5º encontro com a kianda . o pacto de sangue
Os seguranças de serviço levaram-nos direitinhos à única entrada exterior do Palácio Nazarie.Tratados como mustáfas por via da indomentária de Januário Pieter, o espanto fez-nos sentir os maiores previligiados. A partir daqui rodávamos a cabeça em todos os sentidos observando toda a beleza daquele conjunto palaciano com quarteis, estábulos, mesquitas, escolas, banhos, cemitários e jardins.
O Palácio dos Nazaries, é em verdade um conjunto de residências principescas sem fachada, sem alinhamento de salas, com passeios e jardins interiores de grande frescura. Pode adivinhar-se as forças ingrávidas de arcos com paredes furadas de renda; portas, janelas e arcadas por onde a luz penetra na medida certa e, aonde parece não haver gravidade.
Foi no Pátio dos Leões, a sala privada do Sultão em que eu T´Chingange e Pieter selamos o nosso pacto de sangue. Tinhamos em frente um belo claustro formado por muitas colunas, o lugar mais Pambu N´gila de todos os lugares aonde estivemos antes. Este sítio era em verdade um sem número de flocos dourados caídos do Duilo e, foi ali que ambos picamos o centro da palma da mão esquerda de onde saíu uma bolha de sangue. Eu T´Chingange cuspí na mão esquerda de Pieter dissolvendo-se no sangue e ele fez o mesmo na minha mão esquerda; com a mão direita ambos acariciamos as cabeças dos leões e ,eu primeiro e depois Pieter, desferimos com a direita em cutelo na mão esquerda do outro um enérgico movimento fazendo chispar sange e cuspo no ar. Teve de ser ali porque o leão que pela boca deita água simboliza o Sol da qual brota a a vida. Os doze leões, são os doze Sois do Zodiaco, os doze meses que na eternidade existem
Januário Pieter falou de que quando ficasse um antigamente, de mais tarde, eu um mais candengue, me iria recordar deste selo de Mano-Kilombelombe enquanto ele, lá na ilha da ensandeira do Kwanza, recordaria os espíritos dos M´fumos Kia-Samba e Manhanga como um minkinsi.
Pieter recordava as minhas próprias brincadeiras com os candengues no mar da Samba, os pactos de amizade feitos a cuspo e bisgo da mulemba nos suburbios da Lua. A Kianda Pieter sabia tudo! Sukuama!
- Deixa só, “ N´Zambi a tu bane n´guzu mu kukaiela”, Deus dá-nos força para seguir, disse eu batendo dedos no ar enxotando maus olhados.
Glossaário:
Pambu N´jila: - Agente de ligação entre o espaço físico e o místico; lugar de veneração ou peregrinação; Lugar predilecto Duilo: - Céu (em um amiente de espíritualidade)
kalunga: - espírito forte, divindade ou espírito das águas, iemanjá, mar, água no geral
Mano-Kilombelombe: - Mano-Corvo, Uma fusão de homem com pássaro do tipo Kwetzal ( México)
M´fumos : - Chefes
Samba: - Lugar ente a Quissala e Futungo (Belas da Luanda de antigamente)
Manhanga: - Bairro da Maianga, lugar de cacimba
Amazulu: - Dialeto Zulu
Minkisi: - agente de ligação entre o físico e o místico, tem poder nos elementos da natureza, (faz chover, faz trovoada), gente com mau-olhado
Sukuama!: - Caramba!; poça!; Cós diabos; Porra!
Bisgo: - Resina de mulemba usado para apanhar pássaros,da mulembeira (árvore de grande porte que dá uns figos pequenos)
Lua – Diminutivo de Luanda
(Continua ... Alhambra de Granada VII)
O Soba T´Chingange
GOMERA . Ilha Colombina
Querendo ou não, não podemos ficar indiferentes ou alhearmo-nos da noticia do que nos cerca e, relegarmo-nos para um lugar do nada, sitio de extrema apatia aonde nada floresce.
Em Gomera, estive no meio dum bosque de laurissilvas, parque património mundial e, no cume da montanha no meio de intenso nevoeiro lembrei-me das estórias de meter medo que meu pai contava aos serões; estórias de lobisomens, bruxas com quem disse ter namorado e ter feito cavalgadas entre pinheiros que se curvavam ao vento dos espíritos.
Nesse então ainda não conhecia a kianda de Cabo Ledo do outro lado da kalunga de nome Januário Pieter.
O livre exercício da escrita é um gozo que todos nós podemos exercitar e, por via desse gosto de empilhar palavras, amassamos estas entre verbos e adjectivos sublimados em gente que respira no dia a dia incertezas, preocupações e outros tormentos.
Entre inebriante inquietude de permeio com algumas alegrias, a nova coisa da escrita torna-se de um investimento gratuito em um bem colectivo. Casuisticamente as coisas sucedem em translado de bicuatas e, descobre-se no meio do mundo ou do nada num lugar distante, cumplicidades.
Quase sem querer, querendo, tornei-me súbdito dum alograma em forma de gente e a quem recorro para falar a homens que se comunicam por assobios circunscritos numa ilha empinada de morros e ravinas. Isto é Gomera!
A comunicação via espírito num lugar daqueles tão arredio a inovações, à mais de quinhentos anos atrás, deu-me o mote das descobertas e os amores de Colombo.
Acostumei os meus leitores a escritos torcidos de invulgaridade e nem sempre respeitando a semântica natural da palavra; a rebeldia no jeito de dizer as coisas desconhecem imperativos e, como me encontrei naquele sitio de aguçada curiosidade, uma gruta de lava
Em Gomera, uma das sete bonitas ilhas que compõem o arquipélago das Canárias tentei entender o que se passou quando da sua descoberta até aos dias de hoje.
O mundo em geral pouco sabe acerca do povo Guanche, mas foram estes os aborígenes que os Espanhóis encontraram quando acharam esta ilha a cerca de 80 quilómetros da costa Marroquina.
Em 1402 Juan de Bettencourt achou a ilha de Lançarote, e passaram quase cem anos até se descobrir as restantes ilhas; constatou-se daí que, entre elas não se fazia navegação por simples desconhecimento dessa mesma gente.
