MU UKULU... Luanda do Antigamente – 10.09.2019
FEROMONAS DA VIDA - Saber do passado para melhor se entenderem os futuros...
Por
T´Chingange – No Alentejo do M´Puto
Luís Martins Soares – Falecido no Brasil em Julho de 2019 - (São Paulo)
Abrindo o livro Mu Ukulu na página 61, posso ler que na Luua, Luanda do antigamente, no jogo de saltar à corda, as meninas eram muito mais ligeiras que os rapazes; tinham graciosidade, leveza nas kinambas e até cantavam enquanto com um só pé ou com os dois juntos, pisavam a terra do pátio da escola ou o asfalto do largo fronteiro ao correr de casas do bairro e assim, galgando o fio grosso e normalmente de sisal balouçado por duas jovens ou candengues meninos, para um só lado faziam passar o tempo! Uma soma de intervalos, infantário, escola, família, a terra, a empresa e o abrigo da idade de kota.
O balanço, tanto podia ser para a esquerda como para a direita mas, sempre em sintonia de como se faz com a manivela de impulso, tal e qual como se fazia nos carros Ford, Bedford, Chevrolett ou Nesh naqueles modelos dos anos de 1945 a 1950. Os meninos candengues jogavam ao botão, ao pião ou à macaca; uns mais espevitados ficavam de lado a soprar vento com os olhos para ver as calcinhas das meninas, apostar de qual era a cor com confirmação da tal de Mariana ou da tal de Fátima.
Depois do despois, era assim como um campeonato - quando não havia calcinhas era “bingo” pró ganhador. Todos os outros tinham de fazer de burro e levar o ganhador laureado até ao pé de tamarindo; assim, um por um, até botarem seu ar de bofes inchados daquele vento de soprar nos olhos. As brincadeiras de antigamente não faziam as crianças reféns deles como os jogos electrónicos de hoje. Sem televisão e sem computadores, rádio insípido, tínhamos jogos para nos dar mobilidade para a vida de trabalho e social; jogávamos até à noite bem adentrada e até que lá da varanda ou muro viesse um grito grosso do pai ou num esganiçado som da Tia Micas: vem para casa menina - tomar banho, fazer xixi e cama!
As esteiras de loandos ou de caniço eram peças importantes nas casas dos remediados e pobres dos arrabaldes da Luua ou dos bairros periféricos como o Bairro da Vila Alice, Vila Clotilde, Bairro do Café, Bairro da Samba, Coqueiros ou Praia do Bispo entre muitos mais e, a sempre rainha da Luua - a Maianga do Malhoas com o Almeida das Vacas a terminar no Choupal das meninas do Kan-can lá no topo da Avenida António Barroso e que hoje se chama de Presidente Marien N´gouabi cruzando o nosso Rio Seco, uma mulola que nesse então era só areia para brincar, jogar à luta livre ou futebol de fintas n´areia…
Quantas e quantas vezes dormi na varanda, estendido num loando, apanhando o fresco do mar da Samba. Naqueles tempos ainda não havia ar condicionado; era tudo à unha, um abanador de palmeira a dar-a-dar feito leque, ou um ventilador daquelas pás de tecto rodando e guinchando chring…chring…chring…Esteiras e loandos eram peças indispensáveis em uma casa da Luua e, ora servia para nos sentarmos, ora era aonde o candengue filho da lavadeira dormia enquanto sua mãe esfregava as mãos na roupa dos patrões. Por vezes o nené ficava às costas da mãe gozando do balanço com esfrega e, num bate e, roda e …Pois! Era um carrossel bem melhor que a esteira.
Por vezes num quase sempre de costume, os vizinhos juntavam-se levando suas esteiras enroladas ou suas cadeiras articuladas com uma lona entalada a montante e jusante do sono, do abre boca, abrenuncia dum deus queira ensonado entre o bate-papo falando besteiras ou, entre longas e inspiradas dissertações, do tipo filosofias de cacaracá entre virgulas de muxoxo e cuspidelas raivosas para o pé do mamoeiro ou da árvore de mandioca. Esta, a dar sombra ao tanque de cimento ou selha com uma tábua com ranhuras feito do tipo reco-reco para roçar as cuecas acastanhadas do uso e, talvez duma amarelada bufa de sem querer, digo eu!
Comecei estas falas para recordar as farras de quintal, daqueles candengues e meninas que já com barbas e bigodes macios que nem bigodes enrolados de lontra, curtiam a semana falando daquele e tal e coisa e ou daquela garina (magana) e coisa com tal num vai daí não sei se… e como vai ser - No baile combino! Naqueles tempos de espigadissamento os candengues já com jeito de Alain Delon (Além Delon), banga no estilo de ninita, peritos ao salto da macaca, saltavam os muros para de raspão dar só um beijo na Milocas até fazer cantar os passarinhos, malditos periquitos e… num raspa que se faz tarde, um despois de só mais um… e vai daí o outro dia nascia sempre muito cheio de Sol e do lado Nascente.
