, corri tão rápido que, as quinambas desconseguiram acompanhar a velocidade desse mundo de pensamento alambazado.
Nesse espaço de lembranças cacimbadas em odor de tamarindo e gajája, o branco kandengue que era eu, estava lá longe, no Puto; teria os meus seis anos quando fui tirar a minha primeira fotografia. A caminho do fotografo, minha mãe reparou que tinha um escuro de tição no rosto e, ali,
A fotografia tirada naquela máquina caixote, com manga preta de esconder susto, parece agora, ter andado num tornado castanho de fúria amarela pontilhada a cagadelas de mosca.
O relâmpago daquela coisa susteve-me os últimos soluços. Desconsegui saber que já era hiena antes de saber que bicho era esse.
Depois foram os apitos roucos dum barco que se afastava dum cais de nome Sodré e, muitas casas com luzes e água, muita água balouçando o azul na linha de horizonte; uns peixes brincavam voando antes e depois duma linha festejada mas que não cheguei a ver. A linha chamava-se equador!
Por força das circunstâncias, coisa que me transcendia, atravessando o atlântico num vapor de nome Uíge tornei-me kamunndongo.
Vim a saber depois que, aquela foto, era para anexar a uma carta de chamada que o meu pai tinha mandado de Lucala; a companhia marítima de nome Colonial teria de a apensar ao processo da família.
Luanda estava ali mesmo, ai-iu é!
De pé n’areia calcorreei as encostas dos musseques com o Pica mulato (agora é oficial superior do glorioso EM), o Aninhas preto mais o Batalha cafuso. Sem sabermos, construíamos todos os dias uma descolorida amizade, impregnada duma vivência que o tempo dissolveu por ideias ou ideais.
Naquela foto de menino do Puto (Besugo), eu não tinha verdadeiramente uma cor de gente; era assim como um boneco com umas calças de ganga grosseira, sarapintado de manchas a descair sobre uns sapatos tipo tamancos; vendo-a, amarelecida, podia passar por uma cor de pele das que os meus amigos tinham.
Pica, Aninhas e Batalha, duvidavam que eu fosse mesmo branco! Subia ao coqueiro com a mesma agilidade deles, matava sardões com a mesma pontaria de fisga e tinha o mesmo jeito para apanhar rabos-de-junco, celestes e januários nas lagoas do Futungo ou Belas.
Num dia de inspirada arte, com muito jeito, pintei de branco a minha t’xipala.
Após uma investida de valentia no quintal do Malhoas ás maças da índia, gajájas e goiabas, mostrei a dita foto à turma dos “salta muros”; a minha turma!
Seguiram-se risadas desconformadas.
Foi um chinfrim que trespassou o silêncio muito para além do Almeida das Vacas, o rio seco, as bananeiras. Aquele riso não era verdadeiramente de alegria; era, isso sim, um misto de valentia lambuzada a medo.
Pica, pulou de macaquice chamando-me de T’Chingange da Manhanga.
T’chingange?!
Mais tarde, fiquei a saber que aquela figura, T’Chingange, era gente de verdade; pintados com argila branca ou cal,, no terreiro do kimbo, pulavam como que possuídos, lançando agoiros e maus olhados de quem não nutriam simpatia ou eram devedores ao Soba.
Os T´Chinganges quando não pintavam o rosto, tapavam-no com uma grande máscara de madeira e, às vezes, surgiam empoleirados em antas, que lhe davam um porte de mistério superior; vindos do mato, chocalhavam guizos atados às quinambas.
T’Chingange era por assim dizer simultãneamente advogado e polícia, pois vergastava com rabo de boi os desviados das condutas ditas correctas. Castigava as esposas infiéis, provocava as chuvas ou desviava outras influências por feitiçaria não reconhecida, levando o terror aos libertinos
A partir daquele dia os meus amigos passaram a respeitar-me d´uma forma medrosa, tudo porque as tradições diziam cobras e lagartos dos T’Chinganges e eu, naquela foto, parecia ser isso mesmo!
Naquele tempo perfumávamo-nos de ignorância atrás do carro da tifa chamando de monangamba aos trabalhadores da recolha do lixo.
Hoje, longe no tempo recordo o besugo alegre que fui em terras do além-mar após cara lambida a cuspo por minha mãe; como se fosse uma cria de cheetah ou hiena.