Não obstante os Guanches terem rasgos iguais de fisionomia e costumes similares nas várias ilhas, tinham no entanto diferença no modo de falar; havia palavras idênticas mas, desconheciam-se entre si, o que leva a supor muitos séculos de separação entre eles.
( continua... charruas de corno de cabra - notícia II )
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
Desconsegui saber a verdade
ll CASA DE COLOMBO . Porto Santo
A capitânia de Bartolomeu Perestrelo
Aquela capitânia não era próspera e, porque estava muito desguarnecida, a fome e pirataria assolavam-na constantemente. Antes de 1458, Bartolomeu Perestrelo (pai) morre e a capitânia passa para as mãos da viúva, Isabel Moniz, administradora na menoridade do filho Bartolomeu Perestrelo (Moço). Nesse mesmo ano de
Bartolomeu, o Moço, já maior, no ano de 1473 move uma ação junto de D. Afonso V e consegue recuperar a capitânia tornando-se assim o 3º Donatário da Ilha de Porto Santo voltando assim à linhagem dos Perestrelos.
É a partir de 1476 após o naufrágio de Cristovão Colombo, que este é solicitado por Perestrelo Moço a fazer o transporte de açúcar entre a ilha da Madeira, Portugal e o resto da Europa reforçando assim a sua formação náutica. Sendo Colombo um administrador da Capitânia do Perestrelo Moço no negócio do açúcar conhece, entretanto a irmã deste, Dona Inês Moniz Filipa de Perestrelo, um pouco mais velha e residente no mosteiro feminino de Santos-O-Velho da Ordem de Santiago desde a morte de seu pai.
Cristovão Colombo casa com Filipa Moniz, filha do 1º Donatário em 1479. Desta união nasce um filho em
Na biblioteca, legado do sogro, o já falecido 1º Mandatário, Cristovão Colombo estuda rotas marítimas, mapas, correntes, azimutes e ventos e, sentindo-se sabedor da redondez da terra, propõe à coroa portuguesa chegar às Índias viajando rumo ao Ocidente. Como a proposta é recusada, em 1485 dirige-se a Espanha e oferece seu projeto de navegação aos reis Fernando e Isabel, após conquista de Granada aos mouros; estes, aceitam de bom grado patrocinar a viagem.
(Continua III... Os amores com Beatriz Enriquez)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
matar por devoção
Em 9 de Junho de 1926 na localidade fronteiriça Pernambucana de Água Vermelha, os governadores Carlos de Lima Cavalcanti de Recife e Osman Loureiro deste estado de Alagoas, reúnem-se com os chefes da polícia e, decidem dar andamento ao ali acordado para dar ataque rápido ao banditismo com todas as suas nuances referidas em 3 itens básicos da seguinte forma:
a) - Saneamento do sertão por meio de um plano de rodovias cortando várias direcções.
b )- Controle sobre as canoas nos rios, transporte de armas e munições.
c) - Equipamento de aparelhos de radiotelegrafia para mais fácil localização dos bandos.
Estas medidas a juntar ao controlo e prisão de “coiteiros” veio a causar algum efeito positivo mas, passados 81 anos sobre aquele acordo, a 11 de Janeiro de 2007, pude ouvir e ver imagens pela TV dando conhecimento de quatro assaltos a bancos no estado de Espírito Santo; estes foram feitos com perícia militar, com artefactos de comunicação roubados à própria polícia. Aqueles lugares eram pacíficos, aonde nada fazia prever este acontecimento; houve destruição e mortes numa surpreendente táctica no dizer de um inspector ao repórter da cadeia televisiva.
Mais uma vez e, decorridos uns setenta e nove anos após término do Lampião, surge violência cruel sem o mínimo respeito pela vida. Isto, a juntar às dezasseis mortes recentes por incêndio gratuito a um ónibus na zona urbana de São Paulo, dá para concluir que a “guerra urbana”, recrudesceu e está para ficar. Dentro e fora das prisões os celulares dão prévias e posteriores informações de como actuar e retirar com detalhada programação na actuação.
SOS, … Estamos no meio duma guerra!
O pânico está instalado entre o povo que se submete a uma actuação incestuosa das forças ditas da ordem numa promiscuidade de corruptos políticos e cidadãos que detêm o mando, são gente impoluta aparentemente que, aliados a juristas sem escrúpulos actuam sem castigo; pisando a lei e as consciências, condicionam o cidadão a ter medo da sua própria sombra.
Afinal o que é que mudou no após cangaço?
Logo, logo, quando o governo tem como presidente um homem do povo, Lula da Silva, um homem que na sua saga de sindicalista metalúrgico fez prevalecer a justiça e que chega ao superior posto da nação Brasileira por mais quatro anos (até 2009)... ( e, de novo releito até 2013)
Lula da Silva, como bom profissional, terá de tornear esta peça de guerra e não contorná-la; Não chega querer fazer, é necessário fazer bem feito.
Não basta querer fazer, é forçoso fazer querer.
É um despropósito, este estado de sítio em que, o medo tolhe e escraviza toda a gente.
No decorrer desta escrita (12 de Abril de 2007) a TV Globo, acaba de informar que em Pernambuco foi presa uma seita que formava uma empresa de nome “homicídios, sociedade anónima Lda.” que actuava na região de Caruaru; tinha por missão matar por encomenda, oriunda de empresários locais; em cinco anos de actividade já têm no rol mais de mil mortes.
Em 14 de Abril de 2007 as noticias televisivas fizeram-me ficar de boca aberta, enquanto os mosquitos me atormentavam tentando entrar no espanto, ia ouvindo as descrições da “Operação Furacão”. Quadrilhas infiltradas no poder judiciário, com 5 advogados, desembargadores e até o procurador Geral da Republica estavam implicados numa tramóia de batota com máquinas de caça níqueis e jogo do bicho.
Como se pode imaginar que um Procurador-geral, uma figura de proa, estava metido numa sem-vergonha tão mais gravosa do que um vulgar salteador de encruzilhadas.
O presidente honorário da escola de Samba Beija-Flor, Arito Jorge Guimarães, três delegados da polícia Federal, juízes e empresários ligados ao bingo, foram transportados num avião da Polícia federal para a prisão de Brasília. Foram apreendidos 51 carros de alta cilindrada, dez milhões de Reais, jóias, uns quantos milhares de Euros e 7200 máquinas caça níqueis. Reuniram assim duas toneladas de documentos comprometedores de todas aquelas figuras de suposto respeito.
