NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3452 – 31.07.2023
- Boligrafando estórias em Krabbehoft Guesthouse and Catering. Estávamos ainda em LUDERITZ … Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Ot´chingandji) – Em Amieiro do M´Puto
(…) Isto (eu mesmo, o kota…), só pode fazer confusão a quem anda sempre teso, com seus colarinhos engomados, cheio de obséquios e unhas estimadas, sem nunca sentir os medos indefinidos que arrepiam as carnes como pés de galinha e arrepios de levantar medos no cocuruto do toutiço. Desfigurado pelo tempo, cheio de cãs, estonteado pelos muitos calores, posso ver minha barba crescer em troços grossos e brancos de um milímetro de comprimento que, só uma gillette de três lâminas as pode debastar.
Passeio pelo mundo, o meu isolamento procurando entreter-me cada vez mais só desencantado com amigos e inimigos – um mundo de loucura e, metido entre meus botões de casca de ostra a fazer estilo de mandela em dia de balalaika zulu… Por vezes as companhias são obtusas e confusas, cheias de nove e onze horas como se fossem os donos de todos os relógios; já me aconteceu destas tormentas mas, agora interessa é continuar a falar de Luderitz, lugar de hienas peludas dum cinzento acastanhado.
Chegamos ali ao fim duma tarde, um frio com vento de arrepiar para cima de nós, deslocando a areia de um para o outro lado da estrada, ora preta de alcatrão ora indefinidamente tapada de areia esquindivada do Kalahári. Aqui, nem pensar em ficar em camping a contar as estrelas e ver aonde está esse Cruzeiro do Sul. A areia era-nos cuspida pelo Nosso Senhor como gente desabençoada, rolos de capim amarfanhado fugindo no medo e no sentido do vento e, nós aqui feitos loucos, uns extra terrestes zoando espantos; assim tinha sido até aqui, assim o foi na estrada que nos trouxe até aqui - Pópilas…
Recolhemo-nos no Krabbehoft Guesthouse Catering e apartments embrulhados em nossos kispos tiritando das quinambas e nas orelhas, batendo o dente como metralhadoras do filme do dia D. Vou vos contar - tudo ao molhe e fé em Deus! Havia gente jovem de muitos lados e, na confusão do meu Inglês raspikui do Friday, misturava-se com o “je suis” e falas com tremas na vontade de “seja o que Deus quiser”- Saravá! Dizia eu, para desatarraxar as encrencas das porcas sextravancadas…
Afinal não éramos os únicos malucos a andar soprados ao vento frio da aventura. Ao chegar ali, os hóspedes têm a sensação de ter caído repentinamente nas páginas de um romance de Hemingway, talvez Papillon. Bem! Uma mistura de tudo… Um espírito e, um ambiente ultra "bush", uma caserna bechuanaland com gente estendida pelos corredores dormindo em sacos cama. Óh gente doida! Lá fora as hienas castanhas farejavam os bidons de lixo, os restos de pizza, do tutano dos ossos, assim mesmo como se fossem cães dos arrabaldes duma qualquer outra cidade.
Aqui em Luderitz, as horas acordam cedo desfazendo-se em minutos gélidos pelos sopros do mar, gozando mais regradamente os bens da inteligência e da vida; remexo a chávena com meu especial milongo de adstringir triglicéridos, uma cachaça, aguardente medronho do M´Puto trazida em contrabando para aquecer, pois claro. Ao redor predominava o cheiro de café ondulado em falas da Croácia, do Xingrilá, das Maldivas e até estalidos de mucancala, mucuisse ou mucubal khoisans falando em Morse – acho que era só para fingir ou trinando sons do Alá…
Assim feito muambeiro, tomei com um agrado, aquele agora da vida na forma de café arábico. Desolando-me numa sinceridade gemida de tudo o que é ilusão, indeferia-me nos contornos que se transportam sempre às costas, um pessimismo que sempre se enrola no soalho do cerebelo. Assim taciturnado, com o kispo enfiado pelas orelhas, todos os cinco (T´Chingas, Marco Manhanga, Ricar, Tilinha e Mãe Bibi), fomos ver o padrão de Luderitz numa ponta pedregosa colocado pelos Tugas em tempos de lá para trás do mu-ukulu, do muito antigamente.
Naqueles tempos de quando ainda se alimentavam sonhos de grandeza com Diogo Can que só chegou ao N´zaire River e, mais tarde o Bartolomeu Dias que passou o Cabo Bojador, e o Vasco das Barbas chamado Gama, que dominou as Índias. Sei o quanto é difícil ler o indecifrável mas soe dizer-se que a teoria do pessimismo quando implodida num deserto, é bem consoladora para os que sofrem e eu, com meus sessenta e quatro anos nesse então (tempo de há catorze anos), já não tinha fornalha para alimentar lentas combustões. Isso - Na forma de chatice! É do frio cortante…
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3451 – 30.07.2023
- Boligrafando estórias em Ondundozonanandana. Estávamos ainda em Luderitz, terra soprando a areia no caminho… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Na minha vontade, parecia só querer ser uma lenda a comparar com o feito de Amyr Klink que sozinho e num barco a remos atravessou o Oceano Atlântico percorrendo sete mil quilómetros. Foi o primeiro feito a ser amplamente divulgado na imprensa internacional que ocorreu entre 10 de Junho e 19 de Setembro de 1984, entre Luderitz, na Namíbia (África) e Salvador, na Bahia (Brasil) – trinta e nove anos lá atrás.
Foi um feito invulgar a mostrar o quanto a tenacidade pode vencer um sonho. Abro uma brecha na minha viagem para falar sucintamente de Amyr Klink, o navegador que desde Luderitz da Namíbia, provocou seu grande desafio - a travessia solitária do Oceano Atlântico a remo. Pois, com 29 anos na idade, ele zarpou dali, cidade vizinha à Costa dos Esqueletos - com ossos humanos e de animais espalhados pela praia.
“Favorecido pela corrente fria de Benguela afasta-se da orla e deflecte para dentro do Atlântico; no lugar onde começam os ventos alísios que sopram fortes e regulares até o Nordeste do Brasil”, descreve ele em seu livro. Algo idêntico ao procedimento na navegação Tuga entre Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola e o Brasil em tempos idos, muito antes do achamento do tição com forma de Nossa Senhora que da fé imaginada se converteu em Nossa Senhora (Preta) da Aparecida…
Amyr, virou um navegador respeitado, e sua paixão pela Namíbia jamais cessou. “É segura e económica”, analisou ele, que ali voltou várias vezes. Tal como ele, ambos verificamos em diferenciadas vertentes o interior, deserto do Karoo e Kalahári, preservado de bichos terrestres já tão vistos em safaris, enquanto no litoral, cidades como Lüderitz, Walvis Bay e Swakopmond o é, morada de focas, pinguins, flamingos, pelicanos e tubarões que fazem parte do círculo ou cadeia alimentar.
Ambos, matamos saudades dos acasos e singulares amizades que fizemos e, dos óptimos pitéus que usufruímos com frutos do mar ofertados pela natureza. Juro que eu, em plena consciência nunca faria isto, meter-me ao mar sem balizas firmes assentes em algo de referência, como os padrões semeados ao longo da costa pelos Tugas, vendo só o horizonte curvo a confundir-se com o céu do Nosso Senhor! Menos mal que nesse tempo de lá para trás, não se cogitava que o Universo não tinha bordos, era uma fumaça com cacimbo sem fim.
Agora tenho a certeza que vou terminar meus dias sem saber aonde fica esse tal de cu-de-judas do fim do Mundo. O mundo continuou a girar como sempre e, não mudou por este feito mas seus “Cem Dias entre Céu e Mar” ficaram nos anais da coragem marítima. Comparar-me assim minuciosamente com tamanhas aventuras é consolar-me com alheios fumos, fumos de charutos como se fossem pensamentos num tom cor-de-rosa que se perfilam em matemática quântica porque os índios Sioux e, todos os outros das antigas estórias de bordel, já foram extintos, não há muito tempo…
Desfalecido nos ombros, um pouco mais tolo e muito mais míope, agora, já com a audição a não ouvir os cantares de galo no silêncio da noite, coxeio-me em vozeados ambientes de cochichos frouxos. Coitado de mim! Bom - prá frente. Em Keetmanshop, procuramos em arcas carne de caça para fazer um brai-churrasco lá acabamos por encontrar uma carne escura; era de órix, esse belo animal que se podem ver fazendo pose nas dunas de areia vermelha lá no horizonte.
A senhora bóher do armazém-venda, pouco mais que um cuca-chope, queria impingir-nos outra carne porque aquela era de caça mas, mal sabia ela que era isto que procurávamos. Em seu conceito, não era normal os turistas comerem bichos-do-mato. Como podem verificar, missionando o toutiço, perdi inteiramente as minhas belas cores europeias, a cara sarapintada de funchos, crateras com rugas extravagantes…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3450 – 29.07.2023
- Boligrafando estórias na cor antiga em Ondundozonanandana. Estávamos ainda em Luderitz, terra soprada a areia ria… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
O cansaço adormeceu-nos sem pensamentos nem cobras ou lagartos. Ali, mitos e lendas são insociáveis da paisagem quase lunar, rochas escaldadas formando morros aqui e, mais longe areia de onde sobressaem umas árvores milenares do tipo aloés do além.
Nesta natureza que não é assim tão vazia, vivem espalhados por África e mais propriamente ao sul do Botswana mais de sessenta mil aborígenes, dados do fim do século XX. Resistindo a tudo e ao tempo, ali aonde o desespero é um inútil alívio de evasão, vivem os khoisans, que mais a sul chamam de KoyKoy´s
O sol ali não é dócil, pus o meu chapéu do Karoo, montamos o Toyota e, bem cedo seguimos à descoberta do Fish River mais a norte; fomos três a descer ao fundo do Canyon que parecia perto, era logo ali e, o que pensamos fazer em uma hora na descida e subida, levamos bem perto de quatro horas, Ufa!!!
Eu, Tilinha e Marco M´Fumo Manhanga…Que calor! Mas, por sorte sempre havia uma fria windhoek lager à espera no restcamp… Que delicia! Uma vez na vida, experimentem atravessar um deserto para ter o prazer de beber uma fria na chegada. Foi nesta atmosfera e azáfama de sobreviver subvertidos à marginalidade do mundo real, que tomamos contacto com o tal cacto de xhoba.
E, não podia deixar de descrever toda a envolvência desta real contradição: a fome dos khoisans vai-lhes ser mitigada por milhões de obesos que só o são na maior percentagem, porque comem em demasia. Os deuses nestas paragens escreverão sua sina por linhas tortas. Já no topo do Canyon do Fish River a adrenalina escorria-nos nas faces com os olhos tremendo como a neblina matinal.
