NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO REINO XHOBA - (HOODIA)
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3494 – 27.09.2023
– Em Mukwé, Andara e Shitemo às margem do Cubango - “Missão Xirikwata”
- Escritos boligrafados da minha mochila – Aleatoriamente após 1975 e, entre os anos de 1999 a 2018
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Nunca fiquei a saber se os jornais locais deram noticia com foto do aperto de mão entre mim T´Chingange e San Nujoma, o presidente do Movimento de Libertação da Namibia que se tornou o Presidente do novo país, Namíbia. O encontro do Shitemo, mesmo à magem do rio Okavango ou Cubango, em principio, era um encontro entre o líder e militares da Ovobolândia, os guardadores responsáveis da segurança nesta natural fronteira.
Esta reunião neste rio fronteira, aconteceu também com os mais destacados comeciantes da região de entre o Rundu e Divundu dos quais Miranda, o personagem que sempre destaco em minhas falas empregnadas de cacimbada catinga, numa forma ou jeito nada erudita ou de destaque literário. Ao certo, nunca soube se a Swapo ou o Departamento de Segurança Interna da Namíbia estava vigiando os meus passos, um turista bazungo.
Sim! Um turista bazungo com passaporte de muzungo (branco) português disfarçado com colete de zuarte, um quico besuntado de raspas de biltong e restos, destroços de pão duro rask, muitos bolsos, um canivete macgyver e um crachá da UNITA – um galo em cerâmica dado a mim, por mérito creio, pelo meu herói de nome Alcides Sakala e, assim muito bem seguro com boas linhas, cosido no forro deste traje de caçador de elefantes.
Para o que desse, viesse ou conviesse assim levava escondido meu distintivo de convicta afeição e convicção mas, o certo é que não tive qualquer contratempo em minhas andanças, nas descritas verdade turísticas de bazungu, um verdadeiro matumbo a fingir de autoguerrilheiro de boligrafo, em pleno segredo numa odisseia passifica que só agora desvendo. Assim, compartilhando com a natureza, bichos e afins, só eu e José Pedro Cachiungo um dirigente do galo negro em funções em Lisboa, sabia chamar-se de “Xirikwata – o pássaro comedor de jndungo”…
Não obstante a postura dos governantes de Windohek mostrarem dureza no trato, as autoridades regionais faziam vista grossa às movimentações que o comércio local fazia com a UNITA, com a Angola do outro lado dos rios Okavango, e Quando. Em realidade de um e outro lado eram gente com o mesmo passado, falando os mesmos dialectos, uma região conhecida por Ovobolândia com família distribuída por ambos os lados, do Calai ou Mucusso.
Constatei que o comércio floria em prosperidade, talvez de forma corrompida mas, tudo se vendia. No Divundo, tivemos necessidade de comprar mantimentos no shop do Miranda ao cuidado de sua filha Ana Maria e, de todos os pacotes de bolacha que compramos só um estava no prazo de validade. Foco isto porque era uma prática comum, região não vigiada pelas autoridades que nada queriam ver por vista grossa em troco de uma bateria para o carro ou de um saco de mandioca.
Esta quase inconfidência, pode até considerar-se uma falta de cortesia de minha parte sendo sempre tão bem acolhido pela família Miranda e, sempre a custo zero mas, que me perdoem por esta lisura em minha franqueza – foi uma época, um tempo. Em terras do fim do Mundo vale tudo; com a minha missão de xirikwata africana, nada de anormal sucedeu em minhas transacções mas ouvimos sim, relatos de coisas mal paridas e defuntadas em agruras de por dá-cá-aquela-palha…
O encontro com Pedro Rosa Mendes, autor do romance ficcionado de “Baia dos Tigres” desaconteceu aqui em Divundo em Junho de 1997, no shop da Ana Maria de Andara. Fiquei a saber antecipadamente as agruras de Pedro Rosa Mendes descritas em seu livro, lidas mais tarde e da periclitância da guerra que se julgava não ter fim; não fiz muitas ondas porque o meu percurso de passeio não tinha o mesmo objectivo que o dele e, também não sabia o que ele viria a descrever em suas crónicas faladas via rádio todos os dias com o M´Puto. O meu anonimato prevalecia a tudo naquele então – Não podia mesmo fazer ondas nem cavalgar surf em seco…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
Ás margens do rio Zambeze no Zambezi River Lodge e Mudumo National Park Mudumo National Park revejo-me nos muitos dias insólitos, encontrando factos mágicos na revisão de amigos que me fazem medir o tempo com quartilhos e rasas como se feijões o fossem! Amigos, que nem todos o são na forma mais estrelada ou requintda por empatia, que na maior parte das vezes são traduzidos nos cheiros de África catingados só na suficiente rasura para parecer que não o sendo exóticos de todo, assim se tornam gente esquisita…
Lembrar-me aqui em terras agrestes de áfrica, que em Portugal após 75, o meu telefone estava grampeado pela Secreta Tuga - Foi o tempo de em Portugal se dar luta sem justificação plausível à UNITA durante aquela guerra na sequência do primeiro conflito de tundamunjila* e, que culminou numa outra guerra acabada na Batalha de Kuito Cuanavale. Portugal estava naquele então totalmente submisso ao governo do MPLA, movendo-se por interesses de lesa-pátria e por esquerdoidos que se perpetuaram no tempo. Sabiam de todos os nossos passos e, até mesmo em kizombas de amigos aonde estranhos, pareciam a sondar tudo sobre nós e o Movimento UNITA que virou Partido de âmbito Nacional. Foram tempos espantados de inquietude.
Ficou em fundo um ruído de música do Congo que os militares camaradas ouviam na rádio Mandumbe,... “Ai bábá ninique sala, táta rafael” Passados já uns largos anos sinto um frio nos pés no momento exacto em que um mabeco, sarapintado de castanho sujo, surge num repente por detrás da bissapa e acácias de picos medonhos. A vida faz pouco das previsões colocando por fim nelas, palavras no lugar de silêncios. Aiué
Miranda, o ex oficial do Batalhão Bufalo, agora (naquele então) um conceituado comerciante do Mukwé, Andara e Shitemo apresentou-me ao presidente San Nujoma, que por ali andava em missão de soberania, pessoa simpática e simples Um helicóptero chegou bem perto da escola local do Shitemo no Ndonga Linena River Lodge, dele desceu este velho senhor de barba branca, alpercatas e um chabéu de palha já com falripas soltas. Também trazia um bastão, que julgo ser de distinto pau…; nem parecia ser um presidente. Gostei dessa pessoa simples - tinha sim, nos pés, umas alpercatas michelin de calcar matacanha. Mantenho ainda a imagem do encontro à margem desse Cubango em Shitemo na maior lucidez…
NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO REINO XHOBA - (HOODIA)
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3490 – 21.09.2023 – De Kasane a Catima Mulila no Hotel Zambezi River Lodge
- Escritos boligrafados da minha mochila, – Aleatóriamente no após 1975 e, entre os anos de 1999 a 2018
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
A caminho de Katima Mulilo, cruzamos parte do Caprivi Game Reserve, uma faixa apresentanda no mapa como um dedo indicador apontando o Botswana. Com cerca de 180 Km de extensão com floresta de folha larga; a faixa, foi desenhada pelos britânicos em Berlim para poderem ter acesso a todas as suas possessões; Na sua maior extenção, esta faixa são duas linhas paralelas com 32 km de largura. Eles, os britânios, tinham a pretenção de unir Cape Town ao Cairo.
A faixa estende-se pela fronteira do Sul de Angola desde o rio Cubango ou Okavango até o rio Zambeze em Catima Mulilo e, que vai até Kasane de onde estamos saindo, lugar de encontro com o no rio Cuando, aqui chamado de Shobe. Vamos em sentido contrário ao rumo de Vitória Falls. O Delta do Okavango fica já do lado do Botswana, com ilhas dispersas, desaguando por assim dizer, naquilo que à séculos, foi um mar interior.
Já em Katima Mulilo resolvemos fazer compras no maior supermercado da cidade, pertencente ao Sr. Coimbra (já falecido), um refugiado Tuga ido de Angola logo após o 25 de Abril no M´Puto e sequente guerra do tundamunjila em N´Gola; parece que este senhor tinha uma qualquer ligação com a PIDE do M´Puto e numa primeira etapa de sua fuga assentou bivaque em Windohek, no Safári Motel do Sr Pimenta. Depois, rumou a Norte aonde se tornou aqui – em Catima Mulilo, um bem sucedido comerciante.
Tomamos contacto esporádico com a família Coimbra que tomava conta do negócio e depois dirigimo-nos até às margens do Zambeze aonde assentamos arraiais no Hotel Zambezi River Lodge de características tipicamente africanas e com acomodações para visitantes de mochila para camping, como nós. Foi bom ficar ali sentado na margem daquele Zambeze ainda manso cruzando pensamentos das terras do Fim-do-Mundo que no correr dos tempos pareciam ser só uma ilusão.
Éramos os exploradores bazungus, como diria a minha empregada Mery de Kampala: modernos com algumas mordomias como um canivete macgyver que tudo resolve e, seguindo as peugadas de Silva Porto, Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo ou Roberto Ivens. E, como foi bom pisar aquelas terras, ver manadas de elefantes raspando a terra impondo poder abanando as grandes orelhas a meter medo. Ao cair da noite fizemos o nosso brai com aquela carne saborosa de caça.
Carne comprada no supermercado da familia Coimbra, carne que só ali existia por aquelas paragens. E, como gostaria de repetir no futuro esta volta e mais uma vez - pensava assim ali sentado na beira do Zambeze admirando a kukia (pôr-do-sol) e, olhando-me nas rugas espelhadas nas quietas águas do Zambeze. E, só para mim, recordava o passado, da guerra do Tundamunjila de N´Gola, uma rebalderia chamada indevidamente de descolonização …
Recordava os Movimentos de Libertação, em particular da UNITA à qual pertenci e, que aqui descreverei de forma muito sintética, suficientemente sumária para preservar personagens como Dachala, Alcides Sakala, Zé Kat´chiungo e Adalberto da Costa Júnior; um mano Coordenador, que se salientou em Portugal na defesa da Unita tonando-se por voto popular e, com elevado mérito, em Presidente da UNITA e Presidente de Angola segundo os fieis relatos de vários Observadores Internacionais e dados internos do agora partido do Galo Negro – dados fidedignos e aferidos…
Isto de repetir o passado, acontece sim, porque o é necessário e, para no mínimo, ressarcir a verdade. Verdade que afeta bem mais de um milhão de gente maioritariamente boa e, indevidamente relegada ao esquecimento da razão - os chamados refugiados e retornados! Irei assim, decrevendo aos poucos, para não vulgarizar ou agudizar num só lote tal infortúnio e, inserindo-os nas várias viagens de agora e de mais tarde, aleatoriamente dum passado truculento e, até faladas em sentido contrário como se o fora uma marcha-à-ré, pois que quase foi assim que percorri o caminho que não nos levou a Dar-es-Salaam na Tanzânia. Bom! Isto será de atemporal descrição e, numa posterior forma de odisseia que fragmentada, bem pode remoer um futuro, num agora!
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO REINO XHOBA - (HOODIA)
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3488 – 17.09.2023 No Shoba Safari Lodge de Kasane
- Escritos boligrafados da minha mochila, em KASANE. – Entre os anos de 1999 a 2018
Por:T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Estamos a ficar longe no tempo para poder recordar todos os detalhes e, se não houve rascunhos daquele então, ainda mais difícil fica de desenhar a paisagem Landscape. Em um daqueles dias às margens do Shobe, rumamos por uma estrada de terra com piso em argila regularizado com brita que depois virou areia; estávamos no Shobe National Park, bem do outro lado da Namíbia.
Anotei a indicação lá no início do troço de, que nós bazungus, iriamos ficar à nossa conta e risco! Valeu a pena o susto de por vezes ficarmos enterrados porque, de repente lá estavam, um leão e uma leoa à sombra de uma grande árvore comendo ou guardando um elefante de pequeno porte, já todo esfalelado, coisa pouco usual tratando-se de um elefante.
Porventura aquele paquiderma, estaria adoentado ou teria sofrido um grave acidente. A lei da vida e da morte ali, não contempla assistência da parte de qualquer instituição cinegética ou veterinária. Até nós corríamos esse risco de entrar na cadeia alimentar. Ao seu redor umas quantas hienas espeando o fim de repasto dos reis da selva. No ar, circundavam os abutres negros querendo também fazer parte do repasto; num lugar mais distanciado também havia mabecos – uma cadeia alimentar na lei da natureza nua e crua – o aviso lá de tráz, na entrada, tinha razão de assim o ser.
Quanto ao passeio de barco - passeio de aventura terreste de muitas estrelas, com uma óptima relação no custo-benefício, sentimos o conforto e a segurança de uma viagem organizada pela secretaria do Shoba Safari Lodge. Momento único, numa vontade sem certeza, certeza de voltarmos a ter uma tão grande oportunidade de criar memórias duradouras, que nos acalentam sonhos em voltar para ver mais.
Nas longas horas de jornada ao longo de terra árida, chinguiços ressequidos, caímos em devaneios de profecias, falamos pelos cotovelos dizendo falas desprovidas de sentido ou fora do reino de aventura. Agora que já se passaram uns longos anos de estio literário, relembro o que alguém, não sei quem, o disse: Que a Inglaterra será totalmente aniquilada, até mesmo a sua terra irá queimar como uma invasão liderada pela Rússia que vai invadir a Europa, através da Turquia e usar armas terríveis.
Costuma ser assim, cada qual diz o que lhe vem nas falas avulsas porque leu e, ou com edecéteras de kazumbis repassados por adivinhos ou pastores que por norma sempre vão mais álem do que plantar batatas no meio do Karoo e, mais se disse que a África do Sul também entrará em uma guerra civil em um ano de eleições, após a morte de um líder negro; que será exibido em um caixão de classe nos Edifícios da União. Líderes mundiais virão homenagear. Será!?
Em Kasane, nas voltas e andanças tarde do dia, cheios de gases, corpos curvados e cheios de ideias com turbulências no cerebelo e fome, antes que fosse noite, fomos comer ao Pizza Coffee do paquistanês em Kuzungula. Já noite, na tenda “tipo Livingston” podia rever-me nos muitos esboços coloridos gatafunhados, coisas que vi, quilómetros precorridos, sugestões e pagamentos a encontrar ao calhas e a cores, amarelo, azul e amarfanhado no descolorido, colados a shwingame (pastilha elástica).
Uma escrita misturada de experiências em blocos boligrafados, esquecidas com contas de somar, subtrair e cambiar. É fundamental ter dólares! Sem isto, a apologia de se ir ao acaso tolhe o instinto, cega a fé, mesmo que se repita muitas vezes o valha-me Deus. Faço isto por vezes para ver quanto gastei em Euros, agudizando-me na curiosidade de ver contas de números altos em dólares, randes, kwachas, pulas e dólares zimbabwanos e deparei com as falas de lugares passados que terei de descrever nas próximas crónicas e, aqui repostas, para não transtonar o cerebelo em minha sequência de escritas…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
Em África as viagens em camiões trucks, conhecidas como "Overland Tours" são muito famosas. Cruzei com estes grupos animados no Cruger Park da África do Sul, Ai-Ais a Sul da Namibia, no Fixe River - canyons, no Sossusvlei, na Costa dos Esqueletos, em kasane e Kazungula do Botswana no Etosha Pan e em Victoria Falls. Sossusvlei, na Costa dos Esqueletos, em kasane e Kazungula do Botswana no Etosha Pan e em Victoria Falls.
Muitas vezes, cruzando fronteiras proporcionando uma experiência verdadeiramente profunda, vendo muitos lugares fora dos roteiros mais conhecidos, sua forma de vida, sua alimentação, bem como os exotismos pantacruélicos que você quer conhecer porque alguém falou. Enfim: coisas positivas e algumas até bem deprimentes pela má gestão dos dirigentes de topo. Tive essa experiência através de inúmeras viagens em carros alugados.
Essas empresas, condicionam o número de pessoas em cada passeio relativamente baixo, mantendo acomodados satisfatoriamente de 12 a 18 pessoas, o que significa terem o espaço necessário nas janelas tendo sempre a atenção pelo contacto pessoal com seus guias. Embora os arranjos dentro de cada passeio variem um pouco, em princípio, oferecendo esses passeios de duas maneiras: em acampamento ou “alojados” sendo o primeiro, a opção menos onerosa e, da que mais gosto.
Nas vistas largas das terras planas e verdes que bordeiam os canais do Rio Cuando e Shobe, e no chamado Shobe National Park, vimos bem mais do que 200 elefantes e muitos antílopes como olongos, gungas, facocheros, búfalos, impilas, jacarés e vários hipopótamos entre outros e, também aves de grande porte como o peru africano, várias espécimes de patos e pássaros multicolores. Pudemos avistar no meio de uma vasta e plana ilha, no meio do nada verde, uma bandeira enorme do Botswana em um gigantesco mastro. Esta ilha, só recentemente foi considerada por um tribunal internacional como pertencente ao Botswana…
Sempre caía naquela satírica forma de dizer: - Os angolanos estão cheios de razão, os Tugas deveriam não só ter levado para o M´Puto (Portugal) as suas estátuas, Diogo Cão, Maria da Fonte, Norton de Matos entre outras mais e, também os prédios, escolas, pontes, hospitais, estradas, igrejas e barragens pois que sempre, sempre o são rebaixados; ter deixado Angola exactamente como a encontrou Diogo Cam, 500 anos antes do achamento! E, assim andarmos, para a frente e para trás que nem Kiandas feitas salalé tresmalhado, por via da intuição feita cinco estrelas duns caçadores caçados por traição sabuja, vilipendiados até, para não dizer roubados. Também traídos, até pelo povo enganado pelos generais de aviário e a mídia esquerdoida do M´Puto. Actos nunca ressarcidos...
Como se fosse um cofre, viemos futurar o destino em África, olhando dentro dele, ver o que já foi passado quando se abre e que, após seu fecho, só se pode pressentir o que poderá vir a acontecer, nada mais! Os segredos de Deus só a Ele pertencem! Na voz do bom senso, terei de esperar o amanhã, sem mais nada ter que fazer.
Que se saiba foi o único ser humano que subiu vivinho da costa até o grande salão de São Pedro - foi mesmo esse Eliseu! Que eu saiba, só o designado santo homem, numa forma fenomenal subiu aos céus de forma côngrua ainda em vida; ele tinha uma forte vontade de ir para junto de Deus e, foi em espiral que fez sua derradeira viagem astral. Creio que por lá ficou! Muitos acham que Elias, que também subiu ao céu em carro de fogo, cavalos de fogo e, edecéteras! Seria um ET? Porque não! Aqui, na terra dos espinhos longos, pensa-se em tudo…
A incerteza sempre irá prevalecer porque o condão do saber e do sempre querer, estarão encerrados na ilusão do que somos: nada!Nunca iremos descobrir tudo e melhor será, este assim. Antes que me perca em devaneios, volto à cidade de Fiume, em Croata Rijeka (ambos os nomes, em português, significam "Rio"), que recebeu autonomia pela primeira vez em 1719, quando com o decreto do imperador Carlos VI foi declarada porto franco. Em 1779, nos tempos de Maria Teresa da Áustria foi fundado o Corpus Separatum. Desde então, e até 1924, Fiume existiu como entidade autônoma com elementos de um Estado.
Com a derrota do Império Austro-Húngaro na Primeira Guerra Mundial, o status da cidade de Fiume tornou-se um problema internacional: a assim chamada "questão de Fiume". Durante a controvérsia entre o Reino da Jugoslávia e o Reino de Itália, as forças internacionais propuseram a fundação de um Estado independente. Em 12 de Novembro de 1920 o Reino de Itália e o Reino de Jugoslávia firmaram o Tratado de Rapallo, com o qual as duas partes reconheciam a total independência do Estado de Fiume e prometiam respeitá-la.
Com tal acto foi fundado o Estado Livre de Fiume, o qual existiu com duração de quatro anos. Agora que me estiquei nesta explicação, acho que terei de ir até ao fim prestando homenagem a esses sonhadores e exploradores fiumanos que tiveram essa sorte de o não serem expulsos numa farsa chamada de descolonização do TUNDAMUNJILA* (referente a Angola)… Sendo assim a todos os refugiados e retornados de Angola, poderemos chamar de TUNDAMUNJILANOS por obra e graça de um tal CR – Concelho da Revolução do M´Puto…
NAS FRINCHAS DO TEMPO – DO KUNENE na terra do NADA
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3470 – 21.08.2023
- Boligrafando MISSOSSOS de OSHAKATI do KUNENE, mais a norte
- Foi no ano de 1999
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
NO KUNENE, Aquele jacaré era gente! Gente boa que nasceu em corpo errado em Ondjiva (antiga Pereira d´Deça) no lado de Angola!... Rodrigues, seu primeiro dono, deu-lhe o nome de SUNDIAMENO. Isto, quase-quase é um missosso, da literatura oral angolana, contos, adivinhas e provérbios com homens, monstros, kiandas de Cazumbi, animais e almas dialogando sobre a vida, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de dialecto quimbundo e ovibundo. Óscar Ribas, um escritor cego que tive o prazer de conhecer na Luua, foi o seu criador.