( Continua... Cangaço moderno... XXI)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
Cristovão Colombo e as Ilhas de Porto Santo e Gomera
Vamos esmiuçar superficialmente esta globália.
Do reconhecimento oficial de Porto Santo em 1418 até à chegada à ilha Tanegashima em 1543 percorre-se mais de um século de abertura ao mundo, uma esperiência pioneira de globalização até um extremo oriental nunca sonhado. Sucede que àquela ilha vai parar uma estante de missal Japonesa do periodo Edo, início do século XVII que serve a rituais liturgicos católicos com uma arte que então se chamava de Namban. Os Namban não era senão os bárbaros do sul, os estrangeiros exóticos, os portuguêses que de elmo à cabeça, vestidos de ferro e latão dourado levavam uma cruz processional de bronze dourado; hábitos de militares e conquistadores na força da fé cristã.
Tem mais: - O Tratado de Tordecilhas estabelecido em 1494 dividindo o mundo entre as duas maiores potências do Ocidente era proposto por Portugal a divisão do mundo por uma linha merediana passando 370 léguas (
Cristovão Colombo (1451-1506), o Genoves, desde cedo dedica-se á arte de navegação e, em 1476 seu navio precário naufraga na costa portuguesa salvando-se a nado. Àvido no contacto com gente conhecedora da arte de marear encontra apoio em Lisboa de um descendente de patricio de nome Bartolomeu Perestrelo Moço; este, presumivelmente seria neto de Filipo Pallastrelli, um comerciante de origem italiana que chegara a Lisboa nos finais do século XIV tornando-se um cavaleiro da casa do Infante D.João e, mais tarde da do Infante D. Henrique. Foi em Portugal que Colombo estudou as rotas maritimas, efeito dos ventos, correntes marítimas e o conceito de terra redonda.
D. Henrique, na qualidade de Mestre da Ordem de Cristo, titular das ilhas, entrega a administração da capitânia de Porto Santo a Bartolomeu Perestrelo (pai) enquanto as do Funchal e de Machico ficam respectivamente entregues a João Gonçalves Zarco e a Tristão Vaz da Teixeira.
Continua...II...casamento com Filipa Moniz)
O Soba T´Chingange
5º encontro com a kianda Januário Pieter
ALHAMBRA
. PÁTIO DOS LEÕES
Estou contente de saber dos meus antepassados, disse Januário Pieter. Agora só quero mesmo ficar no pé duma mulembeira, lá no meu kimbo de Cabo Ledo e, de vez em quando subir com os mwenangolas até Muxima ou Massangano a esvoajar minha velhice; ir ao lugar do eco repartido, jangandeando com os maculos, perfurar outras sombras, outras kiandas desastradas que só fazem canvuanza, mesmo.
Pieter dava xinfrim de xoto em cima de mim, falando um amazulu impenetrável, banhos de àgua de defunto dum xova-xitaduma do Maputo; parecia ter saído dum d´jango esfumado em liamba com as lamparinas dum matumbola, que fica mesmo no corpo vazio ocupado por um ilundado; um grande chicoxana, mesmo.
- Mas tu já és uma kianda,...meu! Disse eu falando das minhas verdades.
- É mesmo, mas, no entretanto, é tempo de começar a esquecer e ser esquecido. No futuro, serei lembrado como a kianda n´kuluculu mulungo de toda a kalunga.
Meio dia eram já quase, quando acabando de subir a rampa de “Gomerez” e, estavamos a passar a porta “Puerta de las granadas” quando desviei a conversa para um tás-a-ver de visão árabe, ali aonde que a conversa da manhã nos tinha empurrado nesse linguajar de espíritos,... nos estão esperar dentro deste portão d´Alhambra, lugar de muitas sombras, espantos de califas.
Chegados à “Puerta de
Esta porta aberta dava para uma outra fechada havendo no alto desta um espaço aberto de onde, em caso de cerco, os sitiados de “Al-Hamra”podiam fustigar, arrojando pedras, azeite fervente ou chumbo derretido em cima dos atacantes não dando assim, oportunidade a que forçasse a porta. Esta originalidade da arquitectura Nazaríe explicada por mim a Pieter, fê-lo dar um estalido de lingua no céu da boca:
- Sukwama! Mahezo!, grande muzua! De quilunza mesmo!
Passamos ao lado de “La puerta del Vino” um lugar em que funcionava o mercado do vinho lá pelo ano de 1554 e, era em verdade uma fronteira entre o núcleo militar de “Alcazába” e a cidade medieval aonde, em esse tempo, viviam 2000 habitantes; uma porta policromada num entricado rendilhado.
E, continuei explicando:
- Nesta terra de Árabes, Abd-Allah, instalou-se aqui no ano de 889 e por aqui permaneceram seus seguidores por 603 anos. Sairam ao fim desse todo tempo, quando governava o Califa Muhamad XII da dinastía Nasrí (Nazaríes) no tempo dos Reis Católicos de Espanha e Carlos VIII de França.
Glossaário:
Mwenangola: - Donos de Angola; reis de N´gola
Maculo: - Antepassado
Canvuanzaa: - Confusão; luta; xinfrim
Xinfrim de xoto: - Confusão de bufa; peido doido
Amazulu: - Dialeto Zulu
Xova-xitaduma: - Condutor de cangulo (Moçambique); um monangambé proletário; Condutor de carro de mão
D´jango: - Casa comunitária; forum; sitio de assembleia do povo ou de reunião; sítio só p´ra falar mesmo, ou cachimbar
Mulungo - M´zungo; branco em Zulu
Matumbola: - Morto vivo, uma assombração; um deus-me-livre; alma penada
Ilundado: - Espírito superior
Chicoxana: - Século (Angola); ancião com sabedoria, Kota com suko
N´`kuluculu mulungo: - Deus branco (Zulu)
Al-Hamra: - Alhambra em árabe
Sukuama!: - Caramba!; poça!; Cós diabos; Porra!
Mahezo!: - Tenho dito!
