KWANGIADES - NO M´PUTO
MOKANDA DO ZECA – Crónica 3534 - 04.01.2024
- As falas muito antigas N´dele – Sem chapéu de chuva, vais ficar molhado - TONITO (era o meu nome de candengue da Luua)
Por:T´Chingange . Em Arazede do M´Puto
Carta de José Santos - Impregnado de paludismo duma especial estirpe kaluanda, Zeca colecciona n´zimbos das areias dum chamado de Rio Seco da Maianga. Tornou-se ali professor katedrático e agora lecciona no M´Puto quando não fica com o catolotolo - Anda desaparecido… MAIS UM FANTÁSTICO MISSOSSO TEU....! JURO, JURO QUE DELIREI NAQUELE MAMBO " - Já estava farto de usar ceroulas até o pescoço a fim de aguentar o frio do M´Puto,..." SIM KIMA KAMBA MUXIMA, DO FRIO DO M' PUTU DE TER DE ANDAR DE CEROULAS, MEIAS DE LÃ ATÉ AO JOELHO, CAMISOLA INTEROIR LÃ DE MERINO, LUVAS, CASCHECOL... AI-IU-É…
TUDO, TUDO PARA TIRAR A HUMIDADE DO SALALÉ SECO QUE BERRA POR QUENTURAS E AS TUJE DAS FRIEIRAS DA CUSPIDEIRA FRIA DAS "CALOTES DE CHORO CAIDAS COMO TREPADEIRAS DO ALASCA PARA A KALUNGA" QUE ESTE INVERNO AS KALEMAS ALTAS TROUXERAM PARA A IBÉRICA, PARA A EUROPA...
POR CULPA DO HOMEM KIAVULU VULUKIA VULUVULU CACHIMBO QUE ENVENENA A ANHARA DO NOSSO SENHOR NO ALÉM. OH! SIM, SIM, TU GOSTAS BWÉ DO NU QUENTE DA NATUREZA..., DE MACEIÓ DO BRASIL, PAJUÇARA, PALMARES... QUE DIZES SER DE RENOVAÇÃO DE PELE COM ÓLEO DE COCO DO SOL REDENTOR...
OS BICHOS, AS PLANTAS MEDICINAIS..., TUDO, TUDO, NATUREZA TE CONHECEM E TE CHAMAM O KUUABA N'GANA VATA T`CHINGANGE! SEI QUE DELIRAS, TOPANDO A TEXTURINHA DA BELEZURA NUA NATURAL BATUCANDO DE SALTOS ALTOS NO CALÇADÃO NO CORSO DO CARNAVAL! UÉ!
TU PRÓPRIO FIGURANTE DOISIMILDEZOITO VESTIDO DE "CAPATAZ" DE BARRIGA DE JINGUBA DE FORA E DE CHICOTE NA MÃO NO CORSO DE PRAIA DA GUAXUMA.... RECORDANDO OS TEMPOS DOS CORONÉIS E DA SINHÁ...
AMAM'IÉÉÉ´! TUA SORTE MERMÃO DO RIO SECO DA MAIANGA, TU SERES PÁSSARO DE VOO DE MUITOS MUNDOS COMO O KWETZAL.... AGORA, TAMBULA CONTA! UÉ! COMO É? FEIJOADA Á TRANSMONTANA, TRIPAS À MODA DO PORTO, ENSOPADO DE CABRA VELHA, BODE MESMO... A BORDO DO ESTIBORDO...!
SIM, SIM, MAS BREVE TERÁS E LOGO AO DESCERES, PISARES A TERRA E SENTIRÁS O CHEIRINHO DO CHURRASCO PITA VIRGEM. MESMO TABAIBO DO MATO NA GRELHA, NO ESPETO PAKASSA TENRA E A PICANHA NA GRELHA A ESTALAR.... OS TEUS CAMINHOS SÃO DE DEAMBULAR FELIZ NA KUKIA DA VIDA QUIÉ SUMAUMA.
QUE A TUA VIDA DOCE CONSOME, É O TEU PREPARO, É O TEU ELIXIR QUE ESMAGAS NO TEU PILÃO E, BWÉ CONSOMES..., TAL COMO OS TORRESMOS DA BELA MOPANE.... NESTE TEMPO DE ESTUPOR, TERRA DE “FIADO CIVILIZADO” DE SEM RESPEITO, CURRICULO SUSPEITO … OH! N´GANA N´ZAMBI! KAPIANGO, PÉS DE PATRANHA, EDIFICAM-SE NOS POLEIROS DE NOSSOS CELEIROS…. E, NÓS SÓ XIMBICANDO N´DONGUS NAS MULOLAS DO RIO SECO NA SAUDADE…
KANDANDU - ZECA2018020722H00
Das escolhas de Soba T´Chingange
A CHUVA E O BOM TEMPO - NO M´PUTO
ENTRE O NATAL E O NOVO ANO – Crónica 3533 - 30.12.2023
- No intervalo de viagens nem sempre é necessária a culpa para se ficar culpado…. Um chapéu de chuva, sempre dá geito…
Por: T´Chingange . Em Arazede do M´Puto
Os sintomas do mal, revelam-se em características inquietantes pelas instabilidades politica e laboral na mistura do flagelo das guerras e da caristia da vida envolta em desemprego prolongado. O mal fermenta-se na psicose gerada pela instabilidade apontada adicionada a outros males como a precaridade quase instituída; isto para não entrar no capítulo da educação, formação, investigação, assistência na doença e lóbis incestuosos nas várias frentes da governação.
Avós, pais e filhos têm de se organizar nestes inteiros condicionamentos de vida. Ninguém está certo da vitória no que concerne à nossa liberdade em nossa existência. Estamos sempre pendentes das medidas dos poderosos que por nossa mão (entenda-se o povo), alcançaram o poder; refiro-me aos políticos. No final, a culpa não é de ninguém e morre sempre solteira…
Não poderemos libertar-nos dos sintomas conhecidos e de outros por conhecer, se não atacarmos a moléstia pela raiz sabendo que mesmo estas continuam a crescer de uma forma imprevisível! Nem sempre os diagnósticos estabelecidos pelos especialistas dão a necessária confiança à convicção de que um homem independente é honesto.
O clã familiar, cada vez mais tem de se organizar como e, para harmonizar sua existência humana tendo de partilhar sua reforma com um filho, com um neto, a um mais próximo a fim de se superar nas sucessivas crises. E uma crise não é singularmente diferente das precedentes porque dependem de circunstâncias novas. Isso! Condicionadas pelo fulgurante progresso da corrupção, da cunha e, aonde o homem, mulher, a família se vê neste tipo de economia dita liberal.
A lei da gasosa, sim! Obrigado/a no retirar migalhas ao salário sem sempre conseguir garantir as vitais necessidades. Dos ganhos, sessenta por cento, vão direitinhos para pagar a máquina estatal que subsidia partidos, fundações, observatórios e tantos outros afins de e a bem da nação… Balelas! Uma guerra de impostos taxas e sobretaxas; incestuosas atribuições…
O desemprego aumenta e a confiança no patronato diminui; diminui a confiança nos bancos, da participação pública nestes e depois… depois os bancos irão ser obrigados a sessar seus pagamentos, a diminuir os juros. E, dirão porque o público retira os depósitos, a economia fica bloqueada e edecéteras complicadíssimos de entender…
Eles, os bancos convencionam-se em garantir seus fundos de prevenção dando-nos 0,01 por cento nos depósitos ao ano, cobrando-se de todas as tarefas inimagináveis. O que não nos dão, vai direitinho para o seu fundo de garantia, para pagar a trafulhices de venderem peidos de velha como se fossem ovos moles. Agora, dão-nos 3,5 por cento para tapar fendas da inflação que anda lá muito mais acima.
As crises decerto darão dinheiro a alguém! Algum país, algum grupo ou contas de paraísos fiscais ficarão a abarrotar! Até no M´Puto há superávite - o termo genérico que se dá a uma conta de balanço de entidades com finalidades econômicas ou da administração pública que, em geral, corresponde à conta "lucro do exercício" dos balanços .... E, andamos todos a chiar – que a vida está cara!?. As crises são preparadas de tempos, a tempos para nos esfriarem os bolsos. Os donos do Mundo, os donos disto tudo sempre estarão amparados pelos políticos eleitos. A inteligência é a capacidade de nos adaptarmos a tudo isto aceitando o roubo, a taxa, o imposto e alcavalas como coisa clara e instituída. Esforcem-se para não ter um Novo Ano periclitante! Fui…
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO ”ETOSHA PAN”
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3464 – 13.08.2023
- Boligrafando estórias em Okaukuejo do Etosha
–Ondundozonanandana - Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Assim foi: Pai António T´Chingange (condutor), mãe Ibib, dois filhos “angolanos” e Isabel a mãe de Lara, a caçula que ontem fez 22 anos (estamos em 2023 - o tempo ruge…). De Sul para Norte depois do Orange River, descansando no “Ai-Ais” e subindo o Canyon do “Fiche River” procurou-se pinturas rupestres, pegadas de dinossauro e vestígios de meteoritos.
No meio de triliões de anos petrificados, “rosnávamos em muxoxos” ininteligíveis admirações brilhando argumentos tirados à pressão duma nuvem feita visão. Há noite, entre zunidos e guinchos vindos da negra escuridão em assalto nocturno, olhávamos as fagulhas saltando da fogueira explodindo térmitas; improvisando jantar, assamos carne de “Orix” e “Biltong” que gulosamente deglutimos com rega de cerveja “Ansen”, “Whindooek Laager” e chá “Rooibos”.
No majestoso deserto do “Karoo”, um fragmento do Calahári. Já tinhamos passado por isto, mas num pois, e foi assim, e assado sempre recordávamos Upington, Augrabies e Moon Roc no Orange River: E aquilo! E, foi! Aconteceu! Assim repetíamos uma e outra vez o já muito descrito. E, dito e feito - fomos a caminho de Etoscha de Ondundozonanandana e Oshakati passando pelos buracos de Otjikoto lake bem ao lado da Estrada Nacional B.1 e, perto de Tsumeb – Por aqui andávamos…
A vida em África desperta com o nascer do sol e, é nas primeiras horas matinais que deveremos buscar os vários antílopes e os “big five” tais como o gnu, girafa, elefante, rinoceronte, zebra, kudu (olongue), impala, macacos, hiena e até mabecos. Com sorte, assistiremos ao banho de terra dos elefantes que junto aos buracos (bebedouros) quase fazem um teatro de coreografia divina, cores de pó em múltiplas facetas e contrastes com o sol do poente com os cheiros fortes que deles tresandam.
Já dentro do Etoscha, no Buraco Okaukuejo - só gente do staff pode sair da área do arame farpado depois do cair da noite. Não havia chalés disponíveis para aquela noite e o recurso foi montar as duas tendas que levávamos na mala do “four bay four”, no espaço disponível entre a cercadura da reserva e os balneários do campismo e caravanismo. O buraco de observação de animais ficava relativamente perto.
Pouco tempo depois deram indicação de que uma manada de elefantes sequiosos estava a chegar; todos os restantes animais e até dois rinocerontes deram espaço ao verdadeiro rei do Etoscha; cansado que estava da viagem não demorei muito a adormecer feito um cepo e fiquei muito indignado de não me terem acordado quando apareceram os leões a beber lá pelas dez horas da noite. O “Okaukuejo Camp“ em forma de quadrado deve ter uns 800 metros de lado, um agrupamento de chalés para turistas, uma zona de residências com telhados em capim para funcionários, e bem ao centro uma torre de onde se divisa o horizonte, ora mata, ora chana aberta em forma de clareiras.
Das várias vezes que por ali passei vi sempre os místicos leões, quase sempre em grupos de três ou quatro em lugares de vegetação rasteira. Em África, o sol põe-se depressa e de forma abrupta pelo que, convêm não se arriscar andar muito afastado do acampamento nas horas de quase fecho de portão escolhido para pernoitar, Okaukuejo, Halali ou Namotoni. Tenho ainda na retina, a planura de Okaukuejo, bem perto do acampamento base “main camp”, a agilidade de uma cheeta na perseguição de uma springbok…
Gazela que de rabo a abanar e orelhas atentas a qualquer ruído pastava; bem atrás, sorrateira, uma cheeta, pata ante pata, avançava com todos os cuidados de visão e barulho normalmente contra o vento; num dado momento e já muito perto da presa lança-se em correria; em simultâneo a gazela pula e pula em saltos coordenados ziguezagueando a linear corrida do felino. Desta fez a correria deu em nada pois o antílope soube sobreviver. Ali, a quebra de vigilância significa uma morte rápida.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO ”ETOSHA PAN”
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3462 – 11.08.2023
- Boligrafando estórias em Okaukuejo do Etosha - Em Ondundozonanandana - Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Da tenda para o buraco de observação e, um céu carregado de estrelas que nos tremelicavam olhares, de entusiasmo, nem nos apercebemos. Era a tranquilidade da natureza envolta em muitas coisas a serem descobertas. Nos dias que se seguiram, percorremos as picadas assinaladas e, de forma a ver o maior número de animais, que íamos registando num prospecto.
O leão era sempre o mais procurado e, quando alguém os descobria assinalavam-nos aos demais colocando também um pionés (percevejo) no quadro-mapa (placard) da base Okaukuejo. Esta base era em verdade um buraco com água rodeado de disfarçadas bancadas aonde o visitante turista observava em segurança os animais da savana que ali iam beber.
É em verdade um conjunto de chalés e locais de campismo aonde os visitantes podem andar em segurança pois que está rodeado de duas fiadas de arame farpado e rede com corrente continua para os Big Five (Os quatro grandes animais) e qualquer um outro, que possa atacar o animal homem; É como se o fosse um galinheiro grande no meio de um deserto savana só que, neste caso eram os observadores (nós) que se mantinham encerrados entre as seis da tarde e as seis da manhã.
A adrenalina escorregava-nos a partir dos olhos, atentos a qualquer movimento ou montículo estranho no meio do capim. E, demos as voltas de Namotoni e Alali parando em um e outro para descansarmos, relaxando à sombra fresca das acácias, tomarmos um café ou comer-se qualquer coisa rápida porque, não havia tempo a perder.
Esta reserva do “ETOSHA PAN” foi há muitos anos atrás um lago abastecido pelas águas do rio Cunene que aqui as vazavam, trazidas do planalto central da Angola - à semelhança das águas do rio Cubango (Okavango) que desaguam no Delta do Botswana, um lago interior que também iremos visitar por terra e por ar. Por um acidente cósmico, o rio Cunene foi desviado do seu curso para o Oceano Atlântico.
Este antigo lago do Etoscha é agora uma das grandes reservas aonde se podem ver um grande número de espécimes, suplantando a meu ver, a Reserva do “kruguer Park” na África do Sul. Este é o melhor destino para quem quiser ver animais em quantidade e em curto espaço de tempo. É claro que temos o Quénia, N’Goro-Goro, Delta do Okavango, e muitas outras mais pequenas reservas mas, como o Etoscha não há igual.
Tínhamos ainda um longo percurso a percorrer em terras da Namíbia e, o nosso próximo destino era a casa do Mais Velho Miranda Khoisan e da Dona Elisabette (falecida recentemente – em 2023) na margem direita do Okavango no lugar do Shitemo. Sucede que a caminho do Rundu a maioria da tribo T´Chingas que era agora composta de Ricar Manhanga, Isabel Manhanga, Ibib - sobeta, Marco M´fumo Manhanga, todos decidiram variar o azimute ao rumo. Por vontade aplaudida do Soba, todos quiseram ir até às Quedas do Ruacaná em terras de gente Himba…
Com medo de estragarmos as recordações dum mar de areia fina já passado, movemos todos finas camadas de nostalgia ainda recente, adormecidas na memória fresca, de forma aleatória. Da muita coisa dum cada olhar de duna ondeando a nossa própria sombra como rugas conformadas com o tempo que não pára nunca. Ouvimos também, às vezes, estalidos numa estranha argola, as estrelas do nosso templo (nossa testa) e, a areia escorregando na ampulheta das nossas vidas…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3459 – 07.08.2023
- Boligrafando estórias em Swakopmund - Em direcção a Ondundozonanandana mais a Norte… Foi no ano de 1999
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Sei que tudo em minha vida resulta de guardar sempre comigo a esperança monandengue, de espiá-la com olhinhos de a ver balouçada no arco de minha sobrancelha. Hoje mesmo, primeira metade de Agosto de 2023, envolto nas visões da Jornada da Juventude Cristã, tive de as cortar, as sobrancelhas – sobressaiam para além e por cima dos óculos cor de tartaruga, cor de pobre, a lembrar o Lenine ou Álvaro Cunhal.
Gente de sabedoria que torceu as ideias dos outros sem antever que cada qual tem o seu próprio faro, sua forma de lançar caganitas como as cabras, kiákiákiá (minha forma de rir com soluços…). Ouvi o Papa nesses sete dias anteriores e até que gostei das alvissaras junto ao Tejo e Trancão com a ponte Vasco da Gama surgindo na majestade do acontecimento.
Nesta frescura Atlântica via rio, recordo a outra, uma corrente fria chamada de Benguela, que sempre esteve presente em minhas viagens pela áfrica subsariana. Nesse então, a corrente fria, já se fazia sentir há quase quinhentos e cinquenta anos atrás quando por aqui passaram os navegadores portugueses a caminho da Índia das especiarias (isto já foi dito). Ibib já dormia há quatro horas; eram horas de aproveitar ver arredores.
Iremos lanchar no Spur de Swakopmund, ver também o quanto já cresceu esta terra dum nada e como dizem os muitos cartazes, a visita não ficará completa sem uma visita ao famoso Café Anton com seu “coffe and cake” e seus clássicos e deliciosos como Schwartzwalder Kirsahtorte , Florentier e Apfelstrudel, a condizer com estes nomes nada usuais nas nossas dietas feitas com salsaparrilha e beldroegas
Com a gimboa na cabeça em pensamento da moamba de chuço ou capota do rust camp iremos a seguir e nas calmas ver nas calmas Walvis Bay, ver a waterfront e regressar pela tarde depois de vermos os voos em asa delta feito em pano de pára-quedas mais os elegantes flamingos nas lagoas que se situam entre Welvis Bay e o aeroporto da cidade.
Podemos assim ver de novo a área da lagoa, com um elevado número de flamingos que ali se juntam alimentando-se de crustáceos que ali se desenvolvem em natural maternidade. Às vários espécimes residentes que ali se abrigam, junta-se um elevado número de aves migrantes do intra-africano e Palearctic, uma das eco regiões constituídas na superfície terrestre a juntar às oito conhecidas da Europa.
Também da Ásia do Norte no sopé dos Himalaia, Norte da África e partes do norte e centro do Península Arábica que estes frequentam em suas respectivas águas tranquilas. De novo, posso aqui fazer-me todas as perguntas sem obter todas as respostas pela simples razão de que, nada pode acontecer sem que o tivesse querido Deus, correndo o risco de escutar outras opiniões que não estas e, na qual nenhuma autoridade tenho para lhes chamar de blasfémias.
Convem de novo recordar que o Kalahari, apesar de ser popularmente conhecido como um deserto, tem uma variedade de ambientes, alguns localizados em áreas verdejantes e tecnicamente não desérticas. Um deles, conhecido como o Succulent Karoo, é o lar de mais de 5 mil espécies de plantas, quase metade delas endémicas; aproximadamente 10% das suculentas de todo o mundo; elas, são encontradas aqui, no Karoo. Li algures que a razão por trás dessa alta produtividade e endemismo pode ser a natureza relativamente estável das chuvas.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
VIAGENS . 51
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3461 – 09.08.2023
- Boligrafando estórias em Swakopmund e Cape Cross - Em direcção a Ondundozonanandana mais a Norte… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
E, foi aqui neste fim de mundo paradisíaco de Swakopmund, mais exactamente no Café Anton da cidade de Swakopmund, que vim encontrar-me com o amigo ET – Eduardo Torres que para aqui veio trabalhar depois da saída de Angola no ano de 1975; ele, um Angolano de terceira geração que muito desenhou na obra do Cristo Rei do Lubango. Era importante que o encontro fosse aqui neste café, tantas vezes ponto de partida para expedições desbravadoras desta terra do nada em língua Ovambo.