E, as pernas abanavam sentidos incomuns à magnitude das vistas em banda larga com “óoos e áaais” de espanto. Era o Ai-Ais! Estou em crer que foram estes Ais de admiração que deram o nome ao acampamento desta canyon. Já dias antes, tinhamos subido a Brandberg a ver as acácias solitárias, entre pedras vermelhas sobrevivendo a um deserto impiedoso. Os dias terminavam com suspiros de plena satisfação em curtos goles de marula tree sobre um sorvete Dom Pedro ou umas pedras de gelo gratinado…
Com destino ao povoado de Ondundozonanandana, lugar perdido no Norte da Namíbia, não muito distante do Etosha Pan e marcado em círculo no mapa Michelin, lá prosseguimos viagem a partir de Ai-Ais do Fish River por estrada pavimentada rolando quilómetros na savana até Windhoek a capital da Namíbia. Era para assim ser mas, chegados ao cruzamento entre as estradas B1 e B4 em Keetmanshop, derivamos para Luderitz pela Estrada nacional B4.
Andando por este mundo, mares, desertos, matos, savanas, anharas e terras agrestes com matutos e mamelucos de outras latitudes, estava agora a tornar-me um mestiço mazombo viajando na terra e no tempo, ora sem GPS porque ainda não existia ora perguntando aqui e ali ou riscando o mapa com esboços, nomes e cópias destes borradas de café, lama e até sarapintados de cafufutila, esses salpicos salivados de euforia que descuidadamente saltam das nossas falas eufóricas, entusiasmáticas.
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3449 – 28.07.2023
- Boligrafando estórias tão fantásticas, que até o nome se alonga de gozo: Ondundozonanandana… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
De sabedoria debruada em muitas rugas, olham num permanente espanto as coisas que nós os ocidentais inteligentes banalizam e, uma casca de fruta que pode ser um grande património para eles, torna um fio com uma linha uma tecnologia espacial. Para nós alienígenas ocidentais do mundo terreno, iremos dizer do quanto é maravilhoso ter comprimidos que permitirão encher o bandulho de pasteis de creme, de nata e baba de camelo às duas da manhã ou o sorvete na forma de gelado sem riscos de se ficar com um peso na consciência.
E, tem mais, as mulheres não deixarão seus maridos à solta se souberem que ingeriram uma vitamina super de xhoba. Se bem conhecem, a história da coca-cola foi objecto de um filme em que uma garrafa destas caiu em pleno deserto do Calahári e que daí, provocou para além da curiosidade as vicissitudes do mundo ocidental, o mundo dito civilizado. Recordo que neste então e, descrevendo sumariamente o filme, uma criança viu-se acossada por umas quantas hienas. O candengue (puto), sabedor dos costumes da tribo pegou em um pau colocando-o na cabeça; assim parecendo mais alto, as hienas não se atreveram a atacar o candengue Bushmen.
Estas estórias de tão simples, tornam-se fascinantes para quem todos os dias manobra com aparelhos inteligentes, coisas tecnologicamente chamadas de ponta. O mundo avança tão rápidamente que todos os dias nos atropelamos em ignorância. Tempo virá em que nossos médicos, nossos choferes, nossos farmacêuticos e bibliotecários, serão robôs; que os políticos virarão um bando de gângsteres usando a mentira e novas tecnologias algorítmicas; que a morte será premeditada e o ciclo da escravidão retornará envolta em lubrificadas e premeditados desfalques à nação…
Desconfio que pelo andar da carruagem este trem da Terra vai conspurcar pouco a pouco aquelas paragens semi desérticas repetindo por muitas vezes este episódio da coca-cola e, o povo mais antigo ao cimo da terra passará a usar gravata e sapatos de coiro em substituição da sua pele rugosa e resistente. Por via da tal “molécula P57” o mundo dito civilizado subsidiará as tribos nómadas que vivem sem fronteiras entre Angola, Namíbia, Botswana, Zâmbia, África do Sul e Zimbabwé.
Estes, não mais irão ter de correr atrás dos macacos para saber aonde beber; de reconhecer as plantas que no meio do deserto lhe fornecerão água em suas raízes, terão à mão um chinocas, uma venda, quiosque cuca-shop para lhes venderem água e cachaça… A Bushmanland não mais será a mesma! A cento e vinte quilómetros a sul do Orange, num local conhecido por Springbok, pernoitamos numa palhota do tipo em que vivem os Bosquímanos.
Com estrutura circular formada de paus vergados e enterrados na sua parte mais grossa, entrelaçam-se entre si na parte mais alta sendo o restante amarrado com fios feitos de casca de arbustos locais. Chovia quando ali chegamos pela primeira vez indo de Orange River mais a sul; coisa rara para quem passa esporadicamente como o era, neste meu caso; não há cheiro igual noutro qualquer lugar do mundo.
Após as primeiras chuvas, o pó em África, tem um cheiro de terra espacial; quem o não cheirou, não consegue conciliar os sentidos inebriadores duma mistura de pólens invisíveis dos escassos tufos de vegetação. No outro dia já as encostas suaves dos morros ficam numas chapadas feitas jardim, um mar de rosas deslumbrando-nos. Ver o deserto em tão curto prazo de tempo virar um jardim florido é qualquer coisa de misterioso, milagre que nos leva até um ser superior a quem chamamos de Deus…
Estas palhotas do Springbok tinham 1,80 metros na sua parte mais elevada, cobertas a palha presa aos paus com a mesma casca, tipo mateba, deixando uma abertura com uns sessenta centímetros de largura e noventa de altura. Após ter feito uma prévia inspecção ao local circundante enxotando lacraus, aranhas e carochas, derramei um fio de gasóleo na parte de fora. O gordo bóher dono do pedaço, nada me disse para além de afirmar que estávamos seguros mas, eu não me sentia tão firme, se não fizesse isto.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3448 – 27.07.2023
- Boligrafando estórias tão fantásticas, que até o nome se alonga de gozo: Ondundozonanandana… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Foi nesse sítio de Mata-Mata, lugar ideal para se sepultar o passado que encontramos o milagroso cacto escondido entre tufos espinhosos, verde, gomoso e muito ornado de picos; agressivo no aspecto, engana no entanto a fome ao povo Bosquímano há séculos. A fronteira da coragem transpira incertezas naquele povo a quem Nelson Mandela cedeu 400 milhões de metros quadrados para mitigarem a fome explorando este milagroso cacto.
O xhoba para além de surgir naturalmente na natureza, também é cultivado por esta etnia Bushmen, por algumas tribos nómadas que vivem sem fronteiras entre Angola, Namíbia, Botswana, Zâmbia, África do Sul e Zimbabwé. Este cacto torna-se agora conhecido, fruto de pesquisas nos laboratórios ocidentais e ao longo dos últimos tempos no intuito de controlarem o problema social da obesidade, consequentes problemas de colesterol com os triglicéridos.
Lípidos que sendo importantes para o armazenamento de energia no organismo sob a forma de tecido adiposo, podem originar problemas cardíacos ou doenças coronárias em geral quando em quantidade elevada. Se bem se recordam da figura do bosquímano, ele é seco de carnes e, de estrutura perfeitamente musculada. Pois o xhoba que, também conhecido por hoodia, é um cacto da família suculenta que cresce naturalmente na África do Sul, a norte, desde a Costa Atlântica até ao Limpopo.
Tem a particularidade de eliminar a fome reduzindo duas mil calorias por naco e por dia; viscoso e azedo, quando ingerido, engana o cérebro até à linha zero, num gozo de deuses ladeados de chacais, caracais ou hienas. Entretanto vi-me obrigado a apaziguar inquietudes por evidente encantamento deste Kalahári. As noites frias daquela terra de Bushmanland crepitavam em fogueiras, alçadas labaredas do meio de tanta negrura. E, eles gente do Kalahári, embrulhados toscamente numa pele, numa tanga.
O que despertou o interesse das grandes farmacêuticas no sentido de sintetizar o princípio activo da planta foi uma tal de “molécula P57”; a mesma que ajuda a suportar a fome e a sede durante suas longas caçadas, sem efeitos secundários. O fumo da fogueira dissipa-se num vazio de milhões de estrelas enquanto no retiro das precárias cubatas-choças, pelo que também se diz o frenesim do amor ou relações de corpos se desprende naturalmente pelo efeito afrodisíaco do mesmo xhoba (assim dizem).
Existem cerca de 20 variedades desta planta mas é na variedade Hoodia Gordinii que é encontrado um supressor de apetite totalmente natural; assim se pode ler algures em uma publicação farmacêutica. No ano de 1997, a licença da descoberta foi vendida a uma empresa britânica, Phytofarm, que por sua vez vendeu os direitos de desenvolvimento e marketing à gigante Pfizer Corporation. Os interesses comerciais entram aqui com sua natural e exagerada relevância que nos levam ao género humano que somos hoje, estereotipo bem diferenciado dos Koysan, da etnia Bushmen, Bosquimanos ou da tribo nómada dos "San"…
De uma forma mais activa, a P57 tem um comportamento similar ao que a glucose tem ao nível das células nervosas, no cérebro, levando o corpo a pensar, que está cheio, mesmo quando não o está, cortando assim o apetite, como explica o Dr. Richard Dixey, da Phytofarm: “Existe uma parte do cérebro chamada hipotálamo. Dentro do hipotálamo, situado no centro do cérebro, existem células nervosas que detectam a presença de um açúcar chamado glucose".
Quando comemos, os níveis de açúcar no sangue aumentam por causa da comida e estas células começam a lançar para o corpo a informação de que estamos cheios. Pois o que o xhoba parece conter é uma molécula que é cerca de 10 mil vezes mais activa que a glucose. A maturidade dos Bosquímanos mede-se pela idade, no encanto de estalar conversa em contos e, por isso, são a mais velha biblioteca oral do mundo. Os mais velhos, kotas, engalanados em contos de místicas com lendas de *mussendos ou missossos, descrevem por estalos sua coragem despida de preconceitos porque os desconhecem.
Bibliografia: * Mussendo – estória longa de cariz popular; Missosso – conto curto, de origem popular
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3447 – 26.07.2023
- Verdade ficcionada
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
(…) - Chegados à casa do Senhor Bicho, não muito longe dali e, após as habituais apresentações mostrou-me o quarto disponível; foi-me dizendo que ainda estava em obras e que teria de ficar em um colchão ainda embrulhado em plástico, recomendando-me não o tirar em virtude de poderem vir a ser vendidos como novos. Assim foi mas, durante a noite a restolhada do plástico e a quentura não me proporcionou um absoluto descanso. Bem cedo, um empregado do Senhor Bicho comunicou-me que podia ir até a varanda situada por detrás do último quarto logo após o corredor que dava ao pátio interior para tomar o mata-bicho.