No fogo do pó levantado do chão vermelho, margens do Kunene, os kandengues himbas dançavam com um jacaré domesticado; desconhecia que um jacaré podia ser domesticado mas, os olhos meus, me diziam no seu ver, que aquilo visto, era mesmo de verdade verdadeira. Vejo e aprendo que a natureza muito nos ensina com seu riso de muitas flores riscando no firmamento cinza com branco a azul, musgos de nossas velhices coloridas a vermelho com laranja.
Pus a mão no meu cérebro buscando naqueles milhões de células apalpar qual daqueles cabelos feitos bissapas estavam fora do sítio para entender aquela cena inaudível, inacreditável! Sei que tudo em minha vida resulta de guardar sempre comigo a esperança monandengue; de espiá-la com olhinhos de a ver balouçada no arco de minha sobrancelha.
Como se chama esse jacaré! Perguntei ao jovem mais próximo. – Com a boca! Respondeu o pivete. Pintado de coisa ruim consegui domesticar meu frenesim raivoso, e continuei: - Sim! Mas tem nome, não tem? – Chama-se de Sundiameno. Disse! Fiz uma cara feia, de nariz torcido e, ele, vendo-me embrutecido repetiu. É mesmo de Sundiameno porque não é de fiar! A gente lhe desconfia, acrescentou.
– Nem nele, nem no pai dele! Concluiu. Esta conversa tola seguia um rumo desclassificado e, foi neste então que vi sentado num banco de pau feito e atado com matebas, um mais-velho de barbas credíveis e brancas, também chambeta de condição. Dirigi-me a ele e entabulei uma conversa séria, falamos do rio Kunene e de seus mistérios.
Foi este mais-velho kota, já século, que me descreveu alguns mistérios e, que passo a referir: - Olha mwadié (branco) este rio tem muito cazumbi e muito feijão branco. Um dia ajudei um gweta, t´chindele Rodrigues, branco assim como tu, que domesticou desde criança, um jacaré a apanhar diamantes para ele. Saiu daqui muito de rico! Afirmou isto e, em seguida, apontando para suas muletas de fibra sintética disse:
-Foi ele que mas ofereceu! No lugar aonde o rio se esconde, fizemos acampamento por muitos anos até que chegou a guerra da libertação e, ele seguiu com a sua gente (refugiados / retornados). Este segredo, eu conto a toda a gente! Conclui na sua sabedoria filosófica de cat´chipemba com bolunga Lubanguista. Por ali passaram gado, camiões e máquinas amarelas de fazer estradas. Abriram umas picadas e depois seguiram para Walvis Bay e Swakopmund da Namíbia. O mistério daquele jacaré estava quase desvendado por mim, mas, na dúvida sobrante, perguntei: - Então, este jacaré kianda, apanhava os feijões brilhantes? Talqualmente! Respondeu o kota num claríssimo português com pronúncia do norte do M´puto. E, continuou: - Pois, fui eu mesmo que fiquei com estas muletas e esse jacaré Sundiameno.
O mundo é por demais misterioso! Nunca que eu ia acreditar nisto se não visse! O mais velho de nome Oshakati Primeiro, ainda me disse outra coisa em que não acreditei (juro mesmo!): - Sabes que mais, disse ele. Esse jacaré toca guitarra! Acompanhava muitas vezes seu antigo dono a cantar fados duma tal de Amália, uma sua prima muito conhecida lá do M´puto! Isto era demasiado para a minha camioneta; meti-me no four-bay-four e segui para Ot´xivarongo. Conversando com um outro velho amigo de Oshakati Primeiro, piscólogo do Kalahári de nome Ot´xivarongo de Tuji, disse-me já ser conhecedor desta estória e, surpresa das surpresas, aquele jacaré era gente! Gente boa que nasceu em corpo errado! Juro que tudo isto me transcende! Agora que contei, está contabilizado…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO ”ETOSHA PAN”
- "DOS TEMPOS DE MU-UKULU*“ - Crónica 3467 – 17.08.2023
- Boligrafando estórias em NAMUTONI do Etoscha
–Ondundozonanandana - Foi no ano de 1999
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Para terminar a breve descrição da relação entre Namutoni do Etosha Pan na Damaralândia (hoje Ovambolândia, na Namíbia actual) e, a Batalha de Naulila no sul de Angola, acrescenta-se que este forte, também serviu de campo de prisioneiros resultantes da Batalha (Desastre) de Naulila entre os anos de 1914 e 1915.
O incidente de Naulila, influenciou profundamente a opinião pública de Portugal. Os defensores da entrada de Portugal na guerra contra a Alemanha ganharam esta causa por via deste acontecimento na África colonial. Naulila foi o grande catalisador do processo que levaria Portugal a entrar na Grande Guerra a 9 de Março de 1916.
As tropas metropolitanas (M´Puto), mal preparadas para a secura da savana, foram obrigadas a fazer centenas de quilómetros em marcha forçada em direcção à fronteira da Damaralãndia no rio Cubango, atravessando um território cada vez mais inóspito e habitado por povos crescentemente hostis.
Esta falta de preparação para repelir o ataque e, a falta de resistência das forças portuguesas em Cuangar e nos postos ao longo do rio Cubango foi explicada numa das sessões secretas que a Câmara dos Deputados do Congresso da República dedicou em 1917 à participação portuguesa na Grande Guerra.
Nessa sessão, o deputado Brito Camacho, fundador do Partido Unionista, afirmou que a chacina de Cuangar fora motivada por não ter o respectivo comandante recebido notícia do incidente de Naulila, e ter confiado numa informação de Portugal, expedida directamente de Lisboa, dizendo-lhe que estávamos em estado de neutralidade.
A colonia de Angola levou ao fecho da única fronteira ainda aberta da colónia alemã, já que pelo sul e pelo leste as forças britânicas da União Sul-Africana já a sitiavam desde a declaração de guerra britânica de 5 de Julho de 1914 e, por mar, a poderosa marinha britânica impunha um apertado bloqueio.
Com as comunicações cortadas e, sem rotas de reabastecimento, em Julho de 1915 a Damaralândia rendeu-se às forças da União Sul-Africana sob o domínio Britânico. O incidente de Naulila, de que resultou o corte do reabastecimento a partir de Angola, foi factor determinante na sua rendição. Em verdade, o Desastre de Naulila acabou por determinar a perda da colónia alemã, passando a ser um protectorado Sul-Africano.
É curioso recordar isto fazendo uma comparação com a recente independência de Angola, e as lutas que se travaram a sul entre a UNITA com a ajuda Sul-Africana e o MPLA naquela que foi a maior batalha em território Africano - a Batalha do Cuíto, que forçou à governação unilateral do território angolano pelo movimento MPLA ajudados pela Rússia, Cuba e Portugal-C.R. (Concelho da Revolução). E, tudo isso, resultou na independência da Namíbia com a entrega incondicional à SWAPO de San Nujoma em fins do século XX…
Notas: * MU-UKULU - de antigamente…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO ”ETOSHA PAN”
- "DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3468 – 18.08.2023
- Boligrafando estórias de RUACANÁ FALLS a Waterberg Prateou National Park. – Ondundozonanandana - Foi no ano de 1999
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Das quedas do Ruacaná, fronteira de Angola com a Namíbia, só vimos o penedo escuro na forma de falésia escorrendo pequenos fios de água envolvendo árvores retorcidas, estendendo aqui e além suas raízes; ao nível da margem aonde nós estávamos estendia-se um lago manso irregular entre tufos de vegetação. Não muito longe do gado beberricando aproveitamos refrescarmo-nos nas águas do Cunene, o mesmo que há muitos milénios desaguava no agora seco lago do Etoscha.
Foi no regresso que tivemos a feliz sorte de ver uma mulher Himba, toda pintada de ocre vermelho com tiras de couro cruzando o peito desnudo e seus carrapitos de cabelo enlameado de barro. Foi um contacto fugidio á beira da picada que liga à povoação Ruacaná mas, no registo das retinas de todos nós ficou aquela figura de gente agora quase em extinção.
Foi neste percurso e a caminho de Ondangwa que tentamos abraçar um embondeiro majestoso mas, os quatro da tribo não conseguiram chegar à metade. A t´xipala amarelecida relembra a euforia daqueles dias mas que agora estão confinadas à caixa de sapatos do mukifo do soba; O mofo foi lá deixado para preservar o espírito das terras do Fim-do-Mundo junto às petrificadas árvores das terras de Kaokoland, Namíbia Twifelfontein. Rumando a norte para o Okavango, seguimos a direcção de Grootfontein, uma singela cidade no meio da grande chana de África e após o almoço, na revisão de mapas, julgamos de interesse ficar por ali a fim de conhecermos o Waterberg Plateou National Park.
E, porque gostamos do lugar, acabamos por alugar um chalé bem junto à falésia colorida do Plateou entre acácias e, porque não podíamos percorrer com o nosso 4x4 o planalto, inscrevemo-nos no safari da reserva; por lá andamos toda a manha desfrutando paisagens alargadas. O Cudu, Olongue, do buraco de observação, deu um pulo descabido ao clique da máquina fotográfica e desenfreou-se entre capim e pedras.
Já no Camp, o brai de carne estava melhor que nunca e, após tão suculento repasto veio a soneca de passar pelas brasas o tal cochilo. A tarde daquele dia, terminou com uma ascensão entre rochas de escorrida pintura natural em jeito de arco-íris e, seguindo a pista, fomos e viemos já ao cair da noite, de papo cheio de vistas soberbas. A contornar o chalé amiudadamente recebíamos a visita de saguins, bâmbis, capotas e um sem fim de pássaros, bicos de lacre, viuvinhas, celestes e o sempre presente monteiro´s ornebil com seu grande bico amarelo e, adunco.
O Park Nacional de Waterberg com sua bonita meseta, é um espaço protegido, situado bem no centro da Namíbia, ficando a 69 Km a este da povoação de Waterburg. Destaca-se pela sua elevação, bem acima da planície do Kalahári. Com os 405 Km quadrados de terreno circundante, foram declarados Reserva Natural no ano de 1972.
A meseta é em grande parte inacessível, pelo que, na década de 1970 várias das espécies em perigo de Namíbia, foram para ali trasladadas para assim as proteger de depredadores da caça furtiva. Em 1904, nas encostas da meseta, teve lugar a batalha de Waterberg, um marco de genocídio dos povos herero e namas (namaquas), perpetrado pelos alemães entre 1904 y 1907. A batalha saldou-se com a derrota dos hereros, muitos dos quais morreram no deserto. Esta zona faz ainda parte da Grande Namaqualândia, escassamente povoada pelo povo khoisan (bosquímanos) que tradicionalmente ali habita - região do semiárido chamado de Succulent Karoo…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
Não posso deixar de descrever sucintamente o forte Namutoni pois que faz parte do Park Etoscha, lugar aonde se bivacaram as tropas da Alemanha durante a segunda guerra mundial e que também teve uma forte acção durante as batalhas do sul de Angola quando da consolidação da fronteira com a Namíbia, do tempo em que para ali foram enviados muitos expedicionários portugueses. Teremos de recordar ao de leve esses tempos do início do século XIX, do que foi a batalha de Naulila e a leva de militares nesse então - Alguns, foram considerados, sim! Outros morreram desclassificados até ao tutano que virou cinza…
Em consequência da perda de prestígio das forças portuguesas as populações de Huíla revoltaram-se contra a ocupação portuguesa. A crise instalada resolver-se-ia com o envio de uma força expedicionária por Portugal sob o comando do general Pereira d'Eça. A Grande Guerra, originou um conjunto de conflitos com raízes na corrida à ocupação da África que se seguiu à Conferência de Berlim de 1884-1885. Por via da entrada de novas potências coloniais em África, a obrigação de ocupação efectiva do território, colónia de Angola, levou às campanhas de pacificação, as quais se prolongaram por décadas.
A colónia do Sudoeste Africano Alemão a sul de Angola que impôs novas fronteiras, limitando as pretensões portuguesas naquelas regiões interferiu na missionação portuguesa com o aparecimento de missões protestantes suportadas por organizações alemãs. As razões para a desconfiança mútua que se sentia eram sérias: em causa estavam as fronteiras entre as colónias de Angola e do Sudoeste Africano Alemão (Damaralãndia). Um consenso alargado na classe política portuguesa sobre a necessidade de defender as colónias africanas, traduziu-se no envio, em Setembro de 1914, de forças expedicionárias para Angola.
As forças comandadas por Alves Roçadas desembarcaram em Moçâmedes a 27 de Setembro e a 1 de Outubro daquele ano. Em Novembro de 1914, já após os incidentes de Naulila e Cuangar, foram enviados mais 2800 homens para Angola e em Dezembro outros 4300 militares. Nos anos seguintes, o efectivo continuou a ser reforçado. Dos eventos anteriores que levaram ao confronto de Naulila iniciou-se a 18 de Outubro de 1914, quando um pelotão comandado pelo alferes Manuel Álvares Sereno, em patrulha junto à fronteira com a Damaralândia, um território integrado no Sudoeste Africano Alemão, encontrou a uma dúzia de quilómetros do posto de Naulila uma pequena força alemã, capitaneada pelo Dr. Hans Schultze-Jena, juiz e administrador do distrito de Outjo, que tinha entrado em Angola sem prévio aviso às autoridades portuguesas.
De incidente em incidente, a indignação na colónia era enorme e os apelos à vingança sucederam-se. E, deu-se assim o ataque a Cuangar a 31 de Outubro de 1914. A primeira retaliação alemã surgiu logo a 31 de Outubro, quando uma força alemão, sob o comando do comissário de polícia Oswald Ostermann, do posto de polícia de Nkurenkuru, atacou Forte de Cuangar, um posto fronteiriço a leste de Naulila, destruindo o forte e matando, com recurso a metralhadoras, todo o pessoal que ali se encontrava e que não conseguiu fugir para o mato. Este incidente, que ficou conhecido como o "Massacre de Cuangar", marca o desencadear das hostilidades entre as forças portuguesas e alemãs ao longo da fronteira com a Damaralãndia, actual Ovambolândia e, tendo o forte de Namutoni como um lugar bivaque de base à retaguarda… Lugar que, por isso, requer um avivar da história Lusa-Tuga…
MALAMBAS DAS FRINCHAS DO TEMPO – No Okavango River e o risco ou o rego que, por coisa pouca muda nossas vidas…
Crónica 3443 – 22.07.2023 - MALAMBA: É a palavra.
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Amieiro do M´Puto
Se a vida é uma sentença com um princípio e um fim, não conseguiremos ouvir o grito da vida se sentirmos remorsos daquilo que não fizemos, ou daquilo que poderíamos ter feito; não podemos assumir a culpa dos pais, nem dos pais de outros pais. Na percepção parcial das vitais contingências, tecidas e compostas nas coincidências de que a vida é feita, encontraremos o rigoroso sentido do passado, por fortuitos efeitos que determinaram o futuro próximo e mais distante.
Cada um de nós foi o que foi por uma coisa pequena, que sem se lembrar do primeiro choro, outros choros se lhe seguiram e, como um risco feito no chão, nem sempre se escolheu dedo ou arado nem por onde fazer o rego que por coisa pouca mudou nossas vidas. Sem perder tempo com enigmas, aceitei o convite da Ana Maria para passear ao longo do Kavango até quase o Botswana a visitar rápidos e remansos das chanas deste, já com as águas do Kuito, águas escuras que vão inundar o Delta do Okavango.
Um mar muito antigo a dar vida aos muitos N´dovus ou jambas que conhecemos por elefantes, entre hipopótamos búfalos e, outras variadas espécimes. Pela picada de macadame encrespada de ondinhas já para lá do Divundo, dos vários cuca-shops* e cola-colas dos chineses, passamos locais de kimbos dispersos e lodges junto ao rio como o Rainbow Lodge, Nunda River, Ngepi Camp, Ndhovu Safari, mas foi no Mahango Safari Lodge escondido no denso arvoredo verde e bem na margem do rio, aonde subimos numa barcaça…
Mesa posta supimpa, para as catorze almas e alminhas do clã Miranda degustarem um bem surtido e nutrido breakfast com iguarias de crepes e outras ternuras mais adultas. Já de regresso, de novo nos internamos numa sinuosa picada de areia a visitar um lugar já conhecido como Suclabo Lodge propriedade duma madame de nome Suzi mas, agora com o nome de Divava Okavango Lodge e Spa, cinco estrelas de “elegant style and luxury”.
Cumcatano, disse eu depois de pisar o paradisíaco sítio cheio de coisas “good” logo a seguir a cubatas feitas de barro e capim com dois por dois metros, e muito matutar de como caberia ali um par de gente sem os pés encolhidos. Eu, João, Bruno e seu tio Alemão Franz lá fomos em uma pequena balsa com motor à popa e um bafana enfarpelado de caqui, seu chapéu de carcamano do Divava, um surtido de águas, refrescos e cervejas na caixa térmica.
Entre margens de exuberante verde, altas árvores, chegamos á base dos rápidos do Popa Falls. Naquela turbulência e com nossas canas de carretos, zingarelhos e estralhos, amostras bizarras e bizarrocas, farfalhudas com penas ou reluzentes, atiramos e recolhemos, atiramos e recolhemos e, por aí, repetido sem nada pescar e, eis que o campeão João num truz recolhe um peixe tigre cheio de dentes pontiagudos aí com uns dois quilos que, foi tudo na soma da pescaria, um tigre e três nadas.
E porque é vulgar dizer-se que os gestos não totalmente sinceros vão sempre atrasados, agradeci logo tais luxuriosas horas de lazer a Ana Maria e seus dois filhos quase carcamanos, mas com rusticidade na traça mirandesa, bragançana ou transmontana em seus sotaques, falas e cantorias. Soe dizer-se que todo o acto humano interfere com a vontade de Deus por mais insignificante que seja e, neste dia de Domingo, quatro de Janeiro do ano da graça de 2015 assim foi…
Só fui livre para poder ser castigado na míngua da pesca com um escassíssimo nada. Também nisto, não posso ter remorsos! Um dia de cada vez com encontros decisivos de nula ou muita importância, um simples dia de vida com rooibos tea and rusk bread, Windhoek lager, biltong bóher e bacorinho no espeto, assado pelo Thinus de Outjo, o mais genuíno carcamano bóher da família Miranda.
(Continuarei pelo Okavango – Terras do fim do mundo, Rundu em dialecto Ovambo…)
Bibliografia: Cuca-chopes: - Muito pequenas bodegas; vendas à margem das estradas que têem cerveja e bolachas já fora de tempo, Coca-Cola e fuba; Kavango: - Rio que faz fronteira entre a Namíbia e Angola, que deu o nome à região; Bafana: - natural da região, normalmente negro na cor; Zingarelhos e estralhos: - apetrechos de pescador; Rooibos: Chá de capim do Calahári; Bóher: de origem Holandesa saído da colonização da Companhia das Índias Orientais…
Nota: Com um levado agradecimento à familia Miranda que no Divundo da Namíbia,me deram guarida grátis! Terra de xirikwatas, um pássaro que come jindungo - foi Dona Elisabette , recenteente falecida que me deu ese conhecimento com o mais bonito riso que senti naquelas terrs do fim-do-mundo... Ao amigo Miranda um abraço XXL...
O Soba T´Chingange.
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos (1924)
Crónica 3440 – 18.07.2023 - HISTÓRIAS DA TZÉ-TZÉ . 2ª Parte
Tempos de quitanda e tipóia
PorT´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
É Pedro Muralha que descreve (foi no ano de 1924):- “A manha aparecera fresca nas margens do Cuanza naquele treze de Outubro…, muitas pretas, conduzindo à cabeça ou ás costas enormes quitandas, cheias de várias mercadorias indígenas… junto da sede do Bom Jesus (roça) ”. Isto é no rio Cuanza não muito longe do Dondo e, também perto de Muxima. “Às oito horas daquele Domingo, a quitanda estava completa e no seu maior auge.“
Apesar do barulho que os indígenas faziam, falando todos ao mesmo tempo na língua bunda, apesar do cheiro nauseabundo, devido à aglomeração de negros e às mercadorias ali expostas aos raios enérgicos deste sol de África. Ali estavam expostos tabaco em rolos como torcidos, grãos de dendên, fuba, mandioca, azeite de palma, massambala, peixe seco e toda essa enorme diversidade de géneros indígenas, alimentação dos pretos e que à vista dos europeus causam tão desagradável impressão… É *Pedro Muralha a descrever!