Muzua: - Armadilha; artefacto de prisionar
Quilunza: - Arma de fogo
(Continua ... Alhambra de Granada VI)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
Matar por devoção
MARIA BONITA . MULHER DE LAMPIÃO
11 – CANGAÇO MODERNO – SÉCULO XXI
Passados duzentos anos após o período de Cabeleira, hoje, continua a verificar-se haver insegurança em tudo quanto é sitio; o cidadão anda permanentemente com o credo na boca, com medo e sem esperanças de melhoras perante os muitos crimes de roubo, morte e assaltos, alguns raiando o terrorismo organizado.
As casas são rodeadas de muros altos, com grampos de aço no topo e cerca eléctrica com várias fiadas; as portas são maciças feitas em Jatobá, uma madeira rija, quase pau-ferro.
Lendo o Diário de Pernambuco de 18 de Julho de 1981, deparamos com o alarme de um pai que por via das muitas notícias dava ênfase à notícia do crime com um efeito incentivado. Indignado, escreve para o jornal da seguinte forma: - Aqui, mata-se por devoção porque no entender de muitos, aquele que nunca assassinou pelo menos uma pessoa, humilham-no porque, acham não ter mostrado sua masculinidade...
É preocupante esta epidemia ter prevalecido ao longo dos tempos até aos dias de hoje (Janeiro de 2007). Este estado de sítio, mantêm-se noutros países latino-americanos tais como, a Colômbia, Bolívia, Equador ou Paraguai.
A promiscuidade entre o mundo do crime, políticos e capangas à ordem, ainda é uma realidade no Brasil de hoje. Pude ler, no Jornal de Alagoas de sábado, 2 de Dezembro de 2006 na página A.3 do sector político a notícia da prisão de quatro pessoas acusadas de comprar votos no município de Roteiro no estado de Alagoas; entre estes, estava Jerónimo Oliveira, o presidente da Câmara da cidade e o vereador Elias Bruno; foram presos entre S. Miguel dos Campos e Roteiro numa viatura combí levando nomes de eleitores acompanhados de títulos e secções de votação e ainda um maço com dezenas de santinhos do novo candidato à prefeitura Fábio Jatobá do PTB e, também um maço com notas de cinquenta reais. Acusados de crime de corrupção eleitoral, ficaram sob custódia da polícia Federal e à disposição da justiça; infringiram o artigo 299 do código eleitoral.
Esta nova eleição é feita por antecipação, por morte, a 11 de Setembro, do prefeito de Roteiro em exercício, Eduardo dos Santos do PMDB; ele e mais dois assessores foram mortos em uma emboscada na estrada vicinal entre S. Miguel dos Campos e Roteiro quando regressavam de actividades no Município.
Na disputa da nova eleição a prefeito, ficaram Fábio Jatobá (PTB), Damião Amâncio (PMDB), Ironaldo Melo (PT do B) e Edvaldo Rufino (PSB); Quem destes ganhar, assume de imediato as funções sem segundo turno. Sendo estes candidatos os principais interessados pela morte do anterior prefeito pergunta-se: - Qual a diferença de trato no mando e acção em relação há cem anos atrás?
A notícia por Televisão dá informe de que foi imposta a lei seca por 48 horas e o tribunal Superior Eleitoral enviou para a cidade um aparato policial configurando um cenário de guerra a saber. – Cem policiais militares, vinte polícias de investigação civil, seis investigadores da Polícia Federal e cinquenta homens do exército, totalizando 176 homens e, um helicóptero da Polícia Militar.
Alem deste exército foram deslocados para Roteiro homens do Táctico Integrado de Grupo de Resgate Especial (TIGRE), e, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE), a fim de fazer varreduras de intimidação.
Veja-se em todo este conjunto de informação o desperdício de verbas para impor uma operação cívica de primária acção em democracia moderna.
O medo latente na cidade, levou a que o presidente do tribunal desembargador José Fernandes Lima Sousa, determinasse que todos aqueles corpos policiais ficassem no local até depois do apuramento do resultado.
A notícia referia ”haver peixe grande” no processo.
Não adianta pormenorizar mais este relato pois que só é relevante falar dos contrastes. O homem eleito foi Fábio Jatobá apoiado pelos deputados estaduais Cícero Ferro e João Beltrão do MD, peixes grandes da política Alagoana.
( Continua... Cangaço moderno... XX )
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
5º encontro com a kianda Januário Pieter
COLÓNIA DE SACRAMENTO . URUGUAI
Januário Pieter o excêntrico fora de tempo, saudou-me pela segunda vez só que, em amazulu com um samboniani. Recordando-me de tal saudação respondi um kunjani, meu.
- E, porquê tudo isto? Interroguei-o enquanto sinalizava em gesto, o seu aspecto.
- Porque venho de visita aos mustafás de Alhambra. Tinha de condizer com os meus antepassados mouros a estes mulungos.
- E para quê, essa adaga aí na cintura? Perguntei.
- Para respeitar as tradições antigas, homem sem arma não é ninguém e eu, não atravessei a kalunga para fazer má figura. Tambem é uma homenagem aos meus mestres de Toledo, acrescentou.
Depois de todas estas explicações sentou-se. Mandou-se vir uma taça de tinto “rioga”e umas quantas chamussas, pois o senhor kianda extra-planetário, estava com uma fome de leão da anhara.
- Afinal, encontraste resquícios de teus familiares mulungos dinossauros? Perguntei eu com uma intimidade um tanto abusiva.
- Pois! È assim,... vou-te contar tudo: - Meu tio Antoine, o mais candengue, dedicou-se à igreja, foi para padre; esteve com meu pai Lestienne em Burgos a trabalhar nos jardins de “Cartuja de Miraflores” mas, depois roçou madraçamento pelas sacristias do convento até que num dia seguiu integrado numa comissão-à-doca de regulamentar segurança aos peregrinos e as novas visões da estrela-polar. Depois de muitos anos tomando conta de seus fieis e a guarda do incensário da catedral, morreu sem deixar herdeiros. Tenho de lá ir, a Santiago de Compostela rogar preces à sua memória e assim ficar tranquilo na minha missão de kianda itinerante da Globália.
