Sexta-feira, 13 de Setembro de 2019
MALAMBAS . CCXXX

UM CACTO CHAMADO XHOBA . X

NAS FRINCHAS DO TEMPO …– 13.09.2019

- Boligrafando estórias e Missossos uuabuama da Dipanda* – Do ano de 1999, talvez 1997. Nossas vidas têm muitos kitukus…

Por

soba0.jpeg T´Chingange - No Alentejo do M´Puto

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Ovamboland – Oshakati - Norte da Namíbia a fazer fronteira com Angola na povoação de Namacunde. Chegado à casa do Senhor Bicho, não muito longe do hotel e restaurante do Rocha e, após as habituais apresentações mostrou-me o quarto disponível; foi-me dizendo que ainda estava em obras e que teria de ficar em um colchão ainda embrulhado em plástico, recomendando-me não o tirar em virtude de poder vir a ser vendido como novo; bem ao jeitinho português. A porta deste quarto era toda ela, uma obra de arte perfeita; representava um búfalo em baixo-relevo – uma madeira de lindos veios que se salientavam pelo verniz usado, dando-lhe uma distinta nobreza.

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Este senhor Bicho, amigo do senhor Rocha era natural da Ponte do Charuto, um local situado entre a Cidade de Lagoa e Portimão; por este facto e sendo eu conhecedor destas paragens no M´Puto, tonou-se fácil prolongarmos as falas com a cordialidade de quem é amigo dum vizinho no lema conhecido de amigo do meu amigo, meu amigo é. Uma empatia sempre resvalando na flor da humanidade. Dormi mal, muito mal! Durante a noite a restolhada do plástico do colchão e a quentura não me proporcionou um absoluto descanso. Para além do mais nem um ventilador havia para colmatar esta tórrida e suarenta noite – áfrica em todo o seu esplendor com cheiros esvoaçados por mosquitos de longas patas e um longo aguilhão sugador de sangue.

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Valeu-me um duche de água fria pela manhã, reconfortado pelo canto das galinhas-de-angola – capotas e o arrulhar das pombas com o gemer das rolas. Também dos cheiros do matabicho que vinham do lado Norte do quintal, salsicha bóher com tiras de carne seca demolhada e passada na brasa. Havia ovos e umas verduras esquisitas tipo esparregado de folha de piteira, tabaibos. Assim foi mas, um empregado do Senhor Bicho comunicou-me em português ovambado com palavras de umbundo e estalos de língua no palato dele, largo e negróide, que podia ir até aquela varanda coberta a colmo. É lá mesmo patrão, no detrás do último quarto e, logo nas curva do corredor que dá nos pátio dos frôr. O patrão “Senhor Bispo” esperava a minha pessoa para tomar o matabicho com cascas de conversa do M´Puto.

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Numa mistura de linguajar com estalidos de permeio, apercebi-me que este mocancala tinha uma mistura de herero com khoisan. Até tinha um tique engraçado de rir só átoa por via de minhas brincadeiras patachuecas. Nestes trejeitos e fungações com muitos gestos, mostrava sua falha de dentes à posterioridade fontal. Seu amplo nariz e dentes alvos de brancura, esfregados com mateba languinhenta na mistura com carvão dos brais-assadas, davam-lhe um sortido rosto de puro kazungula, Bantu. Chegando lá encontrei o senhor Bicho dando ordens a uma gorda senhora que logo se adentrou na cozinha de onde se podia sentir o odor do café e, logo se sentou a meu lado cavaqueando sobre os muitos afazeres daquela hospedaria tipo lodge do mato.

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E, falamos da sua distante terra, a Ponte do Charuto do M´Puto, bem perto de Mexilhoeira Grande no Concelho de Lagoa. Mostrei admiração pela beleza das portas quase maciças da entrada para os quartos com baixos-relevos dos cinco grandes animais de África. A minha porta era uma cabeça de búfalo; em realidade era uma obra de mestre. Bicho, sem saber da minha vontade em ir ao Rundu, do outro lado do Calai foi-me inteirando que a pessoa com quem eu tinha em mente encontrar, João Miranda, já não estava na grande base de Grootfontein.