O espaço do Café é muito agradável e bem decorado, acolhedor e com uma equipa de excelência. Nosso encontro era mesmo para tomarmos o café com acompanhamento de bolinhos e biscoitos que são ali uma iguaria diferente. É um ponto quase obrigatório para quem visita Swakopmund, para quem tem a intenção de chegar a algum lugar pois que, desde tempos idos, aqui se juntam as comitivas de desbravamento dum continente mal conhecido.
O poeta ET foi prestável em suas indicações e tirei até apontamentos para o que desse, e viesse, locais, nomes, telefones e pontos de interesse. Acho sim Eduardo Torres, um santo de pau carunchoso, com salalé, muito bondoso, amigo do amigo e poeta que exprime toda a sua majestade; calmo no falar, no comer, no caminhar, parecendo até ser tudo premeditadamente calculado para não dizer o que pensa, mas não diz – simplesmente quis esquecer partes de seu passado; também de sua casa que ficou para um general governamental…
Com ele atravesso em pensamento estes desertos que se estendem muito para lá do horizonte e, aonde parece nada acontecer. Afinal, escreve, escreve figas onduladamente poéticas como todos os poetas, rimando “bonitos nadas” – um nadista retintamente genuíno. Ele, é o top do Nadismo… Lendo-o sempre fica a sensação de que nem o pai morre, nem a gente almoça.
Mas ET, é de uma leitura supimpa em que quase sempre o amor rima com tambor. Ele e eu, do nosso jeito, amamos aquela excentricidade de Swakop. Ambos gostamos do café e, vai daí um chau-chau que se faz tarde - Mas ainda houve tempo para se ficar a saber, depois de tantos anos que ele nunca se deu conta de que os negros eram pretos; de que seus progenitores já o eram também e, nem se deu conta que estes sempre têm demasiada família, demasiados filhos, tios, tias, irmãs e avós. E, que se ele fosse preto, não sairia de sua casa, de sua terra, de sua pátria! Nem o Cristo Rei do Lubango a quem tanto se dedicou, lhe valeu (isto, sou eu a dizer)
Por bondade intrínseca nunca referiu que estes, os pretos faltavam ao trabalho todas as segundas feiras porque sempre havia o óbito duma avó, dum primo ou tio; uma família que nunca acabava. Esta é uma mokanda especial referente à terra do NADA cuja capital fica em Swakopmund, lugar aonde o coração do EDU, se prendeu nas ondulações das miragens do Naukluft.
Lembrei-me então de contar a ET a estória daquele velho senhor em Luanda: Um senhor fardado com um pijama às riscas, sentado num sofá de orelhas olhando para o infinito, babando-se pelo canto esquerdo descaído, insensível ao cérebro abanado por uma trombose. Com a lentidão das coisas graves e titubeadas com muxoxos – Hum, pois, não sabe; a kalashnikov, os turras, a febre do poder… E, eram bolas de trapos, meias surripiadas do pai a cheirar a sulfato de peúga! Mas, o que é que tem a ver o cú com as calças? Estão a ver o filme!?
E, tu ET, indiferente ao caruncho, que escreves poemas como quem cospe flocos de aveia a um periquito que já deu às de vila diogo, que deu o fora da gaiola. Uma coisa desconcertante sobre tuas vividas vivências. Gosto de ti assim bonitinho que nem um Santo Eduardo, assim saltitante no Naukluft por via de refrescar as glândulas lacrimais, pérolas de maldizer que são o fruto da muita encardida amizade, feitas para reactivar as antigas feituras de escarnio e maldizer à tua tão engenhoso maneira de suprires ou suprimires o tempo das verdades…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3460 – 08.08.2023
- Boligrafando estórias em Swakopmund e Cape Cross - Em direcção a Ondundozonanandana mais a Norte… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Viver assim num perfeito NADISMO titubeando versos amarelados ou mesmo cobertos de pó, envolto assim num mukifo de aposentos forrados com ele e, como se o fossem azulejos enquadrados na estória duma estação de caminho-de-ferro do M´Puto desactivada – Um NADA numa estação aonde já não passam comboios, faz muitos anos. Nestas viagens pensa-se e fala-se em coisas longínquas como que para preencher o espaço-tempo.
Naquela estrada de terra batida com sal, dura, do nada, verificamos haver muitas gaivotas voando; elas subiam e desciam bruscamente até esta estrada dura de sal escurecido. Achamos que havia qualquer coisa de diferente em essas manobras de voo e, observando mais atentamente podemos ver a elas, as gaivotas, deixarem cair qualquer coisa de seus bicos e, em seguida em voo picado descerem também acompanhando o pedaço de coisa.
Em realidade havia manchas no piso com umas cascas destroçadas. Vai daí paramos para ver o que era aquilo e eis que deparamos com dezenas de manchas húmidas que afinal, eram caracóis do mar com uma ou outra ostra. Aí estava nossa incógnita, um mistério. Eram gaivotas lançando bem do alto aqueles pequenos animais para assim se desfazerem no choque em contacto com o piso da estrada C34, quase na milha 72 do Dorob National park. Mistério bem interessante.
Assinalamos o rumo de sua procedência e metemos por uma picada de piso seguro até chegar ao mar. Deparamos logo com muitas algas lançadas ao mar com a maré e, tendo nelas esses caracóis com mais de cinco centímetros. Iam e vinham com a ondulação. Aquilo era um pitéu grátis e, assim foi: apanhamos o quanto podemos desses burriés gigantes para mais tarde cozinharmos no Dolfim Park.
Andávamos a medo pois que vimos bastantes marcas de bichos que o deveriam ser de chacais mas, a imaginação galgava para outras bestas como a hiena e o leopardo. Até confrontamos as pegadas com um livro que levávamos mas, nada o foi em definitiva certeza. Claro que ficamos vigilantes perante aquela vastidão e aonde as miragens era permanentes, cansando literalmente os olhos pois que até víamos nas dunas em terra, lagos de água bem azulinha; coisa nunca vista – muitas miragens…
E, afinal aonde nos encontrávamos. Bem! Estávamos já além da milha 72, perto de Cape Cross. Chegos ali, espanto - podemos ver milhares de focas, umas com crias outras cuidando delas lançando uivos guturais em tons variados. Guinchando suas forças. Uns chacais que espreitavam o descuido das mães focas para atacarem suas crias – algumas de nascimento recente. Vimos este acontecimento na mais tranquila função e, a mãe, correndo desajeitadamente para a tentar salvar, não o conseguiu…
O mais destacável, depois das miragens, depois dos medos, era o cheiro forte que já se sentia a um quilómetro deste promontório. Promontório muito farto de pedras roliças, grandes – penedos! Penedos em que, os corpos destes animais se confundiam com elas, as rochas escurecidas. O cheio era um misto de peixe apodrecido com gordura de sebo exalado de seus corpos.
É essa gordura que as protege do frio e lhe dão melhor agilidade para deslizar na água, fugir a tubarões e baleias que por aqui, as visitam com regularidade. Passados tantos anos, ainda posso sentir aquele cheiro. Mais à frente e já na via D 2301, podemos ver os esqueletos de barcos e peixes de grande porte – Talvez baleias. Entre o macabro e o belo, a Costa dos Esqueletos é o nome também conhecido como "As Portas do Inferno", repleta de ossos de baleias e até gente pirata que deram à costa…
– Lugar assombroso…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3458 – 06.08.2023
- Boligrafando estórias entre Welvis Bay e Swakopmund - Em direcção a Ondundozonanandana mais a Norte… Foi no ano de 1999
Por:T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
O vento sopra forte do lado de Dorop National Park trazendo areias por quilómetros e eu, galgava-os com receio de haver ali um furo de pneu, o carro teimava em desviar-se para a esquerda mas, em realidade era a força do vento quente que me forçava a preocupação – As nossas palavras são como sombras que nunca podem explicar por inteiro a luz de medos ou ansiedades que sempre transportamos connosco.
Nunca isentos de culpas e formulando nossos destinos, assim o deixávamos derramado, nosso ADN, na mistura do vento, do pó e quenturas com adrenalina; culpados de muitos nenhures ou pequenas coisas, assim formando grandes castelos. E, íamos sim, soprado vida na terra do nada na direcção de Walvis Bay, o principal balneário da Namíbia e um dos mais bem preservados exemplos da arquitectura colonial alemã no mundo.
Walvis Bay, foi fundada em 1892 como sendo o principal porto do Sudoeste Africano Alemão; um dos poucos lugares da África onde uma minoria considerável da população fala alemão e tem raízes germânicas. Fica no trajecto da Rodovia B2 e da Rede Ferroviária Transnamibiana, que vai Windhoek e a Walvis Bay. Tem seu próprio aeroporto e prédios notáveis, bonitos, um espanto no meio duma vastidão de areia.
Neste descobrir de novas coisas ficamos num aprazível mas modesto conjunto de bungalows situado junto ao mar e margem dum rio de areia, mulola de nome Swakop, o que deu origem a este nome à cidade tipicamente alemã aonde morou o ET, um amigo extraterrestre de nome Eduardo Torres. E, assim atirando palavras desprendidas, recordamos terras com vazios aonde a verdade e a mentira passam pela mesma boca como rastos de picada que viram lendas.
Aqui e ali no meio da secura do Karoo íamos pendurando como tufos de teias nas espinheiras do tempo nossos medos e angústias e coisas do mundo sem saber se tudo era o que parecia ser. Diz-se de que, quem quer falar de assuntos sigilosos vai para o deserto mas, nós, não arriscávamos limpar o lacre dos actos e pensamentos porque já tinhamos o coração endurecido na vulgaridade vivida.
Um pouco antes de chegar a Welvis Bay deparamos com lagoas repletas de flamingos – o Bird Sanctuary na estrada M36. O Naukluft e Sossusvlei com suas dunas mágicas foram ficando distantes, mais a Sul. Uma volta rápida a Welvis Bay, umas compras indispensáveis para curtirmos sobrevivência na noite que se aproximava e já a caminho de Swakopmund, assentamos arraial no Dolfim Park – um conjunto de chalés, bem confortáveis.
Da varanda deste chalé podíamos admirar a imensidão do Oceano Atlântico vindo saudar-nos com bátegas chapadas nas rochas – um recife que se estendia ao longo da costa, um cheio intenso a mar – um lugar bem aprazível aonde ficamos duas noites.
Esta frescura do Atlântico é devido à corrente fria de Benguela que já se fazia sentir há quase quinhentos e cinquenta anos atrás quando por aqui passaram os navegadores portugueses a caminho da Índia das especiarias. Por ordem do rei D. João II, Diogo Cão passou por aqui deixando padrões como o de Cape Cross, construído lá pelo ano de 1482 e, que fica a uns escassos 130 quilómetros mais a norte de onde agora nos encontramos…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3456 – 04.08.2023
- Boligrafando estórias em Sossusvlei - Em direcção a Ondundozonanandana a Norte… Foi no ano de 1999
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
As noites neste deserto de Naukluft – Sossusvlei, aliás, como em todos outros, ficam frescas assim que o sol desaparece no horizonte. Aqueles montes enormes de areia deixam em nós a sensação estranha do quanto somos pequenos. Tivemos de preencher uns papéis para recebermos autorização de entrar no parque dos diamantes. Não nos era permitido afastar-nos do trilho com outras recomendações a cumprir. Iriamos sair ainda de noite para chegarmos ao nascer do dia á Duna da Milha nº 45.
Recordar que NAMIBIA, em dialecto Ovambo significa terra do nada. Foi aqui que vi as melhores paisagens nas minhas viagens por África. Pois assim, saindo de Luderitz atravessei com o clã T´Chingange todo o Naukluft Park para chegar às grandes dunas do Sossusvlei, aonde me encontro. Bolas! Outra vez! Nesta viagem deve haver um anjo da guarda que me persegue mas, em qualquer momento falha sua visão e entro nos cadafalsos da penumbra do telefone e outros edecéteras.
Estou assim a pensar como irei restituir-me em outro António mudando o Lopes para Costa ou vice-versa – Pópilas... Lá terei de largar isto e fazer meu brai com o boerewors com carne de bovino e especiarias, sementes de coentro torradas, pimenta preta, noz-moscada e cravinho. Depois disto veio um vazio, estavam a estudar meu problema pois que mandaram o código de seis números para um telefone que nem era meu embora tivesse o mesmo nome. Creio que era um bafana muzungu destas lonjuras e eu, esperei dois dias soprando ventanias.
Acampamos em duas tendas e, em um espaço próprio no início da zona interdita; activamos uma fogueira comunitária e deliciamos o ouvido com os sons da noite. Saímos ainda noite em comboio de carros, jeeps 4*4 e, turismos como o nosso, um Toyota 1600. A claridade do lusco-fusco ia surgindo e, apanhamos o nascer do sol a meio da subida nessa duna da milha quarenta e cinco.
Em fila indiana gente de muitas latitudes, falando línguas diferentes estavam ali, tal como nós para saborear a natureza em toda a sua plenitude. O sol com o seu disco grande e amarelo ia subindo no horizonte do lado esquerdo; uns mundos de sombras movíveis rodeavam-nos como coisa galáctica; o amarelo e alaranjado das dunas contrastava com o preto carregado das sombras.
As figuras sinuosas das dunas a mudarem muito lentamente, a todo o instante por efeito do vento - algo nunca antes visto e em um palco de grande espaço, aonde também parecia nos movermos como numa ilusão sem infinito. Naquele dia casei com Sossusvlei; a fina cortina de areia desprendida pelo vento mais parecia uma seda ondulante de noiva roçando o meu rosto, os meus olhos, a minha boca.
Beijei a areia feita um véu, como se fora um deus menor e os sinos das cigarras disseminadas em esqueletos de árvores perpetuaram para sempre ao meu ouvido aquele som. Ali era um bom sítio para entregar a alma ao criador. Foi sem dúvida a mais bonita catedral que já visitei. Se por ventura viver 333 anos, quero lá voltar na segunda metade do meu percurso. Ali, o feitiço tem mais encanto, coisas que não se apagam da retina.
É esta, uma das imagens que afagamos nos dias de indulgência, nos dias de amarguras involuntárias, nos dias impregnados de incontidas revoltas. Valeu a pena subir aquele morro de areia ondulante – figuras sobre milhões de grãos de areia ora amarela ora amarelada ou avermelhada; levou talvez uma hora a chegar ao topo, dois pés para a frente deslizando um e meio para trás.
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3454 – 02.08.2023
- Boligrafando estórias em Brukkaros e Hardap Game Park. – Em direcção a Ondundozonanandana mais a Norte… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Já que ficava em caminho fizemos um desvio para ver um vulcão extinto que o mapa indicava com o nome de Brukkaros. Devido à ausência de água potável e ao difícil acesso rodoviário, houve um certo receio em ir àquela montanha que se avistava de longe naquelas infindáveis rectas mas, aventurámo-nos; a viagem à Montanha do Vulcão Brukkaros também é difícil por ser demasiado pedregoso. Qualquer avaria, forçar-nos-ia a regressarmos a pé pois que ali não havia telefones e, os celulares ainda nem existiam; bola para a frente e, vamos ver no que dá.
A montanha é um grande vulcão extinto, um cone vulcânico com um diâmetro de cerca de 4 km2 tendo sido formado por uma explosão quando o magma ascendente encontrou as águas subterrâneas e as superaqueceu. É formado por uma pequena brecha castanha, acentuadamente avermelhada com leito indistinto e, composta por rochas fragmentadas que foram ejectadas daquela chaminé vulcânica de há cerca de 80 milhões de anos.
Eu, Ricar, Marco e Tilinha, tivemos de alcançar o topo do anel na forma de montanha, uns quinhentos metros verdadeiramente escalados até bufar todas as asneiras conhecidas mas, com dificuldade lá chegámos. A cavidade é drenada por um riacho que corre para o sul através da montanha circular até um vale estreito – quando chove. À sua cabeceira encontra-se uma cascata seca sobre a qual o ribeiro desce cerca de 45 metros.
Isto só imaginado pois só o é coisa real após a chuva, acredito que sim, sendo o leito do rio imediatamente abaixo da cascata a principal fonte de água (água que não vimos) mas, notou-se um brilho de humidade sim! E, porque avistamos macacos deduzimos que ali, haverá água; só que não descemos. Já chegava a loucura de subir até quase ao céu para vermos penedias pintadas a ferrugem e umas soltas árvores a que chamam de Quiver´s que crescem ao longo da base da cratera na forma circular tipo funil invetido.
Já refastelados nas instalações da barragem Dam Hardap Game fico atento á chaleira que fumega por cima do fogão eléctrico. O sol entra pela janela da kitchenette que liga à sala aonde estou sentado, melhor, afundado numa poltrona cuja tábua deve ter fundeado no acostamento de matacos de um quilómetro quadrado. Aqui há muita gente gorda e o melhor mesmo é nem repararmos porque, senão os contratempos surgem de soslaio vindos dum desconhecido lugar cheio de biltong, boerewors e coldrinks de coca-cola…
Os vapores do meu chá trazido do M´Puto serpenteiam até ao tecto de pinho em desenhos enrolados e fazendo uma cortina com raios digitalizados. Trata-se de uma velha cura legada pelo meu tio avó de nome Guerra, um composto de barbas de milho, pés de cereja, ipê-roxo, também conhecido como pau de arco e rooibos indígena. Curiosamente, a osga gorda instalada no canto do tecto lambuza-se de contentamento pois que é suposto os mosquitos aparecerem para se banharem no vapor quente, que ali se concentra.
Num espaço etéreo de virtual roxismo, o fumo enlaça visões de índios sioux, astecas ou apaches. O termo roxismo derivada de Roxo, o nome de uma senhora que pinta seus sonhos no computador metendo as pestanas em escandaloso verde e fazendo de óculos com adjacências estapafúrdicas, com madeixas de cabelo ruivos como se todos fossemos assim, vindos duma galáxia distante muito cheia de bolinhas translucidas e, numa forma espantada de arco-íris a condizer exataqualmente com a ideia de que efectivamente, somos uma ilusão.
Hoje mesmo, vou-me ensinando a ser gente tomando aqui e acolá, por onde calha, o saber dos mais sábios para ficar esperto. Nem sempre homem, nem sempre jovem, já mais velho, nos intervalos, aprendo a aprender a ser grande graças a esta aguda perspectiva de também ver e ler as coisas da frente para trás e tal como o camaleão, ter um olho aqui e outro mais longe para poder fazer selfies de mim mesmo (isto é só imaginação futura porque, a selfie surgiu anos depois…), bem ao jeito de Picasso. Lá fora as árvores têm formas de cactos pré-estóricos, aloe dichotoma (as tais Quiver´s)…
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3453 – 01.08.2023
- Boligrafando estórias em Krabbehoft Guesthouse and Catering. Estávamos ainda em LUDERITZ … Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Necessitando de renovar minha paz por mais uns dias em país que não o meu, insurgia-me contra essa maçada de pagar expedientes ou emolumentos numa terra com padrões de meus ancestrais situados um pouco mais a Sul e no lugar de Elizabeth Bay. Foi quando vimos as duas hienas esgueirar-se na esquina salitrosa dum prédio roído pela maresia.
Chafurdavam em um conjunto de bidons fazendo de contentores com restos de comida, sobras do pasto de gentes, pasteis roídos de fartura com natas de engordar há mistura com salitrosos guardanapos empapados de óleo e espinhas de pescada. Neste encanto de desespero entre o mar e o deserto, rendilhamos nossos sonhos com muitas pedras roliças, daquelas que já andaram e desandaram milhares de vezes a recordar que somos uns nada comandados por mistérios…
Mesmo que rumine uma harmonia que me favoreça a dormir embalado pela mão de Deus, esta paz fica-me cara porque, aqui na terra, os homens pagam-se bem pelos expedientes. Regressando à teoria do pessimismo, terei de concordar que é certo o que se diz de que o que tiver que acontecer, acontece, e neste caso aproveitarei rever um oceano de quilómetros de acácias - longe do mar, desertos e bichos na firme vontade de não ser extorquido como um qualquer turista para ver pedras e ou atravessar uma curta ponte construída pelos colonos e ter de pagar pedágio, portagem ou sacanagem de coisas descolonizadas (roubadas).
