NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA*“ - Crónica 3578 – 18.05.2024
“FRACCIONISTAS DO MPLA DA LUUA – O 27 DE MAIO DE 1977” - Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Meu pai Manuel, passou coisas inimagináveis em Angola e, já kota, teve de voltar ao M´Puto com a vontade de ficar, por força desse dia 27 de Maio no ano de 1977. Estava pintado de manchas já negras de sangue, guiado por duas canadianas. Assim o vi, no aeroporto da Portela de Lisboa (actual Humberto Delgado), perna pendurada e ainda com uma bala junto à rótula do joelho.
Lá na Luua os mortos eram tantos e, por tantos lados, que o médico Boavida do Banco de Angola o mandou para o M'Puto; não fossem os pseudo médicos cubanos cortarem átoa a mesma! E foi no Hospital de Torres Novas do M´Puto que tirou a dita cuja - a bala! Teve a sorte de não gangrenar!
E li algures de que «As forças de segurança prenderam muita gente jovem que, na manhã de 27 de Maio de 1977, andava nas ruas de Luanda. Centenas deles foram levados para um Centro de Instrução Revolucionária na Frente Leste e os dirigentes locais assassinaram-nos friamente.» - Nas Faculdades desapareceram cursos inteiros. No Lubango, dirigentes e quadros da juventude foram atados de pés e mãos e atirados do alto da Tundavala.»
Os tamancos de pinho do M´Puto de meu pai, não eram suficientemente quentes para animar o dia que se seguia naquela terrinha chamada de Barbeita e, vai daí, meu pai tentou a Venezuela e o Uruguai mas as facilidades só lhe surgiram para a África - Terras Ultramarinas de Portugal. Deram-lhe passagem de colono após preenchimento de impressos timbrados com a esfera armilar.
Através da Companhia Nacional de Navegação zarpou no tal vapor Mouzinho de Albuquerque por volta do ano de 1950. Nós, família, ficamos a morar no Rio Seco da Maianga da Luua, início do Catambor. Nos fios de gastas crenças, tão corcovado, tão enrodilhado em suas macias filosofias de mineiro de volfrâmio, recordo meu pai Manuel, suspirando baixinho…
Revendo sua miúda indecisão de viver, vendendo volfrâmio para dar rijeza aos canhões de Hitler, assim - para sobreviver na “graça de Salazar”, guerra acabada, houve necessidade de mudar o rumo à vida. Um dia, com um trejeito de esforço, endireitou-se emperrado e cresceu! E, falou: - Amanhã vou à Companhia Colonial de Navegação inscrever-me - Vou para Angola! E, foi…
Ora sucede que passados muitos anos, nesse 27 de Maio de 77, veio da Luua inchado de porrada e com uma bala nos joelhos. E, vêm agora tornar heróis os Otelos e tantos guedelhudos a fingir que nos libertaram no VINTICINCO. Não posso entender o significado de nossas vidas, fingindo ou imaginando ter sido assim como um colchão coberto de cravos vermelhos num caixão e rosas, porque Cristo nos chama para às mais exigentes e ousadas periclitãncias como a sempre desconhecida morte! E, as FP-25 - Que negócio foi esse?
Esperei-o no Aeroporto. Seguro por duas muletas parecia um Cristo! Tirou essa bala e, não mais voltou… Impôs-se assim uma forçada regra de vida: - A liberdade de sermos saudáveis ou morrer por coisas impensáveis… Sim! Meu pai padecia ser um matumbola (morto vivo) e, até me belisquei para ter a certeza de que isto não era só um suspiro. Em verdade, eu também sabia bem que João Jacob Caetano, o lendário Monstro Imortal, tinha morrido com um garrote do n´guelelo, um triste fim de um herói…
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
MULOLAS DO TEMPO – 04.11.2017 - Nós e o mundo … Hoje, acordei bordado em lentejoulas marafadas do sul do M´Puto.
Niassalândia é o meu país.
Por
T´Chingange
Assim é! Acordei com uma zoada nos ouvidos; uma comichão suave com apitos de cascavel. Já é habitual colocar cotonetes com água oxigenada e um pouco de água morna mas ao agachar-me na procura dos cotonetes vi o milongo da Ana Arrais feito de muitas ervas do Nordeste brasileiro. Foi quando pensei que este milongo feito de sambacaetá, deveria fazer bem à minha dormência e comichão fungosa dos meus ouvidos.
