Domingo, 12 de Outubro de 2014
MOKANDA DA LUUA . XXX III

ANGOLA . GERAÇÃO CANGURU Nos rigores do sol da Mapunda…

Por

  Dy - Dionísio de Sousa  (Reis Vissapa) 

Para todos aqueles que tiveram o imenso privilegio de verem zanguinhas a voar no nosso único e inigualável céu africano.

dy50.jpgEra daqueles dias em que África toma conta de nós, possui-nos com intensidade e deixa uma marca para todo o sempre. Daqueles dias que faziam as minhas maiores delícias e as dos meus amigos. Falando de amigos daqueles tempos, eram isso mesmo, amigos independentemente da sua condição, cor ou religião. A questão da cor só veio a apoquentar-me muitos anos volvidos. Na minha infância a cor era o azul cerúleo que me cobria, os malmequeres selvagens violeta e branco, as borboletas amarelas, as andorinhas alvinegras, os cardeais vermelhos e as gazelas de cor tostada e caudas brancas. Aos oito anos de idade os meus amigos não tinham cor. Não podia dizer que eram pretos, pois na raça humana essa cor não existe, não eram mulatos ou castanhos pois castanho era para mim o chocolate, e brancos de certeza que não eram, quando muito rosados como os rabos dos bebés, ou aleitados como os que haviam chegado há pouco ao continente africano, ou encardidos como eu, que sofrera na pele os rigores do sol da Mapunda.

map1.jpgE encardido não significa sujo, muito embora ao fim de um dia de brincadeira no mato se tornasse necessária uma barrela com sabão macaco. E assim chegamos às zanguinhas, aqueles passarinhos delicados de penugem negra sarapintada a bolinhas brancas, que pintavam desenhos no meu céu africano, chilreando contentes músicas que perduram nos meus ouvidos. E quando aos milhares aterravam na erva verde que despontava entre os malmequeres selvagens de folhas recortadas como filigrana, eu e os meus amigos sem cor corríamos para o local onde elas tinham poisado e de mergulho tentávamos apanhar alguma; essa foi a minha manhã de glória, eu, o candengue mais novo da canalha alvoraçada. Atirei-me e senti o seu corpo delicado nas minhas mãos, estrebuchando de temor.

dy29.jpg – Apanhei, apanhei. – Gritou o Marimbondo alvoraçado erguendo a mão com um animal cilíndrico da cor do Alforreca que tivera menos sucesso. Era um camaleão de orelhas acastanhadas. Quando reparou no bicho feioso o Marimbondo não foi de modas e atirou com o animal para a mulola do Índia. Foi a minha manhã de glória quando abri as mãos e lá estava ela, Branquinha como a cal e as pintinhas pretas glorificando-lhe a penugem. – Uma zanguinha branca. - Gritaram em uníssono os meus amigos de todas as cores. – O rato-cego apanhou uma zanguinha branca, que linda que é, nunca tinha visto nenhuma. – Exultou o Humberto o mais velho da quadrilha. – Mas é minha! Afirmei temeroso que ma surripiassem.

Carro especial.jpgE era! E levei-a para casa colocando-a numa gaiola feita de bimba e caniço, com uma latinha vazia de sardinha repleta de massango e, outra vazia de atum repleta de água fresca. E fiquei ali a olhar para ela no degredo com as missanguinhas negras do olhar a fitarem-me tristes. E fiquei triste perante o seu olhar suplicante de liberdade e mais triste por ela não ligar peva à comida que lhe oferecera em troca da clausura. Dormi mal e, pela madrugada fui vê-la e lá estava ela triste com o seu destino. Um bando de zanguinhas ornava o céu matutino num voar onírico. Soltei-a e vi-a partir no meu céu azul juntando-se ao bando chilreando de alegria.

namibia2.jpgCresci, e comigo, os meus amigos sem cor. E há um dia que sofro o mesmo destino da zanguinha branca; sou preso por ser encardido, ou cor-de-rosa; sou apelidado de tudo e mais alguma. Alguns termos caté desconhecia, como colonialista, kaputo ladrão, branco rosqueiro, etc, edecéteras! Um dos meus amigos sem cor vem em meu socorro e liberta-me, e então eu voo galgando o meu céu em direcção a um céu que nunca foi meu, e voo alto em direcção a N´zambi, agradecendo-lhe essa enorme dádiva de ser vivo e livre. Lembro-me então da zanguinha branca e do enorme pecado de a querer clausurar e por muito estranho que isso vos pareça sinto-me bem, em paz com a cor, voando nos meus sonhos inglórios.

Reis Vissapa



PUBLICADO POR kimbolagoa às 18:05
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