Assim de como quem vai ao mercado das calamidades, feira da ladra para compra nossas coisas desviadas no furto, capiango da necessidade. Um escambau - Em áfrica, tudo é possível, tudo é da TIA - That Is África. Coabitando com este gozo de incertezas, preencho a inspiração sem doçura, um veludo negro cuspilhando-me num desconsolo na alma.
Mas, como “há males que vêem por bem” acoitei minha curiosidade em ver cavalos selvagens por esta grande área aonde as areias foram tomando conta das casas – cavalos que relincham em alemão porque foram eles que os deixaram por aqui; porque o eram em tempos, cavalgaduras deles, até que um dia em que os diamantes de sonho deixaram de aparecer a brilhar, Também a Guerra Grande que chegou até aqui destroçou vidas com brilhos cintilantes como as estrelas do céu que aqui, de noite, são aos triliões.
Sem me assustar com a calma tremeluzente que carrego, trotarei como aqueles cavalos a sobreviver alvoroços e daqui, segui, seguimos para Windhoek feito um naco grande de sabão p´ra macaco com almofadinhas de chita branca, carteira com dólares verdes numa forma de amaciar minha rigidez branca. Em terras de gente que, só parecem querer meu kumbú, irei rever meu Rundu, meus amigos fujões do outro lado chamado de Calai de Angola no Okavango.
Ver um rio de maravilha que desagua numa lagoa grande chamada de Delta. Outra corrida - Outra viagem! A vida é assim mesmo, como um carrossel. Recordar a estória do final do ano de 1975 de, quando um General de Pretória num dia intercalado das guerras independentistas, chega um indivíduo sem nome a Grootfontein; Este senhor levando um visto de trabalho em nome de João Miranda saído às pressas de Angola.
Do General que viu em João Miranda, o Tuga do Dírico, com o perfil certo para ser integrado no Batalhão Búfalo por falar a língua dos estalidos, bosquímanos, os Khoisans. Da companhia Búfalo que estava a ser organizada para intervir em Angola contrariando as investidas comunistas. Foi lá no Hotel Safari que me instalei em diferentes fases da independência de Angola. Lugar por onde irei passar de novo, rever o amigo Pimenta se ainda for vivo, enfim, lugar aonde pela primeira vez comi ostras no gelo e gelado dom pedro com Marula…
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3452 – 31.07.2023
- Boligrafando estórias em Krabbehoft Guesthouse and Catering. Estávamos ainda em LUDERITZ … Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Ot´chingandji) – Em Amieiro do M´Puto
(…) Isto (eu mesmo, o kota…), só pode fazer confusão a quem anda sempre teso, com seus colarinhos engomados, cheio de obséquios e unhas estimadas, sem nunca sentir os medos indefinidos que arrepiam as carnes como pés de galinha e arrepios de levantar medos no cocuruto do toutiço. Desfigurado pelo tempo, cheio de cãs, estonteado pelos muitos calores, posso ver minha barba crescer em troços grossos e brancos de um milímetro de comprimento que, só uma gillette de três lâminas as pode debastar.
Passeio pelo mundo, o meu isolamento procurando entreter-me cada vez mais só desencantado com amigos e inimigos – um mundo de loucura e, metido entre meus botões de casca de ostra a fazer estilo de mandela em dia de balalaika zulu… Por vezes as companhias são obtusas e confusas, cheias de nove e onze horas como se fossem os donos de todos os relógios; já me aconteceu destas tormentas mas, agora interessa é continuar a falar de Luderitz, lugar de hienas peludas dum cinzento acastanhado.
Chegamos ali ao fim duma tarde, um frio com vento de arrepiar para cima de nós, deslocando a areia de um para o outro lado da estrada, ora preta de alcatrão ora indefinidamente tapada de areia esquindivada do Kalahári. Aqui, nem pensar em ficar em camping a contar as estrelas e ver aonde está esse Cruzeiro do Sul. A areia era-nos cuspida pelo Nosso Senhor como gente desabençoada, rolos de capim amarfanhado fugindo no medo e no sentido do vento e, nós aqui feitos loucos, uns extra terrestes zoando espantos; assim tinha sido até aqui, assim o foi na estrada que nos trouxe até aqui - Pópilas…
Recolhemo-nos no Krabbehoft Guesthouse Catering e apartments embrulhados em nossos kispos tiritando das quinambas e nas orelhas, batendo o dente como metralhadoras do filme do dia D. Vou vos contar - tudo ao molhe e fé em Deus! Havia gente jovem de muitos lados e, na confusão do meu Inglês raspikui do Friday, misturava-se com o “je suis” e falas com tremas na vontade de “seja o que Deus quiser”- Saravá! Dizia eu, para desatarraxar as encrencas das porcas sextravancadas…
Afinal não éramos os únicos malucos a andar soprados ao vento frio da aventura. Ao chegar ali, os hóspedes têm a sensação de ter caído repentinamente nas páginas de um romance de Hemingway, talvez Papillon. Bem! Uma mistura de tudo… Um espírito e, um ambiente ultra "bush", uma caserna bechuanaland com gente estendida pelos corredores dormindo em sacos cama. Óh gente doida! Lá fora as hienas castanhas farejavam os bidons de lixo, os restos de pizza, do tutano dos ossos, assim mesmo como se fossem cães dos arrabaldes duma qualquer outra cidade.
Aqui em Luderitz, as horas acordam cedo desfazendo-se em minutos gélidos pelos sopros do mar, gozando mais regradamente os bens da inteligência e da vida; remexo a chávena com meu especial milongo de adstringir triglicéridos, uma cachaça, aguardente medronho do M´Puto trazida em contrabando para aquecer, pois claro. Ao redor predominava o cheiro de café ondulado em falas da Croácia, do Xingrilá, das Maldivas e até estalidos de mucancala, mucuisse ou mucubal khoisans falando em Morse – acho que era só para fingir ou trinando sons do Alá…
Assim feito muambeiro, tomei com um agrado, aquele agora da vida na forma de café arábico. Desolando-me numa sinceridade gemida de tudo o que é ilusão, indeferia-me nos contornos que se transportam sempre às costas, um pessimismo que sempre se enrola no soalho do cerebelo. Assim taciturnado, com o kispo enfiado pelas orelhas, todos os cinco (T´Chingas, Marco Manhanga, Ricar, Tilinha e Mãe Bibi), fomos ver o padrão de Luderitz numa ponta pedregosa colocado pelos Tugas em tempos de lá para trás do mu-ukulu, do muito antigamente.
Naqueles tempos de quando ainda se alimentavam sonhos de grandeza com Diogo Can que só chegou ao N´zaire River e, mais tarde o Bartolomeu Dias que passou o Cabo Bojador, e o Vasco das Barbas chamado Gama, que dominou as Índias. Sei o quanto é difícil ler o indecifrável mas soe dizer-se que a teoria do pessimismo quando implodida num deserto, é bem consoladora para os que sofrem e eu, com meus sessenta e quatro anos nesse então (tempo de há catorze anos), já não tinha fornalha para alimentar lentas combustões. Isso - Na forma de chatice! É do frio cortante…
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3451 – 30.07.2023
- Boligrafando estórias em Ondundozonanandana. Estávamos ainda em Luderitz, terra soprando a areia no caminho… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Na minha vontade, parecia só querer ser uma lenda a comparar com o feito de Amyr Klink que sozinho e num barco a remos atravessou o Oceano Atlântico percorrendo sete mil quilómetros. Foi o primeiro feito a ser amplamente divulgado na imprensa internacional que ocorreu entre 10 de Junho e 19 de Setembro de 1984, entre Luderitz, na Namíbia (África) e Salvador, na Bahia (Brasil) – trinta e nove anos lá atrás.
Foi um feito invulgar a mostrar o quanto a tenacidade pode vencer um sonho. Abro uma brecha na minha viagem para falar sucintamente de Amyr Klink, o navegador que desde Luderitz da Namíbia, provocou seu grande desafio - a travessia solitária do Oceano Atlântico a remo. Pois, com 29 anos na idade, ele zarpou dali, cidade vizinha à Costa dos Esqueletos - com ossos humanos e de animais espalhados pela praia.
“Favorecido pela corrente fria de Benguela afasta-se da orla e deflecte para dentro do Atlântico; no lugar onde começam os ventos alísios que sopram fortes e regulares até o Nordeste do Brasil”, descreve ele em seu livro. Algo idêntico ao procedimento na navegação Tuga entre Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola e o Brasil em tempos idos, muito antes do achamento do tição com forma de Nossa Senhora que da fé imaginada se converteu em Nossa Senhora (Preta) da Aparecida…
Amyr, virou um navegador respeitado, e sua paixão pela Namíbia jamais cessou. “É segura e económica”, analisou ele, que ali voltou várias vezes. Tal como ele, ambos verificamos em diferenciadas vertentes o interior, deserto do Karoo e Kalahári, preservado de bichos terrestres já tão vistos em safaris, enquanto no litoral, cidades como Lüderitz, Walvis Bay e Swakopmond o é, morada de focas, pinguins, flamingos, pelicanos e tubarões que fazem parte do círculo ou cadeia alimentar.
Ambos, matamos saudades dos acasos e singulares amizades que fizemos e, dos óptimos pitéus que usufruímos com frutos do mar ofertados pela natureza. Juro que eu, em plena consciência nunca faria isto, meter-me ao mar sem balizas firmes assentes em algo de referência, como os padrões semeados ao longo da costa pelos Tugas, vendo só o horizonte curvo a confundir-se com o céu do Nosso Senhor! Menos mal que nesse tempo de lá para trás, não se cogitava que o Universo não tinha bordos, era uma fumaça com cacimbo sem fim.
Agora tenho a certeza que vou terminar meus dias sem saber aonde fica esse tal de cu-de-judas do fim do Mundo. O mundo continuou a girar como sempre e, não mudou por este feito mas seus “Cem Dias entre Céu e Mar” ficaram nos anais da coragem marítima. Comparar-me assim minuciosamente com tamanhas aventuras é consolar-me com alheios fumos, fumos de charutos como se fossem pensamentos num tom cor-de-rosa que se perfilam em matemática quântica porque os índios Sioux e, todos os outros das antigas estórias de bordel, já foram extintos, não há muito tempo…
Desfalecido nos ombros, um pouco mais tolo e muito mais míope, agora, já com a audição a não ouvir os cantares de galo no silêncio da noite, coxeio-me em vozeados ambientes de cochichos frouxos. Coitado de mim! Bom - prá frente. Em Keetmanshop, procuramos em arcas carne de caça para fazer um brai-churrasco lá acabamos por encontrar uma carne escura; era de órix, esse belo animal que se podem ver fazendo pose nas dunas de areia vermelha lá no horizonte.
A senhora bóher do armazém-venda, pouco mais que um cuca-chope, queria impingir-nos outra carne porque aquela era de caça mas, mal sabia ela que era isto que procurávamos. Em seu conceito, não era normal os turistas comerem bichos-do-mato. Como podem verificar, missionando o toutiço, perdi inteiramente as minhas belas cores europeias, a cara sarapintada de funchos, crateras com rugas extravagantes…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA (HOODIA)
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3449 – 28.07.2023
- Boligrafando estórias tão fantásticas, que até o nome se alonga de gozo: Ondundozonanandana… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
De sabedoria debruada em muitas rugas, olham num permanente espanto as coisas que nós os ocidentais inteligentes banalizam e, uma casca de fruta que pode ser um grande património para eles, torna um fio com uma linha uma tecnologia espacial. Para nós alienígenas ocidentais do mundo terreno, iremos dizer do quanto é maravilhoso ter comprimidos que permitirão encher o bandulho de pasteis de creme, de nata e baba de camelo às duas da manhã ou o sorvete na forma de gelado sem riscos de se ficar com um peso na consciência.
E, tem mais, as mulheres não deixarão seus maridos à solta se souberem que ingeriram uma vitamina super de xhoba. Se bem conhecem, a história da coca-cola foi objecto de um filme em que uma garrafa destas caiu em pleno deserto do Calahári e que daí, provocou para além da curiosidade as vicissitudes do mundo ocidental, o mundo dito civilizado. Recordo que neste então e, descrevendo sumariamente o filme, uma criança viu-se acossada por umas quantas hienas. O candengue (puto), sabedor dos costumes da tribo pegou em um pau colocando-o na cabeça; assim parecendo mais alto, as hienas não se atreveram a atacar o candengue Bushmen.
Estas estórias de tão simples, tornam-se fascinantes para quem todos os dias manobra com aparelhos inteligentes, coisas tecnologicamente chamadas de ponta. O mundo avança tão rápidamente que todos os dias nos atropelamos em ignorância. Tempo virá em que nossos médicos, nossos choferes, nossos farmacêuticos e bibliotecários, serão robôs; que os políticos virarão um bando de gângsteres usando a mentira e novas tecnologias algorítmicas; que a morte será premeditada e o ciclo da escravidão retornará envolta em lubrificadas e premeditados desfalques à nação…
Desconfio que pelo andar da carruagem este trem da Terra vai conspurcar pouco a pouco aquelas paragens semi desérticas repetindo por muitas vezes este episódio da coca-cola e, o povo mais antigo ao cimo da terra passará a usar gravata e sapatos de coiro em substituição da sua pele rugosa e resistente. Por via da tal “molécula P57” o mundo dito civilizado subsidiará as tribos nómadas que vivem sem fronteiras entre Angola, Namíbia, Botswana, Zâmbia, África do Sul e Zimbabwé.
Estes, não mais irão ter de correr atrás dos macacos para saber aonde beber; de reconhecer as plantas que no meio do deserto lhe fornecerão água em suas raízes, terão à mão um chinocas, uma venda, quiosque cuca-shop para lhes venderem água e cachaça… A Bushmanland não mais será a mesma! A cento e vinte quilómetros a sul do Orange, num local conhecido por Springbok, pernoitamos numa palhota do tipo em que vivem os Bosquímanos.
Com estrutura circular formada de paus vergados e enterrados na sua parte mais grossa, entrelaçam-se entre si na parte mais alta sendo o restante amarrado com fios feitos de casca de arbustos locais. Chovia quando ali chegamos pela primeira vez indo de Orange River mais a sul; coisa rara para quem passa esporadicamente como o era, neste meu caso; não há cheiro igual noutro qualquer lugar do mundo.
Após as primeiras chuvas, o pó em África, tem um cheiro de terra espacial; quem o não cheirou, não consegue conciliar os sentidos inebriadores duma mistura de pólens invisíveis dos escassos tufos de vegetação. No outro dia já as encostas suaves dos morros ficam numas chapadas feitas jardim, um mar de rosas deslumbrando-nos. Ver o deserto em tão curto prazo de tempo virar um jardim florido é qualquer coisa de misterioso, milagre que nos leva até um ser superior a quem chamamos de Deus…
Estas palhotas do Springbok tinham 1,80 metros na sua parte mais elevada, cobertas a palha presa aos paus com a mesma casca, tipo mateba, deixando uma abertura com uns sessenta centímetros de largura e noventa de altura. Após ter feito uma prévia inspecção ao local circundante enxotando lacraus, aranhas e carochas, derramei um fio de gasóleo na parte de fora. O gordo bóher dono do pedaço, nada me disse para além de afirmar que estávamos seguros mas, eu não me sentia tão firme, se não fizesse isto.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3448 – 27.07.2023
- Boligrafando estórias tão fantásticas, que até o nome se alonga de gozo: Ondundozonanandana… Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Foi nesse sítio de Mata-Mata, lugar ideal para se sepultar o passado que encontramos o milagroso cacto escondido entre tufos espinhosos, verde, gomoso e muito ornado de picos; agressivo no aspecto, engana no entanto a fome ao povo Bosquímano há séculos. A fronteira da coragem transpira incertezas naquele povo a quem Nelson Mandela cedeu 400 milhões de metros quadrados para mitigarem a fome explorando este milagroso cacto.
O xhoba para além de surgir naturalmente na natureza, também é cultivado por esta etnia Bushmen, por algumas tribos nómadas que vivem sem fronteiras entre Angola, Namíbia, Botswana, Zâmbia, África do Sul e Zimbabwé. Este cacto torna-se agora conhecido, fruto de pesquisas nos laboratórios ocidentais e ao longo dos últimos tempos no intuito de controlarem o problema social da obesidade, consequentes problemas de colesterol com os triglicéridos.
Lípidos que sendo importantes para o armazenamento de energia no organismo sob a forma de tecido adiposo, podem originar problemas cardíacos ou doenças coronárias em geral quando em quantidade elevada. Se bem se recordam da figura do bosquímano, ele é seco de carnes e, de estrutura perfeitamente musculada. Pois o xhoba que, também conhecido por hoodia, é um cacto da família suculenta que cresce naturalmente na África do Sul, a norte, desde a Costa Atlântica até ao Limpopo.
Tem a particularidade de eliminar a fome reduzindo duas mil calorias por naco e por dia; viscoso e azedo, quando ingerido, engana o cérebro até à linha zero, num gozo de deuses ladeados de chacais, caracais ou hienas. Entretanto vi-me obrigado a apaziguar inquietudes por evidente encantamento deste Kalahári. As noites frias daquela terra de Bushmanland crepitavam em fogueiras, alçadas labaredas do meio de tanta negrura. E, eles gente do Kalahári, embrulhados toscamente numa pele, numa tanga.
O que despertou o interesse das grandes farmacêuticas no sentido de sintetizar o princípio activo da planta foi uma tal de “molécula P57”; a mesma que ajuda a suportar a fome e a sede durante suas longas caçadas, sem efeitos secundários. O fumo da fogueira dissipa-se num vazio de milhões de estrelas enquanto no retiro das precárias cubatas-choças, pelo que também se diz o frenesim do amor ou relações de corpos se desprende naturalmente pelo efeito afrodisíaco do mesmo xhoba (assim dizem).
Existem cerca de 20 variedades desta planta mas é na variedade Hoodia Gordinii que é encontrado um supressor de apetite totalmente natural; assim se pode ler algures em uma publicação farmacêutica. No ano de 1997, a licença da descoberta foi vendida a uma empresa britânica, Phytofarm, que por sua vez vendeu os direitos de desenvolvimento e marketing à gigante Pfizer Corporation. Os interesses comerciais entram aqui com sua natural e exagerada relevância que nos levam ao género humano que somos hoje, estereotipo bem diferenciado dos Koysan, da etnia Bushmen, Bosquimanos ou da tribo nómada dos "San"…
De uma forma mais activa, a P57 tem um comportamento similar ao que a glucose tem ao nível das células nervosas, no cérebro, levando o corpo a pensar, que está cheio, mesmo quando não o está, cortando assim o apetite, como explica o Dr. Richard Dixey, da Phytofarm: “Existe uma parte do cérebro chamada hipotálamo. Dentro do hipotálamo, situado no centro do cérebro, existem células nervosas que detectam a presença de um açúcar chamado glucose".
Quando comemos, os níveis de açúcar no sangue aumentam por causa da comida e estas células começam a lançar para o corpo a informação de que estamos cheios. Pois o que o xhoba parece conter é uma molécula que é cerca de 10 mil vezes mais activa que a glucose. A maturidade dos Bosquímanos mede-se pela idade, no encanto de estalar conversa em contos e, por isso, são a mais velha biblioteca oral do mundo. Os mais velhos, kotas, engalanados em contos de místicas com lendas de *mussendos ou missossos, descrevem por estalos sua coragem despida de preconceitos porque os desconhecem.