“Vemos pretas, todas cobertas de panos. É um pano geralmente chita, que é apertado pelos seios, enquanto outro pano assenta sobre os ombros, cobrindo-lhe todo o corpo. Na cabeça usam turbante branco. Outras apresentam-se com o peito e os braços a descoberto. São as que pretendem mostrar as suas tatuagens, algumas dolorosamente feitas…”
“Sobre esses traços pinceladas mais claras feitas com fuba e cremos que com óleo de palma. Outras aparecem com o cabelo como se fosse lã churra, a cair-lhe em canudos para a testa e para a nuca. São as quissamas (creio serem missangas). Fazem esses efeitos selvagens, deitando na carapinha óleo e casca moída de uma árvore.”
“Falta um detalhe, é que todas as pretas fumam. Usam uns cachimbos com uma grossa boquilha; tiram meia dúzia de fumaças e fazem passar o cachimbo de mão em mão para que todas fumem. Outras fumam cigarros, mas metem a parte acesa na boca”.
Lida esta passagem que não comento por os tempos serem idos, passo a outra página; a travessia do rio para o lado da quiçama, sítio de muitas pacaças, elefantes, hipopótamos e sobretudo jacarés. “Depois do mata-bicho metemo-nos num dongo (canoa) e navegamos. É encantadora uma viagem pelo Cuanza, sempre marginando por um verde capim, … e, lá está um senhor jacaré…”
“Os indígenas não deixam de ir banhar-se ao rio por causa dos jacarés, porque estão convencidos de que só é comido pelo anfíbio quem tem feitiço. E, todos aqueles que têem consciência de não terem feito mal algum - que mereça as iras do jacaré, entram pelo rio sem medo, porque o bicho não lhes toca.“
“E é assim… depois de comidos, ainda ficam desacreditados, porque todos outros indígenas ficam com a impressão de que a vítima fora muito bem castigada.” Mais à frente acerca da tzé-tzé… “O desgraçado que tiver a infelicidade de ser mordido por um vehículo desses que esteja infectado tem que ter sérias apreensões.” Crónicas de outros tempos, do tempo dos caprandandas! Ambaquistas!
Notas: Tzé-tzé – mosca portadora da doença do sono; Caprandanda – tempos antigos, quando do uso de arcabuzes; Ambaquistas - naturais da Ambaca, pioneiros cafuzes dados ao trambique;
*António Pedro Muralha (Beja 1878 - Lisboa 1946). Começou a trabalhar como impressor tipográfico e fez-se jornalista e escritor. Conheceu a redacção de O Século, onde redigiu artigos centrados nas questões do trabalho e do movimento associativo, que lhe trouxeram prestígio; colaborou também com o Diário de Notícias, a Capital e foi director do diário socialista A Vanguarda (1913-1922). Em 1924, decidiu partir para Africa e visitou S. Tomé, Angola, Moçambique e o Rand - As suas impressões de viagem foram reunidas em livro, «Terras de África», prefaciado por Ernesto de Vasconcelos e Freire de Andrade.
O Soba T´chingange
CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos (1924)
Crónica 3439 – 18.07.2023 - HISTÓRIAS DA TZÉ-TZÉ . 1ª Parte
Tempos de quitanda e tipóia
Por T´Chingange (Otchingandji) – Em Arazede do M´Puto
Naquele dia de véspera natalícia o dia estava húmido em Coimbra do M´Puto. Busquei coisa não encontrada e, perdido o autocarro sete com destino ao Tovim, decidi-me já cansado a subir a ladeira; após a avenida da Republica, passo a Cruz de Celes e mais acima, não muito longe de Santo António dos Olivais o cheiro da Petisca de Celas tentou-me a entrar.
Petisca é uma das muitas casas de meio pasto, meio tasca, aonde se juntam uns quantos resistentes da vida; já velhotes, cruzam conhecimentos na conversa da palavra malamba. Serve de sedativo à vida, vida regada com um carrascão de Cabriz que, nem é mau.
Pedi um pratinho de arroz de sanchas (míscaros) com uma carne que desfiava em gostura e, sentei-me em frente daquele senhor; por falta de lugar solicitei àquele tal que aparentava ter uns quase setenta anos e, o faça o favor veio logo a seguir.
Estava desejoso de companhia. Não foi necessário muita conversa para logo me fazer a pergunta se, se tinha vindo de Angola. Talvez pela pronúncia ou a forma trópico-cordial da minha abordagem, assim começou o inesperado diálogo da qual é objecto desta escrita na forma de malambas (palavras). Este senhor tinha o nome de Conceição Muralha…
Muralha fala-me com paixão dos tempos em que no Lobito e, sendo despachante oficial, levava uma vida restingada naquela falsa ilha de que tanto se recordava e… que já o seu avô cronista de tempos idos falava. Eram tempos de tipóia, disse ele. Lá por volta de 1924 em terras de Benguela de onde era natural, o seu avô teve de ir em tipóia de Quipupa até Dombe Grande.
Na companhia de João Lara e, numa extensão de sete léguas, tiveram de atravessar o rio Caporolo aos ombros daqueles fortes mondombes; mondombes, diz em esclarecimento, eram os indígenas naturais do Dombe e, continuou recordando feitos! Feitos dele próprio, mas mais de seu avô que em missão oficial tinha ido a Angola no navio Pátria recolher informações de várias actividades - Um repórter da escrita, acentua!
- Quem foi o seu avô? Pergunto curioso, a fim de recolher mais dados sobre este tema. E, a isto respondeu: - Pedro Muralha!... E, se quiser, uma vez que o vejo tão interessado, posso ceder-lhe o livro que editou há setenta e oito anos. Deixe ver?! Isso mesmo, em 1935 nasci eu em Benguela, tinha o meu pai uns vinte anos mas isso, não importa para o caso. Fiquei curioso!
A.ROXO ... Quem diria!? Na normal ocorrência, um desvio na rota e eis que deparo com este inesperado encontro. A completar o senhor Conceição emprestou-me o dito livro, cópia que ele prezava em que todos tivessem conhecimento. Ainda não li aquelas crónicas todas mas alcançada a página 149, não resisto transcrever alguns trechos desta leitura que descreve na margem do Cuanza as ambiências duma Quitanda (mercado), os jacarés e a tzé-tzé…
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA - ANGOLA. Outros tempos
Crónica 3438 – 17.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA*
- Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
Por T´Chingange – Em Cantanhede do M´Puto
Cheguei ao M´Puto ainda a tempo de diligenciar junto ao hospital de Torres Novas a fim de tirar a dita cuja bala ao meu pai, num tempo que só o foi no posterior e no ano de 1997; o meu pai, “o Cabeças” tinha sido bem apetrechado de porrada no após rapto junto ao largo da Maianga, junto aos Correios pelos homens do Nito Alves, foi o que disseram e, parece mesmo ter sido combinação para mandar o velho kota branco meu pai, para a sua terrinha.
Mesmo passado algum tempo “o Cabeças” parecia o mapa-mundo em manchas de sangue pisado, havia pouco espaço por cobrir; deram-lhe um tiro no escuro, algures num sítio quase fatal e, desandaram deixando-o espernear por detrás do então aeroporto Craveiro Lopes ou de Belas e, como quase morto, assim ficou contornado de capim; arrastou-se toda a noite até que, numa picada e já de dia, uma patrulha mais governamental emepelista o levou para o hospital Maria das Pias.
Um hospital abarrotado de gente esperando tratamento em todos os espaços. Dizem as crónicas que morreram nesse então mais de 30 mil angolanos que, decerto, não seriam todos fraccionistas. O kota meu pai, pela descrição posterior teve por demasiada sorte em sobreviver no meio de tantos moribundos; obrigado doutor Boavida do Banco de Angola! Se não fosse o senhor metê-lo no avião ainda hoje estaria imaginando o seu estatuto vivente, envolto numa teia de dúvida entre os muitos abatidos no 27 de Maio de 977.
Esta estória sem direito a “h” foi uma verdade a setenta e cinco por cento, com os restantes vinte e cinco, de inventação para suavizar o quase impossível ou inacreditável mas, eu continuei sendo o mano da UNITA do Kalakata da Caála; desconvocado da guerra, acantonei-me voluntariamente nos mugimbos do degredo da diáspora. Agora posso recordar de quando candengue, ouvir várias histórias passadas nessa terra inóspita, exigente nas suas relações, terrivelmente perigosa, mas simultaneamente atraente e amada.
Lembrar os comerciantes do mato, que viviam absolutamente isolados, originando a criação de alguns Postos Administrativos criados para disciplinar a soberania colonial. Que no tempo, foram surgindo estradas na forma de picadas que, pouco a pouco apareceram as carreiras mistas de passageiros e de carga depois do desenvolvimento de carros Ford, Chevrolet, Dodge e outras mais, como o Nash. Timidamente, a partir de 1920, o M´Puto já sem o Brasil independente já há 98 anos, viraram-se para ali - Angola, terra de onde nunca saímos em lembrança.
Havia as ligações com o interior a partir da costa mas, de ínfima ocupação humana a partir de Sá da Bandeira, Ambriz, Luanda Novo Redondo ou Moçâmedes. Era um problema chegar ao Huambo, atravessar o rio kwanza e de Benguela ao Humbe indo de carroça bóher, lá para as terras do fim do mundo numa eternidade. Só havia transportes lá de longe-em-longe para entrega de produtos, os necessários ao comércio tais com como enxadas, picaretas e ferramentas forjadas em Luanda ou na Metrópole chamada de M´Puto.
Mas, havia aventureiros funantes que se arriscavam a montar um boteco lá no cú de judas, levando sementes para suas lojas originando lavras; introduziram o milho e, com sementes de mandioca levadas do brasil começaram a fazer farinha de funje; levaram laranjas do oriente, abacates da índia introduzindo assim disciplina no uso e amanho da terra. Foram surgindo núcleos de gentios que permutando coisas com os funantes fubeiros mestiços ou brancos melhoravam sua maneira de vida. Ambos prosperaram trocando cornos de elefantes e mel com cachaça ou vinho do M´puto, viveres novos como o arroz a massa e a batata trazida do Peru.
O negócio com o nativo era tão intenso que, essa rude gente rápidamente aprendia por necessidade seus dialectos. Mais tarde formaram Postos Administrativos, e com seus cipaios coordenavam as várias actividades; iniciou-se a cobrança de impostos de cubata e. outros que foram surgindo com o lento progresso. As administrações sem sobrecarregar a autoridade do reino do M´Puto geriam os lugares, os kimbos, as insipientes infraestruturas das povoações. Abriram Delegacias de saúde, centros de sanidade animal e novas linhas férreas.
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas; maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola; banguista - vaidoso, com estilo; camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas – expressão de admiração; flor-de-congo – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba – amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; cazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); T’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; Porrada – pancada;
O Soba T´Chingange
CASSOALÁLA - ANGOLA. Outros tempos
Crónica 3437 – 16.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA*
- Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
Por T´Chingange – Otchingandji … Em Arazede do M´Puto
Eu só abanava a cabeça sem entrar no demasiado do desconhecido novo camarada e edecéteras complicativos; já tudo passou mesmo, disse eu, querendo dar solução ao meu conflito. Aquela noite comemos funje com peixe do rio, frito, bebemos umas cucas e um amigo do meu kamba, gentilizou-me um pouco de marufo ainda doce, que me satisfez do coração aos calcanhares.
Rejuvenesci! Amanhã, disse Zacarias meu kamba perna de pau, vais com o kota Alcides até Luanda, ele te desenrasca, te leva na Maianga e te deixa lá mesmo na Samba do rio Seco junto daquela cacimba do rei – tranquilo mano, muxoxei um sim! Os sonhos, naquela noite, foram por demais turbulentos no recordar dos últimos dias e, assim balouçados numa rede feita de mateba entrelaçada num desenrasca de guerrilheiro e, presa a duas árvores bem farfalhudas de verde, goteando cacimbo em cima de mim, todo o tempo – a humidade colava-se ao corpo pegajoso…
Os guerrilheiros de tuji, pseudo soldados do emepelá a fingir de governamentais, com camuflados oferecidos pelos Tugas, (meus patrícios), mais G3, granadas defensivas de estourar ouvidos e outras ofensivas de matar mesmo, lança roquetes de destroçar valentias, interditaram a passagem entre Zenza do Itombe e Malange, ninguém podia passar sem uma revista bem revirada, pisoteada de quebraduras; gente do sul fugia para norte e vice-versa…
Alguns morriam no vice, outros na versa, outros nem sabiam se iam, se vinham e dispersavam defuntados num espaço de céu louco num inferno de ódios fabricados a álcool barato e cigarros mata-ratos que, por vezes salvavam. Por vezes um cigarro valia uma vida com desaforo muxoxado – safaste-te meu! … Parece mentira mas, é a pura verdade.
Muitos como eu, fugiram para a mata sem vice nem versa, só confusão mesmo, maka à toa, muito tiro e barulho de afugentar. O senhor Alcides foi-me dando indicações muito negras da situação em Luanda, dizia-se que havia cinturas de protecção à Luua e que as pessoas levavam o tempo todo em filas para arranjar o que comer; o melhor para o meu caso era bazar para o M´Puto e esperar que tudo voltasse na normalidade! A normalidade nunca veio, quersedizer, nunca chegou – fugiu também, só pode…
Era mesmo melhor nem pensar muito profundamente! A minha vida estava em risco, meu pai já tinha sido recambiado para o M´Puto por ordem do doutor Boavida, do tiro que tinha levado na perna, os cubanos do hospital Maria Pia desconseguiram livrar-se da bala junto à rótula do joelho e, corria o risco de gangrenar. A mãe Arminda lá na Maianga era uma barata tonta a tentar reunir coragem dos filhos.
Isto é mentira sonhada só num tempo que ainda não o era, mas veio a ser verdade sim senhor! Veio a acontecer de verdade mesmo, no 27 de Maio do 77 com a mãe Arminda já no M´puto! - Pronto, vou-me embora, acabou-se! África é dos Van Dunem, Mingas ou Punas e da puta que os pariu – Não dava para aguentar, mesmo! Com negócios candongados da Luua, desaconteceu, que fiquem assim mesmo na abundância de muitas asneiras para refrescar a raiva enraivecida de guerra, desabafei; pronto, já está, que pariu sem mãe nem nada.
- A Luua anda, dos deslocados, mendigos com chagas e meninos brincando entre jipes de jantes desmanteladas e bielas, empinados no lixo do quintal; lixo que abunda entre destroços, nos musseques. Água escura e malcheirosa que corre e escorre e a velha mamã Josefa, vendendo do outo lado mesmomesmo encostada no tapume de ripado a chapas de lata de leite Nido e azeite galo mais aduelas de barril de vinho Camilo Alves do M´Puto, a tapar buracos de escapamento de galináceos…. Por hoje chega, estou furibundo…
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas; *Dipanda: acontecimentos após o onze de Nov.1975, sociais, políticos, das makas e posterior guerra; Maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola MPLA; Banguista - vaidoso, com estilo; Camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas: – expressão de admiração; flor-de-congo: – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba: amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); t’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; porrada – pancada; esquindivar: fugir com astucia; mateba: da matebeira que tem casca fibrosa, com que se fazem cordas: Muxoxo: trejeito de linguajar com estalido de palato, por recriminação ou aprovação; tuji: merda, desdém; Bazar: ir embora, ecapar-se; Luua: diminutivo de Luanda.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
Metido em apertos, transpirando desaforos, entalado em imbambas, apanhei boleia numa GMC até Cassoalála. Uns pseudo militares do MPLA encostaram-nos à parede de uma casa em ruínas algures num lugar do Zenza do Itombe – nunca mais o esquecerei! Enquanto revistavam a camioneta, partiam tudo sem mais nem menos, nem porquê e, por querer. Senti ali a minha vida a correr para trás na própria marcha-à-ré; teria de me raspar na primeira distracção dos barulhentos guerrilheiros que fumavam Caricocos e AC de uma forma tensa, no intervalo ou por falta da liamba, maconha.
Eu até que já tinha ouvido um zunzum mas, admirei-me de este Senhor Camionista saber destes detalhes ainda tão insipidamente conhecidos e nunca falados na rádio Oficial e Rádios Clubes espalhados por Angola. Entretanto nesse mesmo Janeiro, o MPLA, a UNITA e a FNLA assinavam o acordo de Alvor em Portugal.
Menos mal que apareceu em um jeep um mulato fintador, muito cheio de banga, com divisas de tenente, penteado de balas em diagonal que, de tão herói, destabilizou a guarda em curiosidade – tudo parecia um filme a preto e branco retirado do cinema, guerra do Vietname aonde ninguém parecia ter lido o texto a cena…. Estou lixado!
Glossário
UM ANTIGO DESERTO
FÁBRICA DE LETRAS DA KIZOMBA – Crónica 3434 – 13.07.2023
-“Divundo e Katima Mulilo - Secreta missão ” no Okavango River - relembrando o Mazambala Lodge da Namíbia
Por T´Chingange – no AlGharb do M´Puto
A Baía dos Tigres (livro) de Pedro Rosa Mendes, introduziu o jornalista aos relatos vivenciados na viagem feita entre Baia dos Tigres em Angola e Maputo de Moçambique, com passagens pelo Sul do Zaire, Zâmbia, Zimbabwe e Malawi. O nosso encontro foi no início da Faixa de Kaprivi, cruzamento de rotas com saída para Botswana e Zimbabwe. A novela, romance, resulta de um cruzar das realidades de então com a ficção, onde se misturam histórias inventadas, um tudo-nada tendenciosas assentes no subterfúgio da ficção.
"É o multiplicar a mentira a partir de coisas que realmente existiram", usando seu próprio linguajar. A viagem narrada nesta obra tenta retratar as angústias vividas por uma população anónima que quotidianamente contacta com uma realidade atroz, o poder entre dois partidos que querem o poder, UNITA e MPLA. Na visão de Rosa Mendes sobre um quotidiano diferente, constitui-se como um narrador subjectivo que observa e opina sobre situações que se lhe deparam, ausente dos meandros intestinos da guerra; omitindo o embrião dos factos.
A aventura deste trajecto descrita por um beirão do M´Puto sem conhecimento profundo das realidades angolanas de então, tem o mérito de relembrar 100 anos mais tarde, as explorações feitas por Capelo e Ivens. Num encontro fugidio, trocámos aleatórios pontos de vista sem preâmbulos encabulados. Ele e eu, escondíamo-nos do outro lado das margens duma guerra parva que nem o destino dava justificação. Ambos, seguimos rumos de interesses e curiosidades diferentes. Neste dia iria visitar as margens mansas do Okavango a convite da Ana Maria Miranda. Ver a natureza esplendorosa na companhia dos bois-cavalos dos rios chamados de hipopótamos.
Passamos por lá todo o dia, comemos debaixo dum d´jango podendo ver do outro lado o desmantelado quartel da UNITA quando ainda eram os Sul-africanos que ali mandavam. Os hipopótamos e nós expeditos comparsas do acaso naquele instante, nada queriam saber da guerra, era a natureza que nos empolgava, as águas barrentas conspurcadas de merda do boi-hipo de boca grande e a mata circundante cheirando a África. São momentos que marcam; irrepetíveis.
Depois de ter estado com San Nujoma (Presidente de então da Namíbia) na margem do rio Okavango, seguimos o caminho de Katima Mulilo cruzando todo o Kaprivi Game Reserve, uma faixa com 32 km de largura apresentando-se no mapa como um dedo indicador apontando o Zimbabwé. Com cerca de 180 Km de extensão com floresta de folha larga, ela foi desenhada pelos britânicos em Berlim para poderem ter acesso a todas as suas possessões.
Os ingleses, tinham o sonho de unir Cape Town ao Cairo. Estende-se pela fronteira do Sul de Angola até ao rio Cuando formando o Delta do Okavango do lado namibiano, com ilhas dispersas a partir daquele rio, tendo o Botswana a Sul. Os rios Zambeze e Chobe formam as fronteiras Nordeste e Sudeste. O nosso destino são as Cataratas de Vitória Falls no encontro da fronteira com o Zimbabwe bem próximo da cidade de Livingstone.
Já em Katima Mulilo resolvemos fazer compras no maior supermercado da região pertencente ao Sr. Coimbra, um refugiado Tuga vindo de Angola logo após o 25 de Abril; parece que este senhor tinha uma qualquer ligação com a PIDE e numa primeira etapa de sua fuga assentou em Windhoek e depois rumou a Norte. Tomamos contacto esporádico com a família que tomava conta do negócio e depois dirigimo-nos até às margens do Zambeze aonde assentamos arraiais no hotel Zambeze River Lodge de características africanas e com acomodações para visitantes de mochila, como nós.