Glossário:
T’Chingange - um misto de feiticeiro, justiceiro, advogado do diabo (de quem se tem medo); quinambas - pernas; mokanda - carta; Puto - Portugal; kandengue - moço, rapaz; kamundongo- natural de Luanda, rato; rabo-de-junco - pássaro; t’xipala - fotografia (de rosto); Carro da tifa - desinfestação de ruas ou quintais para matar o mosquito e outras pragas; besugo - labrego ou simplório (gíria de Angola); monangamba - trabalhadores sem classificação especial (perjurativo); kimbo – sanzala (planalto central de Angola), povoado
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
MEMÓRIAS PETREFICADAS – 4ª parte
O MUNDO DA DISNEYLANDIA . PARIS
E, Januário Pieter continua:
- Tudo era diferente naqueles tempos (tomara!...). Um dia meu pai teve de ir com os Olandêses atacar Massangano e ficou por lá muitos dias até que no dia de 15 de Agosto de 1649, soubemos dias depois Luanda tinha sido de novo reconquistada aos Olandeses Mafulos por um senhor vestido de ferro, com barbas grandes; se chamava Salvador Correia de Sá e Benevides.
- Os Mafulos renderam-se pensando que os Tugas n´gwetas eram em grande número quando em realidade tinham só quase a metade deles, sem contar com o contingente que tinha ido atacar Massangano no qual estava meu pai Lestienne.
- Meu pai, quando regressou da guerra do mato despediu-se dos Mafulos que foram expulsos de N´Gola. Alistou-se no contingente de tropa Portuguesa, tinha eu então, 23 anos de idade, já estava alambado e tinha dois filhos.
Foi o encontro mais fantástico que ocorreu na minha vida, ali bem perto das cinzas dum homem chamado de Napoleão que fez alterar a ordem no Mundo Europeu repercutindo-se a todos os outros continentes.
Benevides o Luso da Bahia, tal como Napoleão, alterou o futuro de dois continentes e, tudo começou com a criação de São Paulo de Assunção de Luanda.
Ao despedir-me, o Kota Januário segredou-me que já estava farto do Mundo; apetecia engoli-lo, mas antes, queria sentir a sensação de voar como um pássaro e abraçar um avião igual a um daqueles que se alinhavam por cima de nós.
Com Januário, a cidade de Paris ficou com mais luz mas, foi dizendo que a Lisboa do Puto, tem mais sol e Luanda, mais calor.
Tudo acabou como começou, como um suspiro,... como um ai.
Glossário:
-Kota: mais velho; -N´Gola: Angola; -N´Ga: Senhora, Dona; -Tugas: Portuguêses; -Kianda: espírito das águas, feito homem, espírito do Adamastor; -N´Zimbos: conchas, moedas de troca; -Axiluanda: natural da ilha de Luanda, da Mazenga; -Mabanga: bivalve, ameijoa grada; -Kimbanda: médico tradicional, curandeiro e, às vezes feiticero; -T´Chingange: espírito feito homem, zelador dos bons costumes na tribo, guardador do tesouro; -Jagas: chefes guerreiros; -Mafulos: Holandêses, Olandêses; -M´fumos: chefes de circunscrição; -Malavo: vinho de palmeira cassoneira, marufo; -Mwana-pwó: gente branca e poderosa ida do Puto, colonos; -N´Gwetas: brancos no geral, N´dele; -M´Bicas: escravos, peças de venda; -Candengue: petiz, menino, rapazote, pivete; -T´chimbicando: acto de remar com bordão em zig-zag; -N´dongo: canoa; -Quitoto: bebida fermentada; -Kaluanda: natural de Luanda, Kamundongo; -Moamba: prato típico com farinha de fuba ou milho acompanhado de galinha em óleo de palma; -Kimbíjis: Peixe espada; -Cachuxo, (caxuxu): Peixe vermellho tipo red fich; -Mateba: atilho retirado da casca duma palmeira, fibra resistente para atar chinguiços (paus); -Arimo: plantação, lavra na plataforma junto ao rio, n´haca, horta; -Alambamento: casamento por contracto entre familias, união de facto sem papel passado, juntos.
