ANGOLA . No Cunene – ziguezagueando as margens do Cunene…
PÁSSARO DE MEL
Por
Dy - Dionísio de Sousa (Reis Vissapa)
O Unimog da brigada dos rios ziguezagueava as margens do Cunene deixando as esplendorosas quedas do Ruacaná para trás dirigindo-se para a foz do rio dos elefantes onde tencionavam montar o nosso acampamento. Por idade menor foi-me reservado o lugar da carroçaria e os meus gritos para o Monteiro Ferreira abrandar o andamento dando-me tempo para me desviar das espinheiras e manter o equilíbrio, se chegavam aos seus ouvidos ele não ligava peva. Quando estacionámos numa idílica clareira que marginava o rio cristalino, todos os arranhões das unhas-de-gato deixaram de arder com o bálsamo que aquele éden emanava. Os sivos competiam em beleza com os mutiátis e mulembas de porta altivo rodeando um círculo de terra perfeitamente calcado e acolhedor. Um frémito de prazer percorreu-me o corpo e o sangue parecia acalentar-me as entranhas. Ali estava eu aos dezassete anos deslumbrado com aquele paraíso perdido nas terras do Cuanhama. Os dias deslizavam fascinantes pelos meus olhos quando medíamos a profundidade do Cunene espiando-lhe os contornos do leito com uma vara hidrométrica. Vogávamos pelos seus braços num Zodiac pneumático rodeando ilhas de encanto e descendo rápidos imprevistos onde as águas saltavam em novelos de espuma alva. Verde de mil matizes coloria as margens povoadas de águias pesqueiras e íbis elegantes, e de longe em longe encontrávamos caíndes de invulgar delicadeza, desdentando-se nas águas frescas. O meu periclitante calendário precisava cerca de um mês naquele lugar onde a mão de Deus se esmerara. Aos fins de tarde descansávamos o corpo exausto nas cadeiras articuladas de lona verde usufruindo o fabuloso espectáculo de uma família de hipopótamos que desde o dia que ali havíamos chegado se instalara no remanso que distava meia dúzia de metros da margem. O macho e a fêmea brincando com a cria em cabriolas ágeis e surpreendentes para o avantajado dos seus corpos. – Vamos ter visitas – Murmurou o Ferreira, quebrando a magia do instante. – Achas? – Perguntou fleumático o Negrão. O Artiaga no seu habitual pragmatismo acrescentou. – Só se forem algumas muximbas que venham montar aqui as suas cubatas. Tirando as idas do Esteves ao Chitado para renovar o rancho, nada nem ninguém aparecia por ali. Uma avezinha graciosa batia asas pairando quase por cima das nossas cabeças, chilreando aflita como se quisesse comunicar algo. – É o pássaro-do-mel – Comentou o Alfredo com o cachimbo fumegante na boca. – Este aqui? - Sim esse que anda aqui por cima de nós. - E então? - Vem anunciar visitas. A descrença lia-se no olhar dos meus companheiros de brigada, mas ninguém ousava pôr em dúvida a experiência do Ferreira, no que dizia respeito a assuntos de mato. - Se calhar. - Disse o Blandira. O experimentado caçador remeteu-se a um mutismo próprio dos homens que conheciam África e os seus segredos, só quebrado pelo Boa noite, durmam bem. - Quando nos fomos deitar.
O pássaro-do-mel não mentira ao Alfredo. Tivemos na realidade duas visitas em vez de uma. Por volta das quatro da manhã uma restolhada assustadora pôs todo o mundo fora das tendas num abrir e fechar de olhos. O Monteiro estava cá fora com a Winchester 73 que o Jonh Wayne usara no filme do mesmo nome e que nós chamávamos de “Trinta x Trinta”. – Elefantes!... Murmurou baixinho para mim. – Onde estão? - Não os ouves? – Oiço mas não vejo! Mas eles vêem-te podes crer! Não foi grande ideia ter montado o acampamento no trilho deles, … NMão estão nada satisfeitos! – Mas foi o Alfredo que escolheu este lugar. - Pois foi isso que o pássaro de mel me veio dizer. – Retorquiu! Os elefantes ainda reclamaram por algum tempo a sua passagem, mas a fogueira ainda flamejante e o barulho que fizemos levou-os a irem beber ao rio por um atalho. Já o sol se aproximava do meio-dia quando o Comandante Reis chefe da Brigada dos Rios chegou ao acampamento numa visita inesperada.
No advento da televisão e do telemóvel lembro-me vezes sem conta do meu Pássaro de Mel. Espero ansioso que ele me faça uma visita alertando-me para uma manada de elefantes que vêm repreender-me por ter feito o meu acampamento no sítio errado. Acho que o Monteiro Ferreira os levou a todos para parte incerta, pois tal como eu não gostava de telemóveis. Por onde andará ele agora, mais os elefantes e a alegre família de hipopótamos que moraram ao meu lado quando eu tinha dezassete anos, lá longe no Cuanhama.
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