Foi bom ficar ali sentado na margem daquele Zambeze ainda manso cruzando pensamentos das terras do Fim-do-Mundo que no correr dos tempos parecia ser só uma ilusão. Era assim, a bem dizer, um explorador moderno com todas as mordomias seguindo a peugada de Silva porto, Serpa Pinto e Capelo e Ivens. E, como foi bom pisar aquelas terras, ver manadas de elefantes raspando a terra impondo poder e abanando as grandes orelhas a meter medo. Ao cair da noite fizemos o nosso brai com aquela carne saborosa de caça que só existe por aquelas paragens. E, como eu gostaria de repetir esta volta mais uma terceira vez; E, aconteceu voltar por mais vezes à revelia de meu amigo José Pedro Cachiungo, um dirigente da UNITA que me aconselhou pela negativa acabando por me dar alvissaras.
Estas áreas remotas do globo são completamente diferentes de qualquer outra região; com muitas aves, plantas aquáticas, grande número de mamíferos e muitas espécies de vegetação de pequeno e grande porte como a Marula. No Mudumo National Park podemos apreciar búfalos, elefantes, leopardos, hipopótamos e muitos outros antílopes. Pelo menos uma vez na vida, o ser humano deveria ter a possibilidade de ali ir ver o verdadeiro paraíso da terra. Fui lá uma terceira e quarta vez para condizer com o ditado, não há três sem quatro, conciliar assim minha turbulência…
O Soba T´Chingange (em Mazambala Lodge)
O CHOQUE DO PRESENTE – No mundo imperfeito, também muito redondo dos silêncios, o melhor mesmo é assobiar…
Crónica 3433 de 11.07.2023 – Lagoa do M´Puto; Algarve - A VIDA NUM PISCAR DE OLHOS...
Cafufutila ou kifufutila – É deitar “gafanhotos” ou falrripos de farinha grossa pela boca quando se come kikwerra …
Por T´Chingange – Otchingandji
No calor do Sul do M´Puto, com sol queimoso de Julho, sabor salobre de ventos rodopiando nas horas que Deus ordena, marés longas de vontades, aqui estou numa espera em hora extra, tentando a custo interpretar o Islão. Esse tal com laivos de maldades e decapitações, que nem a esquerda comunista estalinista e maoista no seu lado mais negro, inchado de uma carga negativa do passado em países redondos, com perfeição nos silêncios.
Com fúteis caprichos de poder, esmiúço os tempos fantasmagoricos para saber a verdadeira razão dos paradoxos futuros. Sim! O futuro de um mundo surreal tentando compreender melhor a essência dos seus divinos. Agora, já kota mais-velho, conto o joguete das lutas de tantas portas ou portais desconhecidos com números aleatórios, algoritmos e inventações muito perfeitas da Inteligência Artificial revirando nossas narrativas botadas no lixo.
Sendo mazombo de Angola (filho do colonos) na criação e, vivendo entre astucias enganosas e superstições intestinas, falo e penso como se fosse um africano preto na cor, captando como um íman as feitiçarias das memórias feitas tradição. Aqui estou hoje, junto ao castelo de Ferro Agudo, olhando a outra margem do rio Arade com edifícios da cor da terra, torrões amarelecidos; afinando ou ajustando os binóculos tasco de marca, por forma a ver ao pormenor o tal Yate preto que agora me parece mais um veleiro.
E, lá está escrito “Neptuno I” no lugar mais central e cimeiro que penso ser a cabine do piloto, do dono ou patrão de costa ou talvez o chefe de um país muito cheio de gasosa para fazer banga na antiga metrópole do M´Puto – da Terra dos Mwangolés. No mundo imperfeito e como disse, também muito redondo nos silêncios, acho melhor referir o nome do patrão saltitando porque, até pode nem ser verdade, correndo o risco de, se teimar, ficar enfeitiçado de uma forma total.
Mudo aqui o discurso porque surgiu num jeito estranho entre mim branco e, a pequena calema um monangamba, preto que nem um tição, com trancinhas sebeirosas e brinquinho, óculos encaixados nos rebeldes cabelos, assim e gingão olhando-me de frente num olhar turvo perguntando-me aonde tinha apanhado os mexilhões. Acabava de chegar da bóia trazendo os bivalves numa bolsa estanque, musgosos de verde arrancado de seu casco também verde, meu viveiro secreto.
De antenas no ar, vislumbrei esta assombração de forma estranha e, como não tinha aspecto de fiscal marítimo, de repente, as feições mudaram-se-lhe, já tem o cabelo mais curto e, nem quero acreditar! Será possível? Era Nito Alves feito fantasma sem tirar nem colocar, apresentando-se muito prá-frente, como se fosse um surfista e não um fraccionista. Andou mais uns passos para o meu lado esquerdo e, na sombra do castelo retirou um papel duma pequena pasta retirando umas ervas dum pequeno baú, enrolou-as em seguida no dito papel levando-o à boca; foi uma cena em tudo parecida como um velho fumador de francês avulso. Disfarçadamente, fiz-me mosca, olhando de soslaio!
E, foi quando o cigarro feito desse antigo modo, levado à boca afogachou-se sem ser aceso, lançando fumaça às argolas – uma de cada cor tipo arco-íris. Aqui tem coisa! O cheiro da maconha tipo liamba às narinas; sem querer, olhei forçado o seu olhar e, era ele mesmo, Nito Alves, o mesmo do 27 negro de Maio angolano afirmando que aquele barco veleiro preto, era de João Lourenço o mwangolé presidente da bagunça feita país. De frente, aquele tipo piscou-me o olho esquerdo na forma de morse, três pontos, três traços, três pontos! Um morto a lançar-me um SOS.
Isto deu para ficar apreensivo sem definir se estava mesmo aflito ou se era uma mensagem para mim! E, nem via nada que justificasse um SOS em código de morse porque aparentemente estava direitinho da silva; todo inteiro e sem justificação do plausível. Seria isto um aviso de quê!? Pópilas! Eu, bem quero chegar aos trezentos anos tomando o chá de rooibos dos bosquímanos, com brututo, gengibre e ipê-roxo, mas seriamente, duvido poder chegar a um terço dessa fasquia. Acredito que queiram saber mais acerca do barco Yate ou veleiro pertença do senhor JL (João Lourenço) mas, as circunstâncias medrosas não permitem que abra uma nova frente de guerra sem haver razões independentistas. A vida é mesmomesmo uma farsa!
O Soba T´Chingange
TAMBULACONTA CABINDA
-La vitória és cierta! La lucha continua! Cumcamano, o Gurigula tinha sido um companheiro de Ché Guevara…
Crónica 3430 – 21.06.2023 -– “Maianga, é lugar de muitas e boas águas”
Por T´Chingange – Na Pajuçara
As revoluções acontecem em um qualquer intervalo de tempo ficando num foco, num documento, num pestanejar de olhos e, normalmente, de forma alheia aos nossos anseios, vontades ou mesmo pensamentos. Pode-se assim afirmar que nenhum terrorista nutre algum sentimento de dúvida acerca de sua nobreza nas convicções. Naquele exacto momento, ele, o terrorista, achava estar certo porque tinha um apego sentimental a uma crença, a uma causa.
Depois daquela experiência, assente em ideias mais engravidadas, poderia levantar dúvidas de se valeu a pena lutar, matar e actuar com risco de morte por aquela causa por via de ser esclarecido no tempo certo do amadurecimento. Na ilusão da mente, por sedução ou obrigação nossa vida trambolha-se, confunde-se ou procede confusamente perante a obrigação de lutar por algo. Andei quatro anos lutando por algo que afinal vim a saber que nem era a minha pátria, pensando sim, que o era! Um território que ainda continua lutando para se tornar independente porque o foi, uma anexação, fruto de um tratado que não o foi respeitado – Simulambuco de Cabinda.
Por motivo de força maior e a bem da nação, fui mobilizado por recrutamento a servir o exército regular dum território designado por Província Ultramarina de Angola. Politicamente estava em causa defender o território dito nacional e, prestadas as provas fiz a devida instrução passando de soldado a cabo miliciano e depois furriel. Já como furriel fui enviado para Cabinda para ser integrado numa Companhia de Infantaria do M´Puto (calhou ser a CC 1734 de Beja). A partir daqui, de vestimenta camuflada ou em zuarte amarelo, comecei a ter práticas terroristas. Armado e em fila de pirilau procurava outros terroristas para aniquilar ou aprisionar.
Da incorporação de Angola, fomos quatro furriéis; éramos dois brancos, um de Luanda (eu) e outro de Moçâmedes, um mestiço mais um negro, ambos de Luanda, e meus ex-colegas de estudo da EIL e Escola Comercial. Nosso destino foi a norte – Maiombe! Por ali andamos nas filas de pirilau com o soba Mateus à frente cortando o capim e naquela mata cerrada (a segunda do Mundo) aonde havia e ainda há gorilas. Para além de cuidar em me preservar isso da dignidade, do ideário, da ética eram edecéteras longínquos só ouvidos.
Um e mais outro dia de G3 às costas, umas quantas granadas ofensivas seguras á cintura junto com os cartuchos suplementares, fiscalizávamos soberania ao longo da fronteira com o Congo Braza e o Congo Zaire, em movimentos medrosos no meio de um mar de muitos verdes; no meio de órbitas cósmicas só desejávamos que uma qualquer mira de tiro certeiro não nos mandasse para outra Galáxia, Saturno ou Plutão.
Estas operações de jogar às sortes nosso destino, repetiam-se regularmente a nível de pelotão ou de companhia, com ou sem apoio de helicópteros… No fundo eu era sem dúvidas um terrorista buscando outro terrorista, gente buscando gente. Simplesmente ficou uma memória isenta em valor último, de uma dignidade em cada um de nós terroristas de lá, e terroristas de cá, sem definirmos as razões da mudança, do porquê porque já foi.
Mas, há um mas, fiz amizade com um gorila sim! Um gorila com quem até joguei cartas num lugar de Aníbal Afonso, uma antiga serração bem perto da fronteira com o Congo Braza. Uma amizade que depois de tanta afeição aconteceu um inesperado. Ele e eu guinchávamos amizade e por este acontecido dei ao Felizmino o sobrenome de Gurigula. Fora de portas d´armas e arame farpado eu e Gurigula fomo-nos isentando de medos, conservando gestos subservientes de baixar a cabeça procurando um afago de catar amizade.
Um dia apareci com um baralho de cartas e, na mesa improvisada espalhei os paus, as copas, os ouros e catanas e, num repente surpreendemo-nos a jogar sem regras; entre paus cambalhotava-se como um doidão e, eu gesticulando graças sem coreografia como só mesmo para espantar suprimentos da fala. Algures no Buco-Zau nas Bitinas da Serração do Aníbal Afonso. O gajo, de uma das mãos lançou um ás de copas que baloiçou até meus pés e ouvi mesmo: La vitória és cierta! La lucha continua! Cumcamano, o Gurigula tinha sido um companheiro de Ché Guevara…
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL
– QUILOMBOS
2ª Parte - Crónica 3418 – 09.06.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por lT´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Antes de me alargar sobre os Quilombos no Brasil, convém saber que a palavra "Quilombo" tem origem nos termos "kilombo" do Quimbundo ou "ochilombo" do Umbundo de Angola, presente também em outras línguas faladas ainda hoje por diversos povos Bantus que habitam a região da Guiné, Congo, Zaire, Angola e quase toda a África Austral. Eram conjuntos de libatas, cubatas ou embalas - lugar aonde os funantes (exploradores), descansavam após andarem dias pelo mato recolhendo mel, cera, marfim e outros produtos adquiridos no interior de África.
Os funantes, negociantes portugueses que, abandonando a costa marítima de Angola, iam comercializar mato afora, ajudados por seus auxiliares pombeiros ou moçambazes que falavam a língua dos indígenas, utilizavam os kilombos para descansarem. No Brasil, foi em Alagoas na Serra da Barriga que se congregaram em sociedade e governo (à revelia) que de certo modo, guardavam os antigos sistemas organizativos africanos que foi o já falado Quilombo dos Palmares.
Nos Quilombos, a vivência, seja em Angola ou Brasil não difere muito daquilo que hoje se chama de sanzala ou kimbo que, quando situadas na periferia de uma cidade tomam o nome de musseque (Angola) ou favela (Brasil). Em verdade, são efectivamente os “escravos modernos”, fornecendo mão-de-obra barata aos senhores da selva de cimento; é tão-somente uma outra forma de escravatura, mais livre, mas sendo os verdadeiros serviçais ou a “arraia-miúda” da urbe que reaproveitando desperdício dos ricos constroem seus bairros de lata, cartão e variados desperdícios de obras.
Embora a escravidão no Brasil tenha sido oficialmente abolida a 13 de maio de 1888, alguns desses agrupamentos chegaram aos nossos dias, por via do seu isolamento. Outros transformaram-se em localidades, como por exemplo Ivaporunduva, próximo ao rio Ribeira de Iguape, no estado de São Paulo. No Brasil, mais propriamente no estado nordestino de Alagoas, no correr do tempo, qualquer representação teatral de índole popular entre afro descendentes, maioritariamente negros, suas danças dramáticas, arraiais ou folguedos com autos de representação carnavalesca, chaganças, reisadas ou umbigadas, em tempos de festas, período dos Santos Populares (festas juninas) ou natal, atribuíram o nome de dança dos quilombos.
Na realidade actual, um Quilombo do interior brasileiro, é um conjunto de casas dispersas aleatoriamente, em um aglomerado próximo de casas feitas em taipa e cobertas a capim rodeadas de currais e galinheiros ou mesmo paliça para rebanhos de ovelhas, porcos ou cabras e também currais para alojar muares ou outro gado; animais que dão o sustento a cada casa, a conjugar com os produtos da lavra ou n´haka (termo angolano) em terras mais húmidas junto a alguma nascente ou borda de rio e também na azáfama de garimpo na busca de ouro (Poconé no Pantanal ou Amazonas). Curiosamente há entre estes, alguns grupos, gente cigana com as características da antiga Hungria ou Croácia e, outros estados europeus de onde emigraram; nota-se na forma de vestir, na consanguinidade fechada entre eles e na forma de comercializarem seus pecúlios...
No Brasil, os quilombos oitocentistas diferenciavam-se pelo tamanho e pelo tipo de relação que mantinham com a sociedade esclavagista. Um pouco por toda a parte, havia os pequenos quilombos próximos a fazendas e, de pequenas cidades; seus membros formavam grupos que viviam do saque de áreas vizinhas. Neste contexto, ainda hoje podemos verificar procedimentos análogos tanto nos meios rústicos, campos do interior, como urbanos, executados por gente das favelas ou cortiços dos arrabaldes.
Lugar aonde se acoitam gangues de meliantes bem organizados e armados, por vezes com potencial de fogo superior às polícias intervenientes. Surgem amiudadamente helicópteros e policiais actuando nesses sítios indicados que por norma ficam em encostas de morros, no leito de antigos riachos, terenos de má condição para se fazerem obras de boa execução segundo normas de segurança e, aonde tudo parece estar na ilegalidade; há gatos (geringonças) de ligações eléctricas fora do controlo, há tubos de água a abastecer grupos sociais sem contador e tubos de esgoto mal dimensionados, conduzidos para sargetas ou águas pluviais pertencentes à rede municipal. Na maior parte dos casos nem pagam IPTU (IMI) – imposto sobre imóveis…
O aqui descrito também se verifica no novo país de Angola, aonde prevalece o desenrasca com garranchos nas linhas eléctricas e gatos com gatinhos que por vezes produzem catástrofes derivados de curtos circuitos ou enchentes em tempos de chuvas intensas. Um deus dará, dirão mas, assim o é! E, surgem acampamentos de sem-terra, dos sem-tudo por lados que parecem pertencer à dita União, ou seja do Estado Federativo do Brasil, nas margens de rios ou de estradas nacionais; Quase em todos os casos, estes ajuntamentos estão refecidos com bandeiras vermelhas ou brancas e, parece que quase sempre há gente de colarinho branco a servir de tutores e, que por norma os usam como diversão política, tomando terras supostamente sem aproveitamento. Os órgãos de informação tratam este assunto com pinças delicadíssimas por via de poderem entrar num foro de cariz ideológico governamental e, colidindo com interesses mal assimilados pela grande maioria d moradores – jogos políticos…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
A NUDEZ DA VIDA – COISA APÓCRIFAS E PEIAS DE SISAL
“Somos uma sopa nutritiva…”
Crónica 3415 – 06.06.2023 na Pajuçara de Maceió - Brasil
Por:T'Chingange – (Otchingandji)
Na era tecnocientífica dos nómadas digitais e inteligência artificial, com a robótica e o tal de 5G, a liberdade adquiriu um novo sentido à semelhança de um adulto emergindo da infância fumada com papel de celofane, embrulhando barbas de milho de fingir cigarros fumados por adultos; agora há sim uma gama de escolha muito mais ampla de todos os produtos imaginados, assim o seja esses tais de cigarros electrónicos que devem matar mais que os normais. Sendo assim, temos um número maior de utentes e intervenientes, seja na admiração, seja no compartilhamento de risos e responsabilidades.
Nada demonstra que nos tenha sido atribuído um destino ou um propósito especial, ou que nos tenha sido outorgado uma segunda vida depois de terminada a que presentemente, cada qual, vive. Por uma qualquer razão, uns cientistas dizem que fomos criados não por uma inteligência sobrenatural mas, pelo acaso e pela necessidade, numa espécie de entre milhões de outros existentes na biosfera da terra. Bem! Eu, não considero plausível esta tão simplória forma de singularidade.
Outros, dizem que fomos criados por extra terrestes que nos harmonizaram tal como somos e, num ciclo de tempo que já o foi mais avançado do que hoje na tecnicidade Ipso facto, uma expressão latina que significa “pelo próprio facto” ou seja, que um certo efeito é uma consequência directa da acção em causa, um blàblàblá, filosófico na arte de engavelar ciências.do facto. Se lermos Gênesis 2,7 o texto diz: Então Iahweh, Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente. Foi Jahvista que modelou esta história no segundo capítulo da Bíblia.
Por isso, antes que a terra me coma, eu como a terra em comprimidos de argila, posso explicar: A frase hebraica que a Bíblia traduz como “argila do solo” é “apar min-hadamah” - apar pode ser traduzido como “poeira” e min-hadamah como “do solo”. APAR é o mesmo vocábulo usado para a frase muito conhecida por nós, presente em Génesis 3,19: pois tu és pó e em pó te tornarás. Numa época muito passada e, de muita tecnicidade em conhecimentos nucleares, isso da fricção de iões e catiões e edecéteras que nem convém escalpelizar, bem que podemos tagarelar que nossa destruição, um destes dias acontece, talqualmente como aquela grande explosão fez da mulher de Ló uma estatua de sal (ou pó).
Pópilas! Se aquela atomicidade de então já fala isso, comparando a nuclearidade de hoje que é exponencialmente mais elevada, estamos mesmo muito lixados, quilhados, tramados mesmo! Feito ao bife. Prefiro acreditar no Deus omnipresente e omnisciente e seu filho Jesus, que há dois mil e vinte e três anos, os homens chicotearam como se o fora um animal e, que pregaram numa cruz de madeira de oliveira, pregos artesanais batidos na forja com aquela maldade de raiva torcida em cordas de folhas de cacto, do mesmo sisal com que hoje se fazem as nossas peias - Baraço, correia com que se prendem os pés dos animais de carga.
Ainda há outros científicos que afirmam que nossa origem vem duma alga. Afinal, temos mais facilidade para aceitar a ideia de que os seres vivos se originaram e evoluíram a partir de outros seres vivos. Essa visão fundamenta a teoria da biogénese. As moléculas orgânicas dos seres vivos teriam evoluído a partir de organizações moleculares acreditando-se na hipótese da evolução gradual dos sistemas químicos (também conhecida como Teoria heterotrófica).
As narrativas da ciência são tão variadas que há um sem número de versões arcaicas impregnadas de religiosidade que confundem as ideologias com cientificidade. Digam o que disserem, eu sempre irei dizer que a Natureza e Deus são um só mistério que nós humanos nunca nos iremos definir por completo. Nada indica que Eva e Adão fossem símios; eram alvos e sem pelos como os nossos primos peludos chamados de chimpanzés e orangotangos. As muitas versões irão continuar apócrifas no meu raso entendimento. Creio que só o somos enquanto somos depois, viramos nada. Somos sim o final de muitas curvas e contracurvas derivados desses tais de australopitecos com um cérebro que evoluiu até se criar a presente civilização.
É que na atmosfera da Terra Primitiva não havia oxigénio (O2) nem n nitrogénio (N2), sendo o ar composto de gases como metano (CH4), amónia (NH3), hidrogénio (H2) e vapores de água (H2O). Ora não havendo oxigénio, não havia uma camada protectora de ozónio (O3) e, isso significava que além da luz visível, a superfície do Planeta era bombardeada por raios ultravioletas com a temperatura, bastante elevada. Sob o efeito adicional de tempestades eléctricas constantes, as moléculas mais simples teriam sofrido reacções químicas e alcançado níveis de organização mais complexas produzindo uma "sopa nutritiva" repleta de açúcares simples, aminoácidos, ácidos e nucleosídeos. Agora para confundir ainda mais, diz-se que o mundo não tem bordos, não tem fim e, há até um buraco negro que anda a chupar energias. Isto complicou…
Fui!