Interrompi a descrição de Pieter para lhe mostrar vontade de por lá, em Santiago, nos encontrarmos de novo e, juntos decifrarmos coisas tão ligadas ao Puto, mais o “bota fumeiro” e a majestade daquele Pambu N´gila daquele lugar com ligação à nossa N´gola pelos seus símbolos; n´zimbos na forma da concha vieira, uma mabanga diferente das nossas kalungas.
- É uma boa. Eu mesmo te vou falar das imbambas cassumbuladas no nosso povo, nesse antigamente e nesse mesmo ali. Combinado, meu!
E, Pieter continuou sua descriminação:
- Meu pai, como já sabes, esteve em Pernambuco com Maurício de Nassau embarcando mais tarde para Loanda do reino N´gola com os Mafulos, casou com a minha mãe N´ga Maria Káfutila e, mais tarde, ficou como mercenário às ordens dos Tugas com Sá e Benevides, um rico comerciante de escravos. O resto já te contei, não vale a pena recordar por agora.
Josué Pieter, o 3º mais velho dos meus tios, ficou no “Pais de Landes” tratando de vinhedos em “Vignobles Vallee du Loir” e, por lá deixou muitos primos.
O 4º tio mais velho de nome Souston, ficou nos arredores de Paris roçando a vida em “Jablines du Marne”, lugar aonde nós nos encontramos pela primeira vez.
O quinto tio, Charles Pieter, o mais velho de todos, seguiu o rumo de Burgos em “Leon e Castilla” como Lestienne e Antoine mas, singrou para Toledo aonde se tornou um homem de armas, vindo a ser mais tarde um militar da armada de “La Mancha e Andaluzia”. Foi em “Puerto de Santa Maria”, perto de Cádiz que pelo rio Guadalquivir, saiu numa armada de soberania às novas terras Espanholas de América.
Seguindo escritos antigos, soube que já como capitão dos mares, avançou na descoberta de novos cerros de prata “puesto arriba” do rio da Prata; acabou por ficar num lugar conhecido de Sacramento, perto de Montevideu dedicando-se ao negócio de gado bovino e muares formando tropa de tropeiros, que transportavam mercadorias através dos matos ou vendendo charque aos novos colonos de Cisplatina e Rio Grande do Sul. Por lá deixou uma prole de primos matutos cujos descendentes governam agora o Uruguai. A história deste tio é comparada à do meu pai porque também atravessou a kalunga grande para fazer fortuna. Havia uma lendária “Sierra de la Plata” de nome Potossi procurada desde inícios do século XVI por Alego Garcia e sebastião Caboto. Em 1611, quase cem anos depois, Potossi era já a maior mina a céu aberto produtora de prata do mundo; nesse então já tinha à volta de 150 mil habitantes e, sendo o lugar mais rico do mundo originou uma corrida ao tesouro. Charles Pieter homem de guerra da têmpera de Toledo, ambicioso, seguiu naquela armada a pedido de Juan de Villarroel com expedição a partir de Cádiz e Sevilha conjuntamente com outros conquistadores tal como Nunez Cabeça de Vaca, Domingos Martinez de Iranda ou Juan de Ahumada. Meu tio Charles seguiu para ali em meados de 1615 para compartilhar tesouros de sonho e pilhagens. A Espanha fez-se assim; com a prata que saiu dali, podiam fazer uma estrada física, uma ponte ligando-a à América
- Como meus tios dinossauros, eu e tu (referia-se amim), navegadores da Globália deixamo-nos alfabetizar na vida e prálem dela. É mesmo uma missão de cumprir dever sem ter ordem nem corpo-delito, à-doka no através da estória dos xicululos.
Bolas! Fiquei barafundado naquela sapiência do kota Pieter.
Sentado no meu silêncio mastigando resposta calada, Pieter deu dois passos calçados no meu sobre-consiente. Num cadavez mais eufórico, Pieter falava todas as suas razões.
Eu só disse, simplesmente: - Tá bem meu!
Glossário:
Amazulu: - Dialeto Zulu
Samboniani: - Bom dia; como está (em Zulu)
Kunjani: - resposta a samboniani; tá se bem
N´zimbo: - concha, dinheiro antigo do reino de N´gola da ilha Mazenga
Mulungo - M´zungo; branco em Zulu
Adaga: - Punhal em forma de foice usado por muçulmanos
Anhara: - Zona plana e, com plantação rasteira, de clima seco ou semi-desértico e tropical
Pambu N´jila: - Agente de ligação entre o espaço físico e o místico; lugar de veneração ou peregrinação; Lugar predilecto.
kalunga: - espírito forte, divindade ou espírito das águas, iemanjá, mar, água no geral
Mabanga: - Bivalve do tipo ameijoa que sangra vermelho.
Imbambas cassumbuladas: - Coisas roubadas; riquezas arrebatadas; jogo de sacar por toque brusco.
Mafulo: - Holandês em quimbundo; Gente invasora da Companhia das Índias Orientais ou Ocidentais; flamengo.
Tropa de tropeiros: - Exército de condutores de burros (Brasil, Cisplatina); O tropeiro era um viajante das zonas agrestes ou do sertão.
Charque: - Carne de Sol; carne seca (Brasil)
Matuto: - Mestiço; filho de branco e índio.
Xicululo: - Gente de mau-olhado; olhar de lado; gente de dar azar.