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
MEMÓRIAS PETREFICADAS – 3ª parte
- Os pombeiros e sua tropa ficavam fora por meses, por lá, nos matos da Lunda, Caconda, Quilengues, M´bundo, Ambaca e Lueji; estes são os nomes de que ainda me lembro.
Faço aqui uma pausa ao linguajar de Januário Pieter para fazer referências de acontecidos não referidos por ele e, que a mim, na qualidade de relator compete complementar.
Em Angola, os Holandeses enquanto por lá se mantiveram, só o fizeram junto à costa mantendo o grosso do contingente na fortaleza de São Miguel da Mazenga em Luanda e um pequeno contingente mais a Sul num pequeno forte que construíram na foz do Kwanza. Deste forte vigiavam as entradas naquela embocadura mas, nunca conseguiram consolidar uma governação efectiva. Aquilo era um pavor para os g´wetas Mafulos que morriam em grande numero com paludismo; os mosquitos foram em realidade os maires inimigos destes colonizadores ao ponto de mais tarde se chamar à região do Sumbe o cemitério dos brancos. Ainda se estava longe da descoberta do quinino e os kimbandas recorriam a chá de folha de liamba e umas outras árvores que só eles conheciam.
Os Portugueses levados ao abandono pela governação dos Filipes e porque estes eram inimigos permanentes dos Holandeses, resultou nas tomadas de várias possessões em África e América. Tiveram de se organizar por meio próprio sem recorrer ao Puto e, em Angola, tiveram de se refugiar no forte de Massangano por eles construído. Nesta praça forte, bem armados, nunca chegaram a ser vencidos mesmo tendo como inimigos os reinos da Matamba, do Kongo e os Mafulos. Por desbaratarem as forças muito superiores em gente, da rainha N´Zinga junto ao rio Lucala este forte foi chamado de Nossa Senhora da Victória de Massangano. Os maiores aliados dos Tugas eram os Jagas guerreiros dos Dembos que alinhavam enquadrados com as tropas Portuguesas vestidas de ferro em cima de cavalos; O Cazumbi dos padres em seu pensar, eram talvez o grande motivo desta aliança, crenças de superstição que ainda hoje persistem; A cruz de Cristo foi desde tempos imemoriais a grande fé que levou seus fieis a grandes vitórias. As guerras de kwata-kwata eram enquadradas por guerreiros dos Dembos distinguidos e enaltecidos pelos Tugas.
Muitos filhos de Sobas, Manis e M´fulos subiram na escala social s com os cargos de zeladores de arimos e n´nhacas ou mandados ao Puto para estudar a arte de fazer chuva, saírem padres ou militares-cipaios, auxiliares na guarda de locais administrativos.
Por os índios do Brasil não terem aptidão para o trabalho, os Tugas recorreram à pratica de fazer escravos entre as várias tribos feitos nas sucessivas guerras de África para os enviar ao Brasil, mão de obra no amanho das plantações de cana, sisal, algodão, cacau e café. Franceses, Holandeses, Ingleses e Espanhois seguiram este procedimento nas várias colónias como o Haiti, Costa Rica, Honduras, Curaçau (Coração em Português), Cuba, Guaianas, países do Caribe, Suriname e tantas outras regiões tropicais. Os Estados Unidos da América foram dos últimos a usar a escravidão degradante de negros na apanha do algodão, trato que só acabou depois da grande consternação e repúdio do Mundo pela actuação do Ku-Klux-Klam.
O Mundo moderno partiu da convulsão Social Francesa com a tomada da Bastilha por populares revoltosos que levaram à guilhotina Maria Antonieta e o rei Luís XVI. Desde este centro do Mundo de Paris espande-se o grito de liberdade e conhecimento a ideologias que paulatinamente foram chegando a todos os cantos da Globália.
Volto de novo a enternecer-me às palavras do velho Januário, coisa por demais antigas e gelatinosas que num rapidamente se tornam pedras de estalactites.
Nós, ele e eu, estávamos numa verdadeira gruta, também feitos pedra. Só levantados numa teimosa precaridade; fugindo de tudo e de todos para fazer o tempo passar e esquecer o inesquecível. Ali, nós, eramos as estalagmites.
Quem é que passados 384 anos, está interessado em saber dessas estórias tão cheias de silêncio, esquecendo por querer ou sem raiva de lembrar, sem ferocidade no paladar.