Chegando lá encontrei o senhor Bicho dando ordens a uma gorda senhora que logo se adentrou na cozinha de onde se podia sentir o odor do café e, logo se sentou a meu lado cavaqueando sobre os muitos afazeres daquela hospedaria. E, falamos da sua distante terra, a Ponte do Charuto do M´Puto, bem perto de Mexilhoeira Grande no Concelho de Lagoa.
Mostrei admiração pela beleza das portas quase maciças da entrada para os quartos com baixos-relevos dos cinco grandes animais de África. A minha porta era uma cabeça de búfalo; em realidade era uma obra de mestre. Bicho, sem saber da minha vontade em ir ao Rundu, do outro lado do Calai foi-me inteirando que a pessoa com quem eu tinha em mente encontrar.
João Miranda, já não estava na grande base de Grootfontein. Isso despertou-me curiosidade pelo que recolhi os detalhes possíveis; da triagem dos muxoxos falados e escutados na casa restaurante de Rocha já me tinham alertado de que assim era. Pois é, continua Bicho: - a mando dum General de Pretória um dia chega um indivíduo sem nome, em Grootfontein em um Hércules C-130., levando-lhe um visto de trabalho em nome de João Miranda…
Levou a família inteira para Pretória. E, porque tinha todos os seus bens em Dírico, não queria por nada ir para Portugal; além do mais sua senhora Elizabete só conhecia mesmo as terras do fim-do-mundo de Dírico, pois ali teria nascido. Deram-lhe um apartamento do tipo T4 totalmente equipado; o General viu nele o perfil certo para ser integrado no batalhão Búfalo por ser um bom conhecedor do terreno e falar a língua local e, dos bosquímanos.
A companhia Búfalo estava a ser organizada à já algum tempo no intuito de intervir em Angola salvaguardando possíveis investidas terroristas e comunistas. Ovoboland seria um território tampão àquele avanço. Bicho perante a minha incerteza, com a cabeça muito cheia de “nadas” para o futuro aconselhou-me ir até Windhoek antes de tomar qualquer decisão; dizia-se que estavam ali os recrutadores de possíveis militares a integrar naquele batalhão
Tudo dependeria da aptidão e vontade de vir a ser um soldado da fortuna, vulgo mercenário. Indicando-me o Safari Motel para me instalar. Ali, iria recolher elementos junto a muitos refugiados, alguns deles, agentes da PIDE que tinham uma noção exacta das movimentações em curso. Um dia depois, segui em boleia com o tal Rocha de Oshakati, que me fez o especial favor de me levar ao Safari Motel do Pimenta…
Esta estória tem continuação em um outro contexto pois que num repente, o que era para ser já o não foi; tudo por um macaco que teve a ousadia de me roubar a mala que continha apontamentos de minhas odisseias da Ovoboland. Posso explicar: estando eu e família em um parque nos arredores de Windhoek, Daan Viljoen Game Reserve, acreditem ou não, o raio do macaco cão, babuíno, grande e possante, levou meu caderno de apontamentos pensando serem bolachas. Escafedeu-se na mata levando para lá dos arames, importantes apontamentos de minhas andanças. Só por isso e, para não friccionar minhas moléculas cerebrais, darei um salto literário boligrafando outras alvissares das mesmas paragens do cacto xhoba. É a vida!
Glossário: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional. Corresponde à diáspora de angolanos e afins espalhados por esse mundo.
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA
- " DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3446 – 25.07.2023
- Verdade ficcionada
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Oshakati, ficava na direcção contrária à faixa de Kaprivi, uma faixa de linha recta saída do Divundo junto ao rio Cubango (Okavango) até o rio Zambeze com cerca de 405 km de comprimento e 30 km de largura. Tem a forma de frigideira e fica situada no nordeste da Namíbia formando as duas regiões namibianas denominadas de Kavango e Kaprivi.
Tinha indicações que havia um tal senhor Rocha que fugido do Sul de Angola ali se estabeleceu com um restaurante e uma fiada de casas térreas que eram alugadas a baixo custo a refugiados; foi para ali que me dirigi e aonde me refastelei com uma caldeirada de cabrito. Enquanto a família comia, uns quantos olheiros miravam e ouviam atentamente o que se passava entre nós; gente deslocada de Angola que vivia de expedientes e bufaria…
Rocha era ainda um rapaz novo; sentou-se em nossa mesa e conversamos um longo tempo, fruto da minha insistência na recolha de informações. Rocha falou abertamente do sonho em se fazer rico, construir um hotel em condições e negociar com diamantes quando lhe fosse possível. A empatia foi tal que não se coibiu de falar o que quer que fosse…
Aconselhou-me a ficar num dos quartos de Bicho da Ponte do Charuto (Estômbar do M´Puto) logo no fundo da rua, pois que ele estava com os alojamentos repletos de gente saída de Angola. Em África parece tudo ser perto pois que tudo se sabe; carências de notícias levam à união e a fraternidade dando a isto, uma característica única no mundo; Em nenhum lado do grande globo se encontra esta postura e este facto é a razão do porque, ninguém se esquece desses locais aonde a vida tem socalcos diferenciados assim como se estivéssemos num permanente mundo de Indiana Jones, coisa de cinema com senas a correr numa mina do tipo de kimberly …
Daqueles aromas, do som do mato, do chorar da hiena, do uivar do mabeco e até o cacarejar das capotas com o “tou-fraca, tou-fraca…” mais o por do sol atrás duns chinguiços, cassuneiras ressequidas e mato estéril. Rocha estava a par da odisseia de João Miranda do Mukwé e acabei por ouvir um pouco mais da sua fuga das terras do fim-do-mundo, zonas do Calai, Dírico e do Rundu: …
Quando Miranda chegou ao Mucusso e passou a fronteira para o Sudoeste Africano, as autoridades sul-africanas actuaram com rapidez. O comando Sul-africano do Rundu, enviou prontamente tropas para receber a família no Calai. A família Miranda estava salva. O comandante da polícia local, o inspector Erasmos, instalou os Miranda numa “guest house” do Governo, nesse tempo Namíbia, ainda estava debaixo da alçada Sul-africana.
Nessa mesma tarde apareceu o general Loots, reformado, combatente da II Guerra Mundial, acompanhado por um oficial português, madeirense, o tenente Silva. João Miranda foi entrevistado e no final informaram-no de que receberia no fim do mês um ordenado, relativo ao primeiro dia em que fugira de Angola. Para a Intelligence Sul-africana era de grande valor ter um homem que dominasse a fala por estalidos dos khoisan (bosquímanos), que fosse conhecedor da área e tivesse tido um agraciado valor militar – era o caso.
A família foi depois transferida para Grootfontein, já no interior norte da colónia, para maior protecção. - Julgo que é ali que eles estão agora! Afirmou Rocha. Com esta informação a minha odisseia teria outro rumo; Teria toda a noite para pensar como prosseguir no dia a seguir; agora iria à procura do senhor Bicho para me instalar. O Okavango seria nosso destino, Mukwé, não muito longe do Rundo cidade, eram os rumores mais aproximados de seu bivaque (“acampamento”) - Não seria assim tão difícil encontrar um comerciante branco junto ao rio Cubango…
(Continua…)
Glossário: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional. Corresponde à diáspora de angolanos e afins espalhados por esse mundo.
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA - Boligrafando estórias em cor antiga em terras de KHOISAN… Nos anos de 1999 e 2018…
Crónica 3445 – 24.07.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Na descoberta de África, chegar aonde os outros não chegam e, a partir de Cape Town, rumei às longínquas terras do fim do mundo, terra do nada que na língua Ovambo tem o nome de Namíbia. O destino do Rundu na Owamboland estava a 2500 quilómetros mais a norte, fazendo fronteira com Angola pelo rio Cubango ou Okavango. O mesmo que vai desaguar não no mar, mas numa vasta área chamada de Delta do Okavango.
Cedendo a rogos do meu ego, não fiz mais do que executar um plano há muito preparado com Mapas do Cuco edições e mapas Guia Michelin, uma publicação turística destinada também a classificar restaurantes e hotéis; decidi-me a atravessar os grandes desertos do Karoo e Kalahári, na rota de fuga do povo Bóher, sempre para norte. No ano de 1999, fim do século XX, regimentava minha vida acumulando sentimentos de muitas dúvidas; hoje, estas mesmas duvidas aumentaram exponencialmente.
Já nesse tempo não se estava bem aonde se estava tal como o Variações, um cantor barbeiro e cabeleireiro que também sabia cortar palavras. Nesse tempo ser gay era uma afronta feia de maricas, hoje, até os que não são dizem ser, para ter acesso social!? E, têm-no na TV, no governo, no mundo da canção e o escambau e... Mas, o assunto é outro sem esse tal de orgulho LGBTIKW+.
Os sentimentos acumulados com angústias de permeio a fazer de talvegues ao jeito de formar rios e lagoas, foram aumentando e, agora até serão mares. Isso! Só que meus assobios tinham de ser dispersos no deserto, daquele aonde o vento faz mover montículos de capim seco, unhas do diabo que se encaixam algures brotando verdura com uns escassos pingos de chuva. Por este motivo cheirava a terra depois da chuva e, a partir da Cidade do Cabo fiz-me ao caminho.
Levei a cabo a travessia desde Cape Town até à Cidade de Maputo, antiga Lourenço Marques. Passando por Windhoek, Walvis Bay, Victória Falls, Lago Kariba no Zambeze, Tete, Beira, Chimoio, Macia-Bilene e por fim Maputo. Voltei a repetir parte desta volta no ano recente de 2018, a qual ainda ando a digerir e escrever (tenho os apontamentos espalhados por aí...) mas, o desencanto levou-me a ver tudo mudado, para pior. Talvez, se a tivesse feito do meu modo, teria sido bem melhor; andar à boleia de quem diz conhecer tudo, dá nisto, contrariedades. Ferrei-me!
Percorrendo mais de treze mil quilómetros, perdido de amores por aquelas escaldantes terras, o sol esfregava a brisa assobiando cânticos quentes nos nossos rostos, também nos sonhos agrestes de sedução trazendo-nos a areia fina. Lambuzando-nos pelas narinas, flagelava-nos de braveza por vezes humedecida pelo mar até Knysna na Costa do Ouro, lugar aonde desviei para norte para ver as grutas de Kango Caves e, redescobrir assim primitivas vidas.
Seguiram-se outras terras até que parei em Upington, nas quedas de Augrabies em pleno rio Orange, o rio da integridade Bóher, rio dos sonhos e fugas aos Ingleses. Ali, no meio da neblina matinal por entre fráguas gigantes como as Moon Rock, no Augrabies Falls National Park. Nestas águas quentes revi o passado, pecúlio de quem nada espera, esperando...
Finalmente passando dias de sensação esfarelando o tempo em velocidades porque o tempo "ruge", cheguei a Twee Rivieren e Mata-Mata mais a norte, sitio seco, penedos queimados pelo sol dispersos na areia e uns tufos por aqui e ali, fronteira com o Botswana e Namíbia, um fim-de-mundo com khoisans (bosquímanos). Sitio ideal de aventura para se enterrar o passado. Foi aqui que encontrei esse milagroso cacto Xhoba...
