FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
Encontro no Malécon
Calhou ser fim de Novembro, um mês do carnaval Caribenho quando me hospedei no hotel Presidente em La Havana, Cuba, junto à Praça de La Revolucion.
Desci dos meus aposentos a fim de me informar de pormenores para a já agendada visita a El Pinar quando deparo com um aparato de alguma transcendência. Era uma delegação de Angolanos chegando nuns quantos carros do protocolo militar Cubano; fiquei atento ás figuras quando, deparo com alguém conhecido: Era o Figueiredo Alicate, vendedor de legumes secos e fuba na Sanzala do Tando Zinze, povoado próximo do quartel conhecido por Miconge.
Eu, era um Kaluanda, branco de 2ª, o Furriel Fox Monte destacado na companhia de Caçadores 1734 de Beja do Puto e, nas fugas à Sanzala deparava com aquele ainda jovem branco e de olhos azuis. No d´jango conversávamos horas a fio, falávamos das operações às Bitinas, ao Aníbal Afonso, Batassano, Kissoque, Caio Guembo e a sempre presente serra do Massábi; de vez em quando o kota soba Mateus, nosso guia das matas, também dava esclarecimentos detalhados. Estava longe de supor que aquele branco de olho azul, vendedor de fuba era turra e, por ali andava recolhendo informações; o tipo era um espião! Caraças,... mas, como é que ninguém desconfiou! O sacana!
Só agora, passado tanto tempo é que consigo descortinar o porquê daquela foto que encontrei de forma fortuita, uma kalashnikov no travesseiro da Charlotte. No verso da foto tinha o nome escrito Alicate. Charlotte era uma negra de sangue árabe, tinha feitiços especiais, versátil na arte de amar com doçura proletária, era uma via directa para a solidariedade internacional, só tinha amigos verdadeiros como eu e aquele comerciante, o Alicate. Assim pensava eu,... sempre, sempre inocente nas primeiras impressões. Enfim, matumbo de verdade.
GENERAL ALICATE, VULGO PEPETELA
Num rapidamente lembrei as patrulhas de uma semana, deslizar nos terrenos húmidos, beber água dos charcos pisoteados por elefantes e os chuçus que trocávamos por fruta cristalizada, e sardinha das rações de combate. O filho da mãe era turra e estava ali á minha frente, um alto mandatário dos mwangolés.
Não resisti, falando fluentemente o castelhano aproximei-me e fiz um cumprimento rasgado: Señor Figueiredo, como está usted, se acuerda de mim, Miconge, Mayombe, Cabinda. Fez um espanto, uma pausa e,... deu-me um sinal para nos acomodarmos a uma mesa ali naquela sala ampla do Hotel Presidente.
O que falamos é segredo nosso, mesmo para guardar, afinal Angola agora está aberta às outras opiniões. Após o jantar zaimos dali, contornamos o quarteirão e passeamos ao longo do Malécon, numa pausa tomamos um mojito com hortelã; tínhamos a brisa do Caribe para refrescar a nossa empatia. Tanto ele como eu, tínhamos feito um percurso tortuoso, ele mais dentro da lógica do que eu mas, entre nós estava uma verdade, a subjectividade para fazer dos angolanos brancos, africanos de verdade.
Ele, agora General Alicate e eu um pé rapado armado em intelectual e ainda por cima designando-me de Soba T´chingange.
O nosso destino estava na fase da aposentadoria e olhando para trás, como os kotas dos kimbos contemplávamos as manchas dos nossos bois; naquele momento, estávamos numa manada de rabos para dentro e cornos para fora defendendo a estirpe de gente zebra, de indefinida cor.
Nós, eu e ele, eramos gente distinta da manada; estigmatizados em brancura, diga-se em verdade.
Não posso alongar-me mais por agora, voltarei mais tarde para completar a estória. Entretanto passo partes de forma aleatória do seu novo livro dedicado ao planalto, às estepes e uma M´boa donzela de olhos rasgados, da Mongólia. O que falamos no Malécom, fica em segredo por algum tempo. Nada é eterno.
Pepetela no discurso directo:
“...Sei portanto do que falo. Não fiquei no entanto rico, vivendo do meu salário de de oficial superior. Até sabia como fazer as coisas, nem exigia imaginação, bastava copiar outros camaradas e guardar as comissões que me queriam oferecer em negócios legítimos (...)... conheci oficiais de logística que venderam rações de combate para os mercados paralelos, sobretudo no Roque Santeiro, um mesmo tendo desviado combustível em doses avultadas para o inimigo (...)... Não sou tipo de me gabar à toa”...
Mais adiante...
“ Nunca quis, quando era responsável, açambarcar terrenos de dez mil hectares, o mesmo que dez quilómetros quadrados, ou mais, terras de rio a rio, como muitos fizeram, para quintas de fim de semana.”
Figueiredo Pestana Pepetela e eu, entre outros camaradas, algures entre Dolizie do Congo e a velha picada que passa por Miconge Velho, tivemos um encontro com beijos de fogo; em lados diferentes, naquele dia de 1968 ficaram na berma da picada 14 heróis à condição póstuma; lamento essas mortes, aqueles desencontros, esta guerra que nunca deveria ter existido. Hoje mesmo, em mês de Maio fui ao campo e recolhi espigas, flores do campo enquanto relembrava esse desamor. Ambos, fomos vitimas e, nenhum de nós ficou herói; ainda bem.
O Soba T´Chingange
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