Bibliografia: * Mussendo – estória longa de cariz popular; Missosso – conto curto, de origem popular
(Continua...)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3447 – 26.07.2023
- Verdade ficcionada
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
(…) - Chegados à casa do Senhor Bicho, não muito longe dali e, após as habituais apresentações mostrou-me o quarto disponível; foi-me dizendo que ainda estava em obras e que teria de ficar em um colchão ainda embrulhado em plástico, recomendando-me não o tirar em virtude de poderem vir a ser vendidos como novos. Assim foi mas, durante a noite a restolhada do plástico e a quentura não me proporcionou um absoluto descanso. Bem cedo, um empregado do Senhor Bicho comunicou-me que podia ir até a varanda situada por detrás do último quarto logo após o corredor que dava ao pátio interior para tomar o mata-bicho.
Chegando lá encontrei o senhor Bicho dando ordens a uma gorda senhora que logo se adentrou na cozinha de onde se podia sentir o odor do café e, logo se sentou a meu lado cavaqueando sobre os muitos afazeres daquela hospedaria. E, falamos da sua distante terra, a Ponte do Charuto do M´Puto, bem perto de Mexilhoeira Grande no Concelho de Lagoa.
Mostrei admiração pela beleza das portas quase maciças da entrada para os quartos com baixos-relevos dos cinco grandes animais de África. A minha porta era uma cabeça de búfalo; em realidade era uma obra de mestre. Bicho, sem saber da minha vontade em ir ao Rundu, do outro lado do Calai foi-me inteirando que a pessoa com quem eu tinha em mente encontrar.
João Miranda, já não estava na grande base de Grootfontein. Isso despertou-me curiosidade pelo que recolhi os detalhes possíveis; da triagem dos muxoxos falados e escutados na casa restaurante de Rocha já me tinham alertado de que assim era. Pois é, continua Bicho: - a mando dum General de Pretória um dia chega um indivíduo sem nome, em Grootfontein em um Hércules C-130., levando-lhe um visto de trabalho em nome de João Miranda…
Levou a família inteira para Pretória. E, porque tinha todos os seus bens em Dírico, não queria por nada ir para Portugal; além do mais sua senhora Elizabete só conhecia mesmo as terras do fim-do-mundo de Dírico, pois ali teria nascido. Deram-lhe um apartamento do tipo T4 totalmente equipado; o General viu nele o perfil certo para ser integrado no batalhão Búfalo por ser um bom conhecedor do terreno e falar a língua local e, dos bosquímanos.
A companhia Búfalo estava a ser organizada à já algum tempo no intuito de intervir em Angola salvaguardando possíveis investidas terroristas e comunistas. Ovoboland seria um território tampão àquele avanço. Bicho perante a minha incerteza, com a cabeça muito cheia de “nadas” para o futuro aconselhou-me ir até Windhoek antes de tomar qualquer decisão; dizia-se que estavam ali os recrutadores de possíveis militares a integrar naquele batalhão
Tudo dependeria da aptidão e vontade de vir a ser um soldado da fortuna, vulgo mercenário. Indicando-me o Safari Motel para me instalar. Ali, iria recolher elementos junto a muitos refugiados, alguns deles, agentes da PIDE que tinham uma noção exacta das movimentações em curso. Um dia depois, segui em boleia com o tal Rocha de Oshakati, que me fez o especial favor de me levar ao Safari Motel do Pimenta…
Esta estória tem continuação em um outro contexto pois que num repente, o que era para ser já o não foi; tudo por um macaco que teve a ousadia de me roubar a mala que continha apontamentos de minhas odisseias da Ovoboland. Posso explicar: estando eu e família em um parque nos arredores de Windhoek, Daan Viljoen Game Reserve, acreditem ou não, o raio do macaco cão, babuíno, grande e possante, levou meu caderno de apontamentos pensando serem bolachas. Escafedeu-se na mata levando para lá dos arames, importantes apontamentos de minhas andanças. Só por isso e, para não friccionar minhas moléculas cerebrais, darei um salto literário boligrafando outras alvissares das mesmas paragens do cacto xhoba. É a vida!
Glossário: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional. Corresponde à diáspora de angolanos e afins espalhados por esse mundo.
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA
- " DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3446 – 25.07.2023
- Verdade ficcionada
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Oshakati, ficava na direcção contrária à faixa de Kaprivi, uma faixa de linha recta saída do Divundo junto ao rio Cubango (Okavango) até o rio Zambeze com cerca de 405 km de comprimento e 30 km de largura. Tem a forma de frigideira e fica situada no nordeste da Namíbia formando as duas regiões namibianas denominadas de Kavango e Kaprivi.
Tinha indicações que havia um tal senhor Rocha que fugido do Sul de Angola ali se estabeleceu com um restaurante e uma fiada de casas térreas que eram alugadas a baixo custo a refugiados; foi para ali que me dirigi e aonde me refastelei com uma caldeirada de cabrito. Enquanto a família comia, uns quantos olheiros miravam e ouviam atentamente o que se passava entre nós; gente deslocada de Angola que vivia de expedientes e bufaria…
Rocha era ainda um rapaz novo; sentou-se em nossa mesa e conversamos um longo tempo, fruto da minha insistência na recolha de informações. Rocha falou abertamente do sonho em se fazer rico, construir um hotel em condições e negociar com diamantes quando lhe fosse possível. A empatia foi tal que não se coibiu de falar o que quer que fosse…
Aconselhou-me a ficar num dos quartos de Bicho da Ponte do Charuto (Estômbar do M´Puto) logo no fundo da rua, pois que ele estava com os alojamentos repletos de gente saída de Angola. Em África parece tudo ser perto pois que tudo se sabe; carências de notícias levam à união e a fraternidade dando a isto, uma característica única no mundo; Em nenhum lado do grande globo se encontra esta postura e este facto é a razão do porque, ninguém se esquece desses locais aonde a vida tem socalcos diferenciados assim como se estivéssemos num permanente mundo de Indiana Jones, coisa de cinema com senas a correr numa mina do tipo de kimberly …
Daqueles aromas, do som do mato, do chorar da hiena, do uivar do mabeco e até o cacarejar das capotas com o “tou-fraca, tou-fraca…” mais o por do sol atrás duns chinguiços, cassuneiras ressequidas e mato estéril. Rocha estava a par da odisseia de João Miranda do Mukwé e acabei por ouvir um pouco mais da sua fuga das terras do fim-do-mundo, zonas do Calai, Dírico e do Rundu: …
Quando Miranda chegou ao Mucusso e passou a fronteira para o Sudoeste Africano, as autoridades sul-africanas actuaram com rapidez. O comando Sul-africano do Rundu, enviou prontamente tropas para receber a família no Calai. A família Miranda estava salva. O comandante da polícia local, o inspector Erasmos, instalou os Miranda numa “guest house” do Governo, nesse tempo Namíbia, ainda estava debaixo da alçada Sul-africana.
Nessa mesma tarde apareceu o general Loots, reformado, combatente da II Guerra Mundial, acompanhado por um oficial português, madeirense, o tenente Silva. João Miranda foi entrevistado e no final informaram-no de que receberia no fim do mês um ordenado, relativo ao primeiro dia em que fugira de Angola. Para a Intelligence Sul-africana era de grande valor ter um homem que dominasse a fala por estalidos dos khoisan (bosquímanos), que fosse conhecedor da área e tivesse tido um agraciado valor militar – era o caso.
A família foi depois transferida para Grootfontein, já no interior norte da colónia, para maior protecção. - Julgo que é ali que eles estão agora! Afirmou Rocha. Com esta informação a minha odisseia teria outro rumo; Teria toda a noite para pensar como prosseguir no dia a seguir; agora iria à procura do senhor Bicho para me instalar. O Okavango seria nosso destino, Mukwé, não muito longe do Rundo cidade, eram os rumores mais aproximados de seu bivaque (“acampamento”) - Não seria assim tão difícil encontrar um comerciante branco junto ao rio Cubango…
(Continua…)
Glossário: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional. Corresponde à diáspora de angolanos e afins espalhados por esse mundo.
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – UM CACTO CHAMADO XHOBA - Boligrafando estórias em cor antiga em terras de KHOISAN… Nos anos de 1999 e 2018…
Crónica 3445 – 24.07.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Na descoberta de África, chegar aonde os outros não chegam e, a partir de Cape Town, rumei às longínquas terras do fim do mundo, terra do nada que na língua Ovambo tem o nome de Namíbia. O destino do Rundu na Owamboland estava a 2500 quilómetros mais a norte, fazendo fronteira com Angola pelo rio Cubango ou Okavango. O mesmo que vai desaguar não no mar, mas numa vasta área chamada de Delta do Okavango.
Cedendo a rogos do meu ego, não fiz mais do que executar um plano há muito preparado com Mapas do Cuco edições e mapas Guia Michelin, uma publicação turística destinada também a classificar restaurantes e hotéis; decidi-me a atravessar os grandes desertos do Karoo e Kalahári, na rota de fuga do povo Bóher, sempre para norte. No ano de 1999, fim do século XX, regimentava minha vida acumulando sentimentos de muitas dúvidas; hoje, estas mesmas duvidas aumentaram exponencialmente.
Já nesse tempo não se estava bem aonde se estava tal como o Variações, um cantor barbeiro e cabeleireiro que também sabia cortar palavras. Nesse tempo ser gay era uma afronta feia de maricas, hoje, até os que não são dizem ser, para ter acesso social!? E, têm-no na TV, no governo, no mundo da canção e o escambau e... Mas, o assunto é outro sem esse tal de orgulho LGBTIKW+.
Os sentimentos acumulados com angústias de permeio a fazer de talvegues ao jeito de formar rios e lagoas, foram aumentando e, agora até serão mares. Isso! Só que meus assobios tinham de ser dispersos no deserto, daquele aonde o vento faz mover montículos de capim seco, unhas do diabo que se encaixam algures brotando verdura com uns escassos pingos de chuva. Por este motivo cheirava a terra depois da chuva e, a partir da Cidade do Cabo fiz-me ao caminho.
Levei a cabo a travessia desde Cape Town até à Cidade de Maputo, antiga Lourenço Marques. Passando por Windhoek, Walvis Bay, Victória Falls, Lago Kariba no Zambeze, Tete, Beira, Chimoio, Macia-Bilene e por fim Maputo. Voltei a repetir parte desta volta no ano recente de 2018, a qual ainda ando a digerir e escrever (tenho os apontamentos espalhados por aí...) mas, o desencanto levou-me a ver tudo mudado, para pior. Talvez, se a tivesse feito do meu modo, teria sido bem melhor; andar à boleia de quem diz conhecer tudo, dá nisto, contrariedades. Ferrei-me!
Percorrendo mais de treze mil quilómetros, perdido de amores por aquelas escaldantes terras, o sol esfregava a brisa assobiando cânticos quentes nos nossos rostos, também nos sonhos agrestes de sedução trazendo-nos a areia fina. Lambuzando-nos pelas narinas, flagelava-nos de braveza por vezes humedecida pelo mar até Knysna na Costa do Ouro, lugar aonde desviei para norte para ver as grutas de Kango Caves e, redescobrir assim primitivas vidas.
Seguiram-se outras terras até que parei em Upington, nas quedas de Augrabies em pleno rio Orange, o rio da integridade Bóher, rio dos sonhos e fugas aos Ingleses. Ali, no meio da neblina matinal por entre fráguas gigantes como as Moon Rock, no Augrabies Falls National Park. Nestas águas quentes revi o passado, pecúlio de quem nada espera, esperando...
Finalmente passando dias de sensação esfarelando o tempo em velocidades porque o tempo "ruge", cheguei a Twee Rivieren e Mata-Mata mais a norte, sitio seco, penedos queimados pelo sol dispersos na areia e uns tufos por aqui e ali, fronteira com o Botswana e Namíbia, um fim-de-mundo com khoisans (bosquímanos). Sitio ideal de aventura para se enterrar o passado. Foi aqui que encontrei esse milagroso cacto Xhoba...
(Continua Okavango e Calahári...)
O Soba T´Chingange
MALAMBAS NAS FRINCHAS DO TEMPO – No rio OKAVANGO, dou-me conta do quanto meu sovaco cheira a catinga…
Crónica 3444 – 23.07.2023 - MALAMBA: É a palavra.
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Em busca da verdade, muitas vezes acontece-nos não fazermos perguntas por ainda não estarmos preparados para ouvir as respostas e nem sempre o é assim porque simplesmente, por vezes sentimos medo a elas; podemos enumerá-las ou até suspirá-las mas, todo o ser humano em alguns momentos de sua vida têm coisas boas e outras más que se enfileiram ao jeito de missangas atrás uma das outras.
Um rosário do tempo e através dele que como um terço, rezamos ou fingimos rezar porque como se diz, atrás do tempo vem o tempo e depois da tempestade vem a bonança. E, porque se diz que a justiça é cega, surda e muda, pelo que se sabe também anda meia calçada e meia descalça para fingir que agrada a humildes descamisados e ricos encoirados.
Mas, pelo sim pelo não, usamos amuletos da sorte para nos enganarmos nas figas, no corno, na meia-lua, na estrela de David penduradas ao pescoço ou uma ferradura velha de burro ou cavalo, pendurada do lado detrás da porta de entrada de nossas casas.
Por via de duvidas também usamos amuletos da sorte na forma duma nota de dólar, um santinho, uma qualquer nossa senhora da aparecida mais responsos escondidos em forros de malas e maletas. Até uma vagem envernizada de feijão maluco serve para o efeito! O místico junta-se com a Cruz e o Cristo numa caixa, asfixiando-O o tempo todo.
E, sempre picado em sua coroa de medonhos espinhos com um credo na ponta das falas, um cuzcredo (!?) com interrogação juntas na exclamação. No meio da algazarra das palavras, dos apelos, dos gritos ou cânticos, haverá sempre uma insatisfeita curiosidade, perguntas sem respostas ou maneiras mentirosas de dizer a verdade…
Verdade que nem sempre achamos lógica ou patética nem sempre merecedora de ser levada ao cutelo ou ao fogo da veracidade porque, simplesmente nós não somos guardiões nem usamos beber do crime no rio da vida. Amolecendo a preguiça num chinchorro (rede), a trinta metros do rio Okavango ou Cubango, do outro lado Mucusso.
Dou-me conta do quanto meu sovaco cheira a catinga, odor em tudo igual a todas as outras catingas dos negros corpos de África. E, assim, aqui estou de livre e espontânea vontade como um emigrante e muito enfeitiçado pelas gentes acolhedoras; gentes que como eu, saíram dessa imensidão dos matos de Angola, de lonjuras percorridas em velhos Dodges, GMC, Willis, land-Rover, Fords ou Chevroletes, terra de onde se parte sem querer partir e já partindo, arrependido depois por não ter ficado.
Um homem e uma mulher, sexagenários andando através do mato, savanas de África sem fim, um mar de acácias, espinheiras em montes ardentes, campos sem cultivo intensivo, lugares habitados por kudus, búfalos, zebras e leões, sabendo de antemão, que o deserto não é só aquilo que a nossa mente se costumou a interiorizar, pelo que se lê ou pelo que se ouve, sempre na vontade e na natureza nas coisas de Deus. Como vamos nós próprios destrinçar a verdade dentro da nossa própria imensidão, nos assuntos de crenças e impiedades de bens tão profusos nas regras do Mundo.
O Soba T´Chingange
MALAMBAS DAS FRINCHAS DO TEMPO – No Okavango River e o risco ou o rego que, por coisa pouca muda nossas vidas…
Crónica 3443 – 22.07.2023 - MALAMBA: É a palavra.
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Se a vida é uma sentença com um princípio e um fim, não conseguiremos ouvir o grito da vida se sentirmos remorsos daquilo que não fizemos, ou daquilo que poderíamos ter feito; não podemos assumir a culpa dos pais, nem dos pais de outros pais. Na percepção parcial das vitais contingências, tecidas e compostas nas coincidências de que a vida é feita, encontraremos o rigoroso sentido do passado, por fortuitos efeitos que determinaram o futuro próximo e mais distante.
Cada um de nós foi o que foi por uma coisa pequena, que sem se lembrar do primeiro choro, outros choros se lhe seguiram e, como um risco feito no chão, nem sempre se escolheu dedo ou arado nem por onde fazer o rego que por coisa pouca mudou nossas vidas. Sem perder tempo com enigmas, aceitei o convite da Ana Maria para passear ao longo do Kavango até quase o Botswana a visitar rápidos e remansos das chanas deste, já com as águas do Kuito, águas escuras que vão inundar o Delta do Okavango.
Um mar muito antigo a dar vida aos muitos N´dovus ou jambas que conhecemos por elefantes, entre hipopótamos búfalos e, outras variadas espécimes. Pela picada de macadame encrespada de ondinhas já para lá do Divundo, dos vários cuca-shops* e cola-colas dos chineses, passamos locais de kimbos dispersos e lodges junto ao rio como o Rainbow Lodge, Nunda River, Ngepi Camp, Ndhovu Safari, mas foi no Mahango Safari Lodge escondido no denso arvoredo verde e bem na margem do rio, aonde subimos numa barcaça…
Mesa posta supimpa, para as catorze almas e alminhas do clã Miranda degustarem um bem surtido e nutrido breakfast com iguarias de crepes e outras ternuras mais adultas. Já de regresso, de novo nos internamos numa sinuosa picada de areia a visitar um lugar já conhecido como Suclabo Lodge propriedade duma madame de nome Suzi mas, agora com o nome de Divava Okavango Lodge e Spa, cinco estrelas de “elegant style and luxury”.
Cumcatano, disse eu depois de pisar o paradisíaco sítio cheio de coisas “good” logo a seguir a cubatas feitas de barro e capim com dois por dois metros, e muito matutar de como caberia ali um par de gente sem os pés encolhidos. Eu, João, Bruno e seu tio Alemão Franz lá fomos em uma pequena balsa com motor à popa e um bafana enfarpelado de caqui, seu chapéu de carcamano do Divava, um surtido de águas, refrescos e cervejas na caixa térmica.
Entre margens de exuberante verde, altas árvores, chegamos á base dos rápidos do Popa Falls. Naquela turbulência e com nossas canas de carretos, zingarelhos e estralhos, amostras bizarras e bizarrocas, farfalhudas com penas ou reluzentes, atiramos e recolhemos, atiramos e recolhemos e, por aí, repetido sem nada pescar e, eis que o campeão João num truz recolhe um peixe tigre cheio de dentes pontiagudos aí com uns dois quilos que, foi tudo na soma da pescaria, um tigre e três nadas.
E porque é vulgar dizer-se que os gestos não totalmente sinceros vão sempre atrasados, agradeci logo tais luxuriosas horas de lazer a Ana Maria e seus dois filhos quase carcamanos, mas com rusticidade na traça mirandesa, bragançana ou transmontana em seus sotaques, falas e cantorias. Soe dizer-se que todo o acto humano interfere com a vontade de Deus por mais insignificante que seja e, neste dia de Domingo, quatro de Janeiro do ano da graça de 2015 assim foi…
Só fui livre para poder ser castigado na míngua da pesca com um escassíssimo nada. Também nisto, não posso ter remorsos! Um dia de cada vez com encontros decisivos de nula ou muita importância, um simples dia de vida com rooibos tea and rusk bread, Windhoek lager, biltong bóher e bacorinho no espeto, assado pelo Thinus de Outjo, o mais genuíno carcamano bóher da família Miranda.
(Continuarei pelo Okavango – Terras do fim do mundo, Rundu em dialecto Ovambo…)
Bibliografia: Cuca-chopes: - Muito pequenas bodegas; vendas à margem das estradas que têem cerveja e bolachas já fora de tempo, Coca-Cola e fuba; Kavango: - Rio que faz fronteira entre a Namíbia e Angola, que deu o nome à região; Bafana: - natural da região, normalmente negro na cor; Zingarelhos e estralhos: - apetrechos de pescador; Rooibos: Chá de capim do Calahári; Bóher: de origem Holandesa saído da colonização da Companhia das Índias Orientais…
Nota: Com um levado agradecimento à familia Miranda que no Divundo da Namíbia,me deram guarida grátis! Terra de xirikwatas, um pássaro que come jindungo - foi Dona Elisabette , recenteente falecida que me deu ese conhecimento com o mais bonito riso que senti naquelas terrs do fim-do-mundo... Ao amigo Miranda um abraço XXL...