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL
– CANDOMBLÉ DO BRASIL e TOCOISMO DE ANGOLA
3ª Parte - Crónica 3412 – 03.06.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Outra base institucional para a censura aos candomblés apoiava-se num artigo da Constituição (nº 179º), o qual se garantia a “todos” a liberdade religiosa, fixando a condição para o exercício desse direito, ou seja, o respeito à religião do Estado Brasileiro e, à “moral pública”. No entanto, no dia-a-dia repressivo, foram os códigos das posturas municipais, os mais accionados.
A partir de 1830, legislaram sobre a proibição ou cancelamento dos candomblés, batuques, zungus, maracatus “danças de pretos” e “casas de dar fortuna”. As penas envolviam multas, um certo tempo no chilindró e por vezes açoites se, o infractor fosse escravo. As opiniões e acções sobre os candomblés, assim como os batuques negros, nunca conseguiram unanimidade, servindo até de pressão a jogos de interesses não declarados com incidência nos libertos.
No seio de algumas das autoridades não suportavam as livres apropriações negras dos santos católicos, usando musicas e danças como supersticiosas e ofensivas à “moral pública”, à ordem e às leis, havendo algumas tolerâncias segundo a tradição colonial, evitando assim males maiores tais como revoltas. Essa tolerância, proporcionou o arrastar dos costumes proporcionando os canais de suas afirmações ao longo do século XIX.
Entretanto e fazendo um salto ao outro lado do Atlântico encontramos no início do século XX, um dos maiores movimentos cristãos em Angola chamado de “Tocoismo” pelo que, segundo mussendos de Mais Velhos, se faz alguma luz sobre o patrono desta corrente, Simão Gonçalves Toco nascido em 1918 na localidade de Sadi-Zulumongo (N´Taia, Maquela do Zombo, província do Uíge, Angola), tendo recebido o nome kikongo de Mayamona. Após frequentar o ensino primário na missão baptista de Kibokolo, concluiu os estudos liceais no Liceu Salvador Correia em Luanda.
Terá acontecido um acto milagroso que o despoletou à sua missão religiosa: foi o encontro com Deus em Catete a 17 de Abril de 1935. Em 1942, decide partir para Leopoldville (Congo Belga) para colaborar com a missão local e dirigir um coro musical já aqui descrito. Graças ao trabalho que lhe fora reconhecido no âmbito da missão baptista e do coro, no ano de 1946, é convidado, junto com outros dois “indígenas” - Gaspar de Almeida e Jessé Chipenda Chiúla, para intervir nos trabalhos da Conferência Missionária Internacional Protestante, realizada de 15 a 21 de Julho desse ano, na localidade de Kaliná em Leopoldville, Congo Belga.
Simão Gonçalves Toco e muitos dos seus seguidores foram presos pelas autoridades belgas, sob a acusação de alterar a ordem pública. Em Janeiro de 1950, são deportados do Congo Belga e entregues, no posto fronteiriço de Nóqui (província do Zaire), às autoridades portuguesas. Procuram dar por terminado o movimento daquilo que consideravam ser uma "seita perigosa", dividindo o grupo em grupos menores que serão dispersos, no âmbito da política de povoamento colonial vigente à época, em distintos colonatos e campos de trabalhos forçados por toda a colónia.
O líder Toco, é enviado numa primeira instância pelo Vale do Loge e, após passagens por Luanda, Caconda e Jáu, é enviado para a São Martinho dos Tigres, na província de Namibe - Moçâmedes. Pouco tempo depois, é enviado para trabalhar como assistente num farol em Ponta Albina, na mesma região. Em 1961, quando tem início as campanhas de libertação de Angola no norte do país, as autoridades portuguesas, conhecedoras da capacidade de mobilização do profeta, ordenam a sua ida para o Uíge, uma região fronteiriça com o Congo. Por meio dele, pretendeu-se chamar a população que tinham fugido para as matas na sequência de acções militares.
Simão Toco consegue mobilizar milhares de conterrâneos, mas a desconfiança das autoridades portuguesas relativamente às suas intenções faz com que se decidam por enviá-lo para um segundo período de exílio. Desta feita, é enviado para a ilha portuguesa de São Miguel, nos Açores, onde trabalhará como assistente de faroleiro na localidade de Ginetes. A sua permanência nesta ilha portuguesa demorará 11 anos mas no entanto, não esmorecerá no seguimento de sua missão. Ao longo deste período, Simão Toco intercambiará milhares de cartas com os seus seguidores em Angola, com quem construirá um movimento de carácter nacionalista.
Simão Toco é finalmente autorizado a regressar ao seu país ainda colónia, o que acontece a 31 de Agosto de 1974, quatro meses depois do 25 de Abril da tal revolução dos cravos. Recebido pelo então governador em transição, o Almirante Rosa Coutinho, Simão Gonçalves Toco vê finalmente reconhecida a liberdade de expressão e de culto do seu movimento…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – CANDOMBLÉ
2ª Parte - Crónica 3409 – 31.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
AR - As diferentes identificações dos candomblés entretanto, não impediram que solidariedades mais amplas fo- - ssem ali tecidas, entre africanos e crioulos, entre escravos e homens livres e entre negros e homens brancos de posses, incluindo autoridades - algo difícil de ocorrer em outros espaços sociais. Tal solidariedade também se expressou em termos religiosos pois as divindades de origem africana e os santos católicos eram reunidos no mesmo espaço de culto.
Para lutarem contra a opressão e discriminação, os afro-brasileiros criaram uma das religiões mais tolerantes e flexíveis diversificando matrizes cuja raiz ainda existe em Angola e, sendo praticada nos dias de hoje com o nome de Tocoismo. Interessa por gora, dar um resumo desta prática que foi motivo de perseguição pelas autoridades coloniais portuguesas, antes da independência a 11 de Novembro do ano de 1975.
Tocoismo é um movimento formado por seguidores do “profeta angolano” Simão Gonçalves Toco (1918-1984). Igreja constituída administrativa-mente de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo. Trata-se de um dos maiores movimentos cristãos em Angola, contando igualmente com sucursais em vários outros países. Simão Toco, concluiu os estudos liceais no Liceu Salvador Correia em Luanda. Terá conhecido um acontecimento milagroso que lhe despoletou a missão religiosa: o encontro com Deus em Catete em 17 de Abril de 1935.
Tendo ido para Leopoldville (Congo Belga) para colaborar com uma missão local, dirigiu um coro musical com cantores zombos, oriundos da mesma região dele - Maquela do Zombo. A este coro dará o título de Coro de Kibokolo. Em um momento de “vento tremido” em que o Espírito Santo desceu em África, por sua invocação, a igreja cristã foi “relembrada”, de forma a retomar o caminho da igreja original do tempo dos Apóstolos.
ar - Expandindo sua actuação, por esta altura, ano de 1990, é inaugurada a primeira Igreja Tocoísta em Lisboa, pouco tempo depois, seguir-lhe-iam núcleos em Madrid, Paris, Londres e Roterdão…O Tocoismo sendo um tema de religiosidade a descrever lá mais à frente, daremos um salto para dar continuidade do tal de Candomblé no Brasil.
Assim, apesar de toda a tradição que pretendem ostentar e manter vivas, sendo considerados como uma constituição central de representação politica, reinvenção cultural e negociação dos negros na Baia oitocentista. Os candomblés foram quase sempre vistos pelas autoridades da época um bárbaro costume religioso de africanos, preponderantes entre os escravos da Bahia na primeira metade do século XIX.
Se no período colonial os motivos para a condenação dos encontros religiosos negros conhecido como calundus, baseavam-se na suspeição de que neles, havia feitiçaria. Quanto a esta insinuação de feitiçaria com prática de seita, também Simon Toco teve problemas com as autoridades administrativas lá em Angola, pois que num dado dia e em um momento, sentiram um vento diferente começando a tremer.
Assim, realizando supostos milagres invocando algumas passagens bíblicas tal como se podem observar nos dias de hoje em muitas igrejas; igrejas que curam com cuspo no rosto e coisas bem difíceis de o serem credíveis pela lógica que os olhos observam e que os ouvidos escutam. No Brasil em uma carta oficial, no ano de 1824, apesar de se estabelecer a tolerância para as religiões não católicas, desde que os cultos fossem domésticos, esteve longe de garantir a liberdade religiosa para os escravos e libertos, pois a concessão estava obviamente voltada, para outras religiões importadas de nações europeias.
(Continua)
O Soba T´Chingange
A NUDEZ DA VIDA – O MPLA DA LUUA inventava a maka!
Crónica 3406 – 28.05.2023 na Pajuçara de Maceió - Brasil
Por T'Chingange – (Otchingandji)
A história é fundamental para a compreensão de nós mesmos enquanto imaginamos constantemente como tudo poderia ser diferente, melhor no futuro. Tem a função de nos fazer lembrar o tempo todo do que fomos e somos capazes; do que aconteceu de uma certa forma e que nunca deveria ter acontecido daquele modo. Compreender a história requer o minucioso trabalho de reconstrução dos factos e, escalpelizar por meio de estudos de documentos, tratados, acordos, actas, crónicas, decretos de lei, e posturas, para daí não se enveredar pelo pendor especulativo ou inventivo para outras periclitãncias.
Quantos e quantos tratados ou acordos assinados pelas partes não foram depositados logo no dia seguinte no caixote do lixo – e, tudo feito por gente dita responsável. Militares de alta patente que garantiram quase com juras, que tudo; tudo seria feito em conformidade. Estou a lembrar-me do Acordo de Alvor assinado pelos intervenientes da descolonização na Penina (MFA,MPLA, UNITA e FNLA) obedecendo às cláusulas desse tal de MFA – Movimento das Forças Armadas do M´Puto. Nada foi cumprido como estava formatado na Angola de há 49 anos atrás…
As feras foram largadas das jaulas com a lei 7 barra 74 do MFA. E, agora vamos fazer o quê para o M´Puto!? As NT - Nossas Tropas já não eram nossas. Davam cunhetes, canhões e até carros de combate numa perfeita cooperação de entreajuda FAP- FAPLA mandando prólixo os acordos de Alvor, assinados na Penina. O MPLA da Luua inventava a maka! Inventava os pioneiros! Depois o Poder Popular! E surgiu o Kaporroto, o kuduro e a victória é certa. Eles já tinham inventado o monstro Imortal, o Valodia e o Monacaxito. Por fim o MPLA ficou com o poder e a guerra sangrenta, de onde eu e minha família saímos.
Tudo foi largado ao desbarato destruindo a vida a mais de um milhar de cidadãos, juntando nesta desventura a Província Ultramarina de Angola do mar Atlântico e a de Moçambique no Oceâneo Indico. O tempo passou, aparentemente curou feridas, muitos morreram com esse desgosto a fazer de câncer, sem o ser. Os perseverantes trilharam caminhos na terra matriz ou na diáspora; um pouco por todo o mundo. Eu, por exemplo, acabei por ir para a Venezuela na alçada do CIME – Comité Internacional de Migrações Europeias. Felizmente, dei-me bem naquele então em que governava o país Carlos Andrés Peres.
Foi um momento alto da minha carreira! Foi ali que realizei o meu pé-de-meia e que originou meu trilho de vida digna. Não obstante sempre mantive o sonho de voltar a Angola mas, a guerra civil que durou mais de trinta anos não o permitiria. E, o resumo é este: eu, saí de África, mas África não saiu de mim! Estando em Venezuela de Andrés Peres, entretanto no M´Puto o lema era "a terra a quem a trabalha". Na Rádio Renascença os trabalhadores avançam para a greve. O Conselho de Estado fazia reuniões atrás de reuniões.
A bem do povo e em nome da Junta de Salvação Nacional e do MFA, o almirante Rosa Coutinho, ligado ao PCP, aparece aos conselheiros de Estado, civis e militares, a sugerir legislação revolucionária. Qual? "Que o MFA não seja a expressão de um simples levantamento militar". De igual modo, o almirante Pinheiro de Azevedo que não lidava bem com aquela revolução, em tom jocoso levanta-se, esbraceja. "Os Srs. conselheiros civis assinaram a sua sentença de morte! Puseram em causa a Revolução!"
Na imprensa, na televisão e na rádio destacam-se notícias denunciando a sabotagem económica, a fuga de capitais para o estrangeiro. Esta breve estória da história deve funcionar como uma âncora mas, neste meu caso tive a sorte de seguir os atalhos certos na hora que o tinha de ser. Esta âncora não me deixou naufragar sob a ilusória segurança de pretensões e crenças, lamentando todo o mal.
Recorrendo agora à história sem a pretensão de esmiuçar casos mais específicos de regimes, governos que adulteraram regras na ideal linha civilizadora, num mundo em que me considero “Cidadão do Mundo” antes de tudo. E, sempre, sempre submetido de esperança de um mundo mais livre e justo. Sim! Porque a memória consiste na capacidade em trazer de volta ao presente as representações construídas no passado. A ilusão permanece mas, meu sonho esvai-se…
O Soba T´Chingange
TEMPO COM CINSAS – Aquela coceira no dedão, será mesmo uma bitacaia?
Crónica 3404 – 26.05.2023
Por T´Chingange (Otchingandji…) Na Pajuçara de Maceió - Brasil
Nesta vida, o que tiver que acontecer, acontece! E, ninguém está a salvo de ser o carrasco de si mesmo sem falar dos outros. Independentemente da ideologia que se defende, seja de esquerda, de direita ou do centro, sempre criaremos voluntariamente, jaulas; amaremos e, até por vezes idolatramos. Sim! Idolatramos até que nos devore.
Engana-se quem pensa que já sabe tudo; o risco será permanente se a mente não for fortalecida com o bastante raciocínio, numa busca de sabedoria a que podemos chama de “filosofia”. A radicalidade de se pensar estar certo a partir de crenças constituirá a chave de compreensão de sangrentas catástrofes políticas. Antes de se ser uma vontade, antes de se ser um movimento, antes de se ser um partido, antes de se ser poder, a mente alimenta o desejo.
Com o desejo reduz o corpo e o templo (cabeça) prosseguindo essa ideia tentadora até verificar que essa verdade, é totalitária. A nossa verdade pode assim morrer de desilusão segundo uma qualquer crença, ter um epílogo de morte daquela que era a grande verdade. E, como num livro escrevinhado por nós, em que se deu tudo por tudo, após um vistoso prólogo dando voto, dando veto e, definhando-se se defuntou só e, assim mesmo sem mais nem porquê.
Durante a escritura do seu texto de vida fez correr um boligrafo por um tal de trajecto dizendo de si para si que assumir que a política, bem pode ser compreendida de muitas maneiras; que não implicará aceitar todas as suas formas. Não pode o meu boligrafo negligenciar suas, minhas convicções em nome de um suporte de almejada imparcialidade.
Os chavões estão aí para serem alardeados ou pisoteados por gente que pensa que tudo sabe tal como: stalinismo, maoismo, fascismo, salazarismo, socratismo, selfismo, costismo, cavaquismo ou sampaísmo entre muitos outros edecéteras. São fenómenos políticos que sempre o serão a dado momento, conhecidos como totalitarismo (imposição de alguém).
Num cala-te a boca, acabei de emudecer o que em mim já estava arrependido. Estando eu na varanda do Conde do Grafanil vendo a praia da Pajuçara de Maceió, boligrafei isto com tal força de afeição que até as nuvens escureceram o céu. Depois de ligar a TV na Globo, tomei uns goles de pensamento passando as mãos ao de leve pelo templo e, assim embuído, cocei o aviso em minhas fontes dizendo cá para mim: Esta vida está muito cheia de ocultos mistérios.
Peguei no livro “O Princípio de Peter”, ou o “princípio da incompetência” e pude ler: Num sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência. Aí pude dar-me por satisfeito - de entre os exemplos indicados pude inserir os personagens reais conhecidos do M´puto relacionando-as com outras fictícias: - Macbeth foi um eficaz chefe militar, mas um rei incompetente; Adolf Hitler por sua vez foi um competente político, mas encontrou seu nível de incompetência como general; O Sócrates grego foi excepcional filósofo, mas péssimo advogado de defesa, O Sócrates Tuga, foi simplesmente um fracasso; O Marcelo actual foi um bom comentador mas revela-se um mau presidente pois actua como uma rolha a boiar ao sabor dos ventos.
Claro que não vou detalhar os níveis de incompetência dos governantes supra mencionados; considerando este Laurence Johnston Peter, o "pai da administração moderna", desde os tempos de Júlio César que vinga a máxima: "o soldado tem direito a um comando competente". O cidadão também noé!? As pessoas são promovidas até ao ponto no qual se tornam realmente incompetentes para a função; está explicado o busílis que vivenciamos no nosso mundo. Como vêem estou no desamparo de minha vergonha e, de novo irei mostrar meu dedão do pé ao doutor do SNS para ver se aquilo que me dá coceira no pé é uma bitacaia, na firme convicção de que para se morrer basta estar vivo. Juro! Fui…
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – BATUQUES
3ª Parte - Crónica 3401 – 23.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Nestes encontros, celebravam identidades étnicas e até mesmo ensaios de levantes (revoltas). Algumas revoltas aconteceram ou foram planeadas para os dias de festa, como o grande levante dos Malês da Bahia no ano de 1835; esta aconteceu com o ciclo das festas de Nossa Senhora do Bonfim e com a celebração muçulmana do ramadão. A disposição que os escravos apresentavam para realizar os batuques, dificultavam as autoridades pelo efeito de dissimulação, bem à madeira moderna da política chinesa...
Isto indica que em volta da subordinação e resistência havia sempre reticências pela forma ordeira com que tudo faziam por sequência da disciplina laboral, uma forma de treino permanente que dava motivos de preocupação nas alturas dos batuques: dali poderia advir sempre algo de surpresa ou espanto. Nos municípios do Império sempre procuravam estar estabelecidos com preocupação mas nem sempre havia anuência ou unanimidade entre os detentores do mando.
O controlo sobre a festa negra, sempre requeria cuidados reforçados. No Rio de Janeiro, capital do Império eram proibidos os ajuntamentos de pessoas, mais propriamente de escravos; com “tocatas, danças e vozerias” facilitavam-se os “batuques, cantorias e dança de pretos dentro das casas e xácaras”, desde que não perturbassem os vizinhos.
Em uma das principais áreas da cafeicultura chamada de Vassouras, no século XIX, as posturas permitiam “ danças e candomblés” apenas para escravos de uma só fazenda; sobre o caxambu (um derivado de batuque), existiam proibições nas ruas e casas das cidades mas, era autorizado pela polícia no meio rural. Em Porto Alegre, o código se posturas, não abria excepções, proibindo “batuques, zungus e candomblés” em qualquer local e hora.
As posturas das cidades de Pernambuco, também seguiam esta linha mais dura do sul do Império proibindo as “danças de pretos escravos ou maracatus” nas ruas e praças, os “sambas ou batuques de caixa” em casas públicas ou particulares, assim como a “farsas públicas” – origem do bumba-meu-boi. As diferentes restrições por posturas municipais, longe de controlarem os batuques, revelavam um impasse entre senhores e autoridades sobre a melhor forma de se lidar com aqueles…
Na Bahia quando os indícios de rebelião chegavam a vias de facto, na década de 1830, os “batuques lundus” de negros foram terminantemente proibidos em qualquer hora e local, Surpreendentemente, com seus contínuos ressurgimentos, a Assembleia Provincial, em 1885, determinou a proibição de “batuques e vozeiras em casas públicas”.
Ao longo do período Imperial, do “Brasil, do mundo Luso, Oriente, Timor, África, Algarves e edecéteras de escambau”, o batuque sempre haveria de encontrar um espaço como o candomblé, nas negociações entre autoridades que vigiavam e, a liberação para a diversão, ainda a melhor forma de controlar os conflitos entre os senhores coronéis e os escravos. Relembrar que os Povos Lusófonos eram comandados a partir do Rio de Janeiro.
Registe-se neste epílogo do assunto batuques, que na Colonia de Angola, o procedimento era análogo e, posso ainda lembrar-me do controlo feito por auxiliares da Administração do Posto, em Luanda, os cipaios africanos que exerciam sua autoridade usando bastões chamados de cassetetes. Era normal vermos estes polícias de Bairro, africanos com um chapéu de cofió enfiado na cabeça, cor vermelha e, tendo uns fios a penderem para os lados. Estávamos então no inico da segunda metade do século XX. A jurisdição da Maianga era o Posto de Belas e, nesse então, era o famoso chefe Poeira que mandava na cipaiada.
FIM
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – BATUQUES
2ª Parte - Crónica 3399 – 21.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
As cavalhadas de batuque na colónia de Angola, do outro lado do Atlântico tiveram maior impulso nos fins do século XIX saindo dos seus nichos habituais dos vários musseques e, tendo maior expressão na marginal de Luanda que então tinha o nome de Diogo Cão, em meados do século XX. Os grupos eram patrocinados dela Organização de Turismo Colonial. Também tinham grande expressão as manifestações na Cidade do Lobito mais a Sul.
