CONHECER MELHOR O BRASIL – QUILOMBOS
1ª Parte - Crónica 3416 – 07.06.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Quilombo é um agrupamento de gente em um improvisado espaço como se fora um bivaque militar mas, neste caso eram em sua forma inicial composto de escravos fujões. Como o próprio nome indica em seu linguajar, eram fugitivos da escravidão de um senhor de engenho, fazenda, roça de café ou outro tipo de exploração, normalmente agrícola. Era a forma mais comum de resistência à opressão escravista (esclavagista); refugio à fuga de grupos de escravos seguindo trilhos na mata e correndo riscos vários até ali chegar.
Prática que foi comum em todas as sociedades escravistas da América do Sul e Central conhecidas, possuindo nomes diversos, palenques ou cumbes nos territórios espanhóis, marrons na área inglesa, grand maronage, na parte francesa e quilombos ou mocambos no Brasil. Por norma eram cubatas feitas de capim ou em taipa dispostas em círculo e tendo no meio uma grande e alta cubata na forma de lapa ou Jango (termo angolano) e aberta dos lados, que servia de ponto de reunião e convívio da “tribo”…
Lapa ou Jango, era o lugar aonde conferenciavam decisões de defesa e sobrevivência. Pude observar isto no ”Morro dos Macacos” na Serra da Barriga, um quilombo próximo de União dos Palmares do estado de Alagoas. Na conjuntura do século XIX confundiu-se entretanto algumas características especificas aos quilombos do Brasil Monárquico.
Se os quilombos sempre estabeleceram relação com a sociedade esclavagista no século XIX, essa interacção fez-se ainda com mais intensidade em função do desenvolvimento económico e social do país, genericamente, devido ao crescimento das cidades com população livre e pobre, para além do surgimento de uma opinião pública antiescravista e posteriormente de um movimento abolicionista.
O quilombo de Iguaçu no Rio de Janeiro, teve algum relevo na forma de organização e actuação de outros quilombos periféricos às grandes cidades. Ali e, por todo o século XIX, escravos aquilombados em vários acampamentos provisórios às margens dos rios Sarapuite e Iguaçu, foram bem-sucedidos pelo beneficio da topografia da região, cercada por água e manguezais que logicamente dificultava qualquer retaliação a uma qualquer acção por parte destes fujões.
Mantinham assim um contacto permanente com barqueiros, taberneiros e comunidades das sanzalas das imediações de fazendas vizinhas. Seus produtos, especialmente lenha, carvão e extracção das lavras, como fruta silvestre e, de cultivo das hortas, eram escoados para os mercados chamados de feiras; também o era no seio mercantil envolvente à corte endinheirada que faziam vista grossa quanto à origem da coisa. Esta prática de não querer saber a origem do produto, mantem-se até aos dias de hoje, permitindo a sobrevivência de muitos trabalhadores ocasionais vulgarmente conhecidos por camelós.
O quilombo Malunguinho, nas imediações da cidade do recife, reuniu não só escravos fugidos mas também, índios e brancos fora-da-lei, entre os anos de 1817 e 1835. Como é de calcular saiu daqui uma miscigenação composta de pardos, mazombos, mestiços matutos e mamelucos, prática social que obrigou os etnólogos a considerarem haver aqui uma Raça Humana em detrimento das quatro cores de raças, anteriormente referenciadas nas escolas do ensino básico.
Nas matas de Catucá, por quase duas décadas, mantiveram uma organização militarizada, estabelecendo uma série de relações com apoio a outros segmentos e sectores da população que os acoitavam, informando-os sobre movimentos de tropas regulamentares do reino ou volantes ocasionais e que, com eles negociavam. Esta prática deu também certa originalidade à política hodierna em que tudo tem um preço e o pode ser sim mercantilizado num contexto bem original-abrasileirado com venda ou troca de opinião, valores ou votos; um mercado de assinaturas ou narrativas trocadas, negociadas, vendidas ou cedidas a eito e sem jeito.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
CAFÉ DA MANHÃ . Aquilo que vi, não vi! Aquele mendigo fundiu-se no mesmo senhor vestido de organza - Andava eu neste então, nos caminhos de Santiago, fugido de França…
Maianga é um bairro da Luua
Por
T´Chingange - (O mano Corvo)
Cisne e os templários
Em um tempo muito ido e sendo arqueiro da Ordem de Cristo ao serviço da Rainha Isabel a Católica por bula do papa Alexandre VI, na cidade de Burgos, sucedeu que um dia fui abordado por um mendigo que só o era em aspecto. Aguardava uma carruagem a fim de seguir até Santiago de Compostela.