(Continua Okavango e Calahári...)
O Soba T´Chingange
MALAMBAS NAS FRINCHAS DO TEMPO – No rio OKAVANGO, dou-me conta do quanto meu sovaco cheira a catinga…
Crónica 3444 – 23.07.2023 - MALAMBA: É a palavra.
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Em busca da verdade, muitas vezes acontece-nos não fazermos perguntas por ainda não estarmos preparados para ouvir as respostas e nem sempre o é assim porque simplesmente, por vezes sentimos medo a elas; podemos enumerá-las ou até suspirá-las mas, todo o ser humano em alguns momentos de sua vida têm coisas boas e outras más que se enfileiram ao jeito de missangas atrás uma das outras.
Um rosário do tempo e através dele que como um terço, rezamos ou fingimos rezar porque como se diz, atrás do tempo vem o tempo e depois da tempestade vem a bonança. E, porque se diz que a justiça é cega, surda e muda, pelo que se sabe também anda meia calçada e meia descalça para fingir que agrada a humildes descamisados e ricos encoirados.
Mas, pelo sim pelo não, usamos amuletos da sorte para nos enganarmos nas figas, no corno, na meia-lua, na estrela de David penduradas ao pescoço ou uma ferradura velha de burro ou cavalo, pendurada do lado detrás da porta de entrada de nossas casas.
Por via de duvidas também usamos amuletos da sorte na forma duma nota de dólar, um santinho, uma qualquer nossa senhora da aparecida mais responsos escondidos em forros de malas e maletas. Até uma vagem envernizada de feijão maluco serve para o efeito! O místico junta-se com a Cruz e o Cristo numa caixa, asfixiando-O o tempo todo.
E, sempre picado em sua coroa de medonhos espinhos com um credo na ponta das falas, um cuzcredo (!?) com interrogação juntas na exclamação. No meio da algazarra das palavras, dos apelos, dos gritos ou cânticos, haverá sempre uma insatisfeita curiosidade, perguntas sem respostas ou maneiras mentirosas de dizer a verdade…
Verdade que nem sempre achamos lógica ou patética nem sempre merecedora de ser levada ao cutelo ou ao fogo da veracidade porque, simplesmente nós não somos guardiões nem usamos beber do crime no rio da vida. Amolecendo a preguiça num chinchorro (rede), a trinta metros do rio Okavango ou Cubango, do outro lado Mucusso.
Dou-me conta do quanto meu sovaco cheira a catinga, odor em tudo igual a todas as outras catingas dos negros corpos de África. E, assim, aqui estou de livre e espontânea vontade como um emigrante e muito enfeitiçado pelas gentes acolhedoras; gentes que como eu, saíram dessa imensidão dos matos de Angola, de lonjuras percorridas em velhos Dodges, GMC, Willis, land-Rover, Fords ou Chevroletes, terra de onde se parte sem querer partir e já partindo, arrependido depois por não ter ficado.
Um homem e uma mulher, sexagenários andando através do mato, savanas de África sem fim, um mar de acácias, espinheiras em montes ardentes, campos sem cultivo intensivo, lugares habitados por kudus, búfalos, zebras e leões, sabendo de antemão, que o deserto não é só aquilo que a nossa mente se costumou a interiorizar, pelo que se lê ou pelo que se ouve, sempre na vontade e na natureza nas coisas de Deus. Como vamos nós próprios destrinçar a verdade dentro da nossa própria imensidão, nos assuntos de crenças e impiedades de bens tão profusos nas regras do Mundo.
O Soba T´Chingange
MALAMBAS DAS FRINCHAS DO TEMPO – No Okavango River e o risco ou o rego que, por coisa pouca muda nossas vidas…
Crónica 3443 – 22.07.2023 - MALAMBA: É a palavra.
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Se a vida é uma sentença com um princípio e um fim, não conseguiremos ouvir o grito da vida se sentirmos remorsos daquilo que não fizemos, ou daquilo que poderíamos ter feito; não podemos assumir a culpa dos pais, nem dos pais de outros pais. Na percepção parcial das vitais contingências, tecidas e compostas nas coincidências de que a vida é feita, encontraremos o rigoroso sentido do passado, por fortuitos efeitos que determinaram o futuro próximo e mais distante.
Cada um de nós foi o que foi por uma coisa pequena, que sem se lembrar do primeiro choro, outros choros se lhe seguiram e, como um risco feito no chão, nem sempre se escolheu dedo ou arado nem por onde fazer o rego que por coisa pouca mudou nossas vidas. Sem perder tempo com enigmas, aceitei o convite da Ana Maria para passear ao longo do Kavango até quase o Botswana a visitar rápidos e remansos das chanas deste, já com as águas do Kuito, águas escuras que vão inundar o Delta do Okavango.
Um mar muito antigo a dar vida aos muitos N´dovus ou jambas que conhecemos por elefantes, entre hipopótamos búfalos e, outras variadas espécimes. Pela picada de macadame encrespada de ondinhas já para lá do Divundo, dos vários cuca-shops* e cola-colas dos chineses, passamos locais de kimbos dispersos e lodges junto ao rio como o Rainbow Lodge, Nunda River, Ngepi Camp, Ndhovu Safari, mas foi no Mahango Safari Lodge escondido no denso arvoredo verde e bem na margem do rio, aonde subimos numa barcaça…
Mesa posta supimpa, para as catorze almas e alminhas do clã Miranda degustarem um bem surtido e nutrido breakfast com iguarias de crepes e outras ternuras mais adultas. Já de regresso, de novo nos internamos numa sinuosa picada de areia a visitar um lugar já conhecido como Suclabo Lodge propriedade duma madame de nome Suzi mas, agora com o nome de Divava Okavango Lodge e Spa, cinco estrelas de “elegant style and luxury”.
Cumcatano, disse eu depois de pisar o paradisíaco sítio cheio de coisas “good” logo a seguir a cubatas feitas de barro e capim com dois por dois metros, e muito matutar de como caberia ali um par de gente sem os pés encolhidos. Eu, João, Bruno e seu tio Alemão Franz lá fomos em uma pequena balsa com motor à popa e um bafana enfarpelado de caqui, seu chapéu de carcamano do Divava, um surtido de águas, refrescos e cervejas na caixa térmica.
Entre margens de exuberante verde, altas árvores, chegamos á base dos rápidos do Popa Falls. Naquela turbulência e com nossas canas de carretos, zingarelhos e estralhos, amostras bizarras e bizarrocas, farfalhudas com penas ou reluzentes, atiramos e recolhemos, atiramos e recolhemos e, por aí, repetido sem nada pescar e, eis que o campeão João num truz recolhe um peixe tigre cheio de dentes pontiagudos aí com uns dois quilos que, foi tudo na soma da pescaria, um tigre e três nadas.
E porque é vulgar dizer-se que os gestos não totalmente sinceros vão sempre atrasados, agradeci logo tais luxuriosas horas de lazer a Ana Maria e seus dois filhos quase carcamanos, mas com rusticidade na traça mirandesa, bragançana ou transmontana em seus sotaques, falas e cantorias. Soe dizer-se que todo o acto humano interfere com a vontade de Deus por mais insignificante que seja e, neste dia de Domingo, quatro de Janeiro do ano da graça de 2015 assim foi…
Só fui livre para poder ser castigado na míngua da pesca com um escassíssimo nada. Também nisto, não posso ter remorsos! Um dia de cada vez com encontros decisivos de nula ou muita importância, um simples dia de vida com rooibos tea and rusk bread, Windhoek lager, biltong bóher e bacorinho no espeto, assado pelo Thinus de Outjo, o mais genuíno carcamano bóher da família Miranda.
(Continuarei pelo Okavango – Terras do fim do mundo, Rundu em dialecto Ovambo…)
Bibliografia: Cuca-chopes: - Muito pequenas bodegas; vendas à margem das estradas que têem cerveja e bolachas já fora de tempo, Coca-Cola e fuba; Kavango: - Rio que faz fronteira entre a Namíbia e Angola, que deu o nome à região; Bafana: - natural da região, normalmente negro na cor; Zingarelhos e estralhos: - apetrechos de pescador; Rooibos: Chá de capim do Calahári; Bóher: de origem Holandesa saído da colonização da Companhia das Índias Orientais…
Nota: Com um levado agradecimento à familia Miranda que no Divundo da Namíbia,me deram guarida grátis! Terra de xirikwatas, um pássaro que come jindungo - foi Dona Elisabette , recenteente falecida que me deu ese conhecimento com o mais bonito riso que senti naquelas terrs do fim-do-mundo... Ao amigo Miranda um abraço XXL...
O Soba T´Chingange.
Tou??? Mariano Gaaago? É o Zé Sócrattes. Oh, pá, ajuda-me aqui, porque o meu curso de informática foi tirado na Independente e o professor faltava muito. Estou a experimentar um destes novos computadores dos putos, o Magalhães, mas não consigo entrar na Internet! Estará fechada?
- Desculpa?....
- Oh, Zé!.... bom, deixa lá agora isso, depois eu explico-te. E o resto, funciona?
- Dá lá a ordem de impressão, a ver se desta vez resulta.
- Espera aí...
MAPUTO . LOURENÇO MARQUES DE OUTROS TEMPOS
XI´LÍNGUINE …. NA ROTA DOS ELEFANTES
Crónica 3441 – 18.07.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
Na rota dos elefantes, de Maun cruzei o Choba como um pioneiro caçador de marfim. Corri o mato longínquo alimentando-me a carne seca de kudu e chá rooibos até que parei de espanto nas cataratas Victória falls, um majestoso volume de água caindo em turbilhão. É o Zambeze rugindo, entalado entre o Zimbabwé e Zâmbia.
Xi´línguine entra nesta estória porque eram os comerciantes monhés que adquiriam os dentes de elefantes para serem revendidos por um alto valor em Diu, ou Goa expandindo dali o negócio para a restante India. Era no bairro das Fontainhas do Maputo, antigo Xi´línguine que o meu fantasma feito caçador, numa geração passada, ia vender este marfim.
Era um recanto de Goa em África com a azáfama de bazarucos e mouros em armazéns térreos e prédios com cimalhas, janelas estreitas e portas grossas. Por entre pátios estreitos, telheiros de quintal acanhados, muros grossos, escadinhas e anexos cubículos, no acto de negociar a bom preço, os aromas orientais, cheiros doces de especiarias fortes, embotavam-me a perspicácia do negócio de marfim.
Os armazéns de chifres e panos dispunham-se laterais ao pátio dos fundos, quartos detrás a dar para os jardins com mamoeiros e plantas aromáticas. A mercadoria confundida com as tarefas da família empilhavam-se a forrar as prateleiras da loja até acima. O retalho no armazém misturava-se com chifres de elefante.