......Continua – 4 ª Parte (última) ......
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
MEMÓRIAS PETREFICADAS – 2ª parte
Aqueles m´fumos, eram emissários da rainha N´Zinga M´Bandi da Matamba e do rei do Kongo Garcia II que, embora sendo cristianizado pelos Portugueses, com eles se desentendeu após a chegada dos Olandêses pois que, estes lhes prometeram mundos e fundos. Eram preparativos duma união para fazerem o grande e final assalto a Massangano. Naquela fortaleza os Tugas resistiam aos Olandêses tapando-lhes as vias de comunicação ao mercado de escravos lá do interior, o mato de que estes Mafulos tinham tanto medo.
Os Mafulos, a todo o custo, queriam manter o negócio das peças m´bikas pois que Pernambuco estava carente de braços para fazer o cultivo da cana de açúcar e fazer andar os engenhos, por isto, mantinham com os Portugueses um quase pacto de negócio mantendo-os como principais fornecedores de peças. Eram as ordens que vinham do Conde Maurício de Nassau a partir de Olinda. A política comercial da Companhia das Índias Ocidentais... o lucro.
Interrogando-me de como era possível aquele velho manter-se tão lucido, agora, um pouco mais refeito da surpresa, resolvi perguntar-lhe como é que seu pai estando do lado dos Olandêses se dava tão bem com os Tugas ao qual, me deu resposta.
- Em verdade, o meu pai que já era tenente (isto já o tinha dito,... uma repetição admissível para um kota tão velho) para além de militar mantinha um negócio de venda, peles, mel, fabrico de cal e peixe seco em salga própria. Por tudo isto não via com bom jeito estrangular o negócio dos Tugas que como ele eram cristãos n´gwetas e parceiros já com algum tempo. Minha mãe N´ga Maria Káfutila de linhagem nobre do reino do Kongo ajudava meu pai na quinda do mercado da paliça vendendo malavo e quitoto ou permutando com os indígenas ou n´gwetas produtos da terra como ginguba e fuba de mandioca. A fuba originava um prato apetecível chamado de funge, um preparo a partir da mandioca. Mais tarde começaram a fazer uso das folhas do pau de mandioca que era passada por cinco fervuras para anular o veneno da coisa e a isto chamaram Saka-saka que impregnada de azeite de palma deu origem ao prato mais típico dos Kaluandas, a moamba. Foram os Portugueses que a levaram do Brasil mas além de tudo isto, havia espelhos, jinguba, catanas, tesouras, ancinhos em ferro e muitas outras bugigangas e utilidades modernas que chegavam do Puto, da Bahia, Pernambuco ou Antuérpia. Os Libongos, uns panos garridos eram os mais apetecidos pois permitia vestirem-se, uma coisa quase inusitada e a que os sobas recorreram como moeda de troca em substituição das conchas de n´zimbos, moeda já de pouca utilidade prática.
- Uma grande novidade era o uso de sapatos feitos em couro de tiras entrelaçadas, e que mereceu atenção especial por parte dos kamondongos alforriados que passaram a proteger seus gretados pés.
- Os Portugueses e Jagas dos Dembos, Kissama e Manhanga eram os principais clientes da família Pieter conferindo-nos um afecto especial de amizade
- No decorrer do tempo, fui ficando mais kota e meu pai ordenou-me que ficasse a tomar conta da salga e seca de peixe seco ajudando nas contas o capataz, cafuzo da Mazenga de nome Beto Feliz mas, um pouco matumbo. Os pescadores saíam nos n´dongos a pescar, dia sim dia não; apanhavam kimbijis, carapaus e caxuxos que eram depois escalados em mesas compridas feitas de paus espetados na areia e ligados com ataduras de mateba; depois passavam para umas celhas de salmoura aonde ficavam algum tempo sendo depois levadas em quindas para outras mesas aonde permaneciam ao sol até ficarem com alguma dureza. Após todo aquele processo, uma parte era posto à venda na loja da mãe Maria e uma outra, era enfardado com atilhos de mateba ou piteira e guardadas em uma casa até que os pombeiros e suas tropas o levassem. De tempos a tempos organizavam saídas ao mato formando filas enormes com m´bikas transportando à cabeça esses fardos pesados além de outras mercancias como panos libongos e aguardente do Puto a serem trocados por escravos.