Vai daí, pus em uma tampinha um pouco de água oxigenada misturada com este samba-caetá e, à medida que a água oxigenada crepitava gostosamente em meus ouvidos fui rodando os cotonetes no sentido dos ponteiros do relógio, não fosse o diabo tecê-las; pois! Numa coisa assim tão corriqueira pode suceder o imprevisto. Levantei-me e fui sentar-me à frente da televisão, liguei-a mas com o zumbido dos ouvidos e pensamentos a voar recordei coisas da minha mutamba.
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Bom! Pude ver-me pelo espelho da vidraça virada a sul - a minha t´xipala na forma de um ET com duas hastes saindo das orelhas. Entre esta visão cómica e cósmica, presenciada na primeiríssima pessoa nem dei muita atenção às inchadas notícias que davam avondo de pormenores extras, da incerta independência da Catalunha.
Nestes propósitos vi-me a apanhar antes do nascer do sol a tal planta de samba-caetá junto aos muros do fundo da Praia do Francês. Ana recomendou que teria de arrancar estas ervas antes da kúkia (sol) sair grande e redonda do lado nascente – lado do mar. Teria de ser daquelas que crescem bem ao la do das urtigas, sítios sombreados. E, assim foi! Dias depois fui ao mercado de abastecimento de Maceió, um mercado das calamidades ou um Tira-Biquíni da Luua para comprar um especial álcool de cereais que ela pediu.
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Junto com mais plantas, Ana fez aquele milongo com aquele álcool. Tenho de referir que lá em casa dela na rua Camarão, sempre a via botar um frasco deste milongo nas narinas e snifar longamente tal preparo de cor castanha. E, foi por vontade minha que ela me deu a cheirar nesse então, este milongo; penetrou bem pelas vias nasais, cérebro e cerebelo refrescando a áurea do meu ser. Senti-me fresco, audaz e curioso.
Disse-lhe que também queria aquele produto. Daí eu ter diligenciado tudo para obter tal cazumbi, produto que uso quando me lembro porque tenho as narinas entupidas e também para eliminar os biliões de fungos que pululam nas minhas ventas. Depois disto fui fazer duas torradas. Já tostadas, rego-as com azeite de oliva de Borba, graduação 0.4 e, esponjo nelas a cayenna pépper que um amigo me recomendou lá na África do Sul.
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Foi-me dito e repetido que é boa para regular a tensão arterial, porque dilata os vasos sanguíneos e outros edecéteras que por ora não interessa mencionar. Abrindo uma cápsula tomei seu gosto; uiui, uiqué, muito mais forte que o jindungo que normalmente tomava fazendo-me até transpirar o cocuruto do meu templo.
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Mas, não é tudo! As torradas são também barradas com óleo de coco para me livrar doutras mazelas que até o tempo me fez esquecer. Só lembro terem mencionado que meus ossos deixariam de ficar estaladiços como os da Catarina Eufémia. Mas, se pensam que isto é tudo esperem, mais um pouco! Um raizeiro de Maceió, aconselhou-me a tomar o tal de ipê-roxo para durar até aos 333 anos. Não o levei muito a sério mas, pelo sim pelo não, tomo esta bolunga à mistura com o borututu
Pois, da gente com mais de cinquenta anos, que tenha vindo de Angola, quem não se lembrará de ter sempre lá em casa uma garrafa de água do Bengo com raízes de borututu na geleira, frigorifico ou recolhendo da selha gota-a-gota a água que ali se deitava para purificação. Tudo isto era para preservar contra doenças de biliosa, do aparelho urinário e rins; assim dizia o raizeiro doutor Kimbanda de nome Sambo.
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São tantas as mistelas que tomo à mistura com barbas de milho e mezinhas da minha avô que que nunca saberei ao certo qual, a que melhor me faz. Isto deve ser uma propensão do meu ADN por parte do meu tio Guerra, um famoso curandeiro de cortar a dor ciática, que recebia gente de todo o Portugal no eirado da Senhora do parto de Barbeita, lá nas terras altas da Beira do M´Puto, um genuíno Turdetano.