N´ga: - Senhora
(Continua ... Alhambra de Granada V)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
ORAÇÕES DE LAMPIÃO
PADRE CÍCERO PAÍNHO DE LAMPIÃO
Minha pedra cristalina que no mar foste achada entre o cálix e a hóstia consagrada, tremo a terra mas não treme Nosso Senhor Jesus Christo. No altar assim treme os coração dos meus inimigos quando olharem para mim eu tibenzo em cruz inão tu a mim entre o sol ialua e as Estrellas as três pessoas distintas da Santíssima trindade meu deus oqui fasso com elles Com o manto da Virgem Maria sou cuberto e com o sangue de meu senhor Jesus, Christo sou valido tens, vontade de atirar porém não atira si mi atirar água pello cano da Espingarda correrá sí estiver vontade de mifura a faca da mão cahira si miamarrar os nós dizatarão e si mitrancar as portas sí abrirão, offiricimento. Salvo fui salvo serei com a chave do sacrário eu me fecho - (1PN, 3AM), mais 3 Glória apatre iofereço a 5 chagas de Nosso Senhor Jesus Christo. BOM LADRÃO Amabilíssimo Senhor Jesus Cristo, … fostes mandado ao mundo para absorver pecados, reunir aflitos, soltar encarcerados, compadecei-vos dos verdadeiros arrependidos, consolas os oprimidos e atribulados, dignai-vos de observar e livrar a mim, … Opois, amabilíssimo Senhor Jesus Cristo, atendei-me também a mim creatura vossa e vinde com presteza em meu socorro em que me vejo, pelas salivas e bofetadas, pelos açoutes que padecestes, pela lança que trespassou o vosso peito, pela coroa de espinhos e pelos cravos, … Digo-te na verdade bom ladrão que estarás comigo no Paraíso Heli, Heli, toma Sabami… Voz me fortaleceste e prometestes de mandá tenham compaixão de mim, Voz me prometestes ainda a vida eterna, … Humildemente vos peço que agora e sempre me defendais do maligno adversário de todos os perigos para que depois da presente vida mereça gozar nas bemaventuranças… Rogo-vos humildemente que me presteis o vosso auxílio para que nenhum inimigo possa causar dano, tanto no caminho como em casa velando ou dormindo, na vida ou na morte … Deus forte + Deus imortal protejei-me Cru de Cristo defendei-me + Em nome do Padre + do filho + e do Espírito Santo + (+, para fazer cruz com a mão direita) Nesta segunda ladainha, pode apreciar-se na forma de alguns verbos aplicados, o Português então usado com as formas arcaicas do genuíno falar do fim do século XVIII e todo século XIX. ( Continua... Cangaço moderno... XIX ) O Soba T´Chingange
5º encontro com a kianda Januário Pieter
Um verdadeiro N´Zambi N´kuluculu
MERCADO DO XIPAMANINE . MOÇAMBIQUE Demos um forte abraço, convidei-o a sentar-se mas ele continuou de pé como a mostrar a sua nova indumentária e postura. O penteado de Januário Pieter era um frizado afro com uma trança a retorcer no cocuruto por uma abertura do seu chapéu, uma quijinga do tipo Cumba-yá-lá tendo uma faixa zulu a contorná-la. Da orelha esquerda pendia um dente de facochero enquanto que a contornar o pescoço havia dois colares formando um conjunto colorido de missangas e n´zimbos; um destes tinha um circulo de madeira de pau preto com um desenho curioso de uma ranhura curva ascendente que entroncava numa helicoide de três circulos num crescendo para a direita e fechando por um cemi-circulo mais alongado indo quase fechar no mesmo sítio de início. Esta enigmática figura, ficou no meu consciente para mais tarde me ser decifrada. Nos pés, trazia umas sandálias em tiras de cabedal e atilhos que se iam amarrar a meio da canela. Vestido, tinha umas calças de vermelho berrante às bolas brancas; nas bolas brancas de forma estilizada aparecia aquele símbulo de curvas em elipse de caracol que quase fechando no mesmo lugar, mais parecia um bico aberto de papagaio. Eu estava estupefeito com tal estilo. Por cima das calças folgadas tinha uma camisa liláz com desenhos na forma de cornos de palanca de cangandala sem cinto a prender, tipo balalaika e, por cima de tudo isto tinha uma espécie de túnica com folhos brancos no fnal de umas largas mangas. Aquela túnica de uma seda especial tinha as cores preta e rubra como a bandeira de Angola e o mais curioso é que tinha em lugar da catana e a roda dentada, a esfinge de josé Eduardo dos Santos. Háka! Eu estafa burro-feito com todo este aparato de n´kondi. Pieter estava um verdadeiro espantalho Xis-pe-te-Ó, super moderno e práfrentex. Até as sandálias estavam feitas em um cabedal firme, reviradas para cima como uma meia lua na forma dum genuino aladino. Aquilo era demais, uma verdadeira mumia rejuvenecida de kalungas encrespadas. Um extra e vistoso camacoza carreagado de zingarelhos. Mas, após a minha mirada, Kianda Pieter falou: - Meu camarada, mano kamba, como estás? Tu, continuas um tipo fixe! Seguiu-se uma pausa sem muxoxo, só por respeito com medo. Pieter mudou mesmo! Arrepiei-me. Que era isto? O kota estava no literalmente. - Sabes meu, rejuvenesci à bessa, uns anos mesmo. Vou até te contar só. - É mesmo! Como foi isso? Perguntei engalfinhado em susto. - È asim, começou ele : - Estive na festa da Muxima, no entretanto esquindivei Kwanza acima, Kwanza abaixo relembrando meus tempos de candengue. Até fui numa rebita mas, mais tarde eu conto só. E Pieter confinuou falando. Tinha muitas mucandas na cabeça para contar. - O mais importante nesta minha vida de matumbola mutalo, passou-se Eu, só abanava a cabeça. E, ao dizer isto pieter, fez um gesto longo com ambas as mãos envoltas nos folhados brancos, de cima abaixo indicava o estafermo de figura excêntrica numa simultânea adoração ao tal N´kuluculo. - Pópilas... Eu, estava feito um plimplau. Glossaário: Quijinga: - gorro de autoridade tradicional Cumba-yá-lá: - ex- governanta da Guiné-Bissau Facochero: - javali preto com dois pares de dentes salientes N´zimbo: - concha, dinheiro antigo do reino de N´gola da ilha Mazenga Palanca: - animal de grande porte e com esguios e longos chifres; simbolo de Angola (Quase em extinção) Cangandala: - local reserva natural em Angola háka: - Irra!,Caramba!, porra! n´kondi: - poder da magia em fetiche, boneco de maldades kalunga: - espírito forte, divindade ou espírito das águas, iemanjá, mar, água no geral camacosa: - maltrapilho kamba: - companheiro, amigo, camarada (de guerra) muxoxo: - sílvido produzido pelos lábios de vento aspirado entre dentes, estupfacto ou sinal de desprezo, sinal de desencanto esquindiva: - fazer revianga, finta, fazer piruetas, bazar dalí candengue: - moço, rapaz, pivete (Brasil), puto (Portugal) rebita: - baila na sanzala ou kimbo, dança de umbigada com as garinas mucanda: - carta, missiva, relatório matumbola: - morto vivo, uma assombração mutalo: - espíritos mortos sem ordem de n´zambi (Deus) muxiloanda/o: - natural de Luanda, camundongo, (quem bebeu água do bengo e apanhou paludismo ainda candengue) minkisi: - agente de ligação entre o físico e o místico, tem poder nos elementos da natureza, (faz chover, faz trovoada), gente com mau-olhado cambuta: - homem baixo, atarracado N´kuluculu: - N´Zambi, Deus na língua Zulu Miama: - preto na língua Zulu Xi-lunguine: - nome aoriginal de Maputo
Pópilas: sáfa! Caramba!, c´os diados!