Em ambas as cidades havia magotes de gente brincando o carnaval com batuque e lançamento de farinha uns aos outros, ficando todos mascarados de brancos. Tal como o jogo da bassula originária de Lândana de Cabinda, a acompanhar o batuque era usada a dança de uma forma acrobática como um jogo de pega e larga para enganar a proibição das autoridades.
Em dias de carnaval tudo era tolerado; os batuques de tambores ecoavam por toda a Luanda suburbana. O batuque para além de acentuar indecências, sua licenciosidade era ciente de sua imoralidade com o caracter selvagem e grotesco, pelo movimento das ancas, o trepidar do mataco, (bunda) na presença de instrumentos inebriantes e de sempre surgirem apelo de contenção da elite, dos nobres e outros suspensórios sociais.
No Brasil e em Angola os métodos de abordar o entrudo era bem tolerado. O batuque em realidade era uma forma de proporcionar ambientes de bebedeira, muito vinho a martelo, baptizado pelos comerciantes locais com água e outras catchipembas fermentadas em barris situados lá no fundo de quintal da venda para disfarçar cheiros fortes.
Tanto em Luanda como no Rio ou São Paulo do Brasil, os ambientes curtiam-se do mesmo jeito. Em Loanda ainda me lembro do vinho comprado em garrafão da marca Camilo Alves, uma zurrapa que subia rápido ao cérebro e cerebelo. No Brasil havia a particularidade de se jagunçar a festa com matanças; havia crimes sem se desvendar o móbil do acto e também um desperdício do trabalho dos escravos, sobretudo nos encontros propícios a movimentos revoltosos.
Posso imaginar o que se poderia dizer das actuais danças tão incentivadoras ao sexo e de uma forma abusada e tolerada por todos – gestos obscenos de “kuduro”, de fazer corar donzelas virgens… Enfim, destes ritmos bizarrocos de fazer espichar o vermelho do mais puritano do que não é bonito, banalizado no ridículo que ironicamente se banaliza numa de “pois é moda” deitando o ridículo na lixeira para tudo terminar num jogo amistoso.
Relatos antigos referem imagens da época permitindo rever algumas marcas do género com coreografia de danças em círculo movimentos ati-relógio, de anti vergonha ajustando ao gosto da bunda, mataco e obscenidades. Obscenidades ao jogo com versos e desafios, contestação a tudo com dançarinos rebolando sós ou em pares, improvisando-se em sexualidades estranhas.
A moderar tudo surgiram novos conceitos a que chamaram de “festas juninas” de cariz social evitando as umbigadas, massembas e, usando o bater de mãos associado ao canto. Danças com cariz religioso de acalmar famílias tradicionais de costumes bem conservadores. Em torno do batuque, no tocar de bombo e, a partir destes, tornava-se possível fugir ao trabalho tecendo relações de solidariedade entre escravos e libertos, entre africanos e crioulos…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
FÁBRICA DE LETRAS DA KIZOMBA – “SONHAJANDO A VIDA”
TEMPOS CUSPILHADAS . O Espírito da China! Eles já chegaram …
Crónica 3398 – 19.05.2023 - (publicado um dia antes… estou viajando)
Por T´Chingange (Otchingandji) Na Pajuçara de Maceió do Brasil
Chegado recentemente a Portugal, vindo de Angola na ponte LUALIX no ano de 1975, 48 anos atrás, assisti em pleno Alentejo a uma acção da reforma agrária. Em casa de Maria, via seu marido atarefado andando nervoso de um para outro lado. Fui ficando por ali curioso - seria uma caçada à raposa, perdizes ou coelhos mas, apercebi-me bem rápido que não era nada disto. Era o chamado PREC – Processo de Revolução em Curso…
Ele e um grupo organizado desse tal de PREC, iam caçar fascistas nos montes vizinhos de Escanchados, Daroeira, Buena Madre entre outros montes e mesetas daquela estepe. Tudo era um espanto para mim, atordoado que andava com uma saída apressada da Luua e tendo só de património em mãos, uma máquina de costura Oliva. Sem sítio certo para ficar ali ficaram meus dois filhos até que eu e minha mulher tivéssemos nosso rumo de vida em acção!
Não vou entrar em muitos pormenores para me não magoar muito. Naquela acção de caça aos fascistas e depois de ter vivenciado coisas de esquecer, fiquei aturdido com esta pseudo milícia que de forma voluntária lá iam caçar gambuzinos com caçadeiras e máquinas subtraídas ao patrão; as máquinas retroescavadoras substituíam tanques de guerra – supunha eu inocente na condição de assim ser, por conveniência pois, de nada resolveria apagar qualquer fogo com um bochecho de angústia.
Interrogando-me do que poderiam ir fazer em prol duma mudança só desconsegui obter uma razão plausível. Estamos em 2023, 48 anos depois com um Portugal de uns dez milhões de cidadãos e o estado, continua sugado por políticos que usam a falácia para nos entorpecer. Mesmo sem haver esse tal de PREC sempre haverá um plano novo para dar directivas ao leque de ousadias, assim se chame um PRR - Plano de Recuperação e Resiliência.
Mas, como tudo está de bradar aos céus assim iremos ficar porque nem o Costa morre nem a gente almoça. Além do mais o presidente anda demasiado atarefado com sua colecção de selfies – por alguma razão todos o conhecem por Selfito. Não se nota desenvolvimento, uma lástima de saúde, administração desmilinguida e, educação aos gritos. Uma cambada de gente que nem sabe o que fazer com o dinheiro despifarrando as resiliências pelos amigos, compadres e filiados do partido que se chama de PS.
Naquele ano, as conquistas do vinticinco do povo pelo PREC foram direitinhas para o ralo; as chapadas de trigo, nos lameiros, os montes foram ficando desventradas, sem telhado, ruínas a gritar desespero aos vindouros. Uns fugiram para Trás-os-Montes, outos foram para o Brasil e alguns até escolheram a Argentina ou a Austrália para iniciar vida. Afinal, de nada valeu aquela caça aos fascistas da qual João Cailogo fez parte. Ainda hoje me arrepio de tal façanha.
Ultimamente deram guarida ao negócio de chineses! Agora queixam-se de que estes querem tomar conta não só de nós como de todo o Ocidente. Até há bem poucos anos atrás, o ocidente fechou as portas à possibilidade de compreender a China. Hoje, buscam formas de se entender diplomaticamente com estes, permitindo-lhes a entrada em seus territórios com obtenção de benesses e isenções em sua actividade comercial – vistos GOLD e outros edecéteras.
Tome-se em conta que o peso de impostos que os demais cidadãos nacionais são obrigados a pagar, é bem menos vantajoso do que o oferecido a estes empresários vindos do outro lado do mundo. Deduzir-se assim que os donos disto tudo, só o serão com os países de capital que nos compram divida. Um dia o futuro chega e quase sem se saber, as instituições que eram estatais formam-se de um conjunto de accionistas sem rosto e, dum qualquer país. Se neste futuro vamos ter de ficar entregues a um dragão, teremos de saber um pouco que seja, do que não nos une e divide!
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – BATUQUES
1ª Parte - Crónica 3397 – 18.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Batuque, é dança com acompanhamento de tambores. Era ao longo do século XIX, genericamente, para designar danças, músicas e tambores negros de características populares. Em criança, candengue e, na ainda colónia de Angola, capital de Luanda, morando eu no subúrbio (Maianga) e perto de alguns musseques (favela aquilombada), podia ouvir o toque de tambores durante as noites de sábado para domingo. Fui influenciado por esses firmes traços do povo banto que legou ao mundo e em especial ao Brasil, além da música, a forma de nutrição, folclore e a sua mística.
Enquanto em São Tomé, mulheres com lenços amarrados na cabeça como baianas desfilam seus longos e largos vestidos coloridos, com os seus balangandans, com seus tabuleiros à cabeça, com doces, batendo os pés com os bons sapatos que Deus lhes deu, exibem a sua dança do Kongo ao som do batuque. Isto da Lusofonia, aqui descrito, não é mais do que o auto do Cucumbi ou Kongo na forma de cavalhada ou Folia de Reis, relembrando as batalhas de funantes em que prenderam a irmã da rainha N´Zinga. Pois assim, foi em terras de N´Dongo, no bastião dos nobres de Pungo Andongo numa batalha chamada de M´bwila do outro lado do Atlântico.
Foi, a raiva dançada ao estilo de capoeira que os escravos de N´Gola levaram para o Brasil, encrespada nos tempos, de fedorentos porões de navios, lembranças do chicote no poste da sanzala, dos grilhões, da canga e infortúnio; era a camangula e a bassula com finta e a esquindiva que depois de transferida foi cantada com um fio e um pau, instrumento chamado de berimbau. Sim! Foi aí em Lândana do enclave de Cabinda, com os originais povos imbindas, que tudo começou. No centro da paliçada chamada de terreiro (sambódromo), o Rei traja gibão e calças brancas e manto azul bordado, tendo na cabeça uma coroa dourada tal e qual como o rei N´Zinga-a-N´Kuvo, baptizado em 1509, o primeiro rei a ser cristianizado pelos Tugas.
Esse rei, N´Zinga-a-N´Kuvo tomando o nome de Dom Afonso I deu a seu filho, o nome cristão de Henrique; foi mandado para Portugal estudar as artes da magia da Cruz, tendo dali regressado em 1521 padre de estola com todos os rituais. Vale a pena referir essa luta da bassula, finta ou esquindiva utilizada pelos pescadores imbindas do Kongo (Cabindas e Boma do N´zaire).
Foram também os Muxiloandas da ilha da Mazenga da baia de Loanda e Mussulo (Kaluandas ou Camondongos) da região dos Dembos e foz dos rios Dande, Bengo e Kwanza que como escravos, levaram isso para o Brasil derivando na Capoeira, uma forma de dança para ludibriar o patrão fazendeiro, usando a falsa ginástica de dança como luta com um dá e um larga sem agarrar, usando a força do adversário com suaves e mágicos “toques de bassula” ou “toque de finta”. A “negralhada” seminua dançava e cantava alegremente, livre do senhor do engenho e do feitor com seus ralhos (era assim que diziam seus patrões)
E o batuque veio junto, com as galinhas d´Angola, o pregão que surgiu já depois da proibição do tráfico de escravos. Dizia o pregoeiro mazombo, indo de fazenda a fazenda, de engenho a engenho; não quer comprar, coronel? Esta festa negra chamada de batuque, poderá ser vista como sinonimo de Lundus, sambas, caxambus e maracatus, segundo as variações regionais. As posturas municipais do Rio e São Paulo, documentam discussões nas câmaras, jornais e relatos de viajantes como sendo os batuques uma reunião de negros – escravos, africanos ou libertos, em variadas ocasiões.
Aos domingos e dias santos, nos locais, nas fazendas, nos cortiços da periferia das cidades, podem observar-se momentos altos desse costume. Surgem associações de batuques conhecidos como “danças de pretos” ou “baile do Kongo” que reafirmam o quanto esta prática estava envolvida com valores culturais trazidos de África, expressando nesse então, uma identidade muito distante das marcas alcançadas pela “civilização” europeia salientando-se visões preconceituosas.
Embora não se referisse nessa época, o termo de preconceito, veio no correr do tempo a se relacionar com o racismo. Por outro lado, foi a partir destas associações que surgiram as “escolas de samba” originando o carnaval - evento tão afamado no mundo cujas características deram ao Brasil a quase exclusividade. De lembrar que tendo sido os europeus, mais propriamente os portugueses, a levarem o entrudo com cavalhadas para as colónias de Angla e Moçambique, estes, por sua vez - os indígenas locais, deram largas a seus teatros de fingir, terminando nestes batuques.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – CORTIÇOS
2ª Parte - Crónica 3392 – 13.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Nos cortiços dos puxadinhos, era comum haver mutirões (voluntários ajudando) para fazer esses puxadinhos de varandas e espaço para mais um filho, fazer gatos de luz sem contador nem gastos adicionais, a amizade fabricava-se como família, havia trocas e baldrocas entre eles, permutava-se para além do feijão, a alegria e tristeza quando era necessário recorrer à solidariedade.
A água escassa, era armazenada em caixas redondas e azuis no topo e bem junto à antena da emissora da rádio (nos anos mais recentes). Havia calor humano à mistura com zumbidos, cheiros partilhados e zangas repartidas; havia namoros farfalhados e ensaios para o carnaval com a marchinha cantada no banheiro, raivas deslizantes untadas a boato e de deitar fora aparafusando uma profusão de gambiarras, uma geringonça com muitos estralhos e desaforos. O beija flor aparecia com encanto nas manhãs de sempre.
Também havia vasos com avencas, samambaia e pé de goiabeira nascida só átoa porque Deus é grande. Acho até que vivia ali! Também havia uma orquídea alimentando-se do ar húmido. Havia redes colgadas zoando um agudo persistente, um raspar de olhal de baloiço, a zoada do relato de futebol com aqueles golos de espantar pardais, goooooolo. Mais vasos na beirada do terraço com coentros, salsa, doutor e doutorzinho.
Um feijão-maluco que trepava por qualquer lado fazendo comichão ao toque e acasalando com o feijão de corda e até chá caxinde ou capim doce ou cidreira, para fazer o chá da tarde a juntar a dona Alzira e a dona Josefa; Isso! Que contando novidades daquela outra que roubava descaradamente o marido da outra, outra! Línguas de trapo, visse!
Um forrobodó giro como dizem os Tugas recém-chegados, os caramurus excêntricos fumando erva do diabo, tranças de tabaco de cheiro forte, de efeito forte, droga pela certa. Queixas de um vizinho que anda a fazer uma máquina de avoar, faz chinelos, faz vassouras com uma máquina inventada por ele mesmo e, arranja sapatos na hora. Bem! Um outro fazia química de onde saiam cheiros fortes para limpar chão, sanitas e espantar bichezas rastejantes mais calangos das paredes sem reboco ou encrespadas de ranhuras com plantinhas a nascer.
Em principios de 1870, o termo cortiço, adquiriu um sentido cada vez mais estigmatizado das habitações colectivas servindo para dar nome de enfase aos defensores do higienismo. Modernamente, temos os condomínios, as vilas muradas, os alojamentos locais e hoteleiros com regras bem definidas, uma outra coisa com cheiros caos e mais diferentes!
Mas, voltando ao ano de 1873, foi feito um edital em Dezembro que proibia expressamente a construção de cortiços nas áreas centrais de Rio de Janeiro e São Paulo. As controvérsias em torno dos critérios desta tipologia de construção e habitação tornaram-se confusos, pelo que fortalecia os interesses dos pequenos e médios investidores, que controlavam a exploração daqueles.
Associados às epidemias, à malandragem, promiscuidade e desordem social, as habitações populares de um modo geral e, em particular os cortiços passaram a constituir o lugar privilegiado para a identificação entre classes pobres e classes perigosas, bem à semelhança do que sucede hoje na favela brasileira, musseques de Angola ou bairros de lata da Amadora, cidade cercana a Lisboa em Portugal…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
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CONHECER MELHOR O BRASIL – CORTIÇOS
1ª Parte - Crónica 3390 – 11.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
C.A. CORTIÇOS – Era como se chamava às habitações colectivas que de forma desordenada faziam um conjunto de casebres, aonde viviam os segmentos mais pobres da população, sobretudo nos aglomerados existentes no centro do Rio de Janeiro a partir de meados do século XIX. Num cortiço de abelhas, havia melhor organização! Nesta época o aumento populacional vinha-se incrementando desde 1808 com a chegada da Corte portuguesa tornando-se cada vez mais expressiva, pela ampliação crescente dos fluxos migratórios, sobretudo de portugueses e italianos.
Emigrantes portugueses que na metrópole, já faziam trabalhos para os senhores do reino, em trabalhos auxiliardes como costureiras, padeiros, cozinheiras e condutores de coches ou cuidadores de animais domésticos dos nobres. Eram os chamados condomínios de hoje só que, sem as condições de boa habitualidade pois que nem havia os instrumentos de lei, nem humanos, para tal; tudo era feito ao jeito e necessidade de cada um, puxadinhos anexos, desenrasca com os materiais mais díspares, normalmente mais económicos.
Já no século XX, pude vivenciar em jovem, esta forma de trabalhadores sem formação especial, que assim viviam na Luanda em expansão, do outro lado do Atlântico, a capital de Angola e, que em tudo se parecia com o Brasil. Mais tarde também verifiquei haver cortiços em Argentina em um lugar conhecido por “Barrio el Caminito” junto ao porto de Buenos Aires. Todo colorido, alegre, com construções diferentes e inusitadas. Antigo lugar de bodegas aonde se dançava o tango na gesta italiana. Em todas estas áreas de cortiço viviam imigrantes analfabetos. Ser-se pedreiro, calceteiro ou marceneiro era já de um razoável estatuto social.
Mesmo com a tendência à diminuição do número de escravos por motivo da extinção do tráfico africano, ano de 1850, apesar da crescente ampliação na estrutura urbana, mantendo ainda, as oportunidades de emprego reduzidas; isto, agravava as condições de vida da maior parte da população. Para álem das dificuldades no acesso à alimentação, o problema habitacional tornava-se cada vez mais grave. O relatório do Ministro dos Negócios do Império relativos a 1868, registou a presença de 642 cortiços na cidade do Rio de Janeiro distribuídos por várias paróquias sendo a de Santana a que tinha maior número delas, 154 almas, seguida da Glória com 107,
Havia muitas mais em várias paroquias que funcionavam em paralelo com estalagens ou cómodos, casas de pasto e barracas de livres, libertos pobres e também escravos ao ganho, que vendiam seu trabalho como carregadores, recolectores, artesãos, ambulantes camelós, ficando obrigados a pagar por percentual ao seu proprietário ao qual haviam obtido de seus senhores a autorização de “viverem sobre si”- fora do tecto de seus senhores.
Em realidade ainda hoje existem estes tipos de cortiços na maior parte das cidades e de Norte a Sul, estando a maioria incridos em favelas ou musseques ou bairros de lata e bidonvilles - (Brasil e Angola, Portugal e França), aonde os camelós entre outros trabalhadores como empregados de baixas tarefas, vivem; lugar bem perto das grandes urbes como São Paulo ou Rio de Janeiro ou uma qualquer outra cidade aonde vivem outros cidadãos mais cotados e recebendo melhores vencimentos mas, necessitados de alguém para as várias tarefas domésticas.
Na Europa há nos dias de hoje cortiços sofisticados para turistas designados de AL – Alojamento Local e AT – Alojamento turístico. Tudo adaptado às normas de vida moderna com exigente regulamentação com fiscalização de organismos estatais ou municipais que dão garantias de segurança tendo para o efeito passado por um crivo apetado de normas como sistemas de aquecimento, águas correntes e esgotos, protecção contra ruidos e efeito térmico funcional e, segundo normas de higiene e segurança com piscinas colectivas individuais ou colectivas vigiadas; tudo sujeito a impostos de imoveis entre outras alcavalas que garantem o andamento das muitas actividades circunscritas ao efeito do turismo.
Os governos sempre encontram uma pernafernália de instrumentos para no fim do ano levarem à vontade 50% dos eventuais ganhos; os políticos sempre se encarregam de juntar mais uma vírgula com cheiro a dinheiro vivo. Mas no Cortiço original que surgiu no Brasil, não tendo nesse então uma esmerada atenção por parte do fisco, havia contacto entre vizinhos, entreajuda com solidariedade que hoje é bem rara. Raras porque, em blocos de habitação da urbe, nem se cumprimentam; fogem de contactos encharcados na televisão. Passam-se anos sem se relacionarem ou com uma saudação de bom dia e edecéteras arrancados à pressão…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – ALFORRIA
3ª Parte - Crónica 3387– 09.05.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
A partir do fim do tráfico Atlântico deu-se a falência do domínio senhorial com os escravos obtendo liberdade a despeito da vontade dos senhores, rompendo os laços de dependência por várias vias. A partir da década de 1860, outra forma de obtenção da alforria deu-se através do contacto entre abolicionistas, muitos deles advogados, e escravos , eu iam sendo informados sobre suas possibilidades de libertação pela via judicial, sobretudo depois das leis do ventre livre de 1871 e, das sexagenárias em 1885. Tais leis abateram de vez a inviolabilidade d vontade senhorial, sancionando a intervenção do Estado nas relações entre senhores e escravos reconhecendo legalmente as lutas dos cativos pela liberdade.
No ano de 2009 estive lá, na Serra da Barriga, um Quilombo que funcionou com fujões que a tudo se submetiam para atingir a liberdade. Montaram ali no Morro dos Macacos, como era conhecido nos escritos e falas do povo, um governo que se manteve por alguns anos. Do que vi e li, concluí o que a seguir descrevo. O termo de Muxima que é a saudade dos mwangolés - quimbundos, pode ler-se no quadro de entrada naquela Serra da Barriga. “Muxima dos Palmares” é uma homenagem aos Comandantes-em-Chefe que formavam o Conselho Deliberativo do Quilombo dos Palmares.