......Continua – 3ªParte ......
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
MEMÓRIAS PETREFICADAS . 1ª PARTE
Januário Pieter, de corpo frágil, carregado de maleitas e reumático, justificava a existência alongando-se mais para além do previsível; solitário, a única coisa que lhe sobra avondo é a memória, uma porta aberta aonde o passado entra sem uma ordem cronológica como sonhos que se baralham e desfazem entre nuvens cirrosas.
Com devaneios de velho perene, diz que em tudo pode pensar e, de tudo pode falar sem os caprichos de legitimidade na sua vida, agora que está no momento mais próximo de a deixar. Um agora suprimindo o tempo e, sem retorno.
Jablines-Annet, Ile de France em Seine e Marne, a trinta e cinco quilómetros de Paris. Ali estava este velho senhor, sentado, embevecido entre cânticos de pássaros e gemidos de rolas na clareira dum bosque de frondosos e altos choupos e plátanos. Olhava o ar riscado por aviões saindo de Orly a Sul e, que em fila, cortavam as nuvens num céu baço em mês de Julho.
Num pandemónio de interjeições apercebi-me que aquele velho mulato, gargarejava um português arcaico, do tempo dos arcabuzes entremeado com dialeto Kimbundo. Apurei melhor o ouvido e pude perceber que falava dum lugar por demais longínquo, do mesmo lado de onde vinham os aviões. Puxei conversa e, ao perguntar-lhe a idade fiquei confuso, tinha trezentos e oitenta e quatro anos, acrescentando ter nascido num lugar agora conhecido por Cabo Ledo mas que nesse então se chamava de Kissama.
Encantado e estupefeito, simultâneamente, ouvi a crioulagem do velho senhor; aquele linguajar tinha algo a ver comigo. O kota Pieter veio até aqui na peugada da sua própria estória, descobrir a origem de seu pai francês, olho azul que daqui saiu como mercenário aventureiro juntando-se aos flamengos que o levaram primeiro para o Brasil e, depois para as terras de N´gola aonde conheceu minha mãe N´ga Káfutila. Tinha saído à aventura do seu torrão natal “Pays des Landes” e, sempre com o sentido de fazer riqueza fosse aonde fosse, fugiu da alçada de seu pai com a idade de “quinze annés” até á costa do Atlântico e, no porto de La Rochelle embarcou como aprendiz de marujo acontecendo que no porto de Amsterdam foi aliciado a cruzar os mares pago pela Companhia das Índias: Este empório tinha a finalidade de fazer riqueza aonde quer que fosse nesses novos mundos, tão vastos, que seus descobridores Tugas e Espanhois, não tinham como os controlar. Espanha e Portugal tinham agora um potencial concorrente na disputa de um tratado feito em Tordesilhas; o explendor da Ibéria com a conivência do Papa estava condenado ao desrespeito por novas potências emergentes por novas fusões de reinos e ambições dos novos senhores do conhecimento.
Era o máximo de um sonho,... uma kianda.
Belisquei-me para ter noção de estar vivo e, doeu-me, logo, estava vivinho da costa e,... falando com alguém do tempo dos n´zimbos, libongos, das guerras de kwata-kwata e dos jagas guerreiros.
Penso,... este kota é uma kianda antiga, só pode ser!... e, deixo-o falar narrando coisas do antigamente, da sua vida, mambos longínquos com soldados Mafulos, ondas revoltas da embocadura do rio Kwanza, a praia distante, guerras confusas com Tugas n´gwetas e gente da rainha N´Zinga, com baços personagens secundários do distante Kongo do Zombo, de terras de Kassange e da Matamba.
Pieter, o velho axiluanda, vai falando:
- Um dia, eu, com catorze anos, marisquei mabanga na Samba e, por ali passei uns dias por ordem de meu pai Lestienne Pieter, Francês do Pays des Landes. Juntamos muitas cascas e lenha fazendo um grande monte, queimamos a lenha e cobrimos com areia molhada. O monte, três dias depois, ficou num pó branco.