Este meu fantasma de há cem anos atrás não chegou a fazer fortuna porque era umas mãos largas com as meninas da “Delagoa Bay”. Era um verdadeiro aventureiro. Os monhés, com talento de negociantes, tenaz trato, solícitos ou submissos, regateavam até ao último suspiro.
- Eu, vai comprar mas têm vender barato sinhô.
- Muito caro sinhô, melhor é trocar por este pano bonito, chegou ontem. O sinhô ganhar bom dinheiro, levar no M´Puto, nós fazer negócio.
- Não quero, são cinquenta libras. Não têm mais conversa.
- Vem cá sinhô, vamos dividi, eu dar quinze libras e mais este e este retalho bonito.
O meu passado fantasma fartou-se, e lá acabou por ficar meio por meio na divisão de libras e panos da India.
- O raio do paquistanês, levou a melhor. Naquele então a vida ainda era mais difícil. O mundo está dividido em dois tipos ou categoria de pessoas, os crentes e formatados e os cépticos ou desformados. No entanto o Aurélio Suassuna do Brasil é que contava com graça que, o mundo na versão de uma Dona muito xispeteó do Ceará, dividia o mundo em os que conheciam ou não a Disneylândia…
Para alguém renascer terá que deixar-se morrer, se alguém quer andar erecto tem que perder o hábito de se curvar ou ajoelhar subservientemente a outros homens. Para alguém se alimentar intelectualmente de algo novo, refrescante, desafiante, impactante, tem que esvaziar e reciclar da sua mente todo o lixo que aí foi acumulado ao longo dos anos pela escuridão em que fizeram viver nossas mentes.
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos (1924)
Crónica 3440 – 18.07.2023 - HISTÓRIAS DA TZÉ-TZÉ . 2ª Parte
Tempos de quitanda e tipóia
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
É Pedro Muralha que descreve (foi no ano de 1924):- “A manha aparecera fresca nas margens do Cuanza naquele treze de Outubro…, muitas pretas, conduzindo à cabeça ou ás costas enormes quitandas, cheias de várias mercadorias indígenas… junto da sede do Bom Jesus (roça) ”. Isto é no rio Cuanza não muito longe do Dondo e, também perto de Muxima. “Às oito horas daquele Domingo, a quitanda estava completa e no seu maior auge.“
Apesar do barulho que os indígenas faziam, falando todos ao mesmo tempo na língua bunda, apesar do cheiro nauseabundo, devido à aglomeração de negros e às mercadorias ali expostas aos raios enérgicos deste sol de África. Ali estavam expostos tabaco em rolos como torcidos, grãos de dendên, fuba, mandioca, azeite de palma, massambala, peixe seco e toda essa enorme diversidade de géneros indígenas, alimentação dos pretos e que à vista dos europeus causam tão desagradável impressão… É *Pedro Muralha a descrever!
“Vemos pretas, todas cobertas de panos. É um pano geralmente chita, que é apertado pelos seios, enquanto outro pano assenta sobre os ombros, cobrindo-lhe todo o corpo. Na cabeça usam turbante branco. Outras apresentam-se com o peito e os braços a descoberto. São as que pretendem mostrar as suas tatuagens, algumas dolorosamente feitas…”
“Sobre esses traços pinceladas mais claras feitas com fuba e cremos que com óleo de palma. Outras aparecem com o cabelo como se fosse lã churra, a cair-lhe em canudos para a testa e para a nuca. São as quissamas (creio serem missangas). Fazem esses efeitos selvagens, deitando na carapinha óleo e casca moída de uma árvore.”
“Falta um detalhe, é que todas as pretas fumam. Usam uns cachimbos com uma grossa boquilha; tiram meia dúzia de fumaças e fazem passar o cachimbo de mão em mão para que todas fumem. Outras fumam cigarros, mas metem a parte acesa na boca”.
Lida esta passagem que não comento por os tempos serem idos, passo a outra página; a travessia do rio para o lado da quiçama, sítio de muitas pacaças, elefantes, hipopótamos e sobretudo jacarés. “Depois do mata-bicho metemo-nos num dongo (canoa) e navegamos. É encantadora uma viagem pelo Cuanza, sempre marginando por um verde capim, … e, lá está um senhor jacaré…”
“Os indígenas não deixam de ir banhar-se ao rio por causa dos jacarés, porque estão convencidos de que só é comido pelo anfíbio quem tem feitiço. E, todos aqueles que têem consciência de não terem feito mal algum - que mereça as iras do jacaré, entram pelo rio sem medo, porque o bicho não lhes toca.“
“E é assim… depois de comidos, ainda ficam desacreditados, porque todos outros indígenas ficam com a impressão de que a vítima fora muito bem castigada.” Mais à frente acerca da tzé-tzé… “O desgraçado que tiver a infelicidade de ser mordido por um vehículo desses que esteja infectado tem que ter sérias apreensões.” Crónicas de outros tempos, do tempo dos caprandandas! Ambaquistas!
Notas: Tzé-tzé – mosca portadora da doença do sono; Caprandanda – tempos antigos, quando do uso de arcabuzes; Ambaquistas - naturais da Ambaca, pioneiros cafuzes dados ao trambique;
*António Pedro Muralha (Beja 1878 - Lisboa 1946). Começou a trabalhar como impressor tipográfico e fez-se jornalista e escritor. Conheceu a redacção de O Século, onde redigiu artigos centrados nas questões do trabalho e do movimento associativo, que lhe trouxeram prestígio; colaborou também com o Diário de Notícias, a Capital e foi director do diário socialista A Vanguarda (1913-1922). Em 1924, decidiu partir para Africa e visitou S. Tomé, Angola, Moçambique e o Rand - As suas impressões de viagem foram reunidas em livro, «Terras de África», prefaciado por Ernesto de Vasconcelos e Freire de Andrade.
O Soba T´chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos (1924)
Crónica 3439 – 18.07.2023 - HISTÓRIAS DA TZÉ-TZÉ . 1ª Parte
Tempos de quitanda e tipóia
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
Naquele dia de véspera natalícia o dia estava húmido em Coimbra do M´Puto. Busquei coisa não encontrada e, perdido o autocarro sete com destino ao Tovim, decidi-me já cansado a subir a ladeira; após a avenida da Republica, passo a Cruz de Celes e mais acima, não muito longe de Santo António dos Olivais o cheiro da Petisca de Celas tentou-me a entrar.
Petisca é uma das muitas casas de meio pasto, meio tasca, aonde se juntam uns quantos resistentes da vida; já velhotes, cruzam conhecimentos na conversa da palavra malamba. Serve de sedativo à vida, vida regada com um carrascão de Cabriz que, nem é mau.
Pedi um pratinho de arroz de sanchas (míscaros) com uma carne que desfiava em gostura e, sentei-me em frente daquele senhor; por falta de lugar solicitei àquele tal que aparentava ter uns quase setenta anos e, o faça o favor veio logo a seguir.
Estava desejoso de companhia. Não foi necessário muita conversa para logo me fazer a pergunta se, se tinha vindo de Angola. Talvez pela pronúncia ou a forma trópico-cordial da minha abordagem, assim começou o inesperado diálogo da qual é objecto desta escrita na forma de malambas (palavras). Este senhor tinha o nome de Conceição Muralha…
Muralha fala-me com paixão dos tempos em que no Lobito e, sendo despachante oficial, levava uma vida restingada naquela falsa ilha de que tanto se recordava e… que já o seu avô cronista de tempos idos falava. Eram tempos de tipóia, disse ele. Lá por volta de 1924 em terras de Benguela de onde era natural, o seu avô teve de ir em tipóia de Quipupa até Dombe Grande.
Na companhia de João Lara e, numa extensão de sete léguas, tiveram de atravessar o rio Caporolo aos ombros daqueles fortes mondombes; mondombes, diz em esclarecimento, eram os indígenas naturais do Dombe e, continuou recordando feitos! Feitos dele próprio, mas mais de seu avô que em missão oficial tinha ido a Angola no navio Pátria recolher informações de várias actividades - Um repórter da escrita, acentua!
- Quem foi o seu avô? Pergunto curioso, a fim de recolher mais dados sobre este tema. E, a isto respondeu: - Pedro Muralha!... E, se quiser, uma vez que o vejo tão interessado, posso ceder-lhe o livro que editou há setenta e oito anos. Deixe ver?! Isso mesmo, em 1935 nasci eu em Benguela, tinha o meu pai uns vinte anos mas isso, não importa para o caso. Fiquei curioso!
A.ROXO ... Quem diria!? Na normal ocorrência, um desvio na rota e eis que deparo com este inesperado encontro. A completar o senhor Conceição emprestou-me o dito livro, cópia que ele prezava em que todos tivessem conhecimento. Ainda não li aquelas crónicas todas mas alcançada a página 149, não resisto transcrever alguns trechos desta leitura que descreve na margem do Cuanza as ambiências duma Quitanda (mercado), os jacarés e a tzé-tzé…
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA - ANGOLA. Outros tempos
Crónica 3438 – 17.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA*
- Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
Por T´Chingange – Em Cantanhede do M´Puto
Cheguei ao M´Puto ainda a tempo de diligenciar junto ao hospital de Torres Novas a fim de tirar a dita cuja bala ao meu pai, num tempo que só o foi no posterior e no ano de 1997; o meu pai, “o Cabeças” tinha sido bem apetrechado de porrada no após rapto junto ao largo da Maianga, junto aos Correios pelos homens do Nito Alves, foi o que disseram e, parece mesmo ter sido combinação para mandar o velho kota branco meu pai, para a sua terrinha.
Mesmo passado algum tempo “o Cabeças” parecia o mapa-mundo em manchas de sangue pisado, havia pouco espaço por cobrir; deram-lhe um tiro no escuro, algures num sítio quase fatal e, desandaram deixando-o espernear por detrás do então aeroporto Craveiro Lopes ou de Belas e, como quase morto, assim ficou contornado de capim; arrastou-se toda a noite até que, numa picada e já de dia, uma patrulha mais governamental emepelista o levou para o hospital Maria das Pias.
Um hospital abarrotado de gente esperando tratamento em todos os espaços. Dizem as crónicas que morreram nesse então mais de 30 mil angolanos que, decerto, não seriam todos fraccionistas. O kota meu pai, pela descrição posterior teve por demasiada sorte em sobreviver no meio de tantos moribundos; obrigado doutor Boavida do Banco de Angola! Se não fosse o senhor metê-lo no avião ainda hoje estaria imaginando o seu estatuto vivente, envolto numa teia de dúvida entre os muitos abatidos no 27 de Maio de 977.