São eles: Acaíne, Acaiuba, Acutilene, Amaro, Andalaquituche, Dambrabanga, Ganga-Muiça, Ganga-Zona, Osenga, Subupira, Toculo, Tabocas, e seus principais líderes:-Aqualtune, Ganga-Zumba e Zumbi, Banga, Camoanga e Mouza, que resistiram depois da morte de Zumbi; aqui, são homenageados todos os negros e negras, guerreiros e guerreiras. Todos aqueles que ao longo de quatro Séculos lutaram (e ainda lutam) pela liberdade racial”. Uma outra placa com fundo preto e letras salientes reconhecido no final pelo Governador Alagoano, Engenheiro Ronaldo Lessa a 20 de Novembro de 2002: -“Homenagem aos Heróis Quilombolas que tombaram lutando pela liberdade em 06 de Fevereiro de 1694: Ganga Zumba, Dandaro, Acotirente, Andalaquituche, Aqualtune, Gana Zona, Ganga Muiça, Acaiúbo, Toculo”.
A SERRA DA BARRIGA - “CERCA DOS MACACOS”, o termo Sanzala ou Senzala em Angola é um povoado normal, enquanto que no Brasil, está conotada com as casas de tortura, da canga, dos grilhos, da chibata, da bola, da máscara de sino e correntes. Kimbo é o nome de sanzala na região de fala Umbundo em Angola, planalto Central com suas casas, libatas. Neste tema todo o mundo da actual lusofonia que banha os Oceanos Atlântico e Indico estão de pouca ou muita monta, relacionados com esse que foi o triângulo da escravidão. Temos assim São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Cabo Verde, Cabinda, Angola no lado Atlântico e Moçambique do lado do Oceano Indico, como terras fornecedoras e o Brasil, como terra recebedora.
Até às vésperas da abolição, muitos senhores tentaram manter o controlo sobre a alforria, originando a geração de dívidas de gratidão, que resultassem na manutenção dos vínculos após o fim do regime. Estas manobras de diversidade não conseguiram conter as alforrias em massa que culminou no ano de 1888 cohartando as diligências dos senhores com seus representantes da lei; já poucos suportavam esta tão longa injustiça, dando total reconhecimento aos seus direitos de libertação.
Todo este trabalho de pesquisa, foi objecto de promessa minha ao fiel depositário do Guardião da cultura em União dos Palmares e Zelador do Museu de Maria Mariá, Senhor Paulo de Castro Sarmento Filho, que teve amabilidade de me mostrar o actual mocambo de Muquém, a Serra da Barriga e descrever o seu trabalho ainda em esboço duma Cartilha Pedagógica, num projecto de cultura viva.
Acompanharam-me nesta visita que durou todo um dia, a Dra Rosa Casado, natural daquela cidade de União, e f ilha de um dos últimos prefeitos de União dos Palmares. Ficou a promessa de uma futura visita aos mocambos de Cajá dos Negros e Palmeira dos Pretos, povoados em que ainda são visíveis os costumes antigos trazidos de África. Vivem da agricultura, da venda de artesanato, potes em cerâmica, feitos de forma manual. Estar ali, é o mesmo que estar em qualquer sanzala de Angola nos dias de hoje. Por todo o interior de Pernambuco, perto de Guaranhuns e Alagoas em União e Palmeira dos Índios, as características levam-nos à África longínqua da qual saí no ano de 1975.
Sintetizo aqui, o essencial com algumas e poucas introduções de meu foro - “A África revelada por Arnon de Mello” e publicado no jornal Gazeta de Alagoas. No século XVII, Alagoas oferece reduto para os negros formarem os inúmeros quilombos que prosperavam em todo o território brasileiro, mas que tiveram na Cerca dos Macacos da Serra da Barriga, nos Palmares, sua maior simbologia. O Brasil foi o país com a maior concentração de escravos negros do mundo com dados indicadores de 3,5 milhões. A liberdade, por meio de fuga, consolidava-se pela anormalidade da vida administrativa e económica da capitania de Pernambuco.
FIM
O Soba T´Chingange
ANGOLA DOS MWENE-PUTO
MAIANGA - Tempos de FANTASMA - Crónica 3384 – 06.05.2023
Por:T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió - Brasil
Marianita e Pombinha - Com um jeito de riso mole, Pombinha, com sua preguiçosa lealdade, pedia a Marianita algo que despertou em mim uma total curiosidade. Quero que você me dê um feitiço para prender meu homem! Disse ela. Com um saco de sisal cheio de capim seco fazendo de travesseiro que, esperava a quitandeira que sabia ir passar por ali a vender maças-da-índia enquanto lia achaparrado nos refolhos dos loandos, mesmo ao lado da venda do Senhor Cruz as comiquitas de Mandrake e seu auxiliar gigante, o negro Lohtar.
Ali estava eu, dissimulado e despercebido ouvindo com curiosidade as falas das duas amigas. Aquelas mulatas sacudidas em assanhamento, fumegavam num cheiro de suas roupas, prazer de fogo fervente refogado de mocotó fresco. Pelas frestas das aduelas, podia ver seus torneados pés morenos enfiados em chinelos coloridos que quase iguais, só diferiam nas flores; uma era nitidamente uma hortense e a outra quase jurava ser uma flor-de-lis.
Espevitado na curiosidade, espreitando mais acima nas frestas das aduelas de barril do vinho do m´puto, pude ver melhor o perfil de Pombinha. Tinha um farto cabelo, tipo juba de leoa, crespo com um molho de manjericão seguro de lado por um gancho a imitar uma joaninha; aquilo deu-me uma sensação e odor sensual de trevos verdes e caxinde com outras plantas aromáticas.
Pela conversa entendi que Marianita não queria cativeiro prolongado com homem nenhum porque a dada altura protestou! Casar, eu? Para quê? Um marido é pior que o diabo! Pensa logo em escravizar a gente! Deu para entender que a cafuza Marianita no delírio de enriquecer, adornou-se de todo à labutação de amigar com homem; homem que dispusesse de algum pecúlio ou patrimónios de baús de couros trabalhados com tachas de ouro ou até prata.
Pombinha, babada de amores anotou como fazer um chá de pulgas saltitantes à mistura com brututo e urtigas apanhadas na kúkia do sol nascente num dia de intenso cacimbo e, após uma noite com lua de quarto crescente. Comprometido pelos ouvidos, eu, que por ali estava lendo um livro de bolso de cowboyadas no remanso da solidão, como sombra, esgueirei-me quase rastejando para o capinzal dos fundos da venda. Por algum tempo, ali me mantive dissimulado em um tufo de bananeiras e, foi quando um meu vizinho de nome Alex, o travesti do choupal, amaneirando-se, dirigiu um bom dia àquelas damas e, lá foi botando cheiro de madressilvas na direcção da paragem do maximbombo número três, na rua da Maianga.
As duas, pelo adiantado da hora, ficaram comentando o tardio cumprimento, do porte de bichinha, louro e esbelto homem. Um desperdício! Remata a assanhada Marianita. Era normal encontrar-me ali com Rente, filho do senhor Cruz, Braga, Chiquito, Zorba, Guerra, Necas e o Almeida, mulato do cortiço das Vacas bem perto da oficina de tornos do Paulino Branco, um futura meu cunhado.
Era ali que desfolhávamos avidamente os livros de quadradinhos do homem de borracha, do Fantasma, do Tarzam e Lampião mas, nem eles nem a quitandeira das maças-da-índia surgiram naquela biblioteca de aduelas, ao ar-livre do Rente Cruz. É sempre emocionante ler as mokandas de amigos mesmo que tenham nomes estranhos como N`dapandúla, nas falas genuínas dum kamba dum Rio Seco! Dum Rio que só o é na lembrança antiga que até tinha areia sem cacos velhos.
E, um amigo sempre tem missangas para enviar, por apitos ou estalidos ou mesmo muxoxos com uma máquina de fazer “alegria” para comemorar os kambas que cada qual tem; essa máquina é capaz de produzir arco-íris pra deslumbrar cazumbis mas, também duplos e triplos, e até alguns invertidos ou enrolados nas pontas para animar banga ninita. Até posso desvendar que o último protótipo é parecido com uma foice! Quero sim venerar meu culto crente, sem coisas desatinadas dos dias comuns do Malhoas antigo pois, sempre haverá um amigo que me vai tentar convencer que sushi é a melhor comida do mundo!
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – ALFORRIA
2ª Parte - Crónica 3381 - N´Guzu é força (Kimbundo) – 03.05.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Pois então, havia as alforrias concedidas pela Coroa a seus próprios escravos, sobretudo pela lei de 11 de Agosto de 1837 que tornou mais fácil a compra da liberdade e da emancipação dos escravos das fazendas, que ocorreu em 1866. Os escravos que tinham mais hipótese de conseguir alforria, viviam nas cidades ou exerciam funções domésticas com relações estreitas com a família de seus senhores ou socialmente, com outos escravos libertos.
Sobrepunha-se a isto, a constituição de vínculos familiares dentro ou fora do cativeiro, que muitas vezes, resultava na libertação de mulheres e crianças, por conta do pagamento de seus valores por cônjuges e pais. Era por isso, muito maior a dádiva de libertação a mulheres. De facto, mulatos e pardos (termo oficial para definir uma pessoa multirracial no Brasil), tinham mais possibilidades de libertação do que os escravos negros e as mulheres, sempre tinham mais possibilidades de consegui-la do que os homens.
E, principalmente porque em cidades como o Rio de Janeiro e São Salvador, perfazendo 60% do conjunto de libertos, embora só 40% fossem escravos. Muitos desses libertos eram Africanos habituados ao trabalho braçal, em mercados e nas profissões urbanas, portanto mais aptos a acumular pecúlio para poder comprar sua liberdade ou negociar uma alforria condicional. Embora as alforrias tenham ocorrido em todo o território nacional e ao longo de todo o século XIX, a forma de como era conseguida e a maior ou menos possibilidade de obtê-la, variou muito conforme a época e o local…
Na Corte, por exemplo, cerca de 20% da população era composta de libertos em 1799; em 1834, a proporção era já de 6%, chegando a cair em 1849 para 5%; isto deve-se a que ao longo do século, as possibilidades para a obtenção de alforrias mais comuns, como a compra da liberdade e a prestação de serviços, tornaram-se mais restritas na medida em que eram tomadas providências para restringir o tráfico atlântico de cativos, abolido em 1850.
Uma das principais consequências da política de restrição ao tráfico foi o aumento do preço dos escravos que triplicou entre 1840 e 1860, dificultando a estes, acumularem seu próprio valor, especialmente se fossem homens adultos, os mais valorizados. Por essa razão, somente até cerca de 1850, predominaram as alforrias compradas, desde esse então e, cada vez mais raras seguidas pelas condicionantes e pelas gratuitas, concedidas sobretudo a crianças mas, também a idosos.
Porem, depois de 1850, o número absoluto de libertos, começou a aumentar no Brasil tanto por causa da intervenção do governo na abolição do tráfico e na promulgação de leis emancipacionistas, quanto por conta da própria acção dos escravos que começaram a questionar do poder moral de seu senhores. Até então, embora fosse de interesse fundamental dos escravos, a alforria também exercia uma função importante para os senhores que por meio dela, controlavam seus cativos obrigando-os a anos de serviço obediente, em troca da concessão da futura liberdade.
A alforria exercia papel central na ideologia senhorial, representando segundo Hebe Martos “o principal recurso moral dos senhores na efectivação da denominação esclavagista” por via de erros cometidos na história. Na descrição destes muitos pormenores tão cheios de amarguras, tanto descaminho e desgraça relembro que quando o almirante holandês da Companhia das Índias Ocidentais tomou Luanda de N´Gola aos Tugas, estes fugiram para Massangano, e por ali permaneceram durante a ocupação, até à chegada do luso-brasileiro Salvador Correia de Sá e Benevides, que reconquistou a Fortaleza de S. Miguel, na baía de Luanda em 1648.
Nesta onda do tempo e do outro lado do Atlântico, vim a saber que a construção daquele forte de Massangano tinha para além da natural defesa das redes comerciais de mercadorias tais como cera, peles, dentes de marfim, pedras preciosas, mas, e especialmente da venda de escravos às Américas, aos engenhos de açúcar do Brasil para além de também o ser, lugar de prisão para criminosos saídos da metrópole, o M´Puto e do Brasil; os chamados degradados. José Alvares Maciel era um dos nomes de entre aqueles degredados que veio mais tarde a ser solto para divagar como pombeiro (vendedor ambulante) nos matos da Matamba de N´Gola e, acabando por morrer lá para os lados de N´Dalatando, deixando uma prole de filhos com o nome de Alvares.
Ilustrações de Pombinho da EIL da Luua
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – ALFORRIA
1ª Parte - Crónica 3379 - N´Guzu é força (Kimbundo) – 29.04.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Ao longo do século XIX, no Brasil, várias foram as diligências buscadas pelos escravos para conseguir sua liberdade. Muitos tentaram a fuga refugiando-se em quilombos. O sonho da liberdade não se desvanecia, contudo a fuga do engenho, seu normal lugar de trabalho, só era possível em direcção ao agreste e depois sertão. Quase sempre os escravos fujões, voltavam ao engenho, normalmente ao fim de alguns dias, debilitados e até feridos pelas dentadas dos cães de fila que acompanhavam o guardas nas buscas. Vinham carregados de ferros!
Regressados ao engenho, eram submetidos a castigos no tronco. Eram chicoteados e por vezes ou quase sempre era-lhes aplicado um ferro em brasa na cara gravando-lhes um “F” de fugitivo. Os que não regressavam eram possivelmente capturados pelos índios selvagens e, nalguns casos, certamente comidos. Todos eles se interrogavam por muitas vezes sobre qual seria a situação do seu reino do outro lado da kalunga. Sempre que chegavam novos escravos ao engenho, procuravam saber por eles, notícias da Matamba, do seu Kongo de N´Dongo.
Mas, nem sempre obtinham os resultados desejados, pois que ou eram de Minas, gente do Zaire, Benim ou Muçulmanos e, muito raramente da sua etnia. Assim, metidos num atoleiro aparecia o capataz, um encorpado mulato mazombo que por via deste empate e quebra no rendimento, logo o ameaçava levar ao pelourinho, o tal tronco das calamidades. Alguns até obtinham sucesso, escondendo-se nas cidades; outros participavam em rebeliões e alguns optavam por saídas mais drásticas assassinando senhores, feitores ou cometendo seu suicídio.
Mas, um grande número obteve a liberdade pela via institucional, por meio de formas de libertação previstas em lei legitimadas pela sociedade que geria as alforrias. Assim como no período Colonial, antes de 1822, ano do início do Brasil Imperial, os veículos legais de alforria eram a “carta de liberdade ou alforria”, registada em cartório, o registo de baptismo em que o senhor libertava a criança, a denominada “alforria na pia”, a disposição testamentária do senhor ou de um seu representante legal ou por procuração.
A alforria poderia ser de dois tipos: a gratuita ou a incondicional. Nesta última, quando o senhor dono dava a seu escravo carta de liberdade que doravante, como se dizia então e, que passava a dispor de si e do seu tempo como bem entendesse; também da compra da alforria, quando escravos ou terceiros interessados em sua liberdade, pagavam determinada quantia aos senhores pela troca; da restrição em que se condiciona ao escravo um tempo determinado para trabalhar por sua conta e assim, perfazer o valor previamente estipulado.
A alforria condicional, pressupunha a prestação de serviço ao senhor por tempo alternado ou até à morte deste. Um dos problemas causados pela concessão desses dois últimos tipos de alforria, era a definição jurídica dos filhos das mulheres libertadas condicionalmente ou, pela coarctação, pois havia os que entendiam que elas ficavam livres, desde que se estabelecessem condições para a liberdade, enquanto outros, defendiam que as mulheres só ficariam libertas de facto e, com elas o seu ventre ao receber sua carta de alforria.
Teoricamente, todas as alforrias podiam ser revogadas caso houvesse ingratidão, por parte dos escravos, possibilidade que se foi tornando remota ao longo do tempo e, não mais admitida a partir do ano de 1860. Para além dessas alforrias concedidas de comum acordo entre o senhor e o escravo, havia outra cuja libertação era concedida contra a vontade do senhor.
Em primeiro lugar, a liberdade obtida por meio de acções judiciais quando os escravos procuravam a justiça reclamando escravidões ilegais, ou argumentar que seus senhores haviam descumprido acordos previamente estabelecidos. Em segundo lugar, as alforrias mediante serviços militares, nas quais escravos fujões, procuravam o exército A fim de servir como soldados e, assim conseguir a tão almejada carta de alforria ou pelo simples recrutamento para as fileiras por via de guerras em curso. Esta prática da instituição militar foi exercida na Guerra do Paraguai.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – QUEM FOI BAQUAQUA
2ª Parte - Crónica 3377 - N´Guzu é força (Kimbundo) – 27.04.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
A sentença favoreceu o capitão do navio que considerou os escravos como parte integrante da tripulação. Enquanto os abolicionistas recorriam da sentença os escravos fugiram da prisão. O caso repercutiu nas imprensas norte americana e brasileira. Baquaqua, o falso José da Costa, nome cristão, foi parar a Boston acabando por fixar-se no Haiti um país pobre mas, aonde a escravidão havia sido extinta décadas. Haiti um país caribenho que compartilha a Ilha de São Domingos com a República Dominana. A Revolução Haitiana, feita por escravos e negros libertos, durou quase uma década e, todos os primeiros líderes do governo foram antigos escravos.
Ali, converteu-se ao protestantismo mas, não se adaptou. Retornou a New York onde ingressou no Central College, havendo registo de sua condição de estudante no ano de 1850 com o seu verdadeiro nome de Mahmmah Garbo Baquaqua nesse mesmo ano. Uma descrição feita no jornal Grawville Expess descreve-o como usando roupas muçulmanas e, sendo referenciado como um africano de fala árabe. Na universidade sofreu por conta do racismo e esta forma de “Bullying” que designa actos de agressão e intimidação repetitivos, que nesse então originaram, sair em fuga para o Canadá aonde se naturalizou cidadão.
É provável que tenha escrito a sua biografia nessa nova etapa de sua vida no exílio que veio a ser publicada m 1854 por Samuel Moore em Detroit com o título Biograpy of Mahommah Baquaqua. Muitas das passagens na reedição de sua autobiografia podem ter sido alteradas ou crescentadas conforme os interesses missionários ou abolicionistas pelo editor, no ano de 1853, ainda antes da publicação do livro.
Baquaqua tentou retornar à sua áfrica oferecendo-se como tradutor para a American Missionary Association que estabeleceu missão em Serra Leoa. Ele pensava chegar a Djougon, sua terra natal, através de Serra Leoa, mas não obteve êxito, acabando por viajar para Inglaterra no ano de 1857. A experiência do falso cristão José da Costa, que conhecia vários dialectos africanos para além do árabe, português e inglês, é singular entre os africanos lançados na América.
A dado momento da descrição de sua biografia faz referência da astúcia dos homens brancos, da preguiça dos aborígenes índios e da muita superstição dos chamados africanos. Sua experiência como escravo, serve como exemplo de trajectória de cativos traficados do Benim para o Brasil, bem como do sonho acalentado por alguns, de retornar às terras de origem.
Ao invés desta biografia e para quem desconhece ou faz por isso, mais de um milhão de brancos, na segunda metade do século XX sentiram essa violência de sair de sua terra por via de uma descolonização mal feita; chamados de retornados são desenraizados de seus lugares de nascimento, mandados para outros sítios do mundo e, sem viagem de regresso. Foi a vergonha da descolonização Portuguesa que ninguém aborda com honestidade.
A Portugal se deve esta saga de maus agouros. Mesmo sendo brancos saborearam esse termo de retornado, largando tudo e, à margem de qualquer movimento humanitário. E, passados que são quarenta e oito anos, não houve um alto dignatário da nação de Portugal que no mínimo pedisse desculpa a este conjunto de gente como um ressarcimento do mal feito. No entanto, todos os anos e pelo vinticinco de Abril dão comendas, dão ordens de Cristo entre outras, a quem nunca, nada fez…
Esta crónica é elaborada no intuito de dar a conhecer factos que foram e são ainda passados, e dos quais ainda deixam marcas profundas para os vindouros. E, os vindouros são meus filhos, os filhos de outros milhares: na minha missão fictícia de ZelBdor-Mor da Fundação de Zumbi de N´Gola com sede no Baobá, imbondeiro sito na base da Serra da Barriga, no Morro dos Macacos, um kilombo dos Palmares e aonde o sobrinho Zumbi matou o tio Gana Zumba por este não usar a diplomacia acertada. A história deste mundo assenta em azedumes e desencontros que o tempo dilui no acaso com falsidade! E, ninguém é culpado porque o tempo, faz o especial favor de prescrever – A lei dos homens que fazem parte da globalidade…
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – QUEM ERAM OS AFRICANOS
4ª Parte - Crónica 3370 - N´Guzu é força (Kimbundo) – 17.04.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Neste povo Banto dos Congo-Angola, para além da proximidade de línguas ou dialectos tendo o N´Zambi (Deus) como aglutinador comum, a comunicação entre eles, era assim, facilitada. O catolicismo deles por via da missionação, para muitos estudiosos é a consolidação cosmológica, estando na origem nas formas de religiosidade afro-carioca, especialmente a da Umbanda. A diversidade das várias “Nações” presentes no Rio de Janeiro, era rotineira para todos os que visitaram o Brasil nesse então e, principalmente o Rio, tendo fascinado a literatura e a iconografia produzidas pelos viajantes vindos de fora.