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Ele e família só por ali esteve o tempo suficiente para enquadrar legalidade em sua inclusão nas forças expedicionárias na guerra de Angola e naquela fase crucial de avançar até Luanda, tomá-la aos Russos, Cubanos e gentalha do MPLA e seus assessores, generais de aviário do MFA. As coisas não correram como o planeado sendo desmantelados de uma forma progressiva até se retirarem totalmente depois da Batalha do Kuito.

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Parece que os Americanos viraram suas atenções por via de negociações petrolíferas e, daí derivou auxiliarem o M´Puto na evacuação dos brancos e a entrega da Namíbia ao Samuel Daniel Shafiishuna, mais conhecido como Sam Nujoma. Com pequenas interjeições minhas, todo eu era ouvidos a escutar as palavras de Bicho da Ponte do Charuto do M´Puto. Bem! Eu também estava ávido de saber coisas escondidas nos meandros poderes da política. Num repente, diz Bicho, o Jonas Savimbi da UNITA, até aí amigo, passou a ser relegado por estes americanos; gente de túji mesmo, conclui.

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A Namíbia foi entregue ao revolucionário San, que como o amigo sabe (o amigo, era eu…) é o actual primeiro presidente da Namíbia e, desde 1990. Pois! Interferi eu: - Ele estava à frente da SWAPO; tinham uma actuação insípida mas eram os que estavam na linha da frente para a entrega deste que foi um protectorado Alemão. Isso mesmo! Remata Bicho acenando com a cabeça e dizendo: Tal-e-qual! As falas do “Senhor Bispo” despertaram-me curiosidade tão redobrada que resolvi recolher os detalhes possíveis sem até falhar os porras e caralhadas feitas vírgulas, num contesto assim tão relevante.

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Pois é, continua Bicho: - Com o mando dum General de Pretória, um dia chega um indivíduo sem nome, em Grootfontein, levando-lhe um visto de trabalho em nome de João Miranda; um Hércules C-130, levou a família inteira para Pretória. João Miranda que tinha todos os seus bens em Dírico, não queria por nada ir para o M´Puto. Deram-lhe um apartamento do tipo T4 totalmente equipado; o General viu nele o perfil certo para ser integrado no Batalhão Búfalo por ser um bom conhecedor do terreno e falar a língua local e, a dos bosquímanos.

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O Batalhão Búfalo estava nesse então, antes de 1974 e, até 1975 a ser organizada há algum tempo no intuito de intervir em Angola salvaguardando possíveis investidas terroristas e comunistas. Os Serviços de Informação Sul-africanos tinham boas ligações com o governo de Marcelo Caetano do M´Puto e, já em 1966, ano em que terminei meu serviço militar da incorporação de Angola, os sargentos e oficiais do exército português mas, e principalmente oriundos da Colónia, antes de sua desmobilização recebiam um convite para serem integrados em forças Sul-africanas – um embrião da formação do Batalhão Búfalo. Eles, os Sul-Africanos já previam o que iria acontecer em Angola e, assim o foi!

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Ovoboland seria um território tampão àquele avanço. Bicho, perante a minha incerteza foi-me reavivando a memória de que assim era. Recordo assim, de nos inícios do ano de 1975, estando eu na Caála, ter ido até o Safari Motel em Windhoek e ter falado com gente refugiada, alguns deles, agentes da PIDE e gente saída das Administrações e OPVDCA; convém relembrar que esta antiga província ultramarina portuguesa, a organização provincial de voluntários e defesa civil (OPVDC) - organização do tipo milícia constituía um corpo de voluntários de ambos os sexos encarregue de prestar auxílio às Forças Armadas e de garantir a defesa civil das populações e, que chegou a ter mais de 40.000 efectivos. A OPVDC era subordinada directamente ao governador-geral ou governador da província que tinham uma noção exacta das movimentações em curso e, no estremo sul do território particularmente, colaborava com a actuação militar sul-africana.