O Soba T´Chingange.
Tou??? Mariano Gaaago? É o Zé Sócrattes. Oh, pá, ajuda-me aqui, porque o meu curso de informática foi tirado na Independente e o professor faltava muito. Estou a experimentar um destes novos computadores dos putos, o Magalhães, mas não consigo entrar na Internet! Estará fechada?
- Desculpa?....
- Oh, Zé!.... bom, deixa lá agora isso, depois eu explico-te. E o resto, funciona?
- Dá lá a ordem de impressão, a ver se desta vez resulta.
- Espera aí...
MAPUTO . LOURENÇO MARQUES DE OUTROS TEMPOS
XI´LÍNGUINE …. NA ROTA DOS ELEFANTES
Crónica 3441 – 18.07.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
Na rota dos elefantes, de Maun cruzei o Choba como um pioneiro caçador de marfim. Corri o mato longínquo alimentando-me a carne seca de kudu e chá rooibos até que parei de espanto nas cataratas Victória falls, um majestoso volume de água caindo em turbilhão. É o Zambeze rugindo, entalado entre o Zimbabwé e Zâmbia.
Xi´línguine entra nesta estória porque eram os comerciantes monhés que adquiriam os dentes de elefantes para serem revendidos por um alto valor em Diu, ou Goa expandindo dali o negócio para a restante India. Era no bairro das Fontainhas do Maputo, antigo Xi´línguine que o meu fantasma feito caçador, numa geração passada, ia vender este marfim.
Era um recanto de Goa em África com a azáfama de bazarucos e mouros em armazéns térreos e prédios com cimalhas, janelas estreitas e portas grossas. Por entre pátios estreitos, telheiros de quintal acanhados, muros grossos, escadinhas e anexos cubículos, no acto de negociar a bom preço, os aromas orientais, cheiros doces de especiarias fortes, embotavam-me a perspicácia do negócio de marfim.
Os armazéns de chifres e panos dispunham-se laterais ao pátio dos fundos, quartos detrás a dar para os jardins com mamoeiros e plantas aromáticas. A mercadoria confundida com as tarefas da família empilhavam-se a forrar as prateleiras da loja até acima. O retalho no armazém misturava-se com chifres de elefante.
Este meu fantasma de há cem anos atrás não chegou a fazer fortuna porque era umas mãos largas com as meninas da “Delagoa Bay”. Era um verdadeiro aventureiro. Os monhés, com talento de negociantes, tenaz trato, solícitos ou submissos, regateavam até ao último suspiro.
- Eu, vai comprar mas têm vender barato sinhô.
- Muito caro sinhô, melhor é trocar por este pano bonito, chegou ontem. O sinhô ganhar bom dinheiro, levar no M´Puto, nós fazer negócio.
- Não quero, são cinquenta libras. Não têm mais conversa.
- Vem cá sinhô, vamos dividi, eu dar quinze libras e mais este e este retalho bonito.
O meu passado fantasma fartou-se, e lá acabou por ficar meio por meio na divisão de libras e panos da India.
- O raio do paquistanês, levou a melhor. Naquele então a vida ainda era mais difícil. O mundo está dividido em dois tipos ou categoria de pessoas, os crentes e formatados e os cépticos ou desformados. No entanto o Aurélio Suassuna do Brasil é que contava com graça que, o mundo na versão de uma Dona muito xispeteó do Ceará, dividia o mundo em os que conheciam ou não a Disneylândia…
Para alguém renascer terá que deixar-se morrer, se alguém quer andar erecto tem que perder o hábito de se curvar ou ajoelhar subservientemente a outros homens. Para alguém se alimentar intelectualmente de algo novo, refrescante, desafiante, impactante, tem que esvaziar e reciclar da sua mente todo o lixo que aí foi acumulado ao longo dos anos pela escuridão em que fizeram viver nossas mentes.
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos (1924)
Crónica 3440 – 18.07.2023 - HISTÓRIAS DA TZÉ-TZÉ . 2ª Parte
Tempos de quitanda e tipóia
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
É Pedro Muralha que descreve (foi no ano de 1924):- “A manha aparecera fresca nas margens do Cuanza naquele treze de Outubro…, muitas pretas, conduzindo à cabeça ou ás costas enormes quitandas, cheias de várias mercadorias indígenas… junto da sede do Bom Jesus (roça) ”. Isto é no rio Cuanza não muito longe do Dondo e, também perto de Muxima. “Às oito horas daquele Domingo, a quitanda estava completa e no seu maior auge.“
Apesar do barulho que os indígenas faziam, falando todos ao mesmo tempo na língua bunda, apesar do cheiro nauseabundo, devido à aglomeração de negros e às mercadorias ali expostas aos raios enérgicos deste sol de África. Ali estavam expostos tabaco em rolos como torcidos, grãos de dendên, fuba, mandioca, azeite de palma, massambala, peixe seco e toda essa enorme diversidade de géneros indígenas, alimentação dos pretos e que à vista dos europeus causam tão desagradável impressão… É *Pedro Muralha a descrever!
“Vemos pretas, todas cobertas de panos. É um pano geralmente chita, que é apertado pelos seios, enquanto outro pano assenta sobre os ombros, cobrindo-lhe todo o corpo. Na cabeça usam turbante branco. Outras apresentam-se com o peito e os braços a descoberto. São as que pretendem mostrar as suas tatuagens, algumas dolorosamente feitas…”
“Sobre esses traços pinceladas mais claras feitas com fuba e cremos que com óleo de palma. Outras aparecem com o cabelo como se fosse lã churra, a cair-lhe em canudos para a testa e para a nuca. São as quissamas (creio serem missangas). Fazem esses efeitos selvagens, deitando na carapinha óleo e casca moída de uma árvore.”
“Falta um detalhe, é que todas as pretas fumam. Usam uns cachimbos com uma grossa boquilha; tiram meia dúzia de fumaças e fazem passar o cachimbo de mão em mão para que todas fumem. Outras fumam cigarros, mas metem a parte acesa na boca”.
Lida esta passagem que não comento por os tempos serem idos, passo a outra página; a travessia do rio para o lado da quiçama, sítio de muitas pacaças, elefantes, hipopótamos e sobretudo jacarés. “Depois do mata-bicho metemo-nos num dongo (canoa) e navegamos. É encantadora uma viagem pelo Cuanza, sempre marginando por um verde capim, … e, lá está um senhor jacaré…”
“Os indígenas não deixam de ir banhar-se ao rio por causa dos jacarés, porque estão convencidos de que só é comido pelo anfíbio quem tem feitiço. E, todos aqueles que têem consciência de não terem feito mal algum - que mereça as iras do jacaré, entram pelo rio sem medo, porque o bicho não lhes toca.“
“E é assim… depois de comidos, ainda ficam desacreditados, porque todos outros indígenas ficam com a impressão de que a vítima fora muito bem castigada.” Mais à frente acerca da tzé-tzé… “O desgraçado que tiver a infelicidade de ser mordido por um vehículo desses que esteja infectado tem que ter sérias apreensões.” Crónicas de outros tempos, do tempo dos caprandandas! Ambaquistas!
Notas: Tzé-tzé – mosca portadora da doença do sono; Caprandanda – tempos antigos, quando do uso de arcabuzes; Ambaquistas - naturais da Ambaca, pioneiros cafuzes dados ao trambique;
*António Pedro Muralha (Beja 1878 - Lisboa 1946). Começou a trabalhar como impressor tipográfico e fez-se jornalista e escritor. Conheceu a redacção de O Século, onde redigiu artigos centrados nas questões do trabalho e do movimento associativo, que lhe trouxeram prestígio; colaborou também com o Diário de Notícias, a Capital e foi director do diário socialista A Vanguarda (1913-1922). Em 1924, decidiu partir para Africa e visitou S. Tomé, Angola, Moçambique e o Rand - As suas impressões de viagem foram reunidas em livro, «Terras de África», prefaciado por Ernesto de Vasconcelos e Freire de Andrade.
O Soba T´chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos (1924)
Crónica 3439 – 18.07.2023 - HISTÓRIAS DA TZÉ-TZÉ . 1ª Parte
Tempos de quitanda e tipóia
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
Naquele dia de véspera natalícia o dia estava húmido em Coimbra do M´Puto. Busquei coisa não encontrada e, perdido o autocarro sete com destino ao Tovim, decidi-me já cansado a subir a ladeira; após a avenida da Republica, passo a Cruz de Celes e mais acima, não muito longe de Santo António dos Olivais o cheiro da Petisca de Celas tentou-me a entrar.
Petisca é uma das muitas casas de meio pasto, meio tasca, aonde se juntam uns quantos resistentes da vida; já velhotes, cruzam conhecimentos na conversa da palavra malamba. Serve de sedativo à vida, vida regada com um carrascão de Cabriz que, nem é mau.
Pedi um pratinho de arroz de sanchas (míscaros) com uma carne que desfiava em gostura e, sentei-me em frente daquele senhor; por falta de lugar solicitei àquele tal que aparentava ter uns quase setenta anos e, o faça o favor veio logo a seguir.
Estava desejoso de companhia. Não foi necessário muita conversa para logo me fazer a pergunta se, se tinha vindo de Angola. Talvez pela pronúncia ou a forma trópico-cordial da minha abordagem, assim começou o inesperado diálogo da qual é objecto desta escrita na forma de malambas (palavras). Este senhor tinha o nome de Conceição Muralha…
Muralha fala-me com paixão dos tempos em que no Lobito e, sendo despachante oficial, levava uma vida restingada naquela falsa ilha de que tanto se recordava e… que já o seu avô cronista de tempos idos falava. Eram tempos de tipóia, disse ele. Lá por volta de 1924 em terras de Benguela de onde era natural, o seu avô teve de ir em tipóia de Quipupa até Dombe Grande.
Na companhia de João Lara e, numa extensão de sete léguas, tiveram de atravessar o rio Caporolo aos ombros daqueles fortes mondombes; mondombes, diz em esclarecimento, eram os indígenas naturais do Dombe e, continuou recordando feitos! Feitos dele próprio, mas mais de seu avô que em missão oficial tinha ido a Angola no navio Pátria recolher informações de várias actividades - Um repórter da escrita, acentua!
- Quem foi o seu avô? Pergunto curioso, a fim de recolher mais dados sobre este tema. E, a isto respondeu: - Pedro Muralha!... E, se quiser, uma vez que o vejo tão interessado, posso ceder-lhe o livro que editou há setenta e oito anos. Deixe ver?! Isso mesmo, em 1935 nasci eu em Benguela, tinha o meu pai uns vinte anos mas isso, não importa para o caso. Fiquei curioso!
A.ROXO ... Quem diria!? Na normal ocorrência, um desvio na rota e eis que deparo com este inesperado encontro. A completar o senhor Conceição emprestou-me o dito livro, cópia que ele prezava em que todos tivessem conhecimento. Ainda não li aquelas crónicas todas mas alcançada a página 149, não resisto transcrever alguns trechos desta leitura que descreve na margem do Cuanza as ambiências duma Quitanda (mercado), os jacarés e a tzé-tzé…
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA - ANGOLA. Outros tempos
Crónica 3437 – 16.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA*
- Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
Por T´Chingange – Otchingandji … Em Arazede do M´Puto
Eu só abanava a cabeça sem entrar no demasiado do desconhecido novo camarada e edecéteras complicativos; já tudo passou mesmo, disse eu, querendo dar solução ao meu conflito. Aquela noite comemos funje com peixe do rio, frito, bebemos umas cucas e um amigo do meu kamba, gentilizou-me um pouco de marufo ainda doce, que me satisfez do coração aos calcanhares.
Rejuvenesci! Amanhã, disse Zacarias meu kamba perna de pau, vais com o kota Alcides até Luanda, ele te desenrasca, te leva na Maianga e te deixa lá mesmo na Samba do rio Seco junto daquela cacimba do rei – tranquilo mano, muxoxei um sim! Os sonhos, naquela noite, foram por demais turbulentos no recordar dos últimos dias e, assim balouçados numa rede feita de mateba entrelaçada num desenrasca de guerrilheiro e, presa a duas árvores bem farfalhudas de verde, goteando cacimbo em cima de mim, todo o tempo – a humidade colava-se ao corpo pegajoso…
Os guerrilheiros de tuji, pseudo soldados do emepelá a fingir de governamentais, com camuflados oferecidos pelos Tugas, (meus patrícios), mais G3, granadas defensivas de estourar ouvidos e outras ofensivas de matar mesmo, lança roquetes de destroçar valentias, interditaram a passagem entre Zenza do Itombe e Malange, ninguém podia passar sem uma revista bem revirada, pisoteada de quebraduras; gente do sul fugia para norte e vice-versa…
Alguns morriam no vice, outros na versa, outros nem sabiam se iam, se vinham e dispersavam defuntados num espaço de céu louco num inferno de ódios fabricados a álcool barato e cigarros mata-ratos que, por vezes salvavam. Por vezes um cigarro valia uma vida com desaforo muxoxado – safaste-te meu! … Parece mentira mas, é a pura verdade.
Muitos como eu, fugiram para a mata sem vice nem versa, só confusão mesmo, maka à toa, muito tiro e barulho de afugentar. O senhor Alcides foi-me dando indicações muito negras da situação em Luanda, dizia-se que havia cinturas de protecção à Luua e que as pessoas levavam o tempo todo em filas para arranjar o que comer; o melhor para o meu caso era bazar para o M´Puto e esperar que tudo voltasse na normalidade! A normalidade nunca veio, quersedizer, nunca chegou – fugiu também, só pode…
Era mesmo melhor nem pensar muito profundamente! A minha vida estava em risco, meu pai já tinha sido recambiado para o M´Puto por ordem do doutor Boavida, do tiro que tinha levado na perna, os cubanos do hospital Maria Pia desconseguiram livrar-se da bala junto à rótula do joelho e, corria o risco de gangrenar. A mãe Arminda lá na Maianga era uma barata tonta a tentar reunir coragem dos filhos.
Isto é mentira sonhada só num tempo que ainda não o era, mas veio a ser verdade sim senhor! Veio a acontecer de verdade mesmo, no 27 de Maio do 77 com a mãe Arminda já no M´puto! - Pronto, vou-me embora, acabou-se! África é dos Van Dunem, Mingas ou Punas e da puta que os pariu – Não dava para aguentar, mesmo! Com negócios candongados da Luua, desaconteceu, que fiquem assim mesmo na abundância de muitas asneiras para refrescar a raiva enraivecida de guerra, desabafei; pronto, já está, que pariu sem mãe nem nada.
- A Luua anda, dos deslocados, mendigos com chagas e meninos brincando entre jipes de jantes desmanteladas e bielas, empinados no lixo do quintal; lixo que abunda entre destroços, nos musseques. Água escura e malcheirosa que corre e escorre e a velha mamã Josefa, vendendo do outo lado mesmomesmo encostada no tapume de ripado a chapas de lata de leite Nido e azeite galo mais aduelas de barril de vinho Camilo Alves do M´Puto, a tapar buracos de escapamento de galináceos…. Por hoje chega, estou furibundo…
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas; *Dipanda: acontecimentos após o onze de Nov.1975, sociais, políticos, das makas e posterior guerra; Maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola MPLA; Banguista - vaidoso, com estilo; Camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas: – expressão de admiração; flor-de-congo: – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba: amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); t’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; porrada – pancada; esquindivar: fugir com astucia; mateba: da matebeira que tem casca fibrosa, com que se fazem cordas: Muxoxo: trejeito de linguajar com estalido de palato, por recriminação ou aprovação; tuji: merda, desdém; Bazar: ir embora, ecapar-se; Luua: diminutivo de Luanda.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos
Crónica 3436 – 16.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA* - Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
PorT´Chingange – Em Cantanhede do M´Puto
No ouvido ficou em fundo aquele ruído de rumba cubana. Os trilhos do comboio eram a minha referência, deslocava-me penosamente a caminho do Dondo; não sabia ao certo para onde ir, caminhava para me manter inteiro e ocupado, tinha em mente chegar a um sítio no sentido do mar kalunga, aonde pudesse confiar em alguém que me levasse a Luanda descendo o rio Kwanza até à Muxima, em canoa que ainda teria de roubar ou descolonizar.
Ali, com alguma sorte, iria encontrar o camundongo Zacarias, um ajudante de fubeiro conhecido desde candengue e, a quem salvei da morte numa dessas andanças em descoberta por terras de Cambambe; Naquele enquanto, eu era um estagiário de montador electricista recém-saído da Escola Industrial de Luanda, hoje Instituto. Não esquecer que estamos agora em 2023.
Descrever o que se passou na salvação daquele desinfeliz Zacarias levava muito mais tempo que escrever esta pequena crónica mas, o certo é que o salvei de morrer electrocutado; foi a minha maior façanha, como electricista, salvar Zacarias de uma morte certa com a fase a atravessar seu coração; Agora, ele levar-me-á a sítio de segurança, pois sempre foi bem visto entre os emepelás de Catete, amigos de escola do próprio Agostinho, o sofrível poeta que respirava cachaça assim fosse kimbombo.
A flor-do-congo, com a caminhada, tornou o andamento muito por demasiado penoso, tive até de recorrer a uma pêra abacate para besuntar as partes dolorosas, o certo é que melhorou um pouco pela gordura que este fruto tem. Fazia calor pra burros tossir asneiras, uma humidade de escorrer suor salgado, bichezas zangadas com a vida delas, picando só átoa e até se metendo nos olhos – um inferno; Um inferno de calor, antigo cemitério de brancos, chamado de Dondo.
Já junto ao rio Kwanza pude ver mais abaixo no sentido da corrente umas canoas presas a uns arbustos pendentes na água. Deduzi... Estava em Massangano! Longe, mas não tanto podia ouvir bafos esfarrapados de rumba e merengue; eram extintos ou fugidos guerrilheiros afogando-se em mágoas, dançando em bolero crueldades transpiradas, libertações sem sucesso das restolhadas revoltas de guerra ou daqueles tais cubanos que já ali estavam na tarefa de cooperação internacionalista do projecto Rosa ou Otelo, os vermelhuscos da revolução dos cravos importados por estes e outros generais da mututa, de aviário do M´Puto.
Esfarrapado por entre um ermo de coisa nenhuma, muita verdura e água barrenta, deslocava-me com o máximo dos cuidados assim como uma gazela perseguida por onça. Fechei a boca para não me denunciar e, os dentes nem se deram conta da minha mão que a tapava, por vezes para ouvir os sons além da ofegante respiração. Conduzindo o medo através dum cacimbo cerrado, de árvore em árvore, sentia o próprio bafo de fome; o peixe-seco, a cerveja, o funje em um equívoco de pensamento.
Massangano, haka!... Ai-iu-é; já estava mais, por detrás. Esquindivado entre capim cortante parecido com caxinde, vi (talvez a uns cinquenta quilómetros de Massangano), rio abaixo, homens gesticulando mujimbos. Já todo xuxado, riscos de sangue, só pedia mesmo ao meu tio Nosso Senhor que não aparece-se um jacaré. Na medida da vista mais aproximada pude ver equilibrando-se na jangada, o kamba Zacarias Catetense, bem me parecia pela voz mas, estranhei a falta de uma perna pois, tinha em seu lugar, uma de pau tipo capitão “charuto” do baleizão (gelado de chupar da Luua)…
T’ximbicando um bordão ajustado no sovaco e, naquela borda do kwanza, repito, parecia até um corsário como nos livros dos desenhos animados do Emilio Salgari ou fugitivo Tirado do livro papillon esqundivado da ilha do inferno. Quando lhe gritei o nome, fez-se um silêncio silencioso medido de medo mas, no despois um grande abraço, aperto de mano katé e, quis saber das makas de N´Dalatando e dos kazucutas penetras do sistema... Eu bem que te avisei naquele entretanto lá na Samba, te lembras de quando fomos apanhar mabanga, te lembras? Sim, lembro! Graças ao meu Tio, estou salvo, bem-haja …
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas ; *Dipanda: acontecimentos após o onze de Nov.1975, sociais, políticos, das makas e posterior guerra; Maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola; banguista - vaidoso, com estilo; camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas – expressão de admiração; flor-de-congo – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba –amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); T’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; Porrada – pancada; Esquindivar: fugir com astucia…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
Metido em apertos, transpirando desaforos, entalado em imbambas, apanhei boleia numa GMC até Cassoalála. Uns pseudo militares do MPLA encostaram-nos à parede de uma casa em ruínas algures num lugar do Zenza do Itombe – nunca mais o esquecerei! Enquanto revistavam a camioneta, partiam tudo sem mais nem menos, nem porquê e, por querer. Senti ali a minha vida a correr para trás na própria marcha-à-ré; teria de me raspar na primeira distracção dos barulhentos guerrilheiros que fumavam Caricocos e AC de uma forma tensa, no intervalo ou por falta da liamba, maconha.