O Soba T´Chingange
TEMPOS CUSPILHADAS – Mordomos da Irmandade de Santo António com fraques de três botões dourados...
Mulungu: É uma arvore de grande porte com flores vermelhas,;existem no Brasil e em Angola; Um pouco por toda a África
Por
T´Chingange
Naquela aldeia da santa terrinha do M´Puto, terra Alta da Beira, as calçadas empedradas refletiam em ziguezague a luz amarelada dos lampiões. Àquela festa de Nosso Senhora do Parto, uma capelinha entre pinheiros na parte alta da povoação, ia chegando gente despejando alegrias entre beijos e abraços a familiares, compadres, amigos de borga. E, lá estavam também os festeiros da Irmandade de santo António com fraques de três botões dourados, lenços de seda debruadas na algibeira e largas gravatas de cambrais engomada. Na outra ponta do adro e campo de futebol, já rodava o fogo de artifício chegando até nós o cheiro de pólvora queimada misturado com outros de torresmos, batatas fritas e farturas. O clarão do archote preparado para fazer o balão subir crepitava sombras nas pontas espichadas sobre a brancura das lapelas dos mordomos de Santo António.
No escuro da noite, entre a fumaça colorida do arraial, podia ver-se também, lá longe, as luzes de Folgosinho, Mangualde e Seia na encosta Norte da Serra da Estrela. Eu era bem pequeno, mas poço recordar os tiques pretensiosos com um ar encalistrado e cheio de suados robores das moçoilas, moças ou raparigas bem epigadas. Destacavam-se os filhos e filhas dos ricos negociantes que por ali bem perto tagarelavam com patrícios vindos de França e Suíça à festa do 15 de Agosto, dia de Santa Maria, padroeira desta e muitas mais terras do M´Puto. O ambiente tremia no frouxo vozear de cochichos das meninas casadoiras que com risos delicados, faziam tilintar colares de filigrana e braceletes farfalhando saias em ondulados gestos.
Nesses antigos tempos, sendo eu gente pequena, animava s dias correndo pelos becos com pau no arco ou saltando de oliveira em oliveira como uma macaquinho; ainda não tinha sonhos nem sentia desesperos a ladrar-me por dentro. Todos os dias, tiritando de frio e com ar preguiçoso de como quem cumpre uma aborrecida tarefa lá ia eu para a escola de Barbeita com bata e tamancos trauteando aquelas graníticas pedras. Um certo dia, eu e Messias desmanchamos umas bombas de festa, despejamos a pólvora em umas quantas folhas de jornal e atiçamos fogo a uma das pontas.
O imperfeito rastilho não pegou de imediato e, de impaciência, lá vou eu soprar para atiçar e, eis que no momento exato que me debruço sobre a improvisada tocha de jornal amarrotado, dá-se o fenômeno ! Pum! Um fogo explodido lambe-me toda a cara, queima-me os cabelos e as pestanas! Ai Jesus, ai Jesus... Lá vai Messias aflitinho chamar a mãe Arminda! – Acude seu filho Tonito; ele está todo queimado! A explosão soprou-lhe na cara! E, lá foi meu tio "O Cristo" na bicicleta do meu outro tio "O Nosso Senhor" levar-me ao hospital. Pude ver-me mais tarde após a chegada do hospital, uma múmia enfaixada em gaze branco com dois olhos espreitando o futuro. Tem sempre um começo!
O Soba T´Chingange
MILONGOS CUSPILHADOS – Esgravatando o tempo com pasmos… XI
Por
Com pasmos regados de estranheza, carrego embaraçosos sorrisos polidos de condescendência; esgravatando o tempo, ajudo meu pai a montar armadilha de prender toupeiras num lugar de nome Cornelho, numa clareira entre pinheiros aonde o vento sopra frio, de engelhar dedos, de fazer frieiras nas orelhas e beiços, entorpecendo os dedos dos pés metidos em tamancos recobertos com pele crua de boi, pregado coma tachas de cabeça ovalada. Mover o corpo era a melhor forma de o aquecer mas, a alma da pura preguiça fica em frente da lareira da aldeia no beco do Rebelo.
