TEMPOS PARA ESQUECER - NA GUERRA DO TUNDAMUNJILA
Relembrando alguns factos do SETENTAECINCO – 30.07.2019
“Vai para a tua terra, branco” era o que mais se ouvia na Luua de 74/75… Alguns dos heróis de túji afectos ao MPLA também deram à sola – dissimulados, claro!
Por
T´Chingange - (Otchingandji) No Alentejo do M´Puto
Remexendo no meu baú encontrei o único e último documento que tenho do ESTADO DE ANGOLA e, do Governo de Transição assinado por António da Silva Cardoso – General das F.A. Trata-se de um Salvo-conduto para transitar pela Cidade de Luanda e Bairros Suburbanos. Revendo o mesmo, este refere que na condição de deslocado exercia a função de Colaborador na Comissão de Repatriamento. Está assinado pelo Alto-comissário de Angola, em Luanda, aos 29 de Julho de 1975 - Quinze dias antes do meu Voo Luualix…
Naquele então do ano de 1975, Gonçalves Ribeiro, o pai da “Ponte Luualix” fazia alarde ao mundo da periclitante situação em retirar todos os deslocados por via da descolonização, entenda-se uma anárquica guerra com vários intervenientes, movimentos emancipalistas impreparados para se governarem a si próprios. Ainda faltava ir buscar algumas pessoas a áreas aonde não havia qualquer segurança (…). Confirmo que assim era porque estando eu destacado como “adido” no Palácio do Governo da Cidade Alta da Luua, podia vivificar o que por ali se passava.
Tinha por missão dar a conhecer a gente deslocada de seus sítios tais como Administradores, Chefes de Posto entre outros funcionários que fugidos dos movimentos, mais propriamente do MPLA se encontravam confinados em hotéis, pensões e afins. Preparava também as listas de embarque – Guias de Marcha sem retorno. Via telefone ou por estafeta, dava-lhes a conhecer qual a sua hora de embarque na ponte “Luualix”; para ultimarem sua presença no aeroporto ou esperar transporte ido do Palácio que os levaria ao aeroporto de Craveiro Lopes, também conhecido por Belas.
Alguns daqueles funcionários administrativos por estarem escondidos, por assim dizer, em casas de familiares eram recolhidos por um autocarro do Alto Comissariado que os transportava ao dito aeroporto. Havia promessas de morte, vinganças avulsas. Já neste início de Agosto podia ver-se milhares de famílias pernoitando de qualquer jeito junto aos seus haveres no largo frontal da zona do check-in e jardins do aeroporto, malas, caixotes e bugigangas. Ali permaneciam dia e noite cobertos com lonas presas a caixotes usando como banheiro áreas improvisadas ou as bissapas circundantes; o cheiro era nauseabundo.
Estando eu já no M´Puto com a família, ia sabendo dos efeitos de fuga lá no Ultramar. Coisas de partir o coração aconteciam como sendo coisa pouca – a frieza das pessoas, do governo, da Metrópole em um todo, afligiam-me sobremaneira. Minha revolta era imensa! No dia 4 de Agosto de 1975, na cidade da Gabela os partidos entram em confrontos e a população organiza uma caravana, com mais de duzentos veículos, acompanhados por militares portugueses e da UNITA, que com veículos e aviação fizeram escolta até a cidade de Nova Lisboa (Huambo).
O clima que já era de inferno aquecia ao rubro! O negro olhava-nos de lado e com cara de ódio pela fermentação das rádios, dos cabos que viriam as ser generais e outros que tais. Já há uma semana que tinham deixado de trabalhar para fabricarem armas artesanais. Outros recebiam-nas das mãos dos líderes políticos, dos militares de aviário do M´Puto mais os PREC para se dar início à matança um dia depois. Em meados de Outubro, o terminal aéreo de Nova Lisboa (Huambo) encerrava, e Luanda passou a receber entre quinze a vinte aviões por dia. Conto isto sem me situar no tempo ou local mas, pouco importa porque tudo estava por igual: - Descontrolado!
Os meios aéreos para fazer chegar a Luanda os refugiados do Lobito, Benguela e Moçâmedes, sendo insuficientes, o Comando Naval arranjou meios marítimos para fazer chegar a Luanda os cerca de 250 mil cidadãos brancos (maioritariamente) mas, tendo também milhares de mestiços e negros; enfim! Seguiam todos aqueles que o desejassem! Na vinda ou ida dos refugiados de um para outro lado (como kissondes) mas e, principalmente para os lugares de embarque da Luua, praticamente não havia triagem; o controlo era precário. Nunca pude entender esta falta de cuidado na logística das coisas.