Esta estória sem direito a “h” foi uma verdade a setenta e cinco por cento, com os restantes vinte e cinco, de inventação para suavizar o quase impossível ou inacreditável mas, eu continuei sendo o mano da UNITA do Kalakata da Caála; desconvocado da guerra, acantonei-me voluntariamente nos mugimbos do degredo da diáspora. Agora posso recordar de quando candengue, ouvir várias histórias passadas nessa terra inóspita, exigente nas suas relações, terrivelmente perigosa, mas simultaneamente atraente e amada.
Lembrar os comerciantes do mato, que viviam absolutamente isolados, originando a criação de alguns Postos Administrativos criados para disciplinar a soberania colonial. Que no tempo, foram surgindo estradas na forma de picadas que, pouco a pouco apareceram as carreiras mistas de passageiros e de carga depois do desenvolvimento de carros Ford, Chevrolet, Dodge e outras mais, como o Nash. Timidamente, a partir de 1920, o M´Puto já sem o Brasil independente já há 98 anos, viraram-se para ali - Angola, terra de onde nunca saímos em lembrança.
Havia as ligações com o interior a partir da costa mas, de ínfima ocupação humana a partir de Sá da Bandeira, Ambriz, Luanda Novo Redondo ou Moçâmedes. Era um problema chegar ao Huambo, atravessar o rio kwanza e de Benguela ao Humbe indo de carroça bóher, lá para as terras do fim do mundo numa eternidade. Só havia transportes lá de longe-em-longe para entrega de produtos, os necessários ao comércio tais com como enxadas, picaretas e ferramentas forjadas em Luanda ou na Metrópole chamada de M´Puto.
Mas, havia aventureiros funantes que se arriscavam a montar um boteco lá no cú de judas, levando sementes para suas lojas originando lavras; introduziram o milho e, com sementes de mandioca levadas do brasil começaram a fazer farinha de funje; levaram laranjas do oriente, abacates da índia introduzindo assim disciplina no uso e amanho da terra. Foram surgindo núcleos de gentios que permutando coisas com os funantes fubeiros mestiços ou brancos melhoravam sua maneira de vida. Ambos prosperaram trocando cornos de elefantes e mel com cachaça ou vinho do M´puto, viveres novos como o arroz a massa e a batata trazida do Peru.
O negócio com o nativo era tão intenso que, essa rude gente rápidamente aprendia por necessidade seus dialectos. Mais tarde formaram Postos Administrativos, e com seus cipaios coordenavam as várias actividades; iniciou-se a cobrança de impostos de cubata e. outros que foram surgindo com o lento progresso. As administrações sem sobrecarregar a autoridade do reino do M´Puto geriam os lugares, os kimbos, as insipientes infraestruturas das povoações. Abriram Delegacias de saúde, centros de sanidade animal e novas linhas férreas.
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas; maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola; banguista - vaidoso, com estilo; camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas – expressão de admiração; flor-de-congo – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba – amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; cazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); T’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; Porrada – pancada;
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA - ANGOLA. Outros tempos
Crónica 3437 – 16.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA*
- Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
Por T´Chingange – Otchingandji … Em Arazede do M´Puto
Eu só abanava a cabeça sem entrar no demasiado do desconhecido novo camarada e edecéteras complicativos; já tudo passou mesmo, disse eu, querendo dar solução ao meu conflito. Aquela noite comemos funje com peixe do rio, frito, bebemos umas cucas e um amigo do meu kamba, gentilizou-me um pouco de marufo ainda doce, que me satisfez do coração aos calcanhares.
Rejuvenesci! Amanhã, disse Zacarias meu kamba perna de pau, vais com o kota Alcides até Luanda, ele te desenrasca, te leva na Maianga e te deixa lá mesmo na Samba do rio Seco junto daquela cacimba do rei – tranquilo mano, muxoxei um sim! Os sonhos, naquela noite, foram por demais turbulentos no recordar dos últimos dias e, assim balouçados numa rede feita de mateba entrelaçada num desenrasca de guerrilheiro e, presa a duas árvores bem farfalhudas de verde, goteando cacimbo em cima de mim, todo o tempo – a humidade colava-se ao corpo pegajoso…
Os guerrilheiros de tuji, pseudo soldados do emepelá a fingir de governamentais, com camuflados oferecidos pelos Tugas, (meus patrícios), mais G3, granadas defensivas de estourar ouvidos e outras ofensivas de matar mesmo, lança roquetes de destroçar valentias, interditaram a passagem entre Zenza do Itombe e Malange, ninguém podia passar sem uma revista bem revirada, pisoteada de quebraduras; gente do sul fugia para norte e vice-versa…
Alguns morriam no vice, outros na versa, outros nem sabiam se iam, se vinham e dispersavam defuntados num espaço de céu louco num inferno de ódios fabricados a álcool barato e cigarros mata-ratos que, por vezes salvavam. Por vezes um cigarro valia uma vida com desaforo muxoxado – safaste-te meu! … Parece mentira mas, é a pura verdade.
Muitos como eu, fugiram para a mata sem vice nem versa, só confusão mesmo, maka à toa, muito tiro e barulho de afugentar. O senhor Alcides foi-me dando indicações muito negras da situação em Luanda, dizia-se que havia cinturas de protecção à Luua e que as pessoas levavam o tempo todo em filas para arranjar o que comer; o melhor para o meu caso era bazar para o M´Puto e esperar que tudo voltasse na normalidade! A normalidade nunca veio, quersedizer, nunca chegou – fugiu também, só pode…
Era mesmo melhor nem pensar muito profundamente! A minha vida estava em risco, meu pai já tinha sido recambiado para o M´Puto por ordem do doutor Boavida, do tiro que tinha levado na perna, os cubanos do hospital Maria Pia desconseguiram livrar-se da bala junto à rótula do joelho e, corria o risco de gangrenar. A mãe Arminda lá na Maianga era uma barata tonta a tentar reunir coragem dos filhos.
Isto é mentira sonhada só num tempo que ainda não o era, mas veio a ser verdade sim senhor! Veio a acontecer de verdade mesmo, no 27 de Maio do 77 com a mãe Arminda já no M´puto! - Pronto, vou-me embora, acabou-se! África é dos Van Dunem, Mingas ou Punas e da puta que os pariu – Não dava para aguentar, mesmo! Com negócios candongados da Luua, desaconteceu, que fiquem assim mesmo na abundância de muitas asneiras para refrescar a raiva enraivecida de guerra, desabafei; pronto, já está, que pariu sem mãe nem nada.
- A Luua anda, dos deslocados, mendigos com chagas e meninos brincando entre jipes de jantes desmanteladas e bielas, empinados no lixo do quintal; lixo que abunda entre destroços, nos musseques. Água escura e malcheirosa que corre e escorre e a velha mamã Josefa, vendendo do outo lado mesmomesmo encostada no tapume de ripado a chapas de lata de leite Nido e azeite galo mais aduelas de barril de vinho Camilo Alves do M´Puto, a tapar buracos de escapamento de galináceos…. Por hoje chega, estou furibundo…
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas; *Dipanda: acontecimentos após o onze de Nov.1975, sociais, políticos, das makas e posterior guerra; Maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola MPLA; Banguista - vaidoso, com estilo; Camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas: – expressão de admiração; flor-de-congo: – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba: amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); t’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; porrada – pancada; esquindivar: fugir com astucia; mateba: da matebeira que tem casca fibrosa, com que se fazem cordas: Muxoxo: trejeito de linguajar com estalido de palato, por recriminação ou aprovação; tuji: merda, desdém; Bazar: ir embora, ecapar-se; Luua: diminutivo de Luanda.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos
Crónica 3436 – 16.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA* - Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
PorT´Chingange – Em Cantanhede do M´Puto
No ouvido ficou em fundo aquele ruído de rumba cubana. Os trilhos do comboio eram a minha referência, deslocava-me penosamente a caminho do Dondo; não sabia ao certo para onde ir, caminhava para me manter inteiro e ocupado, tinha em mente chegar a um sítio no sentido do mar kalunga, aonde pudesse confiar em alguém que me levasse a Luanda descendo o rio Kwanza até à Muxima, em canoa que ainda teria de roubar ou descolonizar.
Ali, com alguma sorte, iria encontrar o camundongo Zacarias, um ajudante de fubeiro conhecido desde candengue e, a quem salvei da morte numa dessas andanças em descoberta por terras de Cambambe; Naquele enquanto, eu era um estagiário de montador electricista recém-saído da Escola Industrial de Luanda, hoje Instituto. Não esquecer que estamos agora em 2023.
Descrever o que se passou na salvação daquele desinfeliz Zacarias levava muito mais tempo que escrever esta pequena crónica mas, o certo é que o salvei de morrer electrocutado; foi a minha maior façanha, como electricista, salvar Zacarias de uma morte certa com a fase a atravessar seu coração; Agora, ele levar-me-á a sítio de segurança, pois sempre foi bem visto entre os emepelás de Catete, amigos de escola do próprio Agostinho, o sofrível poeta que respirava cachaça assim fosse kimbombo.
A flor-do-congo, com a caminhada, tornou o andamento muito por demasiado penoso, tive até de recorrer a uma pêra abacate para besuntar as partes dolorosas, o certo é que melhorou um pouco pela gordura que este fruto tem. Fazia calor pra burros tossir asneiras, uma humidade de escorrer suor salgado, bichezas zangadas com a vida delas, picando só átoa e até se metendo nos olhos – um inferno; Um inferno de calor, antigo cemitério de brancos, chamado de Dondo.
Já junto ao rio Kwanza pude ver mais abaixo no sentido da corrente umas canoas presas a uns arbustos pendentes na água. Deduzi... Estava em Massangano! Longe, mas não tanto podia ouvir bafos esfarrapados de rumba e merengue; eram extintos ou fugidos guerrilheiros afogando-se em mágoas, dançando em bolero crueldades transpiradas, libertações sem sucesso das restolhadas revoltas de guerra ou daqueles tais cubanos que já ali estavam na tarefa de cooperação internacionalista do projecto Rosa ou Otelo, os vermelhuscos da revolução dos cravos importados por estes e outros generais da mututa, de aviário do M´Puto.
Esfarrapado por entre um ermo de coisa nenhuma, muita verdura e água barrenta, deslocava-me com o máximo dos cuidados assim como uma gazela perseguida por onça. Fechei a boca para não me denunciar e, os dentes nem se deram conta da minha mão que a tapava, por vezes para ouvir os sons além da ofegante respiração. Conduzindo o medo através dum cacimbo cerrado, de árvore em árvore, sentia o próprio bafo de fome; o peixe-seco, a cerveja, o funje em um equívoco de pensamento.