Nos propósitos de agora com almas de um Novembro antigo e outonal, vi-me sentado num corrido mocho, já muito polido com corações nos topos, soprando sem pressa as brasas, remexendo as castanhas até as fazer saltitar de mão para mão. Surgia entretanto minha mãe a pôr umas brasas de pau de oliveira no café com mistura de cevada, desde esse então não mais senti um sabor igual e cheiro daquela mistura açucarada; O calor trepidava carícias entre luzernas, que aladas em ondas nos aquecia de ternura e, vinha a água-pé que meio doce, meia quente, escorria que nem ginjas como soe dizer-se.
Na procissão de pensamentos, são Martinho sempre presente surgia depois dos Santos, oferecendo-me um pífaro de barro comprado na feira de Mangualde; era o que me faziam acreditar para manter a tradição. O porco estirado em pendurão dum caibro da asna, escorria-se em pingos secando as carnes até se enxugarem; este bicho, ali sem pelo, desventrado, metia-me um medo do caraças; teria eu os meus cinco anitos. Eram dias de castanhas, sopas de água-pé, febras e torresmos entre batatas do Cornelho, da Pereira ou do Esperão, lugares com muitos pinheiros, de muitas sanchas e tortulhos de chapéu largo.
As couves lombardas ou tronchudas regadas a banha entravam quase sempre nas ementas. Um dia, no meio daquele frio de encarquilhar vontades, de se tornar gelo nos alguidares, estando eu Tonito guardando as chibitas que nos davam leite, a tia Micas gritou-me um também gelado grito e, de susto caí da figueira aonde estava empoleirado; as cabras comendo os rebentos novos da vinha dessa minha madrinha, tornaram-na fula e o grito transtornado saiu duma rusticidade cheia de rispidez. Caí de susto!
Cai de susto em cima de uma pedra, desse mau jeito parti o braço, não sei se o cúbito ou se o rádio, minha mão rodou 180 graus; eu aflito e, num ai-jesus de minha mãe Arminda, lá foi o padeiro com sua furgoneta até o Hospital de S. Teotónio; Meu osso, ao fim de algum tempo colou mas, sempre ficou um ligeiro desvio torto, neste braço esquerdo. Aquela queda e aquele caminho calhou que não foi o caminho do Céu mas, aquelas plantinhas silvestres escondidas no tufo da minha queda, seu delicado aroma de rosmaninhos com giesta ficaram agarradas ao meu sentido, um cheirinho de doçura das terras reverdecidas do M´Puto.
O Soba T´Chingange
SONS CUSPILHADOS – Naquela aldeia havia grilos e ralos cantadores … VIII
Por
T´Chingange
Naquela aldeia de minha mãe, minha também, havia grilos e ralos cantadores ao cair do dia; mais logo, eram sapos e rãs com coaxares de noivado e, lá para a noite escura o piar de mochos e corujas que me soletravam medos com os uivos de cães vadios. Diluído na negrura da noite, a névoa resvalava-se-me em uma sonolência doce; uivos latidos ou gritos na noite de escuros vales e montes cercados de brutalidade agreste, silvando-me melancolias de como quem penetra nas terras do seu desterro. Metido em meu roupão de flanela amarelo e de face arrepiada, ouvia o murmurejar duma chuva miudinha com uma natural moleza de humidade.
Molemente, um espesso céu de algodão diluía-se-me em sonho dormido e eu, ainda pequenote, conduzia um jumento á trela até à manjedoura do chafariz bem ao lado da capela tendo como companheiro meu fiel podengo. Um homem sem barba, sem colete, sem jaleco, sem samarra nem dentes, acalmava seus cães que se encarniçavam contra o meu podengo. Havia um brasão de armas com cabras encavalitadas comendo parras de granito secular emoldurado com musgo enverdecido.
Do adro daquela capela podia ver-se na lonjura os contrafortes da Serra da estrela sem se distinguir com clareza as manchas de Mangualde, de Ceia, de Folgozinho. Daquela terra, minha e de minha mãe Arminda e, pela janela do sótão na casa do beco dos cabeças, via-se os telhados e a fumaça densa subindo para Deus tapando-o tal como dissera meu pai Manel quando cortava a côdea da broa; apontando as telhas, sempre dizia que aquela era para ele que padecia de fome. Eu, espreitava, espreitava mas, nunca o cheguei a ver!