A partir da efectiva interrupção do tráfico, a percepção social das diferenças entre os escravos naturais de África se reduziu consideravelmente, resultando numa divisão de entre escravos crioulos e de nação, sem qualquer especificação. Os escravos resgatados de navios negreiros viriam a ser conhecidos apenas como africanos livres. Assim, a categoria de Africanos seria entendida como uma identidade comum aos diferentes povos de África subsariana, construída no século XIX. Todo o envolvente a esta temática difundiu nas teorias sociais a doutrina cientifica reforçando o interesse etnográfico sobre o Continente Negro.
Foi desta disseminação de gente de tez negra para as américas, que originou a grande diáspora alterando os conceitos de raça por via de miscigenação. Na escola básica, aprendi que no Mundo havia quatro principais raças, a branca, a negra, a amarela e a vermelha. Os sociólogos perante esta realidade, tiveram muita dificuldade em estabelecer padrões na sua classificação e, muito rápidamente o conceito de raça humanizou-se simplesmente na correta definição de Raça Humana; por vias tortas, fica evidente nesta questão a chamada globalização, com a forte participação portuguesa.
Nestes reveses da história tão despendurada, o conceito de gente em raça Humana teve seu inicio neste episódio trágico que uniu para sempre Angola, Portugal e Brasil tendo este, ficado com a fatia mais nutrida. Curiosamente no início de comercialização o dinheiro eram conchas com o nome de zimbos (n´jimbus); pequenas conchas, propriedade do rei do Congo que apareciam por toda a costa de N´Gola mas com os mais belos exemplares colhidos na ilha da Mazenga de Loanda. Eram os m´bikas (cipaios) às ordens dos chefes m´fumos que recolhiam esses tesouros. Mergulhavam na contracosta da ilha retirando-os por meio do arrastamento com cestos estreitos e compridos chamados “cofos”.
Hoje, o Mundo deve olhar a este estágio de vida com a alegre tristeza que a história carregou nas consciências vindouras, como já foi dito, por linhas demasiado tortuosas. Também eu entre milhares de gentes, sofremos na pele o término da descolonização ficando de um para o outro dia sem casa, sem emprego, sem vontade de reiniciar vidas em outras latitudes, das quais o Brasil. As coisas da política, quando ficam ruins, a partir daí só podem melhorar, só que muitos ficaram no caminho sem a necessária força para vingar a vida. Foi a 11 de Novembro de 1975 que os políticos determinaram que os brancos ficassem também com suas vidas negras. Não teria de ser assim mas tudo desaconteceu com a oferta de um voo de Luualix sem volta…
No correr do tempo do comércio com mercadores negreiros foram surgindo outros meios de permuta das chamadas “peças” tais como o sal, a cera, o cobre, os panos ou libongos, marfim, mel silvestre, as cruzetas e outros escravos saídos das guerras entre tribos. Mas, sabe-se por ensaios numismáticos-arqueológicos que entre Monomotapa e o Catanga corriam entre as classes dominantes desta região uns lingotes de cobre com o nome de HANDA, (ref.ª de Octávio de Oliveira na revista Notícia do ano de 1966).
Recapitulando: Angola, foi uma das grandes fontes emissoras de comércio de escravos desde o século XV até o terceiro quarto do século XIX. No domingo de 13 de Maio de 1888, dia comemorativo do nascimento de D. João VI, foi assinada por sua bisneta Dona Isabel, e Rodrigo Augusto da Silva a lei que aboliu a escravatura no Brasil. Só neste então é que Porto Galinhas do Brasil deixou de receber oficialmente escravos idos de áfrica. Mas, havia fugas ao regulamentado. Ainda por alguns anos e até fins do século XIX chegavam “peças humanas” de contrabando.
O Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir completamente a escravatura. O último país do mundo a abolir a escravidão foi a Mauritânia, somente a 9 de Novembro de 1981, pelo decreto n.º 81.234. Libongo foi o nome que veio a ser dado em kimbundo ao “paninho” tecido originário do Loango ou palmeira-bordão, semelhante ao “paninho do congo” ou likutu que circulou como moeda no princípio do século XVII; acrescente-se que é palavra do kimbundo calunda lu m´bongu,”moeda – m´bonge”. Um libongo valia 5 réis em 1695. O libongos de N´Gola dividiam-se em “bongós, sangos e infulas” enquanto os do Kongo eram chamados de “panos lim´kundis. Os panos conhecidos por sambu ou nollolevieri, tinham a condição de objecto-moeda e serviam apenas para vestir os nobres africanos. Há coisas verdadeiras que contadas, sempre vão parecer ser mentiras…
Fim
O Soba T´Chingange
MULOLAS DO TEMPO – NA PAJUÇARA DO BRASI. Milagres da vida com talassoterapia …
Crónica 3369 de 16.04.2023 - Com farrapos de imagens de *candengue na *LUUA
PorT´Chingange (Otchingandji) em Maceió das Alagoas
Estando hoje longe no tempo, uns setenta anos atrás, com 7anos de idade pude assistir a um milagre lento. Um amigo chamado Álvaro, paralítico, pouco a pouco começou a andar como se fosse um robot nos primeiros anos mas, depois, já sem apoio e com as pernas esticadas, começou a andar; com algumas dificuldades mas, andando. De uma cadeira de rodas passou a ser quase auto-suficiente e, por este motivo, acho que o banho de mar nas primeiras horas da manhã faz acontecer maravilhas a nossos ossos. Para sobreviver à vida depois da guerra de 39 a 45 meu pai Manel resolveu sair daquela terra de frios do M´Puto, tendo chegado à Luua de N´Gola levado pelo velho vapor Mouzinho de Albuquerque.
A Dona Arminda minha mãe, algum tempo depois e, após ter recebido carta de chamada, saiu do M´Puto vertendo choros no cais de Alcântara. Da amurada daquele vapor com o nome de Uíge, pouco a pouco via Lisboa e o Tejo ficarem lá longe tapados pela neblina. Dito e feito! Ele, meu pai, estava cansado de explorar volfrâmio para enrijar os canhões de Hitler, de cavar as terras dum sítio chamado Cornelho, duma Pereira e um Vinagre, lugares vistosos de verde que no correr do tempo ficaram silvas e tojos pelo abandono. Muito mais tarde apreciei a beleza que ele nunca teve tempo para apreciar; o vale profundo enevoado com o rio Dão a correr para Alcafaxe e, lá longe a brancura de persistentes manchas de neve dispersas.
Os tamancos de pinho não eram suficientemente quentes para animar o dia que se seguia naquela terrinha e, vai daí, meu pai tentou a Venezuela e o Uruguai mas as facilidades só lhe surgiram para a África, Terras Ultramarinas de Portugal. Deram-lhe passagem de colono após preenchimento de impressos timbrados com a esfera armilar. Através da Companhia Nacional de Navegação zarpou no tal vapor Mouzinho de Albuquerque por volta do ano de 1949 ou talvez 1950. Nós, família Monteiro, ficamos a morar no Rio Seco da Maianga, início do Catambor e Senhor Lázaro, um amigo, instalou-se em uma casa de madeira em um bairro chamado de Bungo que mais tarde chamaram de Boavista. Ficava mesmo à beira mar da baia de S. Pedro da Barra, uma faixa de terra entre a linha do Caminho-de-Ferro e o mar.
Estes barracos foram surgindo em áreas do domínio público e cada qual fazia seus puxadinhos até a areia e, bem no término das marés altas. Era assim que viviam os colonos pobres, paredes meias com cortiços, quase musseques tendo por vizinhos pretos e mulatos. Esta crónica foi pensada para falar do milagre a que assisti já em Angola; milagre que durou os anos de minha juventude, do que eu presenciei nas visitas que meu pai fazia a um antigo sócio do volfrâmio chamado Lázaro pai de Álvaro, um menino que comecei por ver paralítico e numa cadeira de rodas.
Enquanto meu pai foi trabalhar para as brigadas do caminho de Ferro de Luanda, antiga Ambaca, Lázaro foi colocado como capataz de estiva no porto de Luanda. Isto para dizer que da varanda que dava para o mar, Álvaro o moço paralítico rojava-se até às águas espelhadas da baia e ali ficava quase todo o santo dia. Sempre que meu pai visitava seu amigo Lázaro eu, também aproveitava ficar ali nas mornas águas sacolejando-nos em jogos variados. Por vezes, até dormia lá a pedido de Dona Micas mãe de Álvaro, a fim de ter companhia; embora tivesse mais irmãos, ele e eu dávamo-nos bem ou, de um outro jeito. Eu era bem tolerante com os esgares e caretas que Álvaro fazia no esforço de pronunciar falas; até nos entendíamos por gestos e vontades telepáticas.
Desta forma o Tonito da Dona Arminda (euzinho) por lá ficava uns dias com seu amigo Álvaro o paralítico, coitadinho. Sentíamo-nos peixes na água mergulhando como golfinhos ou boiando como bogas, roncadores e mariquitas. Por vezes e dentro de água fazíamos grandes pescarias daqueles peixes e até carapaus, agulhas ou garoupas. Bom! Agora vamos ao tal milagre. Álvaro começou gradativamente a andar, primeiro titubeante agarrado a bordões e mais tarde solto destes, andando como um boneco de circo, pernas esticadas e bamboleando, mas andando!
Estou a ver seu sorriso ao longo do tempo quando fazia uma qualquer outra avaria; um sorriso babado com descontrolo muscular mas sortido de alegria. Pouco a pouco foi deixando a cadeira de rodas e até já ia só, até o transporte que o levava à escola do Kipacas do Ferrovia! A razão por que falo disto é a de que se há qualquer coisa que reabilite nossos ossos, músculos e rijeza ao organismo é mesmo o iodo das manhãs nas águas quentes do mar; uma tal de vitamina D que nenhuma pilula nos pode dar. Como kota, sinto isto desde 2006 pela ida muita frequente à praia, aqui no nordeste Brasileiro. Entre as 6 horas da manhã e as nove horas, lá estou metido até o pescoço na água da Pajuçara. E, olhem que é bem notório o bem que me sinto.
Agora minha talassoterapia nas águas quase paradas e quentes da Pajuçara de Maceió é prioritária tal como o foi quando nadava no útero de minha mãe dona Arminda loureiro. Os resultados são lentos mas eficazes para quem persiste e, porque a natureza só por si dá-nos recursos. Recursos que a maioria das gentes desaproveita. É por isto que não me posso ver longe do mar tropical por muito tempo. Todos os dias faço movimentos os movimentos recomendados pelo meu próprio “personal treiner”… Eu, próprio. Agradeço assim sem protocolos à mãe natureza e seu dirigente chamado Deus sem outras felpudas falas e, porque os homens mais dignos de penas serão aqueles que transformam seus sonhos em prata e ouro. Faço os possíveis! Do Álvaro e depois do “setentaecinco” nada mais soube…
O Soba T´Chingange
Notas:* Candengue: rapaz, menino, jovem; Luua: Diminutivo de luanda;
CONHECER MELHOR O BRASIL – QUEM ERAM OS AFRICANOS
3ª Parte - Crónica 3368 - N´Guzu é força (Kimbundo) – 15.04.2023
Por TT´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Os escravos oriundos de Moçambique eram reconhecidos no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX como “Moçambiques, Quelimanes ou Inhambanes”, nomes que reflectem as três maiores regiões de escravidão na África Oriental nesse século XIX. Por via dessas procedências, esses escravos de diferentes origens eram identificados por nomes de Nações. Por esta narrativa pode concluir-se que os territórios coloniais portugueses em África seriam fundamentalmente como os armazéns de “mão-de-obra” barata com destino para a América do Sul, Central e do Norte.
Na América do Sul estas “peças”, como eram chamados aos escravos, iam trabalhar nos engenhos de açúcar, roças de café, roças de cacau e outras tarefas de auxílio às variadas tarefas de manutenção menos presadas pelos feitores ou trabalhadores não escravos, indígenas ou crioulos. Para a América Central iam também ser utilizados no plantio e manuseamento da cana-de-açúcar e, ou cacau e na América do Norte, era mais focalizada para o trabalho em campos produtores de algodão ou servirem de mocambos (criados) em serviços auxiliar.
África, especialmente as colónias de domínio português como Angola, só foram olhadas como verdadeira terra e gerida como território administrativo com as instituições de poder, a partir do primeiro quarto do século XIX. Das colonias portuguesas, todos eram falantes de língua banto e no caso dos saídos das regiões Congo-Angola, estavam historicamente em contacto com o cristianismo; De recordar que todas as caravelas idas do reino da Metrópole, chegavam na senda do povoamento, levando sempre padres do Clero ou Missionários da Igreja Católica Romana e ordens adstritas de Roma, com a finalidade de propagarem a fé. Era aliás a função principal requerida pelo plenipotenciário Papa de Roma.
Quanto valia um escravo? Não se sabe ao certo, mas diz-se que o preço era feito de acordo com os negociantes. Quem vendia? Os comandantes militarem, negociantes negreiros como a Dona Ana, administradores, o próprio governador, que tinha tropas e a própria igreja. Em 1846, o Brasil conseguiu o 1º orçamento super da gestão do Império. É a partir destes dados oficiais que poderemos tirar alguma conclusão. Nessa época, uma saca de café era comprada por 12 mil-réis e um escravo comum era cotado a 350 mil-réis. Portanto um escravo valia em média entre vinte a trinta sacas de café.
Os escravos que eram hábeis em carpintaria, fundição maquinista etc., valiam 715 mil-réis - o dobro. E, porque Loanda de então era uma cidade esclavagista, muito do negócio corria com essa dinâmica o que, levou muitos sectores da sociedade a dizer no após abolição da escravatura: “Vamos viver do quê, se não produzimos nada?” Em realidade não havia um projecto de governo ou administração com pernas para andar porque, não estava em causa, o reino impulsionar seu desenvolvimento.
Corria um quente e grosseiro zunzum de feira nas Portas do Mar em frete à alfândega da Luua (Loanda). Os Talatonas por ordem dos padres e negreiros geriam os cipaios no comércio dos escravos em currais ou cercas na área das Ingombotas e Maculussu esperando pelo embarque para o chamado Novo Mundo da Kalunga. Ao redor da lagoa do Kinaxixe que abastecia de água potável a então pequena cidade de Loanda era frequente aparecerem leões e onças para beberem ou darem caça a manadas de antílopes…
Pode tentar imaginar-se a quitandeira, balaio na cabeça, rebolando os grossos quadris trémulos e também o quitandeiro cochilando sua preguiça morrinhenta entre casas cobertas a colmo, feitas de ripas cruzadas entaipadas com argila vermelha com tamarindos nos quintais contornados com aduelas… Pela Igreja do Carmo passaram milhares de escravos, muitos vindos do interior. A relação da Igreja Católica com a escravatura era comercial - “a Igreja também precisava de escravos para permutar” - em toda a parte, houve esta ligação fatal. O próprio Vaticano queria fazer evangelização utilizando os escravos, como cristãos - era um dos meios.
Também os caixeiros vestidos de caqui, sarja ou zuarte em tom branco ou creme com manchas de suor nos sovacos e usando chapéus de aba larga em palha bem sebeirosos, agitavam-se na conferência de preços, separando os fracos dos fortes com os musculados de mais-valia. Os correctores de escravos examinando à plena luz do sol os negros que ali estavam para ser vendidos; revistavam-lhes os dentes, os pés e as virilhas; faziam-lhes perguntas sobre perguntas; batiam-lhe com a biqueira do chapéu nos ombros e nas coxas, experimentando-lhes o vigor da musculatura, como se estivessem a comprar cavalos. Não há outra suave maneira de descrever atrocidades.
O Soba T´Chingange
CONHECER MELHOR O BRASIL – QUEM ERAM OS AFRICANOS
2ª Parte - Crónica 3365 - N´Guzu é força (Kimbundo) – 12.04.2023
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Em tempo de Brasil Monárquico, em São Paulo de Assunção de Loanda, capital da Colónia de N´Gola em África, senhoras brancas com guarda-sóis rendados, eram seguidas por candengues mocambos carregando bikwatas. Os moços de recados avultavam seus paletós de zuarte pardo manchados nas espáduas e nos sovacos por grandes manchas de catinga. No Maculussu os negreiros passavam em revista os candengues escravos que ali estavam para serem levados às instalações da Dona Ana nas Portas do Mar.
No período de finais do século XVIII, o tráfico de escravos entre o porto de Salvador da Bahia e o golfo de Benim, ficou multiplicado por via de guerras entre reinos de africanos que lançariam sobre Salvador e seu Recôncavo, levas de novos escravos chamados de nagôs. Em sua maioria eram homens jovens que tinham ficado prisioneiros de guerra de uma das forças tribais. Era habitual as tribos estarem sempre em escaramuças numa forma de poder e os perdedores ficavam por norma escravos da tribo ganhadora.
O Golfo de Benim em África foi sacudido pela jihad islâmica do Xeique Usman Dan Fodio, fundador do califado de Sokoto. Se no século XVIII o tráfico entre a Bahia e o Daomé trazia para o Brasil principalmente os falantes de dialectos jejes oriundos de áreas circundantes ao reino de Daomé, actual Benim, a partir do mesmo século, por via de guerras religiosas, predominariam escravos do país Hauçá, gente islamizada nas primeiras décadas do século XIX, da região de Oyo, norte da actual Nigéria, falantes Iorubá e, conhecidos na Bahia como nagôs.
Situando-nos em Loanda, fonte exportadora de escravos do Congo e da Matamba, deslocando-nos para a baia atlântica, em frente à Alfândega, observamos uma zona com gente a correr de manhã à noite; um porto de embarque de escravos - um local histórico aonde podia acontecer toda e qualquer revolta. Quando embarcava, “o escravo, não sabia para onde ia - ia para a Kalunga”. O infinito feito mar iemanjá, como se diz no Brasil e, que em Angola é kalunga. Pois! Havia ali, revoltas e suicídios; posso imaginar os kazumbis de desespero. Alguns, que morriam no cativeiro, eram lançados para lá da lagoa do Kinaxixe aonde as hienas e leões faziam repasto, quando não soterrados pelos companheiros…
Na Bahia houve um período de insurreição importada pela jihad iniciada em África. Ficou conhecido como o Levante dos Malês de características terroristas e que também se foi expandindo para as roças de café em áreas adstritas ao Rio de Janeiro. Muitos dos escravos Malês de Salvador, após a insurreição com repressão, foram vendidos para Rio de janeiro. Os libertos e fujões também para ali foram refugiando-se da repressão. Foi nesta altura que estes africanos passaram a ser identificados como os demais com o nome de pretos-minas.
Esta denominação já o era comum aonde predominavam os escravos oriundos da região do Congo-Angola; portanto no século XIX os pretos-minas do Rio, eram maioritariamente saídos da Bahia, por vezes islamizados e falando Iombá. Os relatórios policiais do Rio de janeiro era de terror descrevendo desta forma as revoltas oriundas dos pretos-minas e, durante a primeira metade do século XIX houve forte participação de escravos alforriados dando origem ao movimento migratório de retorno às áfricas e, estando na base dos primeiros casos de candomblé.
Paulatinamente e, por ser duramente perseguido, o islamismo e suas práticas de jihad acabaram por ser extintas no Brasil originando muitas mortes e, já bem nos finais do século XIX. A maioria dos escravos na cidade do Rio de Janeiro principalmente nas áreas cafeeiras do vale da Paraíba, chegaram ao Brasil pelos portos de África Centro-Ocidental de Moçambique; eram jovens de aldeias do interior que a propósito foram atacados pelos traficantes negreiros.
Esta estirpe de nova gente, concentraram-se em quatro grandes grupos linguísticos a saber: Os bakongos do norte exportados pelo sistema de tráfico do rio N´Zaire; os Bundus da Angola Central, região Umbunda com inclusão da população do Vale do Rio Kwanza; os de fala kimbundo exportados a partir de Loanda e Ambriz; Os Lundas Tchokwes do leste de Angola, comercializados pelo centro de tráfico negreiro de Cassange para Loanda mais os Ovibundos e n´Ganguelas do Sul, vendidos em Benguela.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
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