FÁBRICA DE LETRAS DO KIMBO
MEMÓRIAS PETREFICADAS . 1ª PARTE
Januário Pieter, de corpo frágil, carregado de maleitas e reumático, justificava a existência alongando-se mais para além do previsível; solitário, a única coisa que lhe sobra avondo é a memória, uma porta aberta aonde o passado entra sem uma ordem cronológica como sonhos que se baralham e desfazem entre nuvens cirrosas.
Com devaneios de velho perene, diz que em tudo pode pensar e, de tudo pode falar sem os caprichos de legitimidade na sua vida, agora que está no momento mais próximo de a deixar. Um agora suprimindo o tempo e, sem retorno.
Jablines-Annet, Ile de France em Seine e Marne, a trinta e cinco quilómetros de Paris. Ali estava este velho senhor, sentado, embevecido entre cânticos de pássaros e gemidos de rolas na clareira dum bosque de frondosos e altos choupos e plátanos. Olhava o ar riscado por aviões saindo de Orly a Sul e, que em fila, cortavam as nuvens num céu baço em mês de Julho.
Num pandemónio de interjeições apercebi-me que aquele velho mulato, gargarejava um português arcaico, do tempo dos arcabuzes entremeado com dialeto Kimbundo. Apurei melhor o ouvido e pude perceber que falava dum lugar por demais longínquo, do mesmo lado de onde vinham os aviões. Puxei conversa e, ao perguntar-lhe a idade fiquei confuso, tinha trezentos e oitenta e quatro anos, acrescentando ter nascido num lugar agora conhecido por Cabo Ledo mas que nesse então se chamava de Kissama.
Encantado e estupefeito, simultâneamente, ouvi a crioulagem do velho senhor; aquele linguajar tinha algo a ver comigo. O kota Pieter veio até aqui na peugada da sua própria estória, descobrir a origem de seu pai francês, olho azul que daqui saiu como mercenário aventureiro juntando-se aos flamengos que o levaram primeiro para o Brasil e, depois para as terras de N´gola aonde conheceu minha mãe N´ga Káfutila. Tinha saído à aventura do seu torrão natal “Pays des Landes” e, sempre com o sentido de fazer riqueza fosse aonde fosse, fugiu da alçada de seu pai com a idade de “quinze annés” até á costa do Atlântico e, no porto de La Rochelle embarcou como aprendiz de marujo acontecendo que no porto de Amsterdam foi aliciado a cruzar os mares pago pela Companhia das Índias: Este empório tinha a finalidade de fazer riqueza aonde quer que fosse nesses novos mundos, tão vastos, que seus descobridores Tugas e Espanhois, não tinham como os controlar. Espanha e Portugal tinham agora um potencial concorrente na disputa de um tratado feito em Tordesilhas; o explendor da Ibéria com a conivência do Papa estava condenado ao desrespeito por novas potências emergentes por novas fusões de reinos e ambições dos novos senhores do conhecimento.
Era o máximo de um sonho,... uma kianda.
Belisquei-me para ter noção de estar vivo e, doeu-me, logo, estava vivinho da costa e,... falando com alguém do tempo dos n´zimbos, libongos, das guerras de kwata-kwata e dos jagas guerreiros.
Penso,... este kota é uma kianda antiga, só pode ser!... e, deixo-o falar narrando coisas do antigamente, da sua vida, mambos longínquos com soldados Mafulos, ondas revoltas da embocadura do rio Kwanza, a praia distante, guerras confusas com Tugas n´gwetas e gente da rainha N´Zinga, com baços personagens secundários do distante Kongo do Zombo, de terras de Kassange e da Matamba.
Pieter, o velho axiluanda, vai falando:
- Um dia, eu, com catorze anos, marisquei mabanga na Samba e, por ali passei uns dias por ordem de meu pai Lestienne Pieter, Francês do Pays des Landes. Juntamos muitas cascas e lenha fazendo um grande monte, queimamos a lenha e cobrimos com areia molhada. O monte, três dias depois, ficou num pó branco.
- Na sanzala houve festa; kimbandas e t´chinganges pintaram-se com aquele pó. Pisotearam em dança a terra e, levantando poeira encorajavam kotas, jagas, sobas e m´fumos que iam chegando em alvoroço dos Dembos e um mais além do Kassange. De mão em mão iam passando cabaças com malavo de cassoneira e a cada grito dado pelos dançarinos guerreiros o povo gritava kwata mwana-pwó, kwata mwana-pwó. Era a preparação duma guerra contra os Tugas n´gwetas refugiados em Massangano.
Pieter explica:
- Meu pai era um soldado às ordens dos Mafulos que estavam na posse de Luanda; Tomava conta da manutenção, apetrechamento de viveres e materiais de construção como aquele pó branco que não só pintava caras de guerra como cubatas de brancos. Nestas casas cobertas a capim, as paredes eram feitas em barro afagado com uma mistura de argila, capim e aquele pó a que os n´gwetas chamavam de cal.
- Em verdade, o meu pai que já era tenente, mandava os escravos m´bikas do kimbo fazer estas tarefas de queimar cascas de mabanga para fazer cal e eu, candengue, por ali andava entretido t´chimbicando em n´dongos entre os mares parados da Corimba e o Morro dos Imbondeiros. Hoge têm nomes de Fotungo, Belas, Barra da Lua e Veados.
......Continua.....
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