Costa Araújo Araújo - (O ajudante del Greco)
Saído de Paris, eu também ia nessa direcção; de samarra, um cajado e um odre feito de bexiga de cabra com água do Rio Sena. As sandálias muito gastas lançavam já umas barbelas na qual se lhe agarravam uns carrapitos que brilhavam. A luz destes era tão intensa que dava para ver o caminho certo.
Aquele mendigo tinha com ele uma relíquia do Santo e por todos os motivos que só ele sabia teria de fazer a entrega disso e pessoalmente ao Abade Grão-Mestre. Qual o meu espanto quando passado pouco tempo surge no lusco-fusco da madrugada um bando de cisnes rebocando um aveludado coche sem rodas, irradiando luz por milhares de pirilampos ao seu redor.
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Neste inusitado veículo vinha um velho senhor vestido de cetim e organza e mais panos fosforescentes, popelinas desconhecidas por mim. Só podia ser um sonho! Mais atrás numa viatura flutuante havia quatro donzelas cobertas também em cetim e sedas bordadas a oiro e prata, levitadas em cor reluzente. Tudo isto se passou numa ponte romana, tendo um marco miliário redondo e alto já com as letras do seculo e milhas desgastadas.
Ainda hoje, tantos anos já passados, fico interrogando-me: - Aquilo que vi, não vi! Aquele mendigo fundiu-se no mesmo senhor vestido de organza ficando num só. Uma visão doutro mundo e no limiar duma vida, talvez penumbra de morte; uma de muitas viragens, charneiras duma era, a dos templários fugidos da foice segadora do rei Filipe IV de Espana e III de Portugal.
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Quando vi este quadro de Zé Costa Araújo veio-me logologo à ideia, esse tal episódio. Isto é a ressurreição duma epopeia antiga antes de em um dia treze e duma sexta-feira, ceifarem milhares de soldados daquela ordem. Foi Filipe IV, rei de França que deu ordens nesse sentido com a anuência do Papa Clemente V. Estavamos em mil trezentos e troca o passo - (Poucos andavam de charrete)
Ele o Zé Augusto, dono e feitor desta tela, era aquele velho mendigo feito de dois dessa lenda antiga mas, que só eu conhecia em pleno. A partir daí passou a dobrar seu nome; nem ele sabe desse porquê escrever-se Costa Araújo Araújo; dois Araújos em um só! Mais tarde, encontrámo-nos em Toledo sendo este pintor auxiliar de El Greco. Foi aí que fizemos um pacto de amizade cuspindo na mãos e mijando de forma cruzada sobre o rio Tejo. Consegui guardar este segredo até hoje. Isto do quadro só pode ser obra dum talentoso bruxo; ele mesmo: Araújo Araújo!
Ilustrações de Costa Araújo Araújo
Adenda da história
No Concílio de Vienne (1311 - 1312), o chefe supremo da Igreja anunciou a extinção da ordem religiosa por meio de ação administrativa. Com esse precedente, Filipe IV pode prender, saquear e matar todos os cavaleiros templários presentes na França.
Em pouco tempo, Jacques de Molay, grão-mestre dos templários, foi levado à fogueira em uma pequena ilha do rio Sena. Segundo o relato de um escritor da época, antes de morrer Molay profetizou que Filipe IV e o Papa Clemente V seriam julgados por Deus pela injustiça que haviam cometido. Poucas semanas depois, o rei da França e o Papa faleceram. Tal coincidência, ainda hoje, nutre os mitos que falam sobre os segredos e mistérios da Ordem dos Templários.
Do Mano-Corvo T´Chingange
MANIKONGO E MARACATU - UM SÃO JOÃO COM SARDINHAS - Porto, Braga, Maceió, Caruaru e a Luua – A sangria, o caldo de feijão, a coxinha de galinha, chouriço e o ananás recheado de velho barreiro com muito gelo ou o marufo da cassoneca…
Maianga é um bairro de Luanda, Angola da Luua, meu berço tropical.
Por
AS FESTAS JUNINAS
Junho, mês das festas populares é festejado por toda a kizomba; as marchas, os casamentos, o saltar da fogueira, o baile de mastro o xodó e forró pé-de-serra, fazem parte dessas manifestações na diáspora portuguesa. O maracatu, sendo uma manifestação junina pouco conhecida em Portugal, tem a sua representação maior no Nordeste Brasileiro.
Originário da coroação dos reis do Congo, antigo Manikongo, foi transposto pelos escravos idos de Angola para as explorações de cana-de-açúcar. O cortejo de coroação real composto de rainha, rei, príncipe, princesa, ministros, conselheiros, vassalos e porta-bandeira vestidos de cores extravagantes, saem às ruas em grupos ou quadrilhas para energizarem a vida.
Maracatu é uma manifestação cultural da música folclórica pernambucana afro-brasileira. É formada por uma percussão que acompanha um cortejo, uma instituição que compreende um sector administrativo e outra, festivo, com teatro, música e dança. A parte falada foi sendo eliminada lentamente, resultando em música e dança próprias para homenagear a coroação do rei Congo.