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Nota: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional. Corresponde à diáspora de angolanos e afins espalhados por esse mundo.

GLOSSÁRIO:

Kituku - mistério; Uuabuama - maravilhoso; Matabicho – pequeno almoço, café da manhã; Ovamboland – Norte da Namibia, povo Ovambo – primos dos umbundos; Oshakati – Nome de terra ao Norte da Namíbia; Linguajar – forma de falar se regras de ortografia, fala popular dum matuto, fala de gente simples e inculta; Mocancala- gente do Sul de Angola que falam com estalidos guturais e guichos; Herero – povo da região do Cunene com tez quase branca; khoisan – Bosquímanos; Patachuecas – gíria de momento, raridades dum sítio; Fungações – enfase de cacaracá; Mateba – seiva de arbusto com características saponáceas com propriedades adstringentes; Languinhenta – babosa, que deita seiva grossa; Kazungula – Com várias falas, dialectos, próprio das terras que falam como na Zâmbia, Zimbabwé, Namíbia e Botswana mais português e dialectos de Angola, nome de terra na foz do rio Cubano; Bantu – Origem de todas as línguas ou dialectos de África; Lodge – Hotel de superfície, conjunto de casas para turistas; Rundu – Cidade do Norte da Namíbia, fronteira com Angola no rio Okavango tendo do outro lado a vila de Calai, lugar de difícil acesso; Grootfontein- Cidade da Namíbia que acolheu os refugiados de Angola, primeiro acampamento da diáspora maioritariamente brancos fugidos da guerra do Tundamunjila- Uns ficaram, outros seguiram destinos vários como o Brasil, o M´Puto, Austrália, Argentina e Estados Unidos Da América…;

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Batalha do Kuito - A Batalha de Kuito Cuanavale foi o maior confronto militar da Guerra Civil Angolana, ocorrido entre 15 de Novembro de 1987 e 23 de Março de 1988. Tanto a UNITA como o MPLA, se declararam vitoriosos...; SWAPO – Movimento de libertação da Namíbia liderada por San Nujoma; Batalhão Búfalo - Designação oficial do 32º Batalhão de Elite da África do Sul, nome original em africâner 32-Bataljon; em Angola ocasionalmente chamados. O batalhão foi fundado para trabalhar na operação Savana, inicialmente com o nome de "Força Operacional Zulu", como iniciativa do tenente-coronel sul-africano Jan Breytenbach, que recrutou, sobretudo, soldados da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) que, derrotados no Sul de Angola por MPLA & Cuba, se refugiaram no Sudoeste Africano (hoje Namíbia)... Nela, foram integrados, elementos oriundos de Portugal, do Reino Unido, da então Rodésia, dos Estados Unidos, de Angoa, milícias de S. Tomé entre outros – o batalhão foi considerado como a Legião Estrangeira sul-africana…

(Continua...)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 15:13
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Temos um Hino, uma Bandeira, uma moeda, temos constituição, temos nobres e plebeus, um soba, um cipaio-mor, um kimbanda e um comendador. Somos uma Instituição independente. As nossas fronteiras são a Globália. Procuramos alcançar as terras do nunca um conjunto de pessoas pertencentes a um reino de fantasia procurando corrrigir realidades do mundo que os rodeia. Neste reino de Manikongo há uma torre. È nesta torre do Zombo que arquivamos os sonhos e aspirações. Neste reino todos são distintos e distinguidos. Todos dão vivas á vida como verdadeiros escuteiros pois, todos se escutam. Se N´Zambi quiser vamos viver 333 anos. O Soba T'chingange
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