NAS TERRAS DO FIM-DO-MUNDO
T´CHINGANGE COM REIS VISSAPA* NO OKAVANGO
Kinga só patrão. Kwangiades são as musas do Kwanza…
Por
T´Chingange
Tive a sorte de atravessar os muxitos da África com Dy Reis Vissapa; desde Windhoek, capital da Namíbia, subimos para norte até o Rundu na margem do Cubango e Catima Mulillo às margens do rio Zambeze. Nós, uns gwetas com olhos de águia, íamo-nos tornando mwatas na interpretação das terras do fim-do-mundo conciliando o antes e o agora daquela região de Okavango. E, de novo revisitamos as mulembas de N’Zambi com os kambas daqui, mais dali, ouvindo suas falas de espanto.
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Mostraram-nos aquele arbusto parecido com rebentos novos de loureiro de onde cortam umas varas para introduzir na boca dos sobas defuntados. Apontei algures seu nome mas, com o ronco da pacaça fazendo frente ao leão, meu coração pulou de medo juntamente com o papel de embrulho no lugar do Mukwé; ficou no mato vadiando-se com o vento portador das primeiras chuvas.
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De certa forma os sobas são os guardiões da memória, das tradições antepassadas e, por isso teriam de já defuntados ficar de boca aberta para dizer suas últimas vontades. E, era aquele pau que dava nobreza a este procedimento e, até que o Kimbanda falasse por delegação do morto, tudo o que lhe foi transmitido no tempo, a boca não era encerrada.
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Eu e Dy, pela indumentária, mais parecíamos uns caçadores de elefantes. E, foi uma turista de cor branca de leite que nos perguntou se eramos mesmo caçadores de elefante! Olhamos um para o outro admirados de ver ali esta branquela de mochila pedindo boleia em plena faixa de Kaprivi e, nem sei bem o que respondemos mas o que ficou desta cena foi acharmos demasiado destemida a sua atitude em cruzar áfrica sozinha. Disse-nos que ia para as cataratas Victória fazer jumping na ponte do Stanley que liga o Zimbabwé à Zâmbia.
Foi João Miranda que nos acolheu às margens do Okavango; uma casa totalmente construída em madeira no lugar de Andara em Mukwé; um lugar com ocultos mistérios do canto Xirikwata - um pássaro comedor de jindungo. João Miranda, um chefe do mato, senhor dos anéis num lugar esquecido mas muito especial pelo envolvente mistério de fuga de Angola. E, que depois veio a fazer parte do batalhão Búfalo chefiando os bushmens na investida Sul-africana a Angola, naquele distante ano de 1974
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Sabendo de antemão que neste mundo só os anjos não têm costas João Miranda contou com detalhes esses dias de guerra! Isto é mato, amigo! Disse ele após longas falas como dando um finalmente àquele passado mas, sempre ia falando raspas desse conturbado tempo. Mesmo naquele lugar de fim-do-mundo deve por certo haver um Deus, que nos julga em cada dia e diferentemente, de acordo com o que viermos a ser em cada dia. João Miranda era agora um bem-sucedido comerciante.
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Este quase lendário homem da mata, pouco a pouco recorda com raspas de esquecimento propositado peripécias e, ainda no segredo de sua intervenção no avanço até Luanda; fazia parte do batalhão Búfalo! Vezes repetidas afirmou que após tomarem posições ao inimigo, leia-se cubanos e militares do MPLA, deixavam grupos da UNITA ou da FNLA a assumirem o controlo dessas zonas libertadas e, em que estes eram influentes.
Seguimos viagem rumo a Nascente deixando esta gente que como nós, saíram dessa imensidão dos matos de Angola, de lonjuras percorridas em velhos Dodges, GMC, Willis, land-Rover, Fords ou Chevroletes, terra de onde se parte sem querer partir e já partindo, arrependido depois por não ter ficado; assim foi dito por Elizabete Miranda sua esposa. Como vamos nós próprios destrinçar a verdade dentro da nossa própria imensidão, nos assuntos de crenças e impiedades de bens tão profusos nas regras do Mundo.