- Na sanzala houve festa; kimbandas e t´chinganges pintaram-se com aquele pó. Pisotearam em dança a terra e, levantando poeira encorajavam kotas, jagas, sobas e m´fumos que iam chegando em alvoroço dos Dembos e um mais além do Kassange. De mão em mão iam passando cabaças com malavo de cassoneira e a cada grito dado pelos dançarinos guerreiros o povo gritava kwata mwana-pwó, kwata mwana-pwó. Era a preparação duma guerra contra os Tugas n´gwetas refugiados em Massangano.
Pieter explica:
- Meu pai era um soldado às ordens dos Mafulos que estavam na posse de Luanda; Tomava conta da manutenção, apetrechamento de viveres e materiais de construção como aquele pó branco que não só pintava caras de guerra como cubatas de brancos. Nestas casas cobertas a capim, as paredes eram feitas em barro afagado com uma mistura de argila, capim e aquele pó a que os n´gwetas chamavam de cal.
- Em verdade, o meu pai que já era tenente, mandava os escravos m´bikas do kimbo fazer estas tarefas de queimar cascas de mabanga para fazer cal e eu, candengue, por ali andava entretido t´chimbicando em n´dongos entre os mares parados da Corimba e o Morro dos Imbondeiros. Hoge têm nomes de Fotungo, Belas, Barra da Lua e Veados.
......Continua.....
O Soba T´Chingange
Que interesses económicos se movem por detrás da gripe porcina???
No mundo, a cada ano morrem milhões de pessoas vitimas da Malária que se
podia prevenir com um simples mosquiteiro.
Os noticiários, disto nada falam!
No mundo, por ano morrem 2 milhões de crianças com diarreia que se poderia
evitar com um simples soro que custa 25 centimos.
Os noticiários disto nada falam!
Sarampo, pneumonia e enfermidades curáveis com vacinas baratas, provocam a
morte de 10 milhões de pessoas a cada ano.
Os noticiários disto nada falam!
Mas há cerca de 10 anos, quando apareceu a famosa gripe das aves…
…os noticiários mundiais inundaram-se de noticias…
Uma epidemia, a mais perigosa de todas…Uma Pandemia!
Só se falava da terrífica enfermidade das aves.
Não obstante, a gripe das aves apenas causou a morte de 250 pessoas, em 10
anos…25 mortos por ano.
A gripe comum, mata por ano meio milhão de pessoas no mundo. Meio milhão
contra 25.
Um momento, um momento. Então, porque se armou tanto escândalo com a gripe
das aves?
Porque atrás desses frangos havia um “galo”, um galo de crista grande.
A farmacêutica transnacional Roche com o seu famoso Tamiflú vendeu milhões
de doses aos países asiáticos.
Ainda que o Tamiflú seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou
14 milhões de doses para prevenir a sua população.
Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas
farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de
lucro.
-Antes com os frangos e agora com os porcos.
-Sim, agora começou a psicose da gripe porcina. E todos os noticiários do
mundo só falam disso…
-Já não se fala da crise económica nem dos torturados em Guantánamo…
-Só a gripe porcina, a gripe dos porcos…
-E eu pergunto-me: se atrás dos frangos havia um “galo”… ¿ atrás dos
porcos… não haverá um “grande porco”?
A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflú. O
principal accionista desta empresa é nada menos que um personagem sinistro,
Donald Rumsfeld, secretario da defesa de George Bush, artífice da guerra
contra Iraque…
Os accionistas das farmacêuticas Roche e Relenza estão esfregando as mãos,
estão felizes pelas suas vendas novamente milionárias com o duvidoso
Tamiflú.
A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da
saúde.
Não nego as necessárias medidas de precaução que estão a ser tomadas pelos
países.
Mas se a gripe porcina é uma pandemia tão terrível como anunciam os meios
de comunicação.
Se a Organização Mundial de Saúde se preocupa tanto com esta enfermidade,
porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza o
fabrico de medicamentos genéricos para combatê-la?
Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos
genéricos gratuitos a todos os países, especialmente os pobres. Essa seria
a melhor solução.