Dali daquele janelo, podia ver-se lá longe na encosta da grande serra, a terra de meu pai de nome Nesprido, freguesia de Povelide, terra de bruxas como ele dizia quando falava de suas namoradas e lobisomens mais os ventos falantes. Podia ver-se também as ruazinhas da aldeia muito cheias de tojos, giestas e rosmaninho para fazer estrume e com sorte, ver o senhor Fragoso, botar penicadas para o beco; também se podia ver as muitas casas descascadas de onde também se esgarçavam pelas telhas vãs o fumo branco cheirando a pinhais.
Nos dias mais claros podia até ver-se um ponto branco na encosta, a ermida da senhora do castelo de Mangualde. O ar puro e fresco entrava na alegria da alma; lembro-me muito bem dos chocalhos e guizos a tilintar, as chibitas entre os muros enegrecidos pelo tempo ou abandono; Século seculorum, de densas negruras de fuligem, algures na Beira Alta.
O Soba T´Chingange
DOIS DEDOS DE PALESTRA . Tempos de pagode . III
Por
T´Chingange
Xicululu: - Olhar de esguelha, mau-olhado, olho gordo, cobiça
Meu avô Loureiro aprendeu a tocar violão com um madraço forrozeiro de nome Géninho. Comprou um violão em segunda mão e levava as horas vagas praticando os ritmos quentes; cada dia dedilhava melhor seu instrumento e, neste meu sonho hipnótico crepuscular ele já dominava o meio do pagode cantando modinhas como um qualquer brasileiro daquele abarracado de mukifos de bairro subindo para o morro e na forma de favela. Mariquinhas, sua donzela de horas extras surgia inesperadamente e, a cada verso que vinha de meu avô, da boca da mulata era um arrulhar choroso de pomba com cio. António Loureiro, bêbado de volúpia enroscava-se todo em seu violão, ganindo, guinchando, miando; ele e violão gemiam ao mesmo gosto com todas as vozes de bichos sensuais penetrando o tutano como finíssimas línguas de cobra.
No meio desta calaçaria eis que surge Dona Constância mãe de Mariquinhas chispando diabos, cobras e lagartos para cima do gaiteiro Loureiro, sua Mariquinhas estava prenha e, isso não podia ficar só assim. Após este embate o “Louro” Loureiro suavizou a gorda senhora e, nos dias que se seguiram, meteu o pau na vida umbigando-se entre quatro paredes dum despintado sobradinho. Loureiro que passou a ser conhecido por Louro Galego passou a ser muito solicitado nas muitas festas dançantes, nesta actividade de pagode ganhava uns cobres extras. Com ele, o samba, o bolero e valsas, não tomavam fôlego; a música, noite adentro, quadrilhas juninas, moças madraços e meninas dançando com muito riso.
Louro Galego, todo ele estava um mestre de calaçaria, lascado de perdido nas noitadas de forró. Meu avô, de homem bem apessoado, foi-se transfigurando num galeto em vinha d´alhos, chupado de alento, tanto apego a tanto forró. Um dia e em surdina, comprou um bilhete no transatlântico Alcântara da Royal mail Line largando tudo só com a roupa do corpo fugindo franzino e pesaroso; com lágrimas salpicando-lhe as rugas fugia tísico largando a Deus suas duas filhas para tentar salvar-se nos ares puros de entre a encosta da serra da Estrela e Caramulo. Ao falar de Coisas próprias torno-me mais verdadeiro; uma estória como tantas que não acaba ainda porque, o mundo gira à margem destas vulgaridades.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
DOIS DEDOS DE PALESTRA . Cantada de moqueca . II
Por
T´Chingange
Xicululu: - Olhar de esguelha, mau-olhado, olho gordo, cobiça
Hipnotizado na forma crepuscular, ardia passivamente aos hábitos de existência vendo largos horizontes de céu alegre, mar e mata verde do selvagem Brasil, defronte de despenhadeiros ilimitados e chapadas sem fim, aonde o espaço surge como um reinado gigante e voluptuoso. Deve ter sido em parte ou totalmente submetido a esta a visão da nova terra, promissora de beleza que meu avô viu viveu e gozou. Naquele Rio de Janeiro e na fronteira de entre a urbe e a favela, ao seu redor existia um instinto feminino feroz e, que quando estivesse todo ele brasileiro, cheiroso e perfumado, teria avulsos dismilinguidos calores e condescendentes afagos; farfalhos gratuitos malucando a sua vida.