Não havia tempo para decidir de quem estava ou não nas condições de perseguido, refugiado ou o que quer que fosse. Não importava ser-se quem era e de onde vinha ou do porquê de estar ali. Era tudo ao monte e seja o que Deus quiser, aos magotes na fé de Deus com o natural berreiro e choros de adultos e crianças, ordens e contra ordens desencontradas ou nem tanto. Cães, gatos e outros animais de estimação foram largados ao descaso como heresia apócrifa!
É confrangedor só de pensar em estas turbas de gente que às pressas colocaram umas peças de roupa, uns agasalhos, umas fotos de recordação e aí vão ao encontro dum desconhecido maior que o mundo. E, as despedidas de gente serviçal ou amiga, até mesmo um vizinho que por ali iam ficando; toma lá a chave do meu carro, da minha casa, cuida do gado meu amigo porque não sei quando voltarei nem se volte. Olha pelo meu cão, a aspirina mais o tarzan que ficam presos lá junto ao gerador e perto do galinheiro. Doeu e ainda dói!
Era um Adeus dado aos trambolhões às coisas, ao motor da GMC a fazer de gerador, dos gansos guardadores mais o pavão e as galinhas fracas debaixo do DKV. Ele, Deus, era só uma questão de fé interior, a vontade de querer e acreditar mas Ele, não surgiu a muitos; a lei da vida e da morte era um traço disforme, desfeito em cotão a confirmar que só somos enquanto somos, uma ilusão! Desde sempre e, que me lembre de ser gente, observei que as leis foram inventadas pelos fortes para dominarem os fracos que são muito mais; mas aqui não havia fracos ou fortes, só deprimidos…
Sempre observei amizades incipientes desde o tempo em que os cuspidores de prata eram usuais e era admissível ou sem reparo; cuspir-se em público era feio e anti-higiénico mas agora e ali nem escarradores havia, era no barrento da terra, nosso infortúnio. Num repentemente viramos escarro, nada ou ninguém - triste; cada qual cuspia para onde quer que fosse que nem monandengues. E entre estes, surgiam os rufias catadores de desaconchegos, gente do MPLA usando prepotência com um extremo desprezo, pedindo relógios ou valores para ficar sem dissabores nesta hora de partir; uma forma de pressionar o medo ou resquícios deste.
Havia uma restea de ordem por alguns militares, Nossas Tropas mais conscientes! Valha-nos isso porque nem todos viam este desmando na forma do PREC, dos guedelhudos do M´Puto às ordens do diabo. As leis, as atitudes, o MFA, nossos patrícios do M´Puto, os generais de aviário, mesmo que absurdas, tornavam o impossível em admissível e hoje que penso muito e rezo pouco, recordo isto, procedimentos sem que ninguém averiguasse as diferenças aturdidos por pudor. Pudor, palavra complicada de entender - qual pudor qual quê!?
Nesse então, nós gente desavinda, podíamos ver já a força da crise com roubos subtraídos pela lei dos homens, pelas nossos guardiões militares com seus amigos, nossos inimigos – o MPLA, sem lei - nem velha nem nova ou tampouco ordinária ou arbitrária, nenhuma! Um salve-se quem puder! Era um acaso feito lei ali e a frio, ora marcial ora uma prepotente aberração feita de coisa feito gente, drogados no cérebro, nas kinambas ou nas matubas…Mas, ainda há quem use paninhos de flanela para amenizar o impossível…
E, muitos daqueles ali ao nosso lado a fugir do caos, tinham estado dias ou meses antes, também a fiscalizar nossas bagagens, bagulhos de sentimento a escolher os cristais, a parti-los num desdém e isto sim e isto não; Este ouro é nosso, do governo! Mas qual governo - do MPLA diziam… sim! Ao serviço do por eles chamado de glorioso MPLA… Agora, eram camuflados companheiros de viagem, de infortúnio e, já ninguém queria retaliar o que quer que fosse; uma entrega sem jeito nas mãos dum Nosso Senhor…
(Continua…)
O Soba T´Chingange - (Otchingandji)
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