KIZOMBA DA LUUA – 09.07.2017 -Mujimbos com borututu, coisa antiga…
Por
T´Chingange
O tempo não conta - a verdade é sempre actual – Julho de 2017
O kota Liuanhica, de bravura esquecida sozinhava-se na praia da ilha. Luanda estava no outro lado pendurada na água com prédios e barrocas sujas. Aquela reflexão também o escorria em descontentamento. Debruçado sobre si mesmo na areia, após uma noite trespassada de kizomba, recordava a grande noite cultural com passagem de modelos no Miramar; para ele, homem de antes quebrar que torcer, de peito desfeito, o que viu tornava-se num grande desaforo.
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Aquele, era um dia de domingo. Sua vida estava feita num esquecimento desde que sua filha N´Riquitita desanovinha virou modelo naquele concurso da Maianga. Os amigos à boca pequena iam falando entre risos sarcásticos das altas qualidades de sua filha m´boa pra chuchu que aparecia com frequência nas colunas sociais e ao lado de cantores famosos, estrangeiros e outros dali mesmo, cheios de kuduro nos poros com catinga de corrumba, mas badalados nos meios de comunicação.
No sábado de ontem ele viu mesmo; estava lá na certificação descodificando a verdadeira verdade dos mujimbos da cacimba do Rio Seco e Catambor. N´Riquitita apareceu espevitadamente enroscada a Nelson Ned e, talvez pelo tamanho deste, os kaluandas do bairro gozavam a cena. Compreendeu ali o porquê dos kotas rindo com todos os dentes da boca; isto para Liuanhica era um demasiado e desclassificado contratempo de vergonha; sua filha assim nas más-línguas despidas até os tornozelos.
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Os kasucuteiros, kuribotas do Catambor, roíam-lhe todos os dias a paciência com muxoxos mujimbados de diz-que-diz daquela garina, que tal e coisa, mais enfim, que tu sabes ou adivinhas. Com saudades do antigamente o impensável passou a possível e a nostalgia do tempo colonial transbordou na sociedade da Luua. Perdido naquela oblíqua contraluz duma imensidão de pensamentos, recordou os exemplos de vida que seu pai Sambo lá no planalto do Huambo lhe transmitiu. Traçou uma bissetriz no pensamento n´dele e, assim mesmo tomar decisão sem catetos nem hipotenusa da sua própria desconfiança.
Tinha de voltar à sua terra, agora que a revolução se estava a tornar num estorvo, com o fim da guerra o melhor mesmo era voltar ao seu Quipeio, lá aonde ainda resistiam uns manos estudantes daqueles idos tempos. N'Riquitita tem já vergonha do seu Kota pai, evita-o a todo o custo, atarefada entre banquetes milionários e concursos de misses em tudo o que é lado, exibindo roupas e jóias nas kizombas de alambazados.
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Passaram uns meses... Kota Liuanhica voltou ao planalto, juntou-se ao seu primo Siripipi juntando ervas, raízes e folhas seguindo as pisadas do seu pai Sambo, grande conhecedor na cura de maleitas e malazengas através de plantas; envia estas em cartuxos para Luanda que, por sua vez, são reencaminhadas para o M´Puto. Tornou-se assim um especialista de sucesso no trato do borututu e, à noite, no ximbeco de Zacarias vai dando informações às pessoas de tal produto. Num poucoapouo de malembelembe N´Riquinha passou ao esquecimento...
Naquele vila do Quipeio ele, era o maior conhecedor das plantas do mato – Chi patrão!!! Brututo é bom mesmo! Dizia Zacarias detrás dum velho balcão colonial propriedade do meu pai de faz-de-conta. Isso! De vender carapau frito e farinha de milho mais fuba só vendido em medidas de quartilho; espólios trazidas de Trancoso da Beira fria do M´Puto cheios de chouriço defumado com lenha de pinho e giesta brava. Enquanto isso, eu e meu pai de faz-de-conta, conhecido por Caluviaviri, comíamos uma kizaca acompanhada com quiçângua trazida da Catata.
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Meu pai de faz-de-conta era um estudioso nestas coisas de plantas e bichos, por isso aproveitou dar largas ao seu conhecimento do borututu - Desde há muitos anos que o borututu é usado como chá ou em simples lavagens; colonos e indígenas tinham sempre uma vasilha com raiz de borututu num sítio fresco, ou frigorifico, para beber a qualquer hora. Uma forma de tratar deficiências biliares por ter nele substâncias com propriedades purificadoras e antioxidantes.
Esta planta é um dos mais poderosos desintoxicantes naturais para o fígado. Protege o sistema digestivo e o aparelho urinário - Como prevenção ao paludismo usavam um filtro de pedra chamado de selha que ia escorrendo gota a gota a água para um vaso ou garrafão, com um pau de borututu dentro. A água ficava com uma tonalidade de âmbar.
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Pois então - Curava as doenças hepáticas, entre as quais a hepatite, icterícia, biliosa, doenças de estômago em geral, vesícula, baço e todo o aparelho urinário - Se quiserem desintoxicar-se de tanta coisa ruim que hoje se come, reduzirem o colesterol e riscos de trombose tomem isso, acrescentou Liuanhica. O meu tio-avô Guerra do M´Puto que curava a ciática cortando um nervo atrás da orelha não sabia nada disto.
Lá aonde ele estiver, no sítio que Deus tem, vai ficar contente desta nova do seu sobrinho neto T´Chingange que no correr da vida se tornou quase um Kimbanda de Rooibos. Agora até tomo o borututu como um ritual de pura satisfação espiritual! Às vezes junto-lhe um pouco de mel derivado do pólen de tília para agradar o sabor; desta forma talvez chegue aos 333 anos.
Imagens de Costa Araújo Araújo
Glossário
Kizomba – dança, festa com baile ou eventos teatrais; Mujimbos – boatos, falatório; Cacimba – cisterna, depósito de água; Kazucuteiros – trambiqueiros, aldrabões ou que vivem de expedientes menos claros; Caluanda - nativo de Luanda (N´gola); kuribotas – fanático, tendencioso, curioso, espia; Kizaca – saca folha, folha de mandioca pisada cozinhada tipo esparregado; Borututu – raiz curativa; Ximbeco – negócio, boteco, loja ou venda; T'chizangua / quiçângua – bebida feita de milho fermentado, normalmente de sabor adocicado; Quipeio – povoação do Huambo (Angola) Catambor – bairro suburbano de Luanda, confinante com a Maianga; Miramar - cinema esplanada; M´Puto – Portugal; Caluviaviri - um bicho do tipo do guaximim que mija mau cheiro; alcunha do meu pai de faz-de-conta porque tinha medo de se afogar e cheirava mal pra caramba...
O Soba T´Chingange
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