Massangano, haka!... Ai-iu-é; já estava mais, por detrás. Esquindivado entre capim cortante parecido com caxinde, vi (talvez a uns cinquenta quilómetros de Massangano), rio abaixo, homens gesticulando mujimbos. Já todo xuxado, riscos de sangue, só pedia mesmo ao meu tio Nosso Senhor que não aparece-se um jacaré. Na medida da vista mais aproximada pude ver equilibrando-se na jangada, o kamba Zacarias Catetense, bem me parecia pela voz mas, estranhei a falta de uma perna pois, tinha em seu lugar, uma de pau tipo capitão “charuto” do baleizão (gelado de chupar da Luua)…
T’ximbicando um bordão ajustado no sovaco e, naquela borda do kwanza, repito, parecia até um corsário como nos livros dos desenhos animados do Emilio Salgari ou fugitivo Tirado do livro papillon esqundivado da ilha do inferno. Quando lhe gritei o nome, fez-se um silêncio silencioso medido de medo mas, no despois um grande abraço, aperto de mano katé e, quis saber das makas de N´Dalatando e dos kazucutas penetras do sistema... Eu bem que te avisei naquele entretanto lá na Samba, te lembras de quando fomos apanhar mabanga, te lembras? Sim, lembro! Graças ao meu Tio, estou salvo, bem-haja …
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas ; *Dipanda: acontecimentos após o onze de Nov.1975, sociais, políticos, das makas e posterior guerra; Maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola; banguista - vaidoso, com estilo; camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas – expressão de admiração; flor-de-congo – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba –amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); T’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; Porrada – pancada; Esquindivar: fugir com astucia…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
Metido em apertos, transpirando desaforos, entalado em imbambas, apanhei boleia numa GMC até Cassoalála. Uns pseudo militares do MPLA encostaram-nos à parede de uma casa em ruínas algures num lugar do Zenza do Itombe – nunca mais o esquecerei! Enquanto revistavam a camioneta, partiam tudo sem mais nem menos, nem porquê e, por querer. Senti ali a minha vida a correr para trás na própria marcha-à-ré; teria de me raspar na primeira distracção dos barulhentos guerrilheiros que fumavam Caricocos e AC de uma forma tensa, no intervalo ou por falta da liamba, maconha.
Eu até que já tinha ouvido um zunzum mas, admirei-me de este Senhor Camionista saber destes detalhes ainda tão insipidamente conhecidos e nunca falados na rádio Oficial e Rádios Clubes espalhados por Angola. Entretanto nesse mesmo Janeiro, o MPLA, a UNITA e a FNLA assinavam o acordo de Alvor em Portugal.
Menos mal que apareceu em um jeep um mulato fintador, muito cheio de banga, com divisas de tenente, penteado de balas em diagonal que, de tão herói, destabilizou a guarda em curiosidade – tudo parecia um filme a preto e branco retirado do cinema, guerra do Vietname aonde ninguém parecia ter lido o texto a cena…. Estou lixado!
Glossário
UM ANTIGO DESERTO
FÁBRICA DE LETRAS DA KIZOMBA – Crónica 3434 – 13.07.2023
-“Divundo e Katima Mulilo - Secreta missão ” no Okavango River - relembrando o Mazambala Lodge da Namíbia
Por T´Chingange – no AlGharb do M´Puto
A Baía dos Tigres (livro) de Pedro Rosa Mendes, introduziu o jornalista aos relatos vivenciados na viagem feita entre Baia dos Tigres em Angola e Maputo de Moçambique, com passagens pelo Sul do Zaire, Zâmbia, Zimbabwe e Malawi. O nosso encontro foi no início da Faixa de Kaprivi, cruzamento de rotas com saída para Botswana e Zimbabwe. A novela, romance, resulta de um cruzar das realidades de então com a ficção, onde se misturam histórias inventadas, um tudo-nada tendenciosas assentes no subterfúgio da ficção.
"É o multiplicar a mentira a partir de coisas que realmente existiram", usando seu próprio linguajar. A viagem narrada nesta obra tenta retratar as angústias vividas por uma população anónima que quotidianamente contacta com uma realidade atroz, o poder entre dois partidos que querem o poder, UNITA e MPLA. Na visão de Rosa Mendes sobre um quotidiano diferente, constitui-se como um narrador subjectivo que observa e opina sobre situações que se lhe deparam, ausente dos meandros intestinos da guerra; omitindo o embrião dos factos.
A aventura deste trajecto descrita por um beirão do M´Puto sem conhecimento profundo das realidades angolanas de então, tem o mérito de relembrar 100 anos mais tarde, as explorações feitas por Capelo e Ivens. Num encontro fugidio, trocámos aleatórios pontos de vista sem preâmbulos encabulados. Ele e eu, escondíamo-nos do outro lado das margens duma guerra parva que nem o destino dava justificação. Ambos, seguimos rumos de interesses e curiosidades diferentes. Neste dia iria visitar as margens mansas do Okavango a convite da Ana Maria Miranda. Ver a natureza esplendorosa na companhia dos bois-cavalos dos rios chamados de hipopótamos.
Passamos por lá todo o dia, comemos debaixo dum d´jango podendo ver do outro lado o desmantelado quartel da UNITA quando ainda eram os Sul-africanos que ali mandavam. Os hipopótamos e nós expeditos comparsas do acaso naquele instante, nada queriam saber da guerra, era a natureza que nos empolgava, as águas barrentas conspurcadas de merda do boi-hipo de boca grande e a mata circundante cheirando a África. São momentos que marcam; irrepetíveis.
Depois de ter estado com San Nujoma (Presidente de então da Namíbia) na margem do rio Okavango, seguimos o caminho de Katima Mulilo cruzando todo o Kaprivi Game Reserve, uma faixa com 32 km de largura apresentando-se no mapa como um dedo indicador apontando o Zimbabwé. Com cerca de 180 Km de extensão com floresta de folha larga, ela foi desenhada pelos britânicos em Berlim para poderem ter acesso a todas as suas possessões.
Os ingleses, tinham o sonho de unir Cape Town ao Cairo. Estende-se pela fronteira do Sul de Angola até ao rio Cuando formando o Delta do Okavango do lado namibiano, com ilhas dispersas a partir daquele rio, tendo o Botswana a Sul. Os rios Zambeze e Chobe formam as fronteiras Nordeste e Sudeste. O nosso destino são as Cataratas de Vitória Falls no encontro da fronteira com o Zimbabwe bem próximo da cidade de Livingstone.
Já em Katima Mulilo resolvemos fazer compras no maior supermercado da região pertencente ao Sr. Coimbra, um refugiado Tuga vindo de Angola logo após o 25 de Abril; parece que este senhor tinha uma qualquer ligação com a PIDE e numa primeira etapa de sua fuga assentou em Windhoek e depois rumou a Norte. Tomamos contacto esporádico com a família que tomava conta do negócio e depois dirigimo-nos até às margens do Zambeze aonde assentamos arraiais no hotel Zambeze River Lodge de características africanas e com acomodações para visitantes de mochila, como nós.
Foi bom ficar ali sentado na margem daquele Zambeze ainda manso cruzando pensamentos das terras do Fim-do-Mundo que no correr dos tempos parecia ser só uma ilusão. Era assim, a bem dizer, um explorador moderno com todas as mordomias seguindo a peugada de Silva porto, Serpa Pinto e Capelo e Ivens. E, como foi bom pisar aquelas terras, ver manadas de elefantes raspando a terra impondo poder e abanando as grandes orelhas a meter medo. Ao cair da noite fizemos o nosso brai com aquela carne saborosa de caça que só existe por aquelas paragens. E, como eu gostaria de repetir esta volta mais uma terceira vez; E, aconteceu voltar por mais vezes à revelia de meu amigo José Pedro Cachiungo, um dirigente da UNITA que me aconselhou pela negativa acabando por me dar alvissaras.
Estas áreas remotas do globo são completamente diferentes de qualquer outra região; com muitas aves, plantas aquáticas, grande número de mamíferos e muitas espécies de vegetação de pequeno e grande porte como a Marula. No Mudumo National Park podemos apreciar búfalos, elefantes, leopardos, hipopótamos e muitos outros antílopes. Pelo menos uma vez na vida, o ser humano deveria ter a possibilidade de ali ir ver o verdadeiro paraíso da terra. Fui lá uma terceira e quarta vez para condizer com o ditado, não há três sem quatro, conciliar assim minha turbulência…
O Soba T´Chingange (em Mazambala Lodge)
O CHOQUE DO PRESENTE – No mundo imperfeito, também muito redondo dos silêncios, o melhor mesmo é assobiar…
Crónica 3433 de 11.07.2023 – Lagoa do M´Puto; Algarve - A VIDA NUM PISCAR DE OLHOS...
Cafufutila ou kifufutila – É deitar “gafanhotos” ou falrripos de farinha grossa pela boca quando se come kikwerra …
Por T´Chingange – Otchingandji
No calor do Sul do M´Puto, com sol queimoso de Julho, sabor salobre de ventos rodopiando nas horas que Deus ordena, marés longas de vontades, aqui estou numa espera em hora extra, tentando a custo interpretar o Islão. Esse tal com laivos de maldades e decapitações, que nem a esquerda comunista estalinista e maoista no seu lado mais negro, inchado de uma carga negativa do passado em países redondos, com perfeição nos silêncios.
Com fúteis caprichos de poder, esmiúço os tempos fantasmagoricos para saber a verdadeira razão dos paradoxos futuros. Sim! O futuro de um mundo surreal tentando compreender melhor a essência dos seus divinos. Agora, já kota mais-velho, conto o joguete das lutas de tantas portas ou portais desconhecidos com números aleatórios, algoritmos e inventações muito perfeitas da Inteligência Artificial revirando nossas narrativas botadas no lixo.
Sendo mazombo de Angola (filho do colonos) na criação e, vivendo entre astucias enganosas e superstições intestinas, falo e penso como se fosse um africano preto na cor, captando como um íman as feitiçarias das memórias feitas tradição. Aqui estou hoje, junto ao castelo de Ferro Agudo, olhando a outra margem do rio Arade com edifícios da cor da terra, torrões amarelecidos; afinando ou ajustando os binóculos tasco de marca, por forma a ver ao pormenor o tal Yate preto que agora me parece mais um veleiro.
E, lá está escrito “Neptuno I” no lugar mais central e cimeiro que penso ser a cabine do piloto, do dono ou patrão de costa ou talvez o chefe de um país muito cheio de gasosa para fazer banga na antiga metrópole do M´Puto – da Terra dos Mwangolés. No mundo imperfeito e como disse, também muito redondo nos silêncios, acho melhor referir o nome do patrão saltitando porque, até pode nem ser verdade, correndo o risco de, se teimar, ficar enfeitiçado de uma forma total.
Mudo aqui o discurso porque surgiu num jeito estranho entre mim branco e, a pequena calema um monangamba, preto que nem um tição, com trancinhas sebeirosas e brinquinho, óculos encaixados nos rebeldes cabelos, assim e gingão olhando-me de frente num olhar turvo perguntando-me aonde tinha apanhado os mexilhões. Acabava de chegar da bóia trazendo os bivalves numa bolsa estanque, musgosos de verde arrancado de seu casco também verde, meu viveiro secreto.
