Se havia algum culpado por eu ter arranjado uma terceira avó foi o Bitacáia e mais ninguém. O casal Pereira tinha deixado o litoral Lobitango no fim dos anos quarenta por razões de transferência e promoção, algo que acontecia no funcionalismo com uma certa assiduidade. Este novo marco na vida do meu progenitor, deu origem a uma alteração radical ao meu quotidiano. De um dia para o outro transitei das areias mornas da Praia do Lobito, concretamente praia do C.F.B. para os píncaros da Chela deixando para trás as vendedoras com quimbalas repletas de cadelinhas e corvinas, as imponentes casuarinas que namoravam o mar, as fabulosas marés vermelhas que faziam dar à costa toneladas de peixe, e os troncos de bimba empurrados pelas águas do Catumbela e que serviram de boia nas minhas primeiras braçadas de aprendiz.
Também as enormes Garraths gemendo manobras nos carris que sulcavam as traseiras da nossa casa, trazendo o minério para o porto do Lobito, e as corridas até à ponta da restinga, acompanhando os grandes paquetes como o Mouzinho de Albuquerque e o Lourenço Marques ao entrarem na baía, que passavam tão rente que quase se lhes podia tocar com as mãos, tudo isso desapareceu do meu horizonte de menino, deixando-me acabrunhado e desolado num lugar chamado Mapunda. Não fora o Bitacáia, o meu trauma teria atingido proporções catastróficas. Substituir a imensa baía pejada de vapores onde os meus pais compravam chocolates nos cabeleireiros de bordo pelo rio Mapunda, quimbalas de noxas e de mirangolos e bagres de pele de veludo com bigodes, não foi pera doce, até ao dia em que conheci a avó Milocas com os seus carrapitos espetados, fazendo lembrar morros de Salalé numa colina.
A estatura enganadora da Milocas era um terço de qualquer avó normal mas a sua genica ultrapassava o inimaginável. Solteirona inveterada tomara a seu cargo o quitandeiro Lucas Camate, órfão de pai e mãe e vulgo conhecido por Bitacáia. Este neto adoptivo calcorreava as ruas da cidade escoando as guloseimas que saíam do forno de lenha da avó Milocas e que faziam as delícias da garotada. Um dia explicou-me a razão da sua alcunha. Uma bitacáia alojara-se no pé e fizera um ninho tão grande que quase foi necessário a Milocas amputar-lhe o dedo grande para retirar aquela prole comichona deixando um buraco onde cabia um berlinde. O neto da Milocas nunca deixava o tabuleiro atingir o limite, e ficávamos sentados a contar histórias diversas, eu descrevendo-lhe o Catumbela e o dia em que os jacarés foram empurrados pela correnteza e deram à costa Atlântica e ele a falar-me das cheias do Mapunda que escavavam as margens junto à casa da avó quando das grandes chuvas. Nessas alturas sobravam sempre uns pacotes de quifufutila ou Paracuca, duas das muitas guloseimas confeccionadas pela Milocas, e que comíamos á sua revelia.
(Continua...)
MISSOSSO: Da literatura oral angolana, contos, adivinhas e provérbios com homens, monstros, kiandas de Cazumbi, animais e almas dialogando sobre a vida, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de dialecto quimbundu. Óscar Ribas foi o seu criador e percursor. Neles, há diálogos com espíritos, que falam, riem e até fazem pouco dos mortais, superstições e crendices que fazem parte da cultura dos povos Bantus…
As opções do soba T´Chingange
RECORDAÇÔES ANGOLA
fogareiro da catumbela
aerograma
NAÇÃO OVIBUNDU
ANGOLA - OS MEUS PONTOS DE VISTA
NGOLA KIMBO
KIMANGOLA
ANGOLA - BRASIL
KITANDA
ANGOLA MEDUSAS
morrodamaianga
NOTICIAS ANGOLA (Tempo Real)
PÁGINA UM
PULULU
BIMBE
COMPILAÇÃO DE FOTOS
MOÇAMBIQUE
MUKANDAS DO MONTE ESTORIL
À MARGEM
PENSAR E FALAR ANGOLA