Assim num pisca-pisca os mais novos, ouviam estórias, missossos dos mais velhos, da labuta dos seu dia, tesourando no patrão, no filho da caixa do capataz, no enrolamento das leis porque a bota não batia com a perdigota; num de estão a lixar-nos a vida eram dissolvidas nas vírgulas desportivas com cabrões e com golos fenomenais descritas ao pormenor que nem os comentaristas de hoje podem exemplificar. Já naquele tempo eram o Sporting, o Benfica mais o Belenenses. Pois! Porque sempre havia uns vocábulos mais fortes de sundiameno do árbitro e, o filho do bandeirinha, cabrão toparioba mesmo; vesgo dos olhos e sei lá mais o quê, o cambuta de merda! Já ao fresco das dez da noite, os loandos eram enrolados e seguiam seus destinos debaixo do braço e, um até amanhã…
Não nos esqueceremos dos bailes onde a farra da música a gira-discos ou até com um conjunto local pago na forma de vaquinha pelos amigos dos amigos, vizinhos e afins dominava nos fundos de quintal até lá pelas quatro da manhã; quintal alisado com cimento na sua pura cor e, mas também de terra batida, molhada para não levantar pó. Até as aduelas de barril e as chapas de zinco se curvavam ao merengue cheirado a catinga misturada com Old Spice e sabão de côco cheiroso, cuca ou nocal - por vezes Sbell na forma de bolunga de whisky da Luua feito na fábrica da Catumbela. Às tantas a mistura de cheiros já eram todas muito iguais…
As celhas ficavam a um canto cheias de gelo com pirulitos, canadá dry, mission, seven-up, laranjadas e cerveja. Havia sempre bolos, tortas, rissóis de camarão, bolos de bacalhau levados pelas mães que não perdiam pitada cochichando suas sempre belas filhas casadoiras e o fulano mais beltrano, filho deste e daquele, um director lá da FTU e outro neto do Deslandes, que falam ir ser governador e muitos edecéteras preenchendo num depois as conversas da semana. O ponto alto era mesmo o chás da cinco e das seis, como pretexto de colocar as noticias em dia. Tu já sabes, a Alice que trabalha na Maria Armanda (costureira de fama…) está grávida! Como é!? Pois e tal, vida da Luua era assim um diz que vai ser ou foi, há isso já é velho! Tenho de fazer a janta pró meu Zé, e lá ia a costurar ideias na mistura com seus ideais…
Sábados e domingos eram religiosamente reservados para assistir às cowboiadas e outros filmes; tudo começava nas matinés seguindo-se uma ida ao baleizão para retemperar o físico com uma girafa, canhângulo ou pata, comer um prego no pão ou uma grande salsicha enfiada num pão pré aquecido e com muita mostarda. Isso! Tipo cachorro quente mas, gigante e com o sabor do Tarik.
Minguito
Depois combinar com a malta e seguir o rumo do Marítimo da Ilha, Clube do ferrovia, Casa das Beiras ou do Minho no Largo Serpa Pinto ou no Sporting Clube da Maianga com as garinas mais lindas do planeta. Lá estava a família Araújo sentada no palanque de convivas vendendo empatia a quem viesse… E, vinham sorteios do par mais simpático, da rainha do baile com votos de canudinho, prendas ou leilões por vezes e… As meninas sentavam-se em cadeiras dispostas em mesas e nós os gandulos da farra dávamos um toque de farpela, um piscar de orelhas, um puxar de colarinho e a noite escorria numa felicidade perdida…
Glossário
Kinambas – pernas; Bingo - a sorte grande da roleta; Girafa – copo grande e esguio de cerveja; Canhângulo – copo tubular e alto com cerveja – como se fosse um cano estriado duma arma tipo pederneira, assim de carregar pregos e limalha para amaciar, como um antigo arcabuz; Pata – copo com forma de pata grossa de elefante; Luua - Luanda; loando – esteira feita de papiro (loando do rio) atado com mateba; espigadissamento - fusão de espiga com astucia; Garina – moça, menina jovem já quase mulher; Tarik – Dono do Baleizão (alcunha, creio!); Estilo ninita – uma banga de puxacarrijoduro (tudo junto), um jeito de calcinhas fazer estilo tipo pavão; Mulola – Linha de água de leito seco, que só é rio quando chove; Sbell – Wisky da Catumbela; Old Spyc – cheirinho cheiroso…
(Continua…)
Recordando o Século Kota Mwata Luís Martins Soares
O Soba T´Chingange

RECORDAÇÔES ANGOLA
fogareiro da catumbela
aerograma
NAÇÃO OVIBUNDU
ANGOLA - OS MEUS PONTOS DE VISTA
NGOLA KIMBO
KIMANGOLA
ANGOLA - BRASIL
KITANDA
ANGOLA MEDUSAS
morrodamaianga
NOTICIAS ANGOLA (Tempo Real)
PÁGINA UM
PULULU
BIMBE
COMPILAÇÃO DE FOTOS
MOÇAMBIQUE
MUKANDAS DO MONTE ESTORIL
À MARGEM
PENSAR E FALAR ANGOLA