Num ápice de tempo compactado no crepúsculo do meu sonho ou sono, pude observar nos seguintes dias os préstimos de Mariquinhas pondo-se à disposição dele, meu avô, obsequiando-o com exagerados rebolados de todos os seus atributos. Todos os fins de tarde, Mariquinhas, a horas desafogadas de clientes, aparecia a fazer compras na venda do senhor Joaquim, patrão de meu avô. Senhor Joaquim também ele português natural da Guarda, estava umbigada com uma morena cheia de compostas carne. Meu avô Loureiro, aboletado a estas fartas carícias e gratuitos afectos, tornou-se por assim dizer um “pobrezinho de Cristo” sentenciado a descumprir com o voto de fidelidade a sua mulher e minha avó Topeta.
António Loureiro não era de pau e, não havia coração que resistisse a tanta tentação. Um dia seu Joaquim, que não era cego, disse-lhe: - Óh… António, o mundo é largo… Há lugar para gordo e para magro! E, é p´ra se gozar se, se não é capado! Tolo é quem não aproveita! Para bom entendedor, era o quanto baste; teria de crucificar-se às investidas de Mariquinhas que lhe dava volta à cabeça. Um dia, pelas cinco horas da tarde no capinzal e debaixo do jambo António Loureiro, com o espírito e corpo envoltos em fogo, libertou-se; tremendo num gosto de prazer invadiu-se de ais e uis, gritinhos picantes de cor violeta. O primitivo sonho de ambição estava consumado. Mariazinha perdeu seus três vinténs, seu cabaço; eu ganhei uma futura tia que veria a nascer nove meses depois, só que…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
FELIZ NATAL – O meu presépio
MALAMBA: É a palavra.
Por
T´Chingange
Alucinado num turbilhão de grandezas com comendas de grã-cruz e crachás, reflexo dum mundo inatingível ou longínquo, vertiginosamente vindo do frio, passa um trenó com um pai natal de gorro vermelho, no casco lateral lia-se patrocinio da Coca Cola; em ondas de ceda da cor do gelo árctico e rendas vermelhas salpicadas de pendentes pérolas, as renas fumaçam esforço em suas ventas. Ou-ou-ou e, lá vai esbracejando para os lados de Alcafache.
Desatrofiado da cobiça, abdico dos meus privilégios, sentimentos que nunca saíram de meus chinelos impregnados a chulé e minhas largachonas camisas com riscadas galinhas d´angola. Estupefeito em sentimento de gente, embrulho-me em três vinténs de musgo, palha de feno e carolos de milho vendo a estrela cadente no topo da capela da minha aldeia, Barbeita. Afagando o menino Jesus debruço-me na humilde manjedoura fazendo-lhe cosquinhas no dedo grande; esforço-me nisto mas, ele não ri.
O bafo quente do burro apoquenta-me as orelhas que se deliciam com os balidos dos meus cordeiros. A vaca muge sem tugir enfeitando o presépio com suas sarapintadas manchas de vaca leiteira. Nossa senhora, Dona Micas, de manto azul, olha para o meu tio São José interrogando-se pela demora dos Reis Magos; Era o presépio da aldeia nas encostas frias do rio Dão, a Barbeita do tempo em que eu guardava cabras e ovelhas. Os pinheiros estavam nas encostas da serra da Estrela a completar a vastidão do mundo real; ao longe as luzes de Mangualde, Ceia, Nesprido. Folgozinho, Nelas e frio quanto baste. A todos os meus amigos e, evitando invejas, também aos meus inimigos, votos de UM FELIZ NATAL. A todos, ofereço murmúrios de brisa e ciciados beijos envoltos em celofane, um laçarote em pétalas de rosas e asas de pirilampo fosforescentes.