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Prosseguindo nesses milhões de espinheiras ressequidas de para além de Okahanja, e Divundo atravessamos terras despidas de gente, uma casa aqui outra lá longe por quilómetros de distância, situadas à sombra de acácias; Farmes quase invisíveis aonde só o depósito de água ou o moinho de vento se vêm tremelicando nas onduladas quenturas. A caminho de Catima Mulillo passamos antigos acampamentos de Omega, chiam segredos de ferrugem abandonada, coisas mal oleadas com negócios de madeiras, diamantes e muita aventura em rente dos olhares de hipopótamos. Estes nada me falaram, preocupados que estavam em espargir merda ao seu redor para marcar território.
Por todo o lado podem ver-se orixes e avestruzes bordeando as áridas terras aonde até o deus-me-livre dos mortais, tem de cohabitar com hienas, chacais e bichos rastejantes de arrepiar o pêlo. Lugares muito diferentes das regiões a Sul de Ovambo aonde os guetos não juntam brancos com pretos.
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*Reis Vissapa - Autor de “Ninguém é Santo” escrito para todos os Angolanos que amaram e amam a terra que os viu nascer ou crescer…
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO . Guetos, somos todos nós, brancos e pretos …
MALAMBA: É a palavra.
Por
Entre dúvidas escondidas no pormenor de factos conhecidos, dou-me conta que João Miranda do Kavango tem versões novas a que eu não forço ao pormenor para não suscitar ranhuras, referindo tão-somente o que me parece ter lógica porque por mais que nos esforcemos há coisas que sempre ficam na charneira do mujimbo, do boato. Savimbi, sempre recusou o abandono da luta escolhendo cenários de exílio dourado e, foi o único dos líderes angolanos que sempre viveu e lutou no seio de sua terra, sua pátria, disse eu num propósito de diálogo.
E continuei: – A ela tudo deu e "nada tirou", ao contrário de outros com contas, palácios e mansões no exterior. Fisicamente Savimbi morreu mas, seu espírito está em toda a parte, mesmo fora de Angola! Alguém em seu nome continuará a ter quem defenda essa cultura, esse povo, essa forma de ser e de estar! Li algures que está enterrado em um humilde cemitério de Luena.
Isso é o que se diz, rebate Miranda no seu jeito enigmático de sempre deixar uma prega solta na costura. Ele está vivo, sim! Algures num lugar palaciano e bem protegido; aquilo de sua morte foi uma farsa muito bem engendrada pelas grandes potências. O que viram em fotos é uma tramóia muito bem-feita, um sócio de Savimbi e, não é certo saberem aonde ele foi enterrado para evitar um rodopio de peregrinos.
Não acredito nesta sua versão, não tem lógica porque mostraram o corpo dele em várias posições e eu até pude referir em tempos que ele se teria matado pois que na foto de Grande Reportagem podia ver-se um furo em seu queixo do lado direito. Era ele sim! Rematei em termo definitivo! Ele, Miranda, deu de ombros assim como dizendo que cada qual ficava com a sua opinião. Não forcei a nota mas, ando matutando em sua ficção; acontece hoje tanta coisa estranha!?
Também é mentira que o Cessna que caiu na Jamba com João Soares, levasse dentes de elefante! O Cessna em voo para a Namíbia caiu, não por excesso de carga mas por nabice do dono e piloto Joaquim da Silva Augusto que actuou precipitadamente a um grito de medo de João Soares; devido a já estar escuro quando do levantamento do ainda novo Cessna, as fagulhas que normalmente saem dos motores fizeram com que João Soares gritasse pelo que, Augusto, fez uma manobra precipitada para regressar, tendo batido nas árvores limítrofes;com precipitando-se no solo.
João Soares ficou ferido, convalescendo em Pretória em casa do casal Horácio e Fátima Roque. Os outros deputados, Rui Gomes da Silva, do PSD, e Nogueira de Brito, do CDS, que tinham ido assistir ao Congresso da UNITA, nada tiveram para além do susto. Quem sou eu para contrapor e com que dados, o que João Miranda afirma!