JAMBA (Por Terras de Vera Cruz)
Segunda-feira passada, a meio da tarde, faço a A-6, em direcção a Espanha e na companhia de uma amiga estrangeira; quarta-feira de manhã, refaço o mesmo percurso, em sentido inverso, rumo a Lisboa. Tanto para lá como para cá, é uma auto-estrada luxuosa e fantasma. Em contrapartida, numa breve incursão pela estrada nacional, entre Arraiolos e Borba, vamos encontrar um trânsito cerrado, composto esmagadoramente por camiões de mercadorias espanhóis. Vinda de um país onde as auto-estradas estão sempre cheias, ela está espantada com o que vê:
- É sempre assim, esta auto-estrada?
- Assim, como?
- Deserta, magnífica, sem trânsito?
- É, é sempre assim.
- Todos os dias?
- Todos, menos ao domingo, que sempre tem mais gente.
- Mas, se não há trânsito, porque a fizeram?
- Porque havia dinheiro para gastar dos Fundos Europeus, e porque diziam que o desenvolvimento era isto.
- E têm mais auto-estradas destas?
- Várias e ainda temos outras em construção: só de Lisboa para o Porto, vamos ficar com três. Entre S. Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, não há nenhuma: só uns quilómetros à saída de S. Paulo e outros à chegada ao Rio. Nós vamos ter três entre o Porto e Lisboa: é a aposta no automóvel, na poupança de energia, nos acordos de Quioto, etc. - respondi, rindo-me.
- E, já agora, porque é que a auto-estrada está deserta e a estrada nacional está cheia de camiões?
- Porque assim não pagam portagem.
- E porque são quase todos espanhóis?
- Vêm trazer-nos comida.
- Mas vocês não têm agricultura?
- Não: a Europa paga-nos para não ter. E os nossos agricultores dizem que produzir não é rentável.
- Mas para os espanhóis é?
- Pelos vistos... Ela ficou a pensar um pouco e voltou à carga:
- Mas porque não investem antes no comboio?
- Investimos, mas não resultou.
- Não resultou, como?
- Houve aí uns experts que gastaram uma fortuna a modernizar a linha Lisboa-Porto, com comboios pendulares e tudo, mas não resultou.
- Mas porquê?
- Olha, é assim: a maior parte do tempo, o comboio não 'pendula'; e, quando 'pendula', enjoa de morte. Não há sinal de telemóvel nem Internet, não há restaurante, há apenas um bar infecto e, de facto, o único sinal de 'modernidade' foi proibirem de fumar em qualquer espaço do comboio. Por isso, as pessoas preferem ir de carro e a companhia ferroviária do Estado perde centenas de milhões todos os anos.
- E gastaram nisso uma fortuna?
- Gastámos. E a única coisa que se conseguiu foi tirar 25 minutos às três horas e meia que demorava a viagem há cinquenta anos... - Estás a brincar comigo!
- Não, estou a falar a sério!
- E o que fizeram a esses incompetentes?
- Nada. Ou melhor, agora vão dar-lhes uma nova oportunidade, que é encherem o país de TGV: Porto-Lisboa, Porto-Vigo, Madrid-Lisboa... e ainda há umas ameaças de fazerem outro no Algarve e outro no Centro.
- Mas que tamanho tem Portugal, de cima a baixo?
- Do ponto mais a norte ao ponto mais a sul, 561 km. Ela ficou a olhar para mim, sem saber se era para acreditar ou não.
- Mas, ao menos, o TGV vai directo de Lisboa ao Porto?
- Não, pára em várias estações: de cima para baixo e se a memória não me falha, pára em Aveiro, para os compensar por não arrancarmos já com o TGV deles para Salamanca; depois, pára em Coimbra para não ofender o prof. Vital Moreira, que é muito importante lá; a seguir, pára numa aldeia chamada Ota, para os compensar por não terem feito lá o novo aeroporto de Lisboa; depois, pára em Alcochete, a sul de Lisboa, onde ficará o futuro aeroporto; e, finalmente, pára em Lisboa, em duas estações.
- Como: então o TGV vem do Norte, ultrapassa Lisboa pelo sul, e depois volta para trás e entra em Lisboa?
- Isso mesmo.
- E como entra em Lisboa?
- Por uma nova ponte que vão fazer.
- Uma ponte ferroviária?
- E rodoviária também: vai trazer mais uns vinte ou trinta mil carros todos os dias para Lisboa. - Mas isso é o caos, Lisboa já está congestionada de carros!
- Pois é.
- E, então?
