ANGOLA . LUBANGO – Ir ao mato era um acto quase solene mas, havia o feijão maluco mais a surucucu a respeitar.
Por
Dy - Dionísio de Sousa (Reis Vissapa)
IR AO MATO
- Hei, Salmonela, vou ali para trás daquela goiabeira desentupir a canalização, cuidado não vires para lá a chifuta, que não quero apanhar com uma pedrada no mataco. Na minha meninice este pedido feito a alguém que tivesse ido connosco caçar passarinhos era sacramental, ainda para mais que o meu amigo Salmonela era vesgo do olho esquerdo. Em verdade vos digo, que lá na minha terra, o Lubango, ir ao mato era um ato solene e que exigia uma dose de coragem bastante dilatada. Pessoalmente não acredito que exista alguém à face da terra, ou mesmo a fazer tijolo nas terras do kaparandanda, que nunca tivesse passado por essa experiência verdadeiramente sublime de defecar no mato, mas que havia risco lá isso era indubitável. A escolha de uma goiabeira obedecia aos critérios normais, exigíveis para tal prática.
Em primeiro lugar, essa bendita árvore dava-nos a possibilidade de reflorestarmos sem grande dispêndio, a área adjacente e em segundo porque renovávamos a flora intestinal com as sementes necessárias, para novas atitudes ecológicas. Era um humilde prazer que não obrigava ninguém a passar horas esquecidas num centro comercial para aquisição de qualquer bugiganga made in China. O dinheiro era absolutamente irrelevante e sobretudo não enchíamos os bolsos dos glutões das finanças. Mas claro que não há bela sem senão, e antes de nos agacharmos com o rabo ao léu debaixo da árvore escolhida, era necessário verificar com cuidado se os vestígios do nosso antecessor já tinham sido dizimadas pelos escaravelhos “ Empurra Caca “, ou se, no tempo da chuva pelos t´chicocolos de mil pernas.
Por outro lado a questão fundamental do papel, esse instrumento absolutamente necessário à higiene final. Quem é que, enquanto catraio levava um rolo de papel higiénico para caçar passarinhos? Era absolutamente impossível, pois os bolsos dos calções iam literalmente atulhados de seixos para serem usados na funda da fisga. Sendo assim, o melhor era verificar previamente, a existência de algum arbusto com folhas suficientemente largas, para o substituírem. Outra precaução fundamental, era analisar com conhecimento, se nas vissapas em redor não havia feijão maluco, pois aí sim, ao falharmos esta premissa, ficava o caldo entornado e tínhamos de correr como lebres para a mulola mais próxima para aliviarmos a comichão e o ardor nas nádegas. Além de tudo isto o que já não é pouco, evitar não confundir tanto quanto possível, folha de tabaibeira, com folha de mamoeiro, o que se tornava absolutamente catastrófico.
Em Portugal, esse costume maravilhoso de ir ao mato perdeu-se nas brumas da liberdade, e eu que fui estigmatizado por esse epíteto infame de “ Retornado”, sem nunca ter cá estado e culpabilizado de ter trazido para o país, aqueles bichinhos pequenos conhecidos por “ Ide Amines “, e de tomar banho todos os dias, senti-me imensamente pobre por ter perdido esse hábito ancestral. Além de tudo isto, sinto um desgosto enorme em não poder ir caçar passarinhos, com o meu amigo negro, o Salmonela. No entanto, tento colmatar estas perdas com passeios matutinos pelos pinhais e eucaliptais da minha zona. Acreditem ou não, tenho deparado com sinais evidentes de que algum “Retorna” importou para este país esse hábito, mas para desgosto meu, absolutamente adulterado. Senão vejamos, goiabeiras são totalmente inexistentes e o campo de escolha alterna, entre carcaças de frigoríficos, fogões desventrados, tapetes velhos, colchões com nódoas estranhas, entulho das obras, latas de tinta vazias e benza-a-Deus, até já encontrei uma porca inchada e podre, e um saco cheio de gatos asfixiados.
Com a chegada do consumo e da modernidade, verifiquei que o papel higiénico é utilizado em profusão, juntamente com guardanapos, lenços de papel, e nos casos mais dramáticos sacos de cimento. De tal forma disseminados nas proximidades do advento, que quando das neblinas da madrugada, fico sempre com a esperança que El-Rei D. Sebastião surja daquele caos infernal a desembaraçar-se das ligaduras com que os mouros o envolveram. Quanto ao artigo propriamente dito é verdadeiramente calamitoso, e ando cá a matutar o que é que os portugueses comem, para dar origem aquelas coisas horrendas e ainda por cima sem as tradicionais sementes de goiaba, que afinal contribuiriam em muito para a beneficiação da paisagem. - Olha lá, não te atrevas a ir ao mato para trás daquela carcaça de Fiat Punto, hoje é Domingo dia de caça e vi passar para aqueles lados um coelhinho pequeno e estão pelo menos cinquenta e dois caçadores de camuflado escondidos por detrás daquela montanha de carcaças de televisão. – Disse-me uma vozinha débil, que se não tivesse a certeza que ele está lá longe, nas terras do kaparandanda ia jurar que era o Salmonela.
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