A nosso Kizomba, fazendo registo deste património não pode ficar alheio e, com seus chocalhos, concertina, guizos e tambores junta-se à plebe, à folia para alegrar nobres, sábios, cipaios, homens ricos e M´bikas (escravos) que se devem juntar ao evento com balões, alho porro, martelinhos e fogo de artifício. A ciência leva-nos a pensar que o Universo nos é inteiramente racional ou matemático mas, nas festas populares, com aquele tintol, tudo pode acontecer. Beba a festa carago!... Se não tiver alvarinho venha o vinho…
Atento às passadas e calcanhar de Cristiano fazemos figas, damos as mãos uns aos outros fazendo uma corrente mas, cinco passos cadenciados, pernas abertas, olhar de raio laser e zás-trás, chute e xissa! … Também isto é parte de São João com fumo de sardinhas e pucarinhos com delicias de bolo podre e as esculturas ditas cascatas do Santo mais os manjericos e sumo ou suco de erva cidreira, capim santo ou caxinde.
A bola do Ronaldo que não fez aquela mágica curva, que nos faz roer aszunhas dos pés. E, a queixada do Santo António a triturar-nos a ira com jeito de surda raiva pelo Santo, que nada fez quando não faz. As festas juninas estão aí, Porto e Braga e também no Brasil com o Xodó e a zavumba mais reco-reco e berimbau. Não vou fazer a habitual fogueira, nem saltarei de costas, nem mais irei confiar na sorte sortuda porque me posso lixar.
Amigão kaluanda da velha Luua fica também connosco, bebe uma bolunga, ergue a taça que vamos ter pela frente outras mais oportunidades de fazer muxima e ongweva. Prepara a catana p´ra pintar esse emaranhado de cabeleiras a piaçaba, carapinha, as cores do M´Puto com um garrafão a fingir de balão. Por mim vou dizer ao meu santo preferido que dê uma volta ao bilhar grande se não estiver disposto a dar-nos a victória contra a Croácia. Santos de Junho, Santo António, São João e São Pedro com gaitas, berimbau, sanfona, acordeão e concertina e muito manjerico com quadras lindas! Podia ser melhor, mas foi isto que me saiu…
Cantai, Cantai, raparigas
Cantai sempre ao S. João
Porque ele paga as cantigas
Com muito bom coração.
O Soba T´Chingange
TEMPOS CINZENTOS - Uma conversa pequena de uns pedaços de hoje e ontem, subornando o destino…
Por
Vizinhando as existências, os dias passando sem negar os valores da tradição, da dignidade, revejo os laços da amizade retirando aos segredos das coisas válidas as incertezas fúteis que me obrigam a urgentes adiamentos. Não sei se o amanhã mudará este meu pensar mas, tenho a certeza que estou aprendendo a torturar as minhas balizas utópicas! Nas misturadas incongruências e, com o fogo a ficar frio, revejo-me em que não é no deslize duma breve lágrima que fujo aos terrores dos muros, das fronteiras. Não! Não posso ser facilista no derrame de meus choros! Caem os símbolos, os mata-bichos, as estranhezas das redondezas de meus sonhamentos sem amor presente, presenteado!
Soltei-me às fúrias sentindo amolecidos azedos retorcidos ou encarquilhados num muro já destruído há trita e seis anos atrás; uma zanga infinita que surge ora na Hungria ora na Bulgária, picando o chão fundo sem tirar rendimento dos vagares nas traseiras do mundo. Na confusão espalhada de medos, sobem os muros, botam arame farpado; há os que querem, os que esperam, os que desesperam, os rouba galinhas, pega fogo naquilo dos outros, maldades vigentes cheirando o cano, espingarda de morte, perfume de sangue! Outra vez!
Nos tempos idos em que eu mesmo aperfeiçoei meus ouvidos na mata do Maiombe, escondendo a cara, adjunto só-olhos coadjuvado por nem sei quem, também matei, bravas missões nas aperfeiçoadas malvadezes de vira barril de kimbombo, punindo os amores enfraquecidos duma guerra que nem fiz, que nem quis, que nem miragem de sono trocado sem um sequer ou coisa assim, nem espera que vai ser, talvez no pode ser acumulando em turnos, sargento de dia, do polícia, do gatuno, do pilha galinhas, de novo! Da braçadeira espalhando castigos orgulhecidos por nossos chefes, mais os vindouros e muitos adjuntos, todos juntos! Eram só tempos de capinar terrenos! Eram tempos em que os carreiros se chamavam fiotes! Mais muros!?
Ilustrações de: Costa Araujo - Carlos Teixeira - Aires Fumega
O Soba T´Chingange
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