- Então, nada. São os especialistas que decidiram assim. Ela ficou pensativa outra vez. Manifestamente, o assunto estava a fasciná-la.
- E, desculpa lá, esse TGV para Madrid vai ter passageiros? Se a auto-estrada está deserta... - Não, não vai ter.
- Não vai? Então, vai ser uma ruína!
- Não, é preciso distinguir: para as empresas que o vão construir e para os bancos que o vão capitalizar, vai ser um negócio fantástico! A exploração é que vai ser uma ruína - aliás, já admitida pelo Governo - porque, de facto, nem os especialistas conseguem encontrar passageiros que cheguem para o justificar.
- E quem paga os prejuízos da exploração: as empresas construtoras?
- Naaaão! Quem paga são os contribuintes! Aqui a regra é essa!
- E vocês não despedem o Governo?
- Talvez, mas não serve de muito: quem assinou os acordos para o TGV com Espanha foi a oposição, quando era governo...
Que país o vosso! Mas qual é o argumento dos governos para fazerem um TGV que já sabem que vai perder dinheiro?
- Dizem que não podemos ficar fora da Rede Europeia de Alta Velocidade.
- O que é isso? Ir em TGV de Lisboa a Helsínquia?
- A Helsínquia, não, porque os países escandinavos não têm TGV.
- Como? Então, os países mais evoluídos da Europa não têm TGV e vocês têm de ter?
- É, dizem que assim entramos mais depressa na modernidade. Fizemos mais uns quilómetros de deserto rodoviário de luxo, até que ela pareceu lembrar-se de qualquer coisa que tinha ficado para trás:
- E esse novo aeroporto de que falaste, é o quê?
- O novo aeroporto internacional de Lisboa, do lado de lá do rio e a uns 50 quilómetros de Lisboa. - Mas vocês vão fechar este aeroporto que é um luxo, quase no centro da cidade, e fazer um novo?
- É isso mesmo. Dizem que este está saturado.
- Não me pareceu nada...
- Porque não está: cada vez tem menos voos e só este ano a TAP vai cancelar cerca de 20.000. O que está a crescer são os voos das low-cost, que, aliás, estão a liquidar a TAP.
- Mas, então, porque não fazem como se faz em todo o lado, que é deixar as companhias de linha no aeroporto principal e chutar as low-cost para um pequeno aeroporto de periferia? Não têm nenhum disponível?
Temos vários. Mas os especialistas dizem que o novo aeroporto vai ser um hub ibérico, fazendo a trasfega de todos os voos da América do Sul para a Europa: um sucesso garantido.
- E tu acreditas nisso?
- Eu acredito em tudo e não acredito em nada. Olha ali ao fundo: sabes o que é aquilo?
- Um lago enorme! Extraordinário!
- Não: é a barragem de Alqueva, a maior da Europa.
- Ena! Deve produzir energia para meio país!
- Praticamente zero.
- A sério? Mas, ao menos, não vos faltará água para beber!
- A água não é potável: já vem contaminada de Espanha.
- Já não sei se estás a gozar comigo ou não, mas, se não serve para beber, serve para regar - ou nem isso?
- Servir, serve, mas vai demorar vinte ou mais anos até instalarem o perímetro de rega, porque, como te disse, aqui acredita-se que a agricultura não tem futuro: antes, porque não havia água; agora, porque há água a mais.
- Estás a dizer-me que fizeram a maior barragem da Europa e não serve para nada? - Vai servir para regar campos de golfe e urbanizações turísticas, que é o que nós fazemos mais e melhor. Apesar do sol de frente, impiedoso, ela tirou os óculos escuros e virou-se para me olhar bem de frente:
- Desculpa lá a última pergunta: vocês são doidos ou são ricos?
- Antes, éramos só doidos e fizemos algumas coisas notáveis por esse mundo fora; depois, disseram-nos que afinal éramos ricos e desatámos a fazer todas as asneiras possíveis cá dentro; em breve, voltaremos a ser pobres e enlouqueceremos de vez. Ela voltou a colocar os óculos de sol e a recostar-se para trás no assento. E suspirou:
- Bem, uma coisa posso dizer: há poucos países tão agradáveis para viajar como Portugal! Olha-me só para esta auto-estrada sem ninguém!
Miguel Sousa Tavares, jornalista,
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