ANGOLA DA LIBERTAÇÃO - XI
- A INDEPENDÊNCIA DIVIDIDA… Crónica 3169 - 22.07.2021
-Na libertação e independência de uma terra que pensava também ser minha, mesmo não sendo “preto”… Afinal, não o era e, continuo “branco”…
Por T´Chingange, no AlGharb do M´Puto
Com botas de michelin ponta de ferro, calções de ganga, camisola de flanela e chapéu quico com os big-five, curto o calor do dia enquanto o sol se põe a pique com uns agradáveis vinte e dois graus no zénite. Ao cair da noite os chacais miam não muito longe e até posso ver seus olhos amarelos quando dirijo o farolim da varanda em sua direcção. As noites têm sido escuras, o céu fica todo a descoberto e posso ver com perfeição as estrelas do cruzeiro do Sul.
No M´Puto os ratos saiam das tocas! As divergências na CCPA - Comissão Coordenadora do Programa em Angola, atingiram seu clímax! A linha progressista partia nozes com o nariz! Entretanto, Otelo Saraiva de Carvalho chegava ao seu gabinete COPCOM com a prometida ajuda de Havana ao MPLA. Este militar, visto como o novo Ché Guevara, encontrava-se em Cuba desde o dia 21 de Julho para assistir no dia 26 à celebração do ataque ao quartel de Moncada. Isto era o que se fazia constar para não se depararem com embaraços diplomáticos em relações internacionais. Mas, afinal como é que Costa Gomes, o presidente de todos os portugueses alinhava nisto!? Lá iremos…
No M´Puto o ordenado mínimo nacional era de 3.300 escudos. Apesar disso os cinemas enchiam-se para ver dois filmes até então censurados: “Bob e Carol” e “A grande farra” Nestes dias em Angola era a aflição, fazendo caixas e caixotes a prever a debandada pelo “ forçado abandono”. Vejam bem esta grande preocupação de nossos “manos metropolitanos” que no M´Puto viam filmes incentivadores de ”Swing” - uma suposta terapia de grupo de todos na cama curtindo o sexo em conjunto – um novo tipo de relacionamento com os quatro, fazendo uma orgia para combater a velha moral. Uma coisa de levar as mãos à cabeça num “balha-me Deus”…
No M´Puto andava-se muito a pé pois que a gasolina estava racionada, devido ao embargo de petróleo pelos países árabes e, em retaliação ao apoio de Portugal aos Estados Unidos, aliados de Israel na guerra do Yom Kippur. Os jornais esgotavam-se rapidamente e, nos cafés e esplanadas falava-se do derrube iminente do regime, comentava-se o livro do general Spinola “Portugal e o Futuro”. Lançado a 22 de Fevereiro de 1974, também esgotou rapidamente. Existiam siglas políticas para todos os gostos: MIRN, LUAR, MRPP, MDP-CDE, e edecéteras. Fizeram-se saneamentos nas empresas. Foram os anos das fugas para o Brasil e de vendas ao desbarato das vivendas do Estoril e Restelo.
Silva Cardoso o Alto-Comissário depois do Acordo de Alvor, era constantemente atacado pelo MPLA em comunicados via rádio e panfletos por não ser suficientemente revolucionário. Afirmavam que já não servia à revolução Angolana. Em dado momento, Silva Cardoso perante a constante insistência do MPLA de que teria de ser substituído, sugeriu à Direcção do mesmo movimento que classificassem o seu sentido de revolução ao referirem claramente que os brancos não eram queridos em Angola; isto para que assim, Lisboa evacuasse essa etnia alvo de “um ataque sistemático” por eles. Era só um jogo de palavras para fazer actuar o CR do MFA de Lisboa…
Havia apropriação abusiva de veículos e instalações pertencentes ao Estado; já havia dificuldade em distinguir se aquele organismo antes estatal o era efectivamente, ou não. Em Malange quase toda a população civil se refugiara no quartel das NF e, em N´Dalatando verificou-se o total abandono de todas as lojas e residências que foram alvo de pilhagem pela população africana apoiada por elementos das FAPLA, forças armadas do MPLA.
Agostinho Neto, escudado pelo apoio militar de Brejnev, do marechal Tito e de Fidel de castro, já não necessitava de ser afável com grande parte dos militares portugueses; alguns, poucos deram-se conta mas, já era tarde para fazer marcha-à-ré. O MPLA iria liquidar os outros dois Movimentos fazendo tábua rasa da presença portuguesa e dos acordos que tinha estabelecido com todos. Neto era um salafrário e já era demasiado tarde para recuar o processo. Entretanto, na confusão de Angola e pelas suas estradas os angolanos fugiam levando apenas malas com roupa, fugindo das fazendas para as cidades.
Famílias portuguesas, brancos de condição, alguns com três gerações de filhos africanos, como formigas kissonde tresmalhavam-se à procura de uma solução; uns iam para sul, outros para este e até para o Norte até que a PONTE- AÉREA começou a pairar como sendo a solução mais válida. Diversas companhias de aviação tais como a soviética Aeroflot, dispuseram-se a retirar este grande número de gente que, até então laborava em normalidade. Também ouve aqui, em Angola, saneamentos, ocupações selvagens, marchas silenciosas e “manif´s” de júbilo para milhares de negros a receberem Agostinho Neto e Jonas Savimbi.
Municípios foram ocupados formando comissões administrativas desastrosas, Liceus a serem ocupados por jovens guedelhudos brancos e negros de carapinhas ornadas com tranças, copiando Ângela Davis que personificava o movimento “black power”. A euforia transformou-se em crescente preocupação, com discursos agressivos dos supostos “pais da independência” e luto ditado pelo crepitar das armas na batalha pelo controlo de Luanda. Costa Gomes, conhecido popularmente por “o rolha”, aceitou a demissão de Silva Cardoso nomeando interinamente Alto-Comissário Ferreira de Macedo, o homem que Rosa Coutinho e a CCPA queriam para este cargo.
Este General e mais outro chamado de Carlos Fabião e um outro major de nome Canto e Castro iriam a Luanda estudar a situação. Nesta altura, as notícias eram desconexas e o tempo comia as palavras de ordem ventilando-as em desordens. Ninguém entendia o que se passava e quando sabia já aquilo que parecia ser, tinha alterado para coisa-outra. Não havia como gerir este estado de coisas pois o descomando era verificado naquele agora. Tudo se configurava para a fuga e neste entretém de ordens e alterações a estas, começa a configurar-se a “Ponte LuaLix”. Diversas companhias de aviação tais como a soviética Aeroflot dispuseram-se a retirar este grande número de gente que até ali só atrapalhava as directivas do MPLA. “Branco, vai para a tua terra” era o que mais se podia ouvir…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
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