Plimplau: - pássaro saltitante, irrequieto
(Continua ... Alhambra de Granada IV)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
Os leões do vale e da Lagoa
O cachorro Tigre corria na frente, orelhas arregaçadas, focinho suspiroso procurando no tufo d´aroeira a ladina raposa ou o coelho fintador, ou um saca-rabo vira-casaca. Tigre e eu, passeávamos aposentadoria antecipada por entre carrascos, arruda e espinheiros, recolhendo espantos de mar azul até ao horizonte.
Desencantado com a política, curtia o espaço reclamando por não ter sido ouvido e considerado em tempo. Sempre mal interpretado, passeava angustias em arribas da costa por despeito e abandono. O poder dá azo a más partilhas e não basta se-lo, é necessário parece-lo.
Contornando algares, pulando pedras por carreiros sinuosos, descia e subia as encostas do Vale da Lapa, do Carvoeiro, da Senhora da Luz e da Encarnação.
Em tempo de eleições soavam canções de apelo nos arredores; sons que vinham duma outra encosta que não era minha, nem nossa, um lugar de convencimento. Avizinhava-me de cabras que se encarrapitavam nas rosas-de-cão, zambujeiros, tremocilho e restolho de mato.
O Sol despontava chispando quentura de Outono; Vendo o mar conjugava os verbos vencer ou perder e,... Ainda não eram doze horas da manhã e estavamos a oito dias das eleições.
Naquele alvoroço dum meio dia, com zunzuns nos ouvidos, misturavam-se barulho de mato com motores de barcos na labuta quase extinta da pesca ou, sabe-se lá,... aventuras.
Por debaixo daquele céu azul, o ar aquecia ondulados cantares de rolas, toutinegras, gralhas e gaivotas assustadiças.
Sacolejando corpo e ossos, expúnhamos-nos a roliçada queda quando, de repente, Tigre eriça o pêlo, era um Leão Rosa!... Rosa e de punho cerrado ali estava guardando uma indevida exclusividade. Sou eu o rei da selva, da Lagoa, afirmava de olhos arregalados.
Não!... Não pode ser!
- Olá, Leão! Cumprimentei-o a medo!
-“ Bom diiiia,...(rugiu). Eu sou o rei desta Lagoa, desta costa!”. Peremptóriamente o bicho falou!
Fiquei pior que estragado! Encardido de probabilidades, sufoquei um grito de denúncia. Não,... este grito eu não sufoco! O nosso jardim à beira mar, está em risco, vamos intervir no voto, este Leão Rosa é nefasto.
Mas, não me sentia preparado para discutir com um rei Leão Rosa! E, não é que, perante a minha estupefacção, riu na minha cara! Riu,...riu,...riu,... saí dali sem jeito de rabo entre as pernas como o Tigre por falta de apoio dos meus Kambas (companheiros).
Senti-me um cidadão andrajoso, “mendigo do nosso património”, quando também na outra costa, diviso um grande bode, cornudo a vigiar o reino do Leão. Isto é miragem, só pode ser.
Alforriado sem grandeza, despojado de feituras ou diabruras, substimado a uma humilhante usurpação dum espaço, contornei os atropelos, abandonado.
Desgostoso, subi ao Torreão da Atalaia, vigia de invasões antigas vindas do mar; fechei os olhos, senti o tempo correr e, vi negros abutres feitos gente, tomarem conta da Lagoa do Puto, um muito mau indício.
Uma aroeira, supera qualquer espírito, mesmo sendo de um Leão.
De ventas esbugalhadas, num modo feio, Leão fitou o cachorro. O cão Tigre, guardador de chibas, só tentou por encarrapitanço; ás arrecuas saiu encrespado de bafo quente e, eu também.
No Torreão da falésia, a nostalgia estava escrita com rasgos na pedra; um lindo sítio para perpetuar aventuras e, mais tarde, recordar como um farol de vida e história desenhada porque, uma vida sem memória não é uma verdadeira vida.
Naquela falésia perfilam-se lembranças como tufos desalinhados. A velhice entorpecia o futuro e, o futuro parecia ir aprisionar o passado!
Na minha Lagoa o Psd (partido do Puto nos Allgarves) des-Carrilhou os amigos. Na minha Lagoa a Kianda atrapalha o voto.
O Leão Rosa Ps é só aparência; não acreditem em suposições; a obra feita de Inácio vale mais que todas as empatias.
Não duvidem, é a história que faz o homem e não o inverso.
Glossário: Kianda: espírito das águas (Quimbundo)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
5º encontro com a kianda Januário Pieter
Era agradável estar ali confraternizando com o passado que, nem sempre foi risonho; poemas de Garcia Lorca referem a guerra de 1937 a 1939 com quadros dantescos no bombardeamento de Guernica e atrocidades de uma disputa civil entre Nacionalistas de Franco e Republicanos que perfurou como uma faca sem fim, toda a Espanha.
A sala espaçosa estava recheada de quadros sobre esses acontecidos passados como uma galeria de horrores de Granada. Sentei-me num recanto em uma cadeira em madeira talhada com motivos de produtos da terra, pedi um “café solo” e uma tortilha de “manzana”.
O olhar não se desprendia dos corpos desmembrados em destroços retorcidos, gente e animais espalhados pelos campos; um treino de preparação à grande guerra que viria a acontecer em 1940, Alemães ajudando Franco a tomar o poder.
Sentia-se desprender da tela o odor fétido da morte.
Nesta cidade tão cheia de memórias, havia felizmente, espaços retemperados à noite com flamengo, uma dança que reflete o estado de espírito cigano.
