TEMPOS ANTIGOS . ABELINO E O LEÃO DA RODÉSIA
Kafufutila / kifufutila : Farinha de bombô com açucar.
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Tenho dois netos beirões que são a minha maior alegria; para grande tristeza minha eu que sou um africano de quinta geração preferia que eles tivessem nascido num lugar qualquer em Angola, que podia ser a Chibia, Humpata ou mesmo Camucuio. De preferência longe do talhão! Mas a vida não é aquilo que a gente quer, lá dizia o avô Messias um colega meu dos tempos em que era bancário lá na minha terra. Entre muitas das razões que aponto para este meu desgosto há algumas que são relevantes. Primeiro nasceram praticamente calçados, privados do contacto com a poeira dos carreiros e aquele prazer imenso de sentir uma bitacaia a reproduzir-se no dedo grande do pé, ou tirar em corrida um espinho da sola dos pés. Segundo, não presenciarem um bando de milhares de singelas zanguinhas volteando em nuvens no espaço ou contemplarem uma iridescente vianganga no alto duma espinheira. Terceiro não brincarem com carrinhos de arame, ou fazerem carros de tabaibeira.
Entre ambos, devem ter uma tonelada de quinquilharia de plástico a que os pais chamam brinquedos. Finalmente e para não me alongar em razões, terem um dia de ir para a embaixada de Angola mendigar um visto para a terra deles, esperando em filas imensas a oportunidade de ter um emprego do outro lado do mar, à imagem e semelhança das filas no IARN abrilista. Em consequência disto, chegarem lá e ouvirem os nossos patrícios dizerem. – Olha Capunda, estão a chegar os “Retornados”, será que trazem os Idi-Amin nos caixotes?! Uns bichinhos esquisitos que fomos acusados de ter importado para o talhão na altura da descolonização. Ou então. – Esses Retornados tomam muito banho, gastam muito gás, mano. – Ou ainda como ouvi há meia dúzia de dias à porta de um supermercado – Oh Irene! Estamos tramadas com esta crise, o diabo dos Retornados deram cabo disto. Perco-me no trivial quando o essencial era falar do Abelino. Pois bem, o Avelino, quando chegou a Angola para a colonizar em meados dos anos cinquenta, trocava os Vês pelos Bês. Os pais já tinham tentado colonizar a França mas como esta estava cheia de colonos franceses optaram por Angola, terra onde se abanava uma goiabeira e caíam moedas de ouro – Chamo-me Abelino apresentou-se ele, e tal como o meu neto diz com esse trocadilho – Abô, oh abô, olha o bião.
Calouro no liceu Diogo Cão, o Abelino passou pelas tradicionais partidas da época, tais como ir apanhar abacaxis com uma escada ou uma caçada aos gambozinos, no entanto na sua educação alguém se esqueceu de lhe explicar o que era um Leão da Rodésia. Pois bem um Leão da Rodésia era um penico enorme com cerca sessenta centímetros de altura e uma bocarra de trinta de largura especialmente desenhada para bochechas anais. Muito usado nas fazendas e casas de comerciantes do mato, não vou perder tempo a explicar para que servia aquela maravilha da tecnologia sanitária e porque razão foi assim denominado. Um ano depois o Abelino já falava português correctamente e para ele um Leão da Rodésia era um canzarrão enorme que o Ian Smith inventara para comer os negros. Foi em Agosto férias grandes depois de termos pedinchado garrafões de vinho, uns patacos e sabe Deus que mais aos comerciantes do Lubango, fizemos numa camioneta da Missão de Estudos uma excursão pelo sul de Angola. Um esplendor segundo o Abelino até ao dia em que partimos um semi-eixo e chegámos por volta da uma da manhã à loja do mato e habitação do velho Borrega. À boa maneira africana o comerciante recebeu-nos principescamente, e pelas duas da matina enchíamos a mula com as penosas de churrasco e mamámos-lhes três garrafões de Sanguinhal.
Gentilmente cedeu-nos o armazém do milho na parte de trás da fazenda para passarmos a noite. Bem avinhados aceitámos de bom grado a oferta e lá fomos para aquele hotel de cinco estrelas, cheio de sacas de milho, charruas, cangas de bois e uma boa dose de colchões de palha de maçaroca, e ao fundo encostado à parede um armário de duas portas onde estava repimpado no interior um Leão da Rodésia. O alarme soou menos de um quarto de hora depois, o Abelino ou por ter abusado do Sanguinhal ou do doce de guibas (Goiabas) da Dona Felizarda Borrega, começou a contorcer-se e a lançar na escuridão ruídos estranhos de mau presságio. Eram quase cinco da madrugada e ninguém pregara olho. – Um por um suplicámos-lhe para ir ao mato.
Tá quieto ou… Bom, depois dos gambozinos e dos abacaxis e outras maroteiras do género o Avelino não pôs o pé na rua por nada deste mundo. Para piorar a situação o Toupeira habituado a dormir até em pé, vinte das vinte e quatro horas do dia, gritou-lhe. - Olha o Leão da Rodésia, Avelino. Um silêncio de morte estendeu-se pelo armazém e finalmente e como por encanto ele serenou, não arredando pé do colchão de palha de maçaroca até o sol mandar um ar de sua graça. Quando nos levantámos pergunta o Toupeira ao Abelino – Puxa pá, porquê que não usaste logo o Leão da Rodésia se tinhas tanto medo de ir à rua? – Qual Leão da Rodésia? – Tenho um medo desses cães que até estremeço e olha… Olhámos uns para os outros espantados e eu pensei cá para comigo que cara não ia fazer a Dona Felizarda quando fosse ao armazém durante o dia e deparasse com o estado do colchão.
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