(Continua…)
O Soba T´Chingange
TEMPO COM FRINHAS . Coisa infecta, simbiose de militar com político, um promíscuo MFA que nos sucumbia, passando armas ao inimigo...
MALAMBA: É a palavra.
Por
Aquele domingo dia dez de Janeiro, foi um comprido dia dedicado à conversa de antigas passagens, famílias em cruzados destinos falando muito de nossas vivências em África a quarenta anos de distância. No meio dum rio longínquo chamado Okavango podíamos admirar dum e doutro lado deste rio a exuberante verdura, alguns vestígios da base daquela que foi o Batalhão Búfalo nº 32 da África do Sul que é agora uma reserva com esses mesmo nome inserida no Bwabwata National Park e, podendo ler-se no mapa como Military Ruins. É Miranda que me chama à atenção das muitas infra-estruturas militares que ali existiam e que tiveram grande intervenção no desenrolar da guerra em Angola.
Ficou-nos bem ciente que podemos sobreviver aos idiotas e até gananciosos que nos governaram nesse lapso de tempo e, aqui estamos nós velhos resistentes, a retemperar ideias com a heineken lager beer, balouçando o tempo em uma balsa do Nunda Lodge. Cientes de que não podemos sobreviver à traição gerada dentro de nós, que fomos no tempo assistindo ao movimento de traidores que não o pareciam, mexendo-se livremente dentro dum governo que se dizia nosso, nos entorpeceram com melífluos sussurros ouvidos por todos que no vestíbulo do Estado português, já ecoavam falsidade nos propósitos; nós muito descansados, muito inocentes, a maioria nada disto sabia.
Esses traidores, não o parecendo ser, falavam-nos com familiaridade, suas vítimas, que sem o sabermos, usavam sua força e suas ambições em apelo a sentimentos que infantilmente se alojavam no coração de todos nós. Foram muitos a arruinar as raízes da sociedade, a trabalhar até em segredo com a justiça, ocultos na noite para demolir nossas fundações; minar também os alicerces da nação portuguesa, coisa infecta num corpo, simbiose de militar com político, um promíscuo MFA que nos sucumbia por mando de outras potências, de tropas passando armas ao inimigo, velhaquices de todo o tamanho vendendo-nos ao desbarato. O dia termina com um adeus aos hipopótamos tendo a kúkia do sol poente, uma visão deslumbrante e, já noite, as luzes do povoado Mucusso, do outro lado do sonho.
Fotos de Ana Maria Miranda (Mwkwé)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO . O risco ou o rego que, por coisa pouca muda nossas vidas…
MALAMBA: É a palavra.
Por
T´Chingange
Se a vida é uma sentença com um princípio e um fim, não conseguiremos ouvir o grito da vida se sentirmos remorsos daquilo que não fizemos, ou daquilo que poderíamos ter feito; não podemos assumir a culpa dos pais, nem dos pais de outros pais. Na percepção parcial das vitais contingências, tecidas e compostas nas coincidências de que a vida é feita, encontraremos o rigoroso sentido do passado, por fortuitos efeitos que determinam o futuro próximo e distante. Cada um de nós foi o que foi por uma coisa pequena, que sem se lembrar do primeiro choro, outros choros se lhe seguiram e, como um risco feito no chão, nem sempre se escolheu dedo ou arado nem por onde fazer o rego que por coisa pouca mudou nossas vidas.
Sem perder tempo com enigmas, aceitei o convite da Ana Maria para passear ao longo do Kavango até quase o Botswana a visitar rápidos e remansos das chanas deste, já com as águas do kuito, águas escuras que irão inundar o Delta, um mar muito antigo a dar vida aos muitos N´dovus ou jambas que conhecemos por elefantes, entre hipopótamos búfalos e outras muitas espécimes. Pela picada de macadame encrespada de ondinhas já para lá do Divundo, dos vários cuca-shops e cola-colas dos chineses, passamos locais de kimbos dispersos e lodges junto ao rio como o Rainbow Lodge, Nunda River, Ngepi Camp, Ndhovu Safari, mas foi no Mahango Safari Lodge escondido no denso arvoredo verde e bem na margem do rio, aonde subimos numa barcaça, mesa posta supimpa, para