ANGOLA – A MUTOPA DO SECULO KINJONGO
Por
Dy – Dionísio de Sousa (Reis Vissapa)
Pirilampo entrou a correr desenfreado no kimbo do século Kinjongo como se tivesse dado de caras com uma Kazumbi ao atravessar o rio Capitão, zona mal afamada onde constava que volta e meia as almas penadas em grande abundância infernizavam as noites. Os gritos entrecortados com soluços engasgados alvoroçaram o pessoal das cubatas que deveriam ouvir-se lá para os lados do Santo António. O meu amigo Pirilampo estava literalmente siderado. As pupilas negras pareciam dois mirangolos maduros e o branco dos olhos duplicara, as lágrimas abundantes desciam em cascata pelas faces negras misturando-se com o muco opalino que teimava em escorrer das narinas. As primeiras varejeiras já começavam a esvoaçar em redor da cara lacrimejante do Pirilampo antevendo uma refeição fluida. A Josefina que moía grão no pilão, parou a sua actividade e o Elias Linguiça libertou-se da sua mangonha habitual, ambos com uma curiosidade reticente. O velho século Kinjongo nem se mexeu da cadeira manca de assento em pele de boi. A mutopa jazia indolente entalada na boca caboba, deixando escapar do fornilho um fumo indelével que atravessava as faces rugosas perdendo-se nos olhos semi-cerrados do velho século.
- Eu vai morrer tia, eu vai morrer mesmo, gritava o Pirilampo. – Todo o mundo vai morrer, Surucucu te picou, ou quê? – Comentou fleumático o mangonheiro Linguiça. - Vai morrer mesmo, vai morrer mesmo Elias. – A voz sumida do meu amigo situava-o já às portas do céu. Tudo começara com uma caçada aos cardeais que pejavam um charco das redondezas. Depois de muita fisgada sem sucesso, pois as aves escarlates resguardavam-se com esperteza no canavial, resolvemos seguir em direcção ao solar da Prima Rosa onde abundavam T´chiricuátas, Tentenas, Bicos-de-lacre e outra caça mais acessível. Caminhávamos descalços pelo carreiro evitando com destreza as makutas e o feijão maluco, quando uma sombra pairou por segundos sobre a cabeça do Pirilampo numa espécie de mini eclipse, perdendo-se em seguida em direcção à serra. O meu amigo negro ficou cinzento quando viu que a enorme águia que descrevia círculos planando na imensidão dos céus e a que chamávamos Manta, fora esta a causadora do sucedido.
Rezava a lenda que numa situação destas o atingido por esta sombra malévola da dita Manta deixaria sem apelo nem agravo este mundo numa questão de dias, e os candengues mais velhos passavam a vida a avisar-nos deste perigo eminente. Esclarecida a tia Josefina, o Linguiça e o século Kinjongo de tão grande desgraça, o Elias alvitrou que talvez não fosse má ideia fazer um Zumbi para salvar o Pirilampo dos quintos do inferno. Esta sugestão não era de modo algum inocente, pois tal cerimónia significava que uns bons litros de Macau, umas garrafas de vinho Royal e o abate de um dos bois do Kinjongo podiam abalar a pacatez chata do Kimbo e melhorar o habitual menu de pirão e esparregado de Lombi. Nos olhos do meu companheiro de caça acendeu-se uma luzinha de esperança e manifestou a sua gratidão ao mangonheiro com sucessivos – Muito obrigado tio, muito obrigado tio. Com as costas da mão deslocou metade do ranho para a bochecha direita e outra metade para esquerda. Foi então que o século Kinjongo abandonou o seu estado aparentemente cataléptico, tirou a mutopa dos beiços carmíneos e chamou o Pirilampo, que respeitosamente se aproximou dele com as mãos inquietas esfregando uma na outra e o olhar cabisbaixo de um garrote pronto para o matadouro.
O século passou-lhe o cachimbo mutopa para as mãos e ordenou-lhe que inspirasse a maconha com força durante uns dez minutos que quase certo se libertaria de tão terrível maldição. Acho que o Pirilampo andou tonto durante uns dias com o milongo do Kinjongo mas graças a Deus continuou vivinho da silva acompanhando-me nas caçadas aos cardeais. O Linguiça, falhada a tentativa de um forró, voltou a hibernar na sua esteira de caniço espalmado. Relativamente à Josefina, à falta de melhor, lá ia cozinhando na sua panela de barro negro pirão de massango e esparregado de Lombi. Quanto a mim, ainda hoje quando vejo um passaroco de dimensões invulgares a planar nos céus deste mundo, apresso-me a esconder-me no alpendre mais próximo, é que aqui na terra dos brancos não há daquela maconha milagrosa que fumegava na mutopa do século Kinjongo.
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