O Soba T´Chingange
MODÉSTIA CAMUFLADA . Parte da minha lenda . IV
Por
T´XIPALA: - Fotografia, cara, rosto, personalidade, carácter
Pelo afã de tourear o risco e pôr à prova a sorte, reclino-me num sofá bebendo champanhe oferecido e, comendo biscoitos picantes, brinco com os meus triglicéridos, glicemia, ácido úrico e a urticária com caspa. Acompanhado às vezes pelo meu amigo benemérito o hoquista Santos Pereira, herói com o prémio Governador-geral de Angola, lá pelos anos de 1962, recordamos os tempos de medo apertado na igreja do Quissoque, dos tiros vindos do escuro dessa mata grande do Mayombe, entre o Belize e Miconge. De tempo em tempo, lembro da necessidade de consumirmos os vinhos velhos depositados em sua cave, catacumbas aonde se amontoam líquidos já com sabor de rolha e, com bolores do bigode de Baco do tempo do jurássico. De todos os bafiosos líquidos, é o vinho espumante e champanhe os que, mais se aproveitam; saídos dos dinossáuricos tempos, apresentam-se com um elevado grau da bondade; bebíveis.
Desprezando espectáculos frívolos de vida nocturna, das donzelas melancólicas de encaracoladas jubas e piercings no nariz e lugares mais exóticos acompanhadas de galãs de cabelos esticados, recordamos coisas da guerra, heroicidades imprevisíveis e náuseas vulgares duma guerra em terra de gorilas; um contraste de modo de vida raiando sussurros, bizarros na forma, grunhidos injuriados. Durante anos, ambos estivemos à espera desse apego camuflado, assim como um amor incontestável que hiberna durante anos, tendo agora a oportunidade de germinar na forma de inchadas recordações com feitos de assombro e elogios desmesuradamente pirrónicos; Estávamos mesmo em estágio de viagem lunar trocando galhardetes de sítios marcantes, assim como pústulas das nossas vidas.
No ano da desgraça de 2013, nos nossos amiudados encontros no decorrer do verão, damo-nos conta que agora, nada podemos adicionar no capítulo de heroicidade e, muito menos com a crise rondando e rosnando ao nosso redor como lobos esfaimados ratando-nos bolores de juventude. Ninguém desde comerciantes professores ou funcionários do estado estão contentes com a sua sorte, o que quer dizer com o seu governo. Os portugueses parecem resignados às falhas de carácter, amolecidos na perca de direitos adquiridos e irregularidades na forma de roubo, resignam-se à subsidio-dependência com soluços de fatias de desemprego, ou esmola de reinserção social; tudo envolto em corruptas diligências de burocracia e ineficiente justiça, num decadente deslizar para a pobreza. Contra tudo isto, só uma raiva crescente contra desigualdades com regalias desajustadas dadas a muitos políticos, gestores de alto coturno, governantes e militares de estrelas a coçar preguiça ou os teodósios nos quartéis. Como mudaram os tempos; de sopas de vinho com broa, para chiclete com banana!
(Continua…)
O Soba T´Chingange
MODÉSTIA RESTOLHADA. A minha lenda . I
Por
T´Chingange
T´XIPALA: - Fotografia, cara, rosto, personalidade, carácter
Ensinando-me em normas de modéstia restolhadas, com ternura de amor, venço com generosidade e por graça de meus guias os obstáculos do pensamento. Num condimento sem água benta, xaropes malcheirosos, ou agulhas de acupuntura a modos de parecer um zumbi, daqueles de lançar feromonas de crenças de kinguila e, salpicadas de pústulas. Como presença constante trago com suavidade, a imagem de minha avó Topeta de nome e, adjectivadas alcunhas aos restos de minha vida. Ela, era uma senhora alta, rosto, olhos, e testa larga e alta quase sempre tapada com um lenço colorido comprado na feira de São Mateus de Viseu; também usava um vestido de luto escuro às bolinhas brancas em memória de seu marido e meu avô já “a fazer tijolo” há muitos anos.