Eu, estava aqui para o quinto previsto e ansiado encontro com Januário Pieter, a assombração Kianda que pouco a pouco foi ficando o meu “Guru” e, estava agora, pronto a fazer com ele um pacto de sangue, tornar-me um cipaio do seu arimo ( lavra horta, n´nhaca).
Entre o desejo de saber a verdade e o pavor que lhe tinha, zuniam na minha cabeça legionários às ordens de Franco gritando “viva la muerte” mutilando o meu medo envidraçado de repugnância a todas as guerras. Aviões Nacionalistas matando indiscriminadamente gente impregnada de susto sem celeiro ou pontes para se esconderem; brigadas internacionais, idealistas lutando com armas diferentes de um credo sem culatra, munições encravadas em sonhos inúteis.
Estava entre os 15.000 mortos de Guernica quando com aura de santo-maior entrou uma figura pela porta frontal; era nem mais nem menos a Kianda Pieter que, varrendo com os olhos o salão “café solo” poisou em mim a ansiosa vontade do encontro.
Efusivamente dirigiu-se-me com as duas mãos abertas ao espaço seu Duilo (Céu) mostrando todos os seus anéis. Vinha carregado de magnetismo, feitiços de contra-luz cintilando um desassossegado arco íris.
( Continua ... Alhambra de Granada III )
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
O guerrilheiro da lingua Lusa
Em Portimão do Puto, aconteceu ontem o meu encontro com o kota escritor Angolano de mais suko; o senhor-maior do Chá-de-Caxinde.
Luandino, depois de ter visto o filme" Red River", ficou deslumbrado com águas translúcidas e enchendo ilusão às tágides de Camões, humildemente criou jamantas-negras, kalungas quimbundas do Kwanza. Tudo isso aparece inflado em "de rios velhos e guerrilheiros, o livro dos rios" com seus afluentes.
Luandino afirmou que é a história que faz o homem e não o inverso. Assim, relembrou a guerra de libertação de Angola por um velho prisma condizente com a superstição africana; a da sua terra, com Kiandas auspiciosas.
Com este kota, quase-quase século, revi passados de musseque de quando eramos candengues e visinhos da cacimba da Manhanga.
Decifrando glossários, Luandino teve a amabilidade de ler com tom e sotaque de muxiloanda, uma passagem do livro dos guerrilheiros, texto contido na página 65, revelando-se assim, o maior guerrilheiro da lingua Lusa, desarrangista por vício de revolta; uma rebelião lactente por insubmissão às coisas de poder fétido:
... Posto o que, em meu previlégio de guardador das mucandas do grupo, releio a informação, em poucas palavras ditadas a lápis-de-tinta: « carta de informação dos dois casos que tem movido o Panzoaquembo para nos poder pôr debaixo das suas ordens atravez do nosso traicionar os povos que são do nosso movimento e o 1º caso é os irmãos na reunião nos insultaram no vosso movimento não trabalha bem tem brancos no vosso movimento e isso respondemos maca dos dirigentes não é maca dos combatentes e vamos nos unir na boa união então não é só matar nas nossas sanzalas porcos e galinhas e cabras com os povos refugiados nas matas e roubar tudo e queimar e o segundo caso que nos trouxe nós comité de acção e nós enfermeiro e nos mais velhos tudo elegido para fazer a unidade Kuakié e Castro e os elegidos são sete mais velhos Kasule Luís António Manuel Vula o professor Diambondo e o mais velho Sebastião Domingos Gamboa e estes os que saíam no Kixicofele e Miranda Fernandes Pascoal Kandondo mais Maculusso João Pedro faleceu no caminho E que tu António Panzaquembo vieste nos levantar guerra na nossa secção do Ngalanza para receber a bandeira do Mpla e o carimbo os emblemas e todos os documentos do Mpla para a unidade com vocês irmãos e isso não podia a gente morremos e vocês vão lhe buscar nas mãos do povo da Ngalanza e dos guerrilheiros do esquadrão já estão a chegar Nestas palavras do esquadrão Cienfogos e dito António Panzaquembo mais com o pastor Maurício João Bengue ficaram barbaramente com grande cólera e você Kuakié e você Castro e você Mezala e vósos macotas da merda não vamos vos deixar se querem mandam as mucandas nos vossos povos para vir a bandeira do Mpla nos vossos parentes para vir chorar o vosso óbito Só nos deixaram em setembro ficamos quatro meses no nosso movimento já tinha chegado e esquadrão se não iam nos libertar a traição de prender delegados elegidos e nos dixaram e nos deixaram no medo que vinha o esquadrão Cienfogos nos libertar e matar nos comandantes da Upa esta informação é dada no camarada Zapata Moizés Mezala nato na sanzala de Tundamunjila Lozi.»
Este encontro em Portimão do Puto com Luandino, foi firmado com autógrafo para mim: - Ao Soba T´Chingange camundongo e amigo, também ele inventador de estórias do kwata-kwata. Um abraço d´Angolano.
Ontem efectivamente foi um dia auspicioso; fiquei cambulado num Ilundo, um superior previlégio. Obrigado meu kamba!
Glossário: Cambular: - aliciar; llundo: - espírito; suko: - pessoa alucinada ou prodigiosa; Chá-de-Caxinde: Chá principe, erva de cidreira (Brasil); Manhanga; - Maianga (um bairro de Luanda), lugar da cacimba de água doce junto ao rio seco; muxiloanda: - natural de Luanda, camundongo; kalunga: - água, mar, rio, espírito das águas; Kianda: Fantasma das lagoas; kamba: - companheiro, camarada.
O Soba T´Chingange
RECORDAÇÔES ANGOLA
fogareiro da catumbela
aerograma
NAÇÃO OVIBUNDU
ANGOLA - OS MEUS PONTOS DE VISTA
NGOLA KIMBO
KIMANGOLA
ANGOLA - BRASIL
KITANDA
ANGOLA MEDUSAS
morrodamaianga
NOTICIAS ANGOLA (Tempo Real)
PÁGINA UM
PULULU
BIMBE
COMPILAÇÃO DE FOTOS
MOÇAMBIQUE
MUKANDAS DO MONTE ESTORIL
À MARGEM
PENSAR E FALAR ANGOLA