MOKANDAS XINGUILADAS NO TEMPO - OS “NOSSOS” CÃES SELVAGENS…
Crónica 3073 - Moçâmedes / Baía dos Tigres /Angola – 28.10.2020
- Xinguilar: Palavra angolana que significa entrar em transe em um ritual espiritual…
As escolhas do Kimbo
Por:
João Sá Pinto
A primeira vez que ouvi falar na Baía dos Tigres, foi no início de 1960, em Benguela, quando ofereceram ao meu avô, um cachorro, que diziam ser da raça “Cão da Baía dos Tigres”. Veio numa caixa de madeira do leite “Nido”, trazido por um amigo do meu avô e que teria estado a trabalhar, como caldeireiro, nas pescarias da Baía dos Tigres e de Porto Alexandre. Contou-nos alguns factos sobre a Baía dos Tigres e esta raça de cachorros desconhecida para nós.
Algumas dessas coisas contadas, eram certamente exageradas, mas a convicção que na altura narrou os factos pareciam-me bem reais; dizia ele que: “estes cães vivem em matilhas, lutam com leões e hienas, pescam e bebem água do mar (*)”. Ao cachorro pusemos-lhe o nome de Leão, nunca lutou com os leões ou hienas e nem sequer foi à pesca. De uma bola peluda, resultou num belo animal de cor negra e de grande porte. Foi muito fiel aos donos, mas agressivo para com os estranhos, viveu mais de uma década, sempre num recinto fechado e só ao anoitecer era solto no quintal.
Fiquei com muita curiosidade em saber mais sobre estes animais, sobre os quais não se sabe bem a origem. Uma das teorias aponta para que uma embarcação de holandeses, vindo do extremo oriente, ali naufragou e os animais trazidos a bordo, incluindo cães de uma raça com características especiais, ali foram deixados ao abandono, evoluindo ao longo dos anos até a raça actual.
Uma outra ocorrência no início dos anos 1900 na cidade de Moçâmedes, quando de um grande surto de raiva, fez com que governador da cidade mandasse capturar todos os cães sem dono e deportá-los para a Baía dos Tigres, onde foram abandonados e que ao longo dos anos também poderiam ter-se adaptado às condições ali existentes. São apenas algumas das teorias sobre a origem desses animais por aquelas terras. Cerca de 1962 a baía, por erosão do seu istmo, separou-se do continente angolano, passando-se a chamar-se Ilha dos Tigres, a maior ilha angolana, facto que acentuou mais o isolamento dos animais que ali viviam.
Nunca estive na Baía dos Tigres, mas muitos anos depois de terem oferecido um cachorro de raça “Baia dos Tigres” ao meu avô e no cumprimento do meu serviço militar obrigatório, houve uma situação em que viria a recordar a Baía dos Tigres e também dos seus cães. Cumpri o meu serviço militar como oficial de engenharia militar na Direcção da Arma de Engenharia, ocupando o cargo de chefe de redacção do seu jornal informativo.
Tive como uma das tarefas atribuídas, escrever a história das companhias de engenharia destacadas nas guerras do ultramar. Tive acesso e li centenas de relatórios de comandantes dessas companhias, que actuaram na Guiné, Angola e Moçambique. Num dos relatórios de um desses comandantes, mencionava o facto de lhe terem atribuído a função de visitar vários pontos isolados de Angola, entre os quais a Baía dos Tigres. Como comentário final desse relatório, destaco a frase: “Estranha terra, esta, a Baía dos Tigres, onde os cães pescam e bebem água do mar (**), onde existe um hospital, uma escola e uma igreja, mas nem o hospital tem médico, nem a escola tem professor e nem a igreja tem padre”.
João Sá Pinto
ADENDAS
Adenda (*) - Teresa Sá: Numa explicação mais detalhada acrescento o seguinte: de menor densidade, as gotículas de água doce ou seja, o orvalho da noite (o nosso cacimbo) depositadas em noites sem vento na crista das ondas, permaneciam por algum tempo sem se misturar com a água do mar. Era assim, logo pela manhã, bem cedo que os cães se jogavam ao mar para matarem a sede. Eram um relógio da natureza bem intrincado! Acredito que, em noites de vento esse orvalho não se depositasse e, eles quebrassem esse ritual lambendo as pedras roliças impregnadas desse cacimbo. É realmente muito interessante e estimulante pensar-se em tudo isto.
Adenda (**) - Nos anos 50, o veterinário Dr. Abel Pratas, após a escolha e captura de vários exemplares selvagens, obteve o apuramento e a estabilização de uma nova raça de cães que, mantendo a designação "Baía-dos-Tigres", foi registada oficialmente. Julgo que a raça já não existe por vários motivos, entre eles a descolonização. É possível que os cães dos Bóhers fossem da raça "Leão da Rodésia" (Ridgeback). Ver no Google em "Cães da raça Baía dos Tigres", na página "Gente do meu Tempo (Baú de Recordações) ". O texto é longo mas interessante.
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