Este avô materno de nome António Loureiro, deu-me demasiadas nuances ao quebra-cabeças de minha vida semeando em mim nebulosas visões; tendo ido para o Brasil abarrigou-se com uma escaldante mulher de tez morena ao qual fez duas filhas e, após muitos anos de folguedos carnavalescos, voltou tísico para se defuntar num repentemente, sem falar com os anjos certos ou meter cunhas no sanatório do Caramulo. Quem não se lembra desses tempos ainda recentes de gente com tuberculose que se juntava nos largos das termas e praças públicas cuspindo escarretas de todas as cores para a calçada; dos velhos com cajados de marmeleiro contando bazófias de encruzilhadas do Zé do Telhado e da Maria da Fonte e, até os hospitais desse tempo tinham bacias próprias para com o produto cuspo, fazerem grafites coloridas de nojice. Jesus, credo!
Tudo aquilo do passado e fazendo parte do meu genes, surge amiudadamente na imagem e, sempre, sempre, bulindo, vejo a minha avô sentada no adro da igreja como uma amarelecida foto já sarapintada de bufas calcinadas de moscas pré-colombianas; que ria com os dentes todos parecendo sacholas brancas mordendo o ar e seu xaile em tons escuros, tapando os tornozelos. Nesse local de fartas e largas vistas as oliveiras salpicam os lameiros próximos e mais longe e muito longe pode-se imaginar o maninho com giestas, rosmaninho, urzes e carvalhos bordeando cerdeiras e manchas verdes de muitos pinheiros; por detrás de tudo isto e envolto na neblina do vale do rio Dão, vê-se os cumes brancos de neve da Serra da estrela.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
PARA REFLETIR – No tempo em que eu era o Tonito
Por
T´Chingange
Desde sempre e, que me lembre de ser gente, observei que as leis foram inventadas pelos fortes para dominarem os fracos que são muito mais; sempre observei amizades incipientes desde o tempo em que os cuspidores de prata eram usuais e era admissível ou, sem reparo, cuspir-se em público; sempre foi mal visto o acto de cuspir para o ar e até havia a polícia dos costumes a multar incumpridores que cuspiam para todos os lados fazendo grafites com escarros coloridos e até raiados de tísicos assombros com desenhos obscenos; havia os rufias catadores de aconchegos entre as putas dos cais que usavam a cuspidela na cara dos outros como extremo desprezo. Os estudantes gozavam com a lei acendendo isqueiros segurando uma telha por cima de suas cabeças; era lei no uso de isqueiro, pagar um imposto com isenção quando usados debaixo de telha. A lei mesmo que absurda, torna o impossível admissível.
Hoje já não se vê escarradeiras nos corredores de hospitais ou salas de espera, nem mesmo nos casarões palacianos mas, aí por mediados do século XX, recordo os casinhotos de retrete da minha escola, um lugar da Beira Litoral chamado de Barbeita a escassos quilómetros de Viseu; neste tempo, ia para a escola como no tempo da idade média com uns tamancos feitos em madeira de pinho e recobertos com couro de boi na sua cor original; as retretes da escola ficavam no fundo do pátio, casinhotos mal cheirosos tendo no seu interior uma barrote longitudinal em cima de um estrado, um tudo nada mais elevado de forma a ser usado de cócoras; As frestas eram mais que muitas que o inverno congelava o rabiosque. Ali se apoiava o rabo ficando com o sim-senhor ou fio-fó por cima do esterco fedorento; periodicamente alguém, talvez o continuo, botava ali giestas, alfazema, alecrim ou rosmaninhos para atenuar o mau odor e o aspecto repelente. Escusado dizer que aquele barrote estava imundo de sebeiroso, mesmo com merda seca.
Hoje que penso muito e rezo pouco, recordo os tempos em que ninguém, mesmo dando pontos sem nó, os primos escolhiam recantos rupestres para se amarem entre monturos de palha e farfalhos de milho, descobriam ali segredos de seus corpos acariciando-se com curiosidade, averiguando as diferenças aturdidos pelo pudor, mais tarde a culpa, maquilhada com muitos tabus de sacristia, ai Jesus, credo, que Deus nos ajude. Naqueles tempos, mesmo sem crise, íamos crismando vergonhas de pobre e, havia muitos, muito mais que agora. Hoje a pobreza será outra, a das pessoas arruinadas porque perderam o perfil e, agora são obrigadas a aparentar o que não têem; tudo por força da crise e roubos subtraídos pela lei do governo, outra vez a velha lei. Creiam, … Isto vai continuar como sempre foi, uma merda.
O Soba T´Chingange
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