De antenas no ar, vislumbrei esta assombração de forma estranha e, como não tinha aspecto de fiscal marítimo, de repente, as feições mudaram-se-lhe, já tem o cabelo mais curto e, nem quero acreditar! Será possível? Era Nito Alves feito fantasma sem tirar nem colocar, apresentando-se muito prá-frente, como se fosse um surfista e não um fraccionista. Andou mais uns passos para o meu lado esquerdo e, na sombra do castelo retirou um papel duma pequena pasta retirando umas ervas dum pequeno baú, enrolou-as em seguida no dito papel levando-o à boca; foi uma cena em tudo parecida como um velho fumador de francês avulso. Disfarçadamente, fiz-me mosca, olhando de soslaio!
E, foi quando o cigarro feito desse antigo modo, levado à boca afogachou-se sem ser aceso, lançando fumaça às argolas – uma de cada cor tipo arco-íris. Aqui tem coisa! O cheiro da maconha tipo liamba às narinas; sem querer, olhei forçado o seu olhar e, era ele mesmo, Nito Alves, o mesmo do 27 negro de Maio angolano afirmando que aquele barco veleiro preto, era de João Lourenço o mwangolé presidente da bagunça feita país. De frente, aquele tipo piscou-me o olho esquerdo na forma de morse, três pontos, três traços, três pontos! Um morto a lançar-me um SOS.
Isto deu para ficar apreensivo sem definir se estava mesmo aflito ou se era uma mensagem para mim! E, nem via nada que justificasse um SOS em código de morse porque aparentemente estava direitinho da silva; todo inteiro e sem justificação do plausível. Seria isto um aviso de quê!? Pópilas! Eu, bem quero chegar aos trezentos anos tomando o chá de rooibos dos bosquímanos, com brututo, gengibre e ipê-roxo, mas seriamente, duvido poder chegar a um terço dessa fasquia. Acredito que queiram saber mais acerca do barco Yate ou veleiro pertença do senhor JL (João Lourenço) mas, as circunstâncias medrosas não permitem que abra uma nova frente de guerra sem haver razões independentistas. A vida é mesmomesmo uma farsa!
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL
– TROPEIROS
3ª Parte - Crónica 3432 – 08.07.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Lagoa do M´Puto
A viagem da frota aonde ia D. João VI em sua ida apressada para o Brasil, era composta de dezanove navios; transportando entre 12 a 15 mil pessoas, demoraram 54 dias até aportarem a Salvador da Bahia. O destino que era Rio de Janeiro, foi encurtado para Salvador, porque surgiram contratempos de tempestade com sequente dispersão de naus e, cansaço de gente desabituada às agruras do mar.
Chegados a Salvador a sete de Março de 1807, por ali ficaram um mês; D. João foi instalado no palácio “A quinta da Boa Vista”, cedido por um traficante de escravos. Carlota Joaquina, sua esposa (a Rainha), foi instalada em Botafogo com os seus filhos. Muitas casas foram por isso, requisitadas para instalar os demais elementos da corte e séquito de altos funcionários, assessores e suas respectivas famílias. Para isso iniciaram a marcação das casas escolhidas, escrevendo nas respectivas portas as iniciais PR de Príncipe Regente. A picardia Carioca, que já começava a expandir-se em tertúlias marialvas, logo interpretaram como sendo “PR - Ponha-se na Rua”.
Por falta de higiene, em algumas das 19 embarcações, desencadeou-se tamanha praga de piolhos que até as damas tiveram de cortar rente suas cabeleiras. Ao lado do Príncipe Regente vinha a senhora sua esposa, Carlota Joaquina que de olhos rebrilhantes, seca de carnes num rosto de nariz e queixo compridos, se via feia de amedrontar.
No meio do séquito desleixado, as mulheres apresentavam-se com turbantes a cobrir totalmente a cabeça; era uma nova moda trazida da europa, assim pensaram as mulheres que recepcionavam a corte. Pelo já descrito, por via da praga de piolhos que grassou em algumas naus, aquelas damas tinham sido obrigadas a tapar as inestéticas carecas. Nos meses que se seguiram, as damas cariocas passaram a usar tal turbante como coisa chique.
E Já em terras de Vera Cruz, de novo se vai falar dos Tropeiros (condutores de mulas) que na interpretação historiográfica, sobre estes, recaiam relatos depreciativos considerando-os de viajantes estrangeiros; aliás muitos comentadores diziam que ter essa função, não era motivo de orgulho para ninguém. Sob o titulo de “transportes arcaicos” foi Pandiá Calógeres jornalista de “O Jornal” no ano de 1927, criou novos contornos à tipologia social do tropeio recuperando-o como lo de aproximação entre o mundo rural e urbano, como o portador de noticias ou recados que surtiam alguma simpatia entre os populares.
Em verdade foi através deste transporte com mulas que se impulsionou parte da produção agrícola e exportação ou abastecimento, a partir dos portos e mercados por todo o Brasil. Em meados do século XIX, em Pernambuco, as tropas de mulas foram de mais eficácia do que as carretas conduzidas por bois, principalmente no transporte de açúcar saído dos engenhos em sacas de 60 a 80 quilos.
Em Minas Gerais, sem saída para o mar, por vias terrestes ou vias fluviais, todo o comércio era feito por mulas, ‘inclusive outros produtos de difícil transporte como o vidro. Tudo isto proporcionou o aparecimento de pousos na forma de estalagens precárias, barracões sustentados por pilares e abetos dos lados. As tropas de mulas só começaram a decair quando surgiram estradas macadamizadas aonde as carroças percorriam mais velozes. Ao redor das mudas criavam-se roças, plantações de milho e sequente fixação de gente.
Com os seus 170 quilómetros de extinção a via de macadame ligando a colónia de Filadélfia em Minas e o litoral ligando Petrópolis a Juiz de Fora, com pontes metálicas e estações de muda tipo “far west” anunciaram a modernidade com a criação de carreiras regulares do tipo das diligências americanas. O aparecimento das ferrovias declinaram a importância tanto das carroças como das tropas de mulas a partir da década de 1870, impondo-se na ultimas décadas do Império. O “Brasil Império”, uma época da História do Brasil, teve início a 07 de Setembro de 1822 – quando ocorreu a Independência do Brasil. O Período Imperial teve fim a15 de Novembro de 1889 – quando ocorreu a Proclamação da República.
FIM
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DA KIZOMBA
– Na piscina da Pajuçara, tive a companhia de uma tartaruga com bem um metro de diâmetro…
Crónica 3431 – 07.07.2023
PorT´Chingange (Otchingandji) – Na Lagoa do M´Puto
Em minha hidroginástica matinal na piscina da Pajuçara, tive a companhia de uma tartaruga com bem um metro de diâmetro, tomando em conta que sua cabeça que emergiu várias vezes, era do tamanho de um coco de meio porte. Foi a única parte de seu corpo que emergiu da água bastante turva. E, por a água estar turva, não deu para ver o corpo integral a uns escassos 4 metros. O turbilhão de ondas que batem no recife, tornam a água muito cheia de pequenas partículas que se soltam de entre as rochas dando a cor esverdeada à água.
A cabeça desta tartaruga parecia um camuflado castanho os quais se salientavam os olhos por serem grandes e luzidios. Este acontecimento deu-se em cinco dias alternados perfazendo nove aparições e sempre emitindo um som forte de aspiração de água ou o enchimento de seus pulmões – um sopro que me meteu medo pela primeira vez pois que estava sem pé na altura de água e também o foi novidade.
Entretanto chega o pescador de bicicleta andando na areia compactada de molhada e, por ali estacionou perto do meu local com o património do Conde do Grafanil, composto de uma cadeira inclinável e o chapéu-de-sol e chuva quando ela cai molhada; claro que também ali estavam meus chinelos de pé, a mochila, a flanela, a chave do mukifo - tudo tapado com a toalha mexicana. Chegado ali pelas 5 e 50 horas dou assim abertura à praia ainda deserta de chapéus e gente.
Por vezes cai um cacimbo que aqui tem o nome de garoa; nestes dias mais chuvosos esta chuva de molha-tolos dá algum desconforto mas não demora muito o sol desponta inchado de 27 ou 28 graus e, que em certos dias de verão pode mesmo ir até aos 32 graus. Quando a água está quase um espelho é muito agradável andar na água sem pé para lá e para cá ora fazendo de rã ora fazendo de jacaré e por vezes de hipopótamo. Assim e lentamente faço percorrer o chapéu branco com riscas verdes do Palmeiras Futebol Club treinado pelo português Abel Ferreira, ora indo para poente ora para nascente.
O pescador, senhor Zeverino do Jaraguá, entra na água com sua rede de cerco com os seus cem metros; assim enrolada dum certo jeito, espeta um pau comprido na areia que tem o início da rede e, andando com água acima do peito vai dispondo a rede paralelamente à borda água fechando-a mais à frente nesses tais cem metros. Vejo esta tarefa mais ao largo distinguindo a rede pelas bolas brancas de esferovite que proporcionam o boiar da rede. Do fundo os chumbos dispostos ao longo da mesma rede veda por assim dizer a zona do cerco.
A finalidade é fazer com que os peixes ali fiquem presos; para esse efeito Zeferino bate na água fazendo com que o peixe se enfie na rede; Não tem sido muito feliz nos dias que tenho observado sua tarefa e por vezes vêm caranguejos chamados de ciris. Mesmo que nada pesque, ginastica seu físico dando vida à sua hora extra. A operação de bater a água é feita simultaneamente com o fecho da rede de forma lenta e na forma circulada de caracol até que já junta é carregada aos ombros para a areia aonde com gestos certos a vai dispondo em monte sacudindo as alas e retirando o pescado quando o há.
Um Trabalho que nem sempre o é eficaz mas, que traduz a verdadeira lei da vida, mexer-se recolhendo o proveito e em simultâneo absorvendo a seda da água com o iodo matinal e a tal de vitamina D com outros sais que nem é necessário enumerar, ressarcindo vontades de resiliência na nata do batom branco das ondas que não muito longe batem nos recifes, formando uma linha branca que confrontar mais álem o horizonte com o azul escuro da água e o escuro azul do céu.
Lá pelas nove horas, com chapéus de todas as cores dispostos ao longo da praia desde a Ponta dos Corais até o Jaraguá com seu Porto Açucareiro, é a hora certa para regressar ao mukifo. É a partir das nove horas que chegam os vendedores ambulantes com panos galhardos de cor, redes, ostras no gelo, camarão ou skol fria – espigas de milho cozido, óculos de sol, bolas e bóias e toda a catrefada de coisas que se possam imaginar. A vida, não é assim tão fácil para estes camelós…
O Soba T´Chingange
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