Eu até que já tinha ouvido um zunzum mas, admirei-me de este Senhor Camionista saber destes detalhes ainda tão insipidamente conhecidos e nunca falados na rádio Oficial e Rádios Clubes espalhados por Angola. Entretanto nesse mesmo Janeiro, o MPLA, a UNITA e a FNLA assinavam o acordo de Alvor em Portugal.
Menos mal que apareceu em um jeep um mulato fintador, muito cheio de banga, com divisas de tenente, penteado de balas em diagonal que, de tão herói, destabilizou a guarda em curiosidade – tudo parecia um filme a preto e branco retirado do cinema, guerra do Vietname aonde ninguém parecia ter lido o texto a cena…. Estou lixado!
Glossário
TAMBULACONTA CABINDA
-La vitória és cierta! La lucha continua! Cumcamano, o Gurigula tinha sido um companheiro de Ché Guevara…
Crónica 3430 – 21.06.2023 -– “Maianga, é lugar de muitas e boas águas”
Por T´Chingange – Na Pajuçara
As revoluções acontecem em um qualquer intervalo de tempo ficando num foco, num documento, num pestanejar de olhos e, normalmente, de forma alheia aos nossos anseios, vontades ou mesmo pensamentos. Pode-se assim afirmar que nenhum terrorista nutre algum sentimento de dúvida acerca de sua nobreza nas convicções. Naquele exacto momento, ele, o terrorista, achava estar certo porque tinha um apego sentimental a uma crença, a uma causa.
Depois daquela experiência, assente em ideias mais engravidadas, poderia levantar dúvidas de se valeu a pena lutar, matar e actuar com risco de morte por aquela causa por via de ser esclarecido no tempo certo do amadurecimento. Na ilusão da mente, por sedução ou obrigação nossa vida trambolha-se, confunde-se ou procede confusamente perante a obrigação de lutar por algo. Andei quatro anos lutando por algo que afinal vim a saber que nem era a minha pátria, pensando sim, que o era! Um território que ainda continua lutando para se tornar independente porque o foi, uma anexação, fruto de um tratado que não o foi respeitado – Simulambuco de Cabinda.
Por motivo de força maior e a bem da nação, fui mobilizado por recrutamento a servir o exército regular dum território designado por Província Ultramarina de Angola. Politicamente estava em causa defender o território dito nacional e, prestadas as provas fiz a devida instrução passando de soldado a cabo miliciano e depois furriel. Já como furriel fui enviado para Cabinda para ser integrado numa Companhia de Infantaria do M´Puto (calhou ser a CC 1734 de Beja). A partir daqui, de vestimenta camuflada ou em zuarte amarelo, comecei a ter práticas terroristas. Armado e em fila de pirilau procurava outros terroristas para aniquilar ou aprisionar.
Da incorporação de Angola, fomos quatro furriéis; éramos dois brancos, um de Luanda (eu) e outro de Moçâmedes, um mestiço mais um negro, ambos de Luanda, e meus ex-colegas de estudo da EIL e Escola Comercial. Nosso destino foi a norte – Maiombe! Por ali andamos nas filas de pirilau com o soba Mateus à frente cortando o capim e naquela mata cerrada (a segunda do Mundo) aonde havia e ainda há gorilas. Para além de cuidar em me preservar isso da dignidade, do ideário, da ética eram edecéteras longínquos só ouvidos.
Um e mais outro dia de G3 às costas, umas quantas granadas ofensivas seguras á cintura junto com os cartuchos suplementares, fiscalizávamos soberania ao longo da fronteira com o Congo Braza e o Congo Zaire, em movimentos medrosos no meio de um mar de muitos verdes; no meio de órbitas cósmicas só desejávamos que uma qualquer mira de tiro certeiro não nos mandasse para outra Galáxia, Saturno ou Plutão.
Estas operações de jogar às sortes nosso destino, repetiam-se regularmente a nível de pelotão ou de companhia, com ou sem apoio de helicópteros… No fundo eu era sem dúvidas um terrorista buscando outro terrorista, gente buscando gente. Simplesmente ficou uma memória isenta em valor último, de uma dignidade em cada um de nós terroristas de lá, e terroristas de cá, sem definirmos as razões da mudança, do porquê porque já foi.
Mas, há um mas, fiz amizade com um gorila sim! Um gorila com quem até joguei cartas num lugar de Aníbal Afonso, uma antiga serração bem perto da fronteira com o Congo Braza. Uma amizade que depois de tanta afeição aconteceu um inesperado. Ele e eu guinchávamos amizade e por este acontecido dei ao Felizmino o sobrenome de Gurigula. Fora de portas d´armas e arame farpado eu e Gurigula fomo-nos isentando de medos, conservando gestos subservientes de baixar a cabeça procurando um afago de catar amizade.
Um dia apareci com um baralho de cartas e, na mesa improvisada espalhei os paus, as copas, os ouros e catanas e, num repente surpreendemo-nos a jogar sem regras; entre paus cambalhotava-se como um doidão e, eu gesticulando graças sem coreografia como só mesmo para espantar suprimentos da fala. Algures no Buco-Zau nas Bitinas da Serração do Aníbal Afonso. O gajo, de uma das mãos lançou um ás de copas que baloiçou até meus pés e ouvi mesmo: La vitória és cierta! La lucha continua! Cumcamano, o Gurigula tinha sido um companheiro de Ché Guevara…
O Soba T´Chingange
O Mundo actual tornou-se um espaço complicado
- A teoria da VITIMOLOGIA - Vitimização pela cor é um discurso na contramão…
Crónica 3429 - a 20.06.2023
Por T'Chingange (Otchingandji) na Pajuçara de Maceió (Nordeste do Brasil)
Em Kizomba-Diáspora-Angola, um grupo social do qual sou administrador, (página iniciada por mim já algum tempo), pude ler uma referência ao dia da CRIANÇA AFRICANA e, estranhando ser especificamente um outro dia, havendo já um DIA DA CRIANÇA – de todas as crianças, insurgi-me contra o facto de se diferenciar nos dias e nos géneros étnicos. Porque li: “Comemorado 15 dias depois do Dia Mundial da Criança, o Dia Internacional da Criança Africana chama-se a atenção para a realidade de milhares de crianças africanas que todos os dias são vítimas de violência, exploração e abuso.” - Este dia é celebrado a 16 de Junho já que foi neste dia, em 1976, que se registou o massacre do Soweto, em Joanesburgo, na África do Sul.
O meu chamamento foi assim descrito “Porquê haver um dia distinto para a criança africana!? Não basta o dia da criança - de toda a criança... A ser assim teríamos bem uns trezentos e cinquenta e um dias da criança. Posto isto, decidi fazer auscultação e pesquisa do assunto tão badalado nos dias que correm e, pude chegar à escrita que se segue.
As pesquisas de vitimização constituem um importante instrumento para estimar a prevalência da vitimização pelos chamados crimes tradicionais, de opinião, causa tendencial ou por influenciação tão em voga. E o papel da sua autocolocação em risco. Chamar a atenção para a necessidade de se atender às necessidades hipotéticas de supostas vítimas, por danos históricos, causas passadas ou por desvios padrão no comportamento social no intuito de obter benesses através de ressarcimento.
E, por sequência ter assistência psicológica, ficar em realce, ter melhor cotação para algo, criação de centros de atendimento com dinheiro públicos, ou outras, pondo em detrimento outras visões ou conceitos pré-formatados. Tudo apresentado por meio de um sistema de palavras postas de uma maneira lógica ou dedutiva, em que a pena ou dó, pode deturpar a natureza e causas pelo apelo sistemático à vitimização. Um tema do maior interesse social nos dias de hoje.
Vitimização pela cor é um discurso na contramão dos movimentos anti-racistas insurgindo-se de forma permanente e, recorrendo a vitimização por vezes fantasiosa, usando a cor da pele à falta de outro suporte como justificativa para a falta de oportunidade, entre muitas outras vertentes sociais para obter mais-valias.
Vitimização torna-se assim em uma bolha vitimista, que tem de ser retratada sem esse mistério de queixa que convém desmistificar para bem da sociedade. O valor de ordens que sustentam a sociedade, é uma realidade objectiva criada pelas leis da natureza em que na igualdade das pessoas, sempre aparecerão algumas mais iguais. O factor cor, não tem de ser aqui evidenciado. Há sim outros indicadores que recaem mais sobre os líderes de países africanos...”
Resta saber se efectivamente a UNICEF pactua com esta postura discriminatória porque pude ler: «««Todos os anos este dia* merece a atenção da UNICEF e de outras organizações mundiais que organizam eventos variados, tendo em vista a defesa dos direitos da criança em África e no mundo". In Google»»»
Nota* Pergunta-se: qual o dia?
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL
– TROPEIROS
2ª Parte - Crónica 3427 – 18.06.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por:T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
O Brasil não existia como país antes da chegada do Rei D. João VI. Em 1808, as terras de Vera Cruz, eram um conjunto de províncias com pouca ligação entre si. Não havia a ideia de unidade. Em verdade, a invasão de Portugal pelos generais de Napoleão, resultou na fuga apressada da corte portuguesa para o Brasil.
Na hora crucial do embarque, muitos nobres da corte, tiveram de embarcar só com a roupa do corpo. D. João VI que é tomado como um rei bobo, feio e gordo bonacheirão, baixo e desajeitado, foi ele, no entanto, o verdadeiro estadista que originou o Brasil de hoje. Foi para a sua época tão inovador que, as interpretações depreciativas chegaram ao ponto de o apontarem como o covarde “Dom João charuto”- uma ingratidão histórica…
Desde meados do século XVII, havia o entendimento pelos países da frente ascendente da Europa, de que as colónias não deviam ser geridas pelas metrópoles e, a fim de alterar isto, D. João e o diplomata D. Rodrigo de Souza Coutinho, tiveram a astúcia de aproveitar o infortúnio para reformar o decadente Portugal em um Império; o país Brasil, foi elevado ao estatuto de Reino Unido com Portugal, os Algarves e terras d´aquém e, além-mar tendo D. João VI como Imperador.
Chegados aqui, teremos de ir agora ao inicialmente proposto, falar dos tropeiros que nesse então tinham tanta importância para estas terras tão carecidas de meios de comunicação neste tão grande território, o Brasil. Foi curiosamente, na área de gastronomia que os tropeiros ficaram referenciados nos dias que correm; os pratos por eles criados por uma necessidade ou resiliência como se reverencia hoje, têm o nome de “feijão tropeiro”, “carreteiro de charque” ou “ feijão carreteiro”…
Confecção derivada dos produtos que levavam no dorso das mulas xucras como já o foi dito – carne de charque, carne de sol e mandioca ou macaxeira como é aqui conhecida em Alagoas do Nordeste. Nestas filas de burros xucros e mulas, entre os companheiros da tropa da fila longa de pirilau corria de quando em tempo, uns frascos, garrafas com um líquido ardente e cheiroso: a cachaça! Esta bendita quentura de líquido estava sempre presente, ora para esquentar, ora para entorpecer a dor de dente ou para espantar a gripe e, ainda para desinfestar parasitas da pele e goela ou curar arranhões, um nítido protesto para ser bebida de forma regular.
A cachaça de cana misturada com fumo (tabaco) era usada como emplastro contra picadas de mosquito, dos variados insectos ou cobras. O dono das tropas para fazer qualquer transporte, por norma ajustavam o frete; o condutor destas tropas não tinha de ser necessariamente o dono do pedaço. Algumas fazendas tinham sua orgânica de tropeiros que para além de condutor da tropa eram angariadores conhecidos por alguns como “homens pobre-livres” mas o mais justo, era serem vistos como “aqueles que vivem do negociar”. Ou aina como “negociantes de tropa”.
Estes condutores de tropa, faziam ponte das fazendas de café levando o produto até os agentes comerciantes intermediários que faziam a cotação pois tinham a vila ou cidade para negociar; os tropeiros estavam deste modo subordinados ao fazendeiro, no entanto havia sim, entre eles alguns proprietários de terras e escravos com algum poder de manobra; por vezes também conduziam sua própria tropa e eram ricos de verdade.
Alguns sociólogos de cordel reconheciam que os tropeiros, não ascendiam com facilidade nas sociedades ocupando cargos públicos. Cargos que lhes valesse de prestígio, dada a profusão de sua extrema mobilidade em suas actividades. Embora houvesse ricos nesta actividade, não há muitos relatos, notando-se até, certa tendência para ocultar sua actividade e, que segundo relatos de então ou posteriores biografias, o eram homens que originaram famílias que “enobreceram”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
MEDITAÇÃO DO NOVO ANO DE 2023
*PLANO ÚNICO* - UM DIA DEPOIS DA MORTE DE BENTO XVI AOS 95 ANOS DE IDADE...
Crónica 3339 de 01.01.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) em Lagoa do M´Puto
De acordo com uma lenda, quando Jesus ascendeu ao Céu, alguns anjos se mostraram curiosos para saber algo mais a respeito da experiência Dele na Terra e foram interrogá-Lo a respeito: “O Senhor fundou um grande movimento! Quantos seguidores deixou?”
Jesus teria respondido: “Geralmente Eu atraía grandes multidões, mas deixei apenas 11 discípulos, alguns poucos amigos e dedicados seguidores.”- Bem, continuaram os anjos: “sendo tão poucos, certamente devem ter sido seres humanos excepcionais, dotados de excelente carácter, pessoas influentes em suas comunidades e de sucesso profissional.”
CA - A resposta teria sido: “Realmente, eram fora do comum: alguns pescadores, um colector de impostos, pessoas simples. Os anjos continuaram: “Nesse caso, formavam um grupo extremamente leal e confiável!” Jesus: “Eles tinham uma vontade imensa de ser leais, mas, no momento mais crítico, um Me traiu, outro Me negou, e quase todos os outros fugiram.”
“E o Senhor ainda espera que esse grupo continue Seu trabalho? Tem algum plano alternativo?” - Jesus teria respondido: “Não, não tenho plano alternativo. Esse é o grupo com que posso contar.”- À parte da lenda, o facto é que os discípulos aos quais o Mestre incumbiu a tarefa de pregar o evangelho e estabelecer Sua igreja eram repletos de limitações. Mas não foram limitados na esperança de que Ele cumpriria a promessa de enviar o Espírito Santo que os capacitaria com poder para testemunhar.
Esperaram conforme a ordem (Lc24:49), “unânimes em oração”, em profundas e sentidas confissões, conscientes de sua incapacidade, até que, no Pentecostes, foram cheios do Espírito. O livro de Actos está cheio de factos reveladores da ousadia com que pregavam, do poder com que realizavam milagres e da pureza de vida que os caracterizava. Somente no poder do Espírito foram capazes de cumprir seu papel missionário, apesar da oposição. Para alguns, nem a vida era tão preciosa que não pudesse ser deposta no altar do sacrifício. A transformação foi radical. A igreja débil se tornou invencível!
Bom dia, feliz ANO. Com aquele grupo, Jesus iniciou o trabalho. Com o grupo do qual fazemos parte, Ele planeja concluí-lo. Não há plano B. A promessa contínua a mesma: “receberão poder”. A busca desse poder é uma experiência diária e individual. O Espírito Santo não será derramado sobre papéis, cofres, computadores, câmaras, edifícios, mas sobre pessoas como você, eu, ou o Papa Francisco
O Soba T'Chingange
Porque depois de amanhã! Depois de Amanhã?! Pois será outro dia…
DPOIS DE AMANÃ, SERÁ OUTRO ANO - 30.12.2022
Crónica 3338 em Amieiro de Arazede do M´Puto
Por T´Chingange
Como à cinco anos atrás, de novo aqui voltei. Levantei-me tarde, eram horas de tomar banho, vi-me ao espelho sem óculos e fiquei espantado com minhas sobrancelhas! Nem Álvaro Cunhal as tinha assim tão desaklinhavadas. Procurei uma tesoura para as cortar, busca e rebusca e só encontrei um corta unhas. Bom! Estava em casa de Mfumomanhanga e, era até normal desencontrar o pretendido. Mas um corta unhas serve pró efeito! Aproximei o rosto ao espelho e mais parecia ver uma cratera com riscos e, lá estava bem junto ao olho esquerdo um senhor cabelo preto e grosso com um quilómetro de extensão, salvo as proporções da mirada. E cortei o dito-cujo ouvindo-se um estalido e, depois ouvi-me mesmo dizer em vos alta: Já está!
Numa busca mais apurada e, já tinha pelos e cabelos dinossáuricos em tudo quanto era buraco, orelhas com pretos encaracolados e, brancos e grossos das sobrancelhas que foram cortados num pisca-pisca, as pestanas a tremer de medo e a menina dos olhos a engrossar-se de receios. Mas convém dizer aqui que Mfumomanhanga Xkalibur é meu filho – vulgo Marco! Vim a casa dele passar o Natal e acabei por ficar até o fim de ano porque é neste dia último que fará seus 50 anos de idade. Bem! Quando começou a fazer parte da Kizomba dos mais-velhos foi-lhe dado esse nome que vem de m´fumo que quer dizer chefe e Manhanga que era a velha forma de se chamar a Maianga, sítio de nascentes com água boa para se beber lá na Luua. O grande problema gora é que ainda continua chefe de nada… enfim!...
Tomando banho com água bem quentinha, saída da serpentina, meio-dia mesmo, os pensamentos vieram assim procurar-me para dizer que minha vida me fazia escorregar só assim gordote, careca e tisnado nos contrafortes, mataco balofo e chocho, minha vida afinal não era mesmo como antigamente. Háca! Já não ia sempre nas farras nem kizombava meus merengues naquela banga swinguista kaluanda, mesmo nada, só mesmo deixar o tempo passar, comer e beber. Aiué menino Tonito naqueles tempos te conhecia logologo mas agora xiii, nem mesmo, só pensando, digo navegar os olhos naquele tempo de Lifune e cassoneira, botar fuba na água pra chamar peixinho dos cacussu, mesmo de fazer biala de zuza. Tu tás mesmo velho, patrão, diria agora o Chiquinho Pernambuco.
Pópilas! Nem sempre homem, nem sempre jovem, já mais velho, nos intervalos, aprendi a aprender, a ser grande. Hoje mesmo, vou-me ensinando a ser gente tomando aqui e acolá, por onde calha, o saber dos mais sábios para ficar esperto, dos amigos mais simples aos meus insuspeitos inimigos também. Já sem cabelo, rapo o que resta ainda mais curto até ficar zero que nem a monaliza e mão-na-liza. Li-me no espelho e fiz-me gaifonas vendo as rugas enquadradas num diferente tempo de pó de variadas espessuras, nem sempre alegres, nem sempre tristes, por vezes vaidosas. Vesti lãs frescas, despi-me de calor e desabotoei o único botão.
Calcei pantufas quentes, ultima oferta de natal, pisei descalço os ladrilhos de verde esperança e azul-turquesa. Fui ao computador ocupar o tempo, escrever a mokanda, li poemas do Zeca e do Edu, reli baladas e muitas tretas de fazer caretas; ouvi cantigas, muitos gostos, li desaforos, coisas choradas, lamuriadas, cânticos gospel humedecidos, vídeos foleiros, alguns brejeiros e fui à China comer baratas. Verdade, mesmo! Ouvi as balelas vulgares do rolha presidente e a saída do Nuno da TAP, da desgovernamentação do Costa com Marcelo e Companhia e, da tomada do Lula como presidente no Brasil…
Mas a confiança ficou periclitante com as demais noticias da Ucrânia, a morte do Pelé e também da Linda de Susa, uma cantora bem conhecida em Paris, a segunda cidade portuguesa, A confiança aui neste porém, tinha fugido mesmo no antigamente com os pássaros pírulas a continuar gritar assim como nos braços do imbondeiro gordo. Enaná ué-ué! Melhor ficar assim mesmo e falar com meus kambas nas falas de Bom Natal 22 e um 2023 com muita bangula. Ver amanhã da janela, o fogo dos artifícios e na TV o fogos do Funchal acima dos 18 graus centígrados.
Darei meus dez dedos de parabéns a meu filho Mfumomanhanga Xkalibur, vulgo Marco, não lembrarei o que queria e deixava de querer – cada qual é que vai saber, que ele não esquecesse de bombar seus cinquenta anos com enxurradas de luz. Pra passar o tempo, comi bolinhas de suspiros, sonhos de abobora, gelado de sape-sape e tamarindo, mangaba só de pensamento! Sol malé! Ceu tapado de frio. Pensando no Chico Honório, meu cunhado que muito mal, está no hospital. Caté botei missangas de vida pra ele com magalas, malas e gente com galões mais brasões; comboio fumaça, vapor que apita, trópicos e equador.
Parti para outro e, mais outro e outro lugar, sem me encontrar. Teci-me na linha dum destino só meu. Criei a teoria do esquecimento, burilei-me nela e voei entre nuvens turbinadas de sucção, aspiração, compulsão e impulsão, vida de cão. No calor do tempo queimo cansaços, fracassos vazios, decepções e até solidões, também! Criei projectos, levantei paredes, agora nem quero saber, só mesmo comer! Depois de manha será outro dia e novo ano. Mais nada! Mungweno…
O Soba T´Chingange
NUMA ZUELA BURUNDANGA NA TEORIA DA INVEJA
- Mau-olhado – Xicululu – Crónica 3336 – 20.11.2022 – Republicação a 28.12.2022 em Arazede do M´Puto
Por T´Chingange (Otchingandji)
TEORIA DA INVEJA … A inveja segundo o dicionário é um substantivo feminino com origem latina. Ela vem da palavra “invidere“, que significa “não ver”. Assim, de entre seus significados vemos o sentimento de cobiça à vista da felicidade, da superioridade de outrem; sensação ou vontade indomável de possuir o que pertence a outra pessoa, o objecto, os bens, as posses que são alvos de inveja. A inveja é um fenómeno humano universal e intemporal. Faz parte da estrutura do psiquismo humano e actua sobre a cultura humana e a organização social. Ela é um dos maiores tabus da humanidade. Proibida pela Bíblia, como pecado (na tradição católica, a inveja é um dos sete pecados capitais).
Pessoalmente nunca soube lidar com a experiência emocional da inveja; nem da minha, nem da dos outros, negada por quase todos e exteriorizada com toques de ressentimento e rejeição. Consultando alguma literatura, verifica-se que a inveja é pouco estudada e, acerca dela, pouco se tem escrito. Na generalidade refere-se que não há dignidade neste sentimento. A raiva e o ódio extremos podem ser explicados por uma razão nobre qualquer, mas a inveja sempre representa um sentimento obscuro, sem justificativa legal, mesquinho e isolado, fútil, escondido como convém aos bandidos, ladrões e assassinos. Nos dias de hoje, a inveja surge refinada nos padrões de comportamento na gente de alto coturno, dirigentes de nações. E, surgem iminências pardas detrás de ideologias que pregam a igualdade, motivados crimes, políticas e revoluções. Pois bem, diferentes, somos todos e, haverá que aprender a lidar com estas diferenças. Será que isto é possível?
Entre os vários conceitos de Inveja pode também ser definida como o sentimento de frustração e rancor gerado perante uma vontade não realizada. Aquele que deseja as virtudes do outro é incapaz de alcançá-la, seja pela incompetência e limitação física, seja pela intelectual. Álem do mais, a inveja pode ser considerada um sintoma em certos transtornos de personalidade. É possível encontrar esse sentimento em pessoas que possuem o “transtorno de personalidade passivo” e, também em quem tem o “transtorno de personalidade narcisista”.
Como se aprende a lidar com as diferenças? Como se convive melhor com a injustiça primordial da existência humana? O que fazer quando eu sinto inveja? Como lidar com a inveja alheia? Será que eu provoquei inveja alheia? Quem me inveja pode fazer-me mal, o famoso "olho gordo"? Estas são as questões que me motivam a pensar neste tema. Por isso posso propor não nos calarmos sobre temas vergonhosos, percorrendo este árido caminho antes de supostamente se começar a conceber um terrível plano de vingança tendo como objectivo arruinar seus inimigos.
Não obstante, atire a primeira pedra, quem nunca a sentiu! Se nunca desejou mal a alguém por algum atributo que nele você admirava. Se jamais evitou situações que o confrontariam com aqueles que exibem qualidades que você não tem, ou nunca tomou partidos apenas para não favorecer aqueles que possuíam aspectos que você cobiçava etc. "Praticamente, tudo o que traz felicidade estimula a inveja" dizia Aristóteles. E talvez você também nunca tenha pensado que sem a inveja, e a consequente capacidade de sempre estarmos nos comparando e nos vigiando mutuamente, talvez não tivéssemos o desenvolvimento dos sistemas sociais a que todos pertencemos.
Porque ela, a inveja, jaz soberana, como eminência cinzenta, por detrás das políticas sociais e económicas e de quase todos os movimentos revolucionários da história da humanidade. Vive-se este lema da inveja com grande intensidade todos os santos dias e, ao mais alto nível, em todas as latitudes lançando por terra essa tão apregoada "igualdade, fraternidade e liberdade"…
Ainda a título de curiosidade nós habitualmente não invejamos os reis e rainhas e suas fortunas acumuladas sem trabalho braçal, mas podemos invejar nosso vizinho de porta, porque ele comprou um carro novo. A história de Caim e Abel parece ser a metáfora certa para ilustrar este sentimento. A inveja é em verdade o maior tabu humano não falado, todos a sentem, mas poucos admitem, o que torna o seu estudo difícil e indirecto. Curiosamente, entretanto, quando honrosamente revestida desta carcaça ideológica da igualdade, ela se torna o baluarte da justiça humana. Pude ler no brilhante livro de De La Mora (1987) a "Inveja igualitária", o argumento pela saudável necessidade da diferença e pelo absurdo de se imaginar que a igualdade possa ser conquistada pela coerção ou demagogia.
O Soba T´Chingange (Otchingandji)
Mau Olhado – Xicululu – Crónica 3335 – 12.11.2022 - Republicada a 27.12.2022
- NUM ZUELA BURUNDANGA ASSIM SÓ NOS BAZA INSPIRAÇÃO AMI! Mokanda antiga do meu Kamba ZEKA MAMOEIRO da MAIANGA DA LUUA
PorT´Chingange (Otchingandji)
Kamba Kiami Ami Tonito! Tuas fala doeu nos meu Muxima: "ter virado intelectual das mulolas do katekero" que virou poeta no integralmente, quersedizer pirou no katotolo"!!! Kamba Kiami Ami! Te digo só no verdadeiro, estão nos quieto dos esteira das minha kubata! Ué! Mazé bwé descansam, nos recuperação dos gigler dos inspiração...!!!
Tambula conta! Lello faço essas mistura..., o quê? Ah!!! O Iogurte metido nos cabaça, com os painço e os massambala, tudotudo no n´guzo do pilão, assim de massemba, como nos chão riscado dos Marítimo de Loanda! N´ga! Sakidilá! Lagartinha Mopane, dos teu envio caixinha cartão dos Mu Ukulu!
Sim os teu milongo dos Lagartinha, os teus torresmo medicinal, que soeu dos meu medo, recusou bwé Matumbu!!! Te digo que foi os papel receita (acima) do Doutor dos Maria Pia, dos especialidade dos motricidade dos dieta com os cereal que pra soeu recomendou, por caso dos intestinos precisar romper os câmara d'ar, assim, num precisar sequer, os prego fininhos, que bota nos ar os quixotes de carnaval!
Intão, como é...! Xé! Como nesse mesmomesmo dia dos alegria de bwé estouro de cheirinho de bombinhas...,no corso patrício da uuabuama Marginal...
KATÉ MINGU – ZECA, na minha kubata
Explicação do Kamba T´Chingange: Faz tempo, mandei uma caixa de mopane (catato) para o Zeca que comprei no Zimbabwé. Era para ele matar saudades pantagruélicas da nossa terra de áfrica mas, sucede que ele ficou com muita cagufa de comer aquelas lagartinhas.
Vai daí, escreveu-me esta carta mokanda da qual só eu mesmo consigo interpretar… Mayanga ai-iu-é, que tanto berridei por esse tempo de paixão que enricou meu coração no uuabuama, chão colonial, disse ele. Desde esse tempo de miúdos candengues, assim vivemos coleccionando fugas com fisgas, como quando descalço, chutávamos a bola, trumunos de trapos no chão das barrocas, da mulola do Rio Seco, de quando subíamos na mulembeira a retirar visgo…
Ilustrações de Costa Araújo
O Soba T´Chingange
ANGOLA, TERRA DA GASOSA – Parte XVI - Crónica 3334 – 04.11.2022, em Messejana do M´puto – Republicada a 26.12.2022 em Arazede do M´Puto
CORRIA O ANO DE 2002 – EM TERRA DE MATRINDINDES
“Angola, quanto tempo falta para amanhã? Háka!” - Escritos antigos - Em Julho de 2002 (quatro meses após a morte de Jonas Savimbi - 22 de Fevereiro de 2002) - "O futuro anda empenhado ao diabo”...
PorT´Chingange
Aquele dia de domingo estava com uma temperatura amena, algo habitual em tempo de cacimbo. Eu e Chiquinho resolvemos dar uma volta a pé pulsando a vida real na admiração de pormenores, reparando as montras existentes com produtos variados ou publicidade às suas actividades. Em uma, curiosamente tinha a indicação manuscrita em cartão: “Vende-se gelo caseiro”; alusão a água filtrada, metida em sacos de plástico de uma qualquer geladeira chamada de frigorífico, de um lar normal. Cheguei a comprar deste gelo, do que cada um produz em sua casa para poder beber meus gins com água tónica, para espantar mosquitos em fim de tarde.
Viam-se muitas montras desactivadas, ocupadas com trastes ou tendo gatos a dormir curtindo a Kukia vespertina. Na rotunda e bem perto da Catedral de Benguela, resolvi trocar uns dólares junto às kinguilas cambistas; explicando para quem não sabe, estas pessoas, normalmente mulheres, agitam maços de notas retiradas de balaios como se o fossem laranjas ou tamarindos. Sempre se sinalizam assim quando surge um potencial turista ou forasteiro com necessidade de trocar dólares ou kwanzas - não há regra fixa para se chamar a atenção, é pela pinta!
Dispus cem dólares e, eis que a kinguila faz-me reparo de que as notas tinham a figura de Washington com a cabeça pequena e que, não podia mesmo trocar – Ué!? Como é então mamã, faço como? Não tenho ordens de aceitar, disse a senhora idosa. Nem fiz maka de confusão e do como assim, passei só a ver se tinha mais kúmbu verde com a esfinge do Tio George Washington em tamanho grande e afinal até tinha, troquei. Nada falei, caté porque sempre desconfiam das pessoas que muito perguntam, assim nos entretantos fiquei a saber que apareceram no mercado muitas notas falsas e, eram exactamente as do Tio Gringo no tamanho pequeno. Bem, quanto a Euros, nem sabiam bem o que era isso.
Talqualmente como em Luanda, aqui na terra das acácias, também havia as boutiques: “Rabo no ar, Tira bikinis ou de Paga e leva” assim do género Rock Santeiro, ou o Fardex dos tempos coloniais - mercados com novas calamidades. Na parte da manhã tive tempo de assistir parcialmente à missa admirando as vozes do coro naquele tom africano com dança à mistura. Nos ouvidos ficaram resíduos de tambores… Depois de um passeio rápido pela cidade, neste domingo, 30 de Junho, rumamos também a ver na rota a Sul, Baia Farta, Dombe Grande, Cubal e Cacula via Lubango.
Baía Farta, de grossas e dourada areia, uma extensa praia na forma de baía com chalés na contemplação, casas dos anteriores colonos e tão ao gosto dos generais do M. Progressivamente foram-nas ocupando a custo zero e na vertente dos acordos Tugas, vulgo da Penina ou Alvor património ofertado sem ressarcimento nem sentimento. As ideias turvas, por vezes vêem e vão no descumprimento da razão. Percorri aquele areal sem guarda-costas nem comitiva, como coisa minha e, sem ninguém a impedir pensar – continuo pensando só!
Sem pigmentar definições de integridade determino no presente a compreensão do precedente. Da Victória ou Morte mãos dadas com o MFA, das muitas mentiras entre muitas outras falsidades. Em verdade não estava ali e naquele agora para divagar em ideias e ideais perdidos, nos antigos sertanejos, pombeiros, carcamanos ou caramujos de África alterando mutações na medula da estória. Ficar assim com uma ou mais pátrias, acrioulado nos costumes, correntes separatistas; consciencializei o custo do todo suplantando o efémero. Aquele Domingo terminou mais tarde, no após Mundial de Futebol ganho pelo Brasil com dois a zero contra a Alemanha. Uma onda de barulho se fez ouvir por toda a Benguela. Foguetes e tiros em rajadas para o ar - também elas, euforias efémeras…
FIM
AGRADECIMENTOS:
À Dina que cumpria os cinquenta anos numa festa farta em Sumbe, distinta e distinguida por autoridades e o seu clã de família; Ao Sr. Pais da Cunha (já falecido) que nos deu guarida entre outros apoios; Ao General Wilson das FAA que nos mostrou os novos horizontes a Norte; Ao Jimba do Cassosso, marido de Dina com entusiasmo de amplificador Minolta (Já falecido); a alegria contagiante do Chiquinho; Ao Tio Francisco (já falecido), pai da Aldinha (…que vendia petróleo a caneco, sentado em seu Mercedes);a todos os meus novos sobrinhos em especial o Nando; à Sra Elvira e mãe Luisa que nos ofereceram casa e cama; Ao Eng.º Bien formado em Cuba, um verdadeiro irmão; à Miná que nos deu um dia de encantação em seu imbondeiro com d´jango ao redor perto das furnas do Sumbe; ao Eliseu que nos acompanhou com o aprumo de professor; Ao Zito, alto e musculoso que deu alegria ao grupo, o Lethor do Mandrak T´Chingange…
GLOSSÁRIO:
Bazou: saiu na socapa; Bimga: madeira muito leve, boa para fazer jangada; Bangasumo: vinho feito a martelo, com sumo de frutas; Kassoneira: tipo de palmeira de onde se extrai malavo ou marufo; kumbú: dinheiro; Cazucuteiro: gente de truque, embusteiro, trapaceiro; Camundongo: rato, natural de Luanda, caluanda, Muxiloanda; Ximbicar: acto de remar com um bordão ou pau longo; Corotos: trastes, coisas indefinidas, bikwatas; Gongo: árvore da marula em dialecto Amboim; Candengue: criança, pivete, gaiato; Dilengo: coelho; Gasosa: gorjeta, gosma, limosna, suborno, mata-bicho ou cala a boca; Gajajeira: árvore que dá gajajas, fruta pequena; Imbambas: corotos, bikwatas; IFAS/URAIS: carro militar russo, sucata velha de assustar criança; Jindungo: malagueta, piripiri, pimenta; Kota: Mais velho, idoso; Mabanga: Bivalve, berbigão de sangue, isco para matonas; Múcua: fruto do imbondeiro; Maboque: fruto das bissapas, do mato, com casca dura, massala; Matebeira: de onde se extrai o vinho de palma, marufo, malavo; Mujimbo: segredos, boatos ou calunia; Marula: baga de árvore parecida com o medronho; Mutamba: árvore de copa fechada da qual se retiram tiras para fazer cordas ao momento, Largo central da Luua; Machimbombo: autocarro, ónibus, por vezes pau de arara; Matacanha: Bicho de pé, bitacaia, pulga das pocilgas; Mulembeira: árvore de grande porte e frondosa que dá pequenos figos, de onde se retira o visgo para apanhar gungas, celestes, etc…,ande se corta o cabelo com gillete ou caco de vidro e se fazem rituais de cazumbi; Mulola: rio seco aonde só passa chuva quando chove; Mezungué: Tipo de caldeirada de peixe seco com óleo de palma, tipo calulu; M´Puto: Portugal; Quinamba: perna; Quitandeira: vendedora de rua que faz pregão à sinhola (Sra.); Sengue: lagarto grande, espécie de varano; Saca-saca: esparregado feito de folha de mandioqueira; Sape-sape: graviola, do tipo da anona; Tua: ave pernalta de meio porte; Upapa: arbusto chinguiço com pequenas bagas; Vata: povoado, amontoado de cubatas ou palhotas; Chinguiços: paus secos retorcidos, tufos de mato; Xingrilá: sítio mágico nunca alcançado, lugar longínquo e indefinido…
O Soba T´Chingange
O INÚTILISMO HUMANO – A CAMINHA DA RECESSÃO - A ditadura digital e os mecanismos de manipular o cérebro
Crónica 3332 – No AlGharb do M´Puto a 21.10.2022 na Lagoa do M'Puto; Republicação a 23-12.2022 em Arazede do M´Puto
Por T'Chingange
CA - Em meados do século XX o surgimento da mecanização resultou no desemprego de muita gente, tempos em que o ganha-pão no amanho das terras era quase o único meio de subsistência das famílias, Poucos eram os que tinham suas próprias terras, retirando o sustento trabalhando para um patrão latifundiário. Para o sustento da casa teria quando muito, um quintal de onde retirava suas couves, alfaces, um galinheiro ou até esporadicamente uns bácoros no fundo da courela quando fora ou, nos arredores de povoados para sustento próprio.
No tempo as máquinas foram substituindo o trabalho braçal nas lavouras, no plantio, na ceifa, recolha de cereais e toda a espécie de produtos, até mesmo tubérculos enterrados como as batatas, rizomas e frutas das árvores, retiro de azeitonas das oliveiras fazendo surgir por todo o lado as alfaias diversas e centros de fabrico destas mesmas. Paulatinamente o homem inserido num grupo social foi-se reciclando e mudando até com frequência sua actividade. A força física foi progressivamente sendo irradiada no correr dos dias.
CA - Agora que estamos no século XXI, são as máquinas de inteligência artificial que mudam as regras do trabalhos substituindo a rusticidade das antigas em elaborados zingarelhos de sensores, câmaras e pequenos circuitos eléctricos que fazem actuar num dado momento o movimento certo para apertar, soldar, furar ou estirar, máquinas que semeiam, que recolhem, seleccionam, calibram, lavam e encestam tudo numa rapidez estonteante, multiplicando por cem ou mais, a simples tarefa humana de usar uma chave, aperto de uma porca ou torneando até chegar ao produto final em cadeia de montagem…
A capacidade intelectual e tecnológica, em suma a inteligência humana foi sendo substituída pelo computador. O uso do conhecimento através de Universidades e escolas técnicas aperfeiçoando computadores introduziram a robótica, os circuitos integrados, os chipes, os códigos de acesso e num rápido todas as áreas profissionais desde o costureiro ao condutor, dos advogados, gestores, banqueiros foram sendo e continuam a ser substituídos por máquinas que usam milhares de fios e chipes substituindo os neurónios humanos, sem erros para uma dada função.
CA - Elas, as novas máquinas fazem cálculos de probabilidade em fracções de segundo e, usando a teoria dos erros entre outras produzem vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas sem questionar o patrão com as horas extras, subsídios, férias ou regalias sociais com creches para seus descendentes e muitos outros edecéteras. Acabam-se os sindicatos, as mordomias, os jeitos e resmungos mais chantagem e corrupção. Então, qual é o patrão que não opta por esta mordomia de fazer fortuna de papo para o ar, dando quatro dias de laboração aos seus empregados mais fieis…
Eliminando os erros humanos deitando por terra a falibilidade da dita “intuição humana” entre outros interesses e emoções com compadrios, a máquina comandará não só o cidadão como as instituições, governos e reinados banalizando a acção do homem por isenção de morbidez, ambição, mau uso dos dinheiros públicos, actuando na economia com seus milhões de neurónios artificiais triando os artificialismos tão usados pelo homem; mantendo registos progressivos e permanentes, evitando desfalques, incompatibilidades, o manuseio das leis com proveito próprio, juntando acórdãos com despachos e aplicando no certo o labirinto infindável de variantes, probabilidades e emoções. Extirpando os erros do homem e usando com mestria o tal de ALGORITMO separando o trigo do joio, o falso do verdadeiro, o manobrador do manobrado, dos que acreditam em Deus e dos que acham ser balela…
CA - Para além da democracia que temos, das suas incongruências, suas falhas e palpites, as máquinas irão sim, substituir os governos e principalmente no campo económico aonde a mentira é eivada de cativações, grosseiros cálculos, falsa teoria dos erros intuitivos e outos de lesa pátria, lesa família, também bluffs grosseiros de sabujos com escondidos interesses, coisas costumeiras, costumes das praxes e soturna tradição. Uma máquina assim, feito dum grande cérebro conseguirá fazer melhor e mais rápido os cálculos da economia global sem a criatividade falível do rigor que por vezes, muitas vezes o é paranóico ou trabalhado, torpe ou que nos cria reptícia dependência.
Que nos cria gastura, dívidas com taxas e sobretaxas misturando coisas do foro familiar como o aborto, quando nascer ou viver, identidade do género; fragilidades democráticas com escrutínios duvidosos, condicionando nossas capacidades, banalizando actos com corta fitas, selfies, subornando os agentes da concertação social e, o escambau…
CA - E, surgem acordos em um fim de semana, falácias com aditamentos de fingimento, transferindo seu querer, seu parecer num facto de regime, a loucura de boicotar até a automatização em áreas de saúde. O regime não pode em caso algum ser representado por um partido; de crise em crise sempre e desta forma, nos levarão indubitavelmente para fracassos em cima de fracassos, activando a recessão por falta de estratégia a um cada vez de menos longo prazo, cativados. Mas, quem sou eu, um pé-de-chinelo para o dizer – FUI!
Ilustrações de Costa Araújo
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO, NA PRAIA
– Crónica 3322 de 15.06.2022 – Republicada a 12.12.2022 - Quando tudo nos ultrapassa no tempo, apalpamos as medidas da natureza …
Por T´Chingange (Otchingandji) – No AlGharb do M´puto
O barulho no escuro da noite continuou mais intenso e, já levantado segui para a sala. Pude constatar que o ventilador maior estava soprando sua perene ventilação sem qualquer preâmbulo de coisa ruim; digo isto porque trabalha infindavelmente por meio de um relógio travado com um garrancho feito com rolha de cortiça para enganar o tempo. Sendo assim este dito cujo, trabalha sempre!
Os trinta e nove graus fizeram com que ficasse todo o santo-dia de ontem com as janelas tapadas; o escuro era tanto que tive de usar um pequeno candeeiro para poder ver as teclas do computador. Como devem saber a luz, transporta o calor e vai daí corri os ferrolhos artesanais vedando a luz e ar quente. Foi por isso que liguei os dois estropiados ventiladores que só lançam vento numa direcção – seus botões de rodar pifaram e servem assim mesmo dando vento aos cantos que rodopiam nas esquinas e nossos corpos…
A televisão das antigas com um TDT HD – DTB700PT adaptador, também deu o berro. Aparece o sinal verde mas a TV, nicles de bitocles – Ou alteraram as frequências ou fizeram um cambalacho governamental para nos extorquir mais uns cobres. Esta terra do M´Puto tem mais espertos que grilos no verão! Lá pendurada no tecto a TV, diz que não há sinal! Não dá nada, porra nenhuma – rodei a antena para o lugar de Santiago do Cacem e, nadica de nada! Está na hora de mudar por uma nova com ligação à internet por Bluetooth, uma moderna forma de ficarmos controlados pelos anjos, arcanjos e o capeta chifrudo – estamos feitos ao bife!
Isto é importante saber porque no mundo de hoje o Bluetooth representa uma ameaça mais significativa, pois é um sinal sem fio frequente e constante emitido por todos os nossos dispositivos móveis pessoais. No futuro, que já o é, teremos de aprender como modificar a estrutura de nossa existência e forçar nossas vidas e nossa psicose em moldes novos, alguns ainda mal conhecidos.
Teremos assim de compreender como e porquê perante uma nova primeira vez, um novo potencial surge amolgando-nos no futuro. Todos os dispositivos sem fio têm pequenas imperfeições de fabrico no hardware que são exclusivas de cada dispositivo creio que a propósito – É a nova ordem das coisas!
Aquelas impressões digitais são um subproduto acidental do processo de produção. Estas imperfeições no hardware Bluetooth resultam em distorções únicas, que podem ser usadas como uma impressão digital para rastrear um dispositivo específico. Daqui eu dizer sempre que é muito perigoso pensar, falar, comentar e até muxoxar asneirentas verdades. Para o Bluetooth, isso permitiria que um invasor contorne técnicas anti-monitoriazação, como alterar constantemente o endereço que um dispositivo móvel usa para se ligar a redes da Internet.
Os investigadores, engenheiros das sombras e almas, projectaram um novo método que não depende do preâmbulo, mas analisa todo o sinal Bluetooth. Eles desenvolveram um algoritmo que estima dois valores diferentes encontrados em sinais Bluetooth. Estes valores variam de acordo com os defeitos no hardware Bluetooth, dando aos investigadores a impressão digital exclusiva do dispositivo – nosso ADN
No silêncio da manhã, pardais chilreando, sigo até à padaria do Tonico a comprar o pão bom para se fazer as açordas de poejo ou coentros. Nas ruas daqui aonde estou, nascem poejos nas frinchas, nasce salsa e coentros que só não são usados porque os cães ali fazem javardices mijadas. Passo no antigo posto da GNR do tempo em que usavam cavalos; a porta larga por onde passava a tropa está encimada com um escudo de nobre lembrança e em cima duma cimalha há um leão segurando uma bola mundo – uma esfera armilar à semelhança do Leão de Ceilão. E, o futuro traz-nos senilidade, artérias endurecidas, pele enrugada por frouxas, calvície e uma apetência ao isolamento por não entendimento ou não aceitação. Amanhã será outro dia…
O Soba T´Chingange
KIANDA COM ONGWEVA - XX de várias partes…
– Crónica 3306 de 21.05.2022 – Republicação a 27.11.2022 em Lagoa do M´Puto
– MUXIMA NAS FRINCHAS DO TEMPO - Falar do futuro, até para as kiandas é tabu…
Ongweva é saudade
Por T´Chingange (Ochingandji) – Em Arazede do M´Puto
Falar do futuro, até para as kiandas é tabu - metem-no em sapatos quedes envolto em meias já debotadas e assim abandonados ali ficam na poeira do tempo como se estivessem arrumados num canto da arrecadação. Aos comuns viventes não se pode transmitir o amanhã, só o agora, lei básica da vida; caso contrário aparecem uns lacraus vindos do álem, misteriosamente oxorizados (coisas de Oxor). O Universo tem regras que por mais que queiramos, não estão ao nosso alcance engravidá-las. É aqui que surgem os mambos longínquos com soldados Mafulos, por via das falas da Kianda Januário Pieter também este, tio tetravô de Roxo, nascido às margens do lago Niassa, um meu antiquíssimo patrício…
E, os mambos de Januário, o Pieter, nem sabermos como, quando e aonde ia, ou vai buscar tantas falas sem medo de gastar seu reservatório das magias como se houvesse lá na cuca-armazém, uma fábrica de empacotar chwingames; fala do tempo, das revoltas da embocadura do rio Kwanza, das guerras dos Tugas e Mafulos de Loanda, n´gwetas e dos desentendimentos com a rainha N´Zinga, mais outros personagens do distante Kongo do Zombo, das terras de Kassange e da Matamba…
Parece que neste entretanto vazamos para outro lado que não era o tal de Museu do Prado. Estávamos no centro da antiga Madrid da época da Casa de Habsburgo em la Plaza Mayor, ladeados por pórticos. Nas proximidades ficavam o barroco Palácio Real mais o Arsenal Real, que exibe armas históricas mas, nem sei como do nada transladamos para aqui! Quem se mete com kiandas fica kiandado ou oxorizado.
O velho Januário Niassalês o tio das manas, descreve as festas axiluandas de então com kimbandas e t´chinganges pisoteando a terra, levantando poeira de encorajar kotas, jagas, sobas e m´fumos que iam chegando em alvoroço dos Dembos e de lá mais além do Kassange. Como se ali estivéramos senti que iam passando cabaças com malavo de cassoneira e, a cada grito dado pelos dançarinos guerreiros, o povo em uníssono gritava kwata mwana-pwó, kwata mwana-pwó. Arrepiei-me com medo como num repentemente estivesse rodeado de jacarés do kwanza, amarelados de muxima, pode!?
Era a preparação duma guerra contra os Tugas n´gwetas entrincheirados em Massangano por ordem dos Mafulos Holandeses. Morgan Tsvangirai o pai de Roxo ficou avençado pelos Mwana-Pwós com o posto de tenente de segunda linha; mandava os escravos m´bikas do kimbo fazer tarefas de manutenção e limpeza ao forte, zelar pelos n´dongos de pesca e translado de coisas para a Kissama e das patrulhas de soberania aos mares parados com lagoas até o Morro dos Imbondeiros e dos Elefantes da Maianga e Samba. Também tinham a caça e a pesca ao seu cuidado.
Assim transladado naqueles tempos vi M´fumos; iam chegando aos poucos como emissários da rainha N´Zinga M´Bandi da Matamba e do rei do Kongo Garcia II que, embora sendo cristianizado pelos Portugueses, com eles andava desentendido após a chegada dos Mafulos. Teriam estes prometido a eles poderes maiores com auxílio de armas do tipo de canhangulos ou pederneiras. Eram preparativos duma união para fazerem o grande e final assalto a Massangano. Só podia ser!
Naquela fortaleza os Tugas resistiam aos holandeses tapando-lhes as vias de comunicação ao mercado de escravos lá do interior fazendo emboscadas ou tocaias usando azagaias venenosas, um método aprendido com os índios do brasil, uma cana comprida que depois de soprada, dela saia um dardo mortífero. Por isso aquele mato metia demasiado medo aos Mafulos. É aqui que entra o Senhor Maurício de Nassau que desde o Recife Brasileiro mantia o negócio das peças m´bikas para os seus engenhos de assucar.
Neste arraial com a vida acontecendo muito de repente Redufina Kabasa mãe negra da Kianda Roxo estremava-se ensinando a sua filha maneiras de comportamento e era vê-la brincar com candengues brancos e pardos no átrio da missão! Bem cedo se destacou nas habilidades de colorir os jogos de desenho, os riscos da cabra cega; qualquer argila era motivo para dali sair pintura ou escultura bem à moda dos trabalhadores de talha do pequeno altar da igreja da muxima!
Ilustrações de Assunção Roxo
Glossário: Kianda: Calunga, fantasma; Muxima: saudade, lugar de romagem; quedes: sapatos de pano; da macambira; Mafulos: Holandeses; Mambos: Atitudes, procedimentos; Cuca: cabeça; Chuingame: pastilha elástica; N´gweta: branco; axiluanda: nascido na ilha de Luanda; Kimbanda: Médico tribal, curandeiro; T´Chingange: feiticeiro, secretário e cobrador do rei ou Mwata; malavo: vinho de palmeira; M´fumo: chefe da aldeia; Cassoneira: tipo de palmeira ; Kwata: agarra, Mwana-pwó: pombeiro branco, sertanejo, colonos; antigos taberneiros brancos; M´bika: escravo; N´dongo: canoa; Kissama: reserva animal, lugar com animais selvagens; Canhangulo: arma artesanal, de carregar pelo cano; Kiandado: enfeitiçado; Oxorizado: virado do avesso, vaporizado…
(Continua com “fricção”…)
Por: Soba T´Chingange (Ochingandji)
*PRIORIDADE MÁXIMA*
- Crónica 3302 em 16.05.2022 – Republicada a 22.11.2022 em Lagoa do M´Puto
Por T'Chingange em Arazede de Coimbra do M'Puto
Introdução: - Cada um de nós deveria ter uma BAZUCA sem a ilusão e, COMPADRIO carunchosamente facilitado pela fricção corrupta...
Mergulhados em um mundo mediático, publicista e consumista, corremos todos os dias o risco de priorizar o que é secundário. Governo e vendedores de fantasias enchem-nos a paciência sem dó. Muitas coisas são importantes, mas é fundamental estar-se constantemente vigilante na avaliação do topo da lista. Somos sempre estimulados a desejar aquilo que não é realmente necessário, a criar falsas necessidades.
Não podemos viver autocentrados quando o alerta nos torce a mente enganando nossas urgências e necessidades. Assim, o que é mais importante na vida assume uma posição secundária e passamos a trabalhar, lutar e investir nosso tempo e energias a correr atrás daquilo que é supérfluo ou ilusório...
Sabemos que precisamos priorizar o que é autenticamente importante. O problema é que dar prioridade àquilo que é mais importante, nem sempre brotará espontaneamente de nós. Normalmente, o que em nós pulsa, é o desejo de auto realização correndo o risco de virarmos marionetas.
Queremos afirmação e pensamos que sejam o fruto de nossas conquistas: “Minha beleza, minha inteligência, minha casa, meu celular, meus diplomas, minha profissão…” E, quanta decepção se encontra quando priorizamos o que não nos é assim tão necessário…
Nossa única prioridade real na vida deve ser o de "viver com dignidade e liberdade". No fim de tudo, o que importa é se você colocou a sociedade, seu próximo ou vizinho e família em primeiro lugar...
Com fé, a prioridade surge; e, até encontrará forças e sabedoria para enfrentar qualquer tipo de circunstância! Ao dar o primeiro, o melhor e o mais importante é esse lugar de seu lado positivo no pensar; e, verá assim que tudo o mais se encaixará, naturalmente...
Sua realização e afirmação não estão no que dizem as vozes deste mundo cheio de propagandas vazias, mas no que diz a palavra da sua humilde e honrosa postura. Sempre é tempo para tomar um novo início com o rumo certificado em mente de progresso.
Comece agora a buscar o reino de seu templo, seu pensar como PRIORIDADE MÁXIMA. Faça disso seu maior interesse e veja cumprir-se em sua vida a promessa com o verbo certo, em um qualquer novo dia: “Essas coisas lhes serão acrescentadas” sem a necessidade de se esquecer...
O Soba T'Chingange
ANGOLA, TERRA DA GASOSA . VIII
CANTINHO DO INFERNO – TERRA DE MATRINDINDES
“Angola, quanto tempo falta para amanhã?” Escritos antigos - Em Julho de 2002 (quatro meses após a morte de Savimbi - 22 de Fevereiro de 2002)
– Crónica 3299 de 12.05.2022 – Republicação a 19.11.2022 na Lagoa do M´Puto
N´Nhaka: - Do Umbundo, lameiro, plantação junto aos rios, horta…
Por T´Chingange – Em Arazede de Coimbra do M´Puto
Passando o dia nas quedas da Binga e já quase noite, retornamos ao Sumbe, a casa do Sr. Pais da Cunha, pai de Balbina, nosso anfitrião e sogro do Jimba; pela noite teríamos os jogos do Mundial de Futebol 2002. Situada na rua da Resistência, sector impar; o kota Pernambuco estava nos fundos do quintal queixando-se de dores e tremuras - tudo indicava que fosse paludismo, tomara! Dormia ali no relento da sacada no anexo.
Pernambuco, sempre foi um dedicado serviçal mas, agora a idade tornou-o corcunda mais propriamente depois de ser submetido a uma intervenção no hospital de Luanda por pseudo médicos cubanos. A vida por ali andava testada no fastio de sem cerimónias de consciência, andava muito próximo da morte como se assim o fosse coisa normal. Este comportamento social estava muito mudado para pior e em relação aos anos que por ali vivi e até o 13 de Agosto de 1975, quando da minha saída na ponte “Lualix”.
Disse cá para mim nessa altura, que se calhar não voltaria a ver o kota Pernambuco e, em verdade, morreu pouco tempo depois envolto creio numa apatia de deixa andar para ver como fica, quando se sentia já o cheiro do além ainda em vida. Quando me lembro ainda fico triste. Jimba, marido de Balbina veio a morrer tempos depois e, após ter andado a ser tratado nos hospitais do M´Puto mas seu destino aligeirou-se entre fragilidades, fraquezas de coração e das bichezas cancerígenas…
Aquele velho de nome Pernambuco que tanto se dedicou lá na cozinha do Cantinho do Inferno, anos e anos a fio fazendo comezainas de gente fina como lagosta suada entre outras maravilhas pantagruélicas, ali estava que nem um enjeitado, definhando-se nas carnes dia após dia sem uma atenção mais esmerada pelos circundantes; aquela falta de atenção pelos demais fez-me ver a cruel postura da vida naquela angola acabada de sair da guerra dos misseis monacaxitos.
Apercebi-me que a morte chegava mais rápido ali do que em outro qualquer lado, coisa de pensamento ainda envolto naqueles tempos em que a Novo Redondo se chamava “o cemitério dos brancos” e sem aquela atenção dos demais, a morte já vulgarizada de comum como se assim fosse uns continuados descuidos de humanidade que num repentemente levou Pernambuco… Lá naquele quintal, vou continuar a vê-lo na insignificância dos fundos, para sempre. Mas e agora, o casula Xingu e a Fati também estavam com indicio de febre; foram ao hospital e deram-lhe medicação para a febre tifóide. Tive dúvidas de ser isso e, creio terem-lhe dado este medicamento pelas águas insalubres do rio Cambongo.
A febre tifóide é uma doença infecciosa, transmissível e desencadeada pela bactéria Salmonella Typhi. Isso deixou-me na altura preocupado pelo que beber água só mesmo engarrafada. A doença, que apresenta gravidade variável, está relacionada directamente com as condições de saneamento básico em uma região e com os hábitos de higiene de cada indivíduo. Assim sendo, sua incidência é maior em áreas associadas a baixos níveis socioeconómicos, ocorrendo num maior número de casos nas regiões quentes e sem o devido tratamento.
Numa destas noites Chiquinho saiu a ver novidades pelas ruas mal iluminadas do Sumbe e ao chegar teve a expressão: o holocausto está escuro! Nas noites que ali permanecemos, o galo do vizinho Cadinho cantou a todas as horas ímpares, começou à uma e terminou lá pelas cinco da manhã. Com o calor a apertar de noite tive de me levantar e banhar-me com o caneco de esmalte e, espreitando lá para o quintal do Cadinho pude localizar o galo cantor no meio de uns carros desarranjados com os motores descarnados, vielas soltas com os pistões a servir de varas aos galináceos, restos de geleiras, fogões e corotos vários todos caiados de neve saída dos galináceos, perus e patos…
Pude também ver já com o dia a despontar, no meio daquele conjunto de estralhos e zingarelhos o esqueleto de uma máquina de costura Oliva entre outras imbambas misturados com as baterias, cambotas, restos de macaco e chatarra de pneus, motores de arranque com muito fio enrolado em cima de uma mesa escura de óleo queimado, esqueletos de motorizadas e bicicletas e até um said-car. Também havia um fogão desmantelado, uma geleira que fazia de prateleira a latas besuntadas de óleos a granel. Enfim, todas as imbambas a um qualquer momento davam jeito e tanto que, em um dos dias o Bien, Humberto Cunha, foi lã buscar uma mola helicoidal para adaptar no seu carro hibrido, o mesmo talqualmente, que nos levou ao Lobito.
(Continua…)
O Soba T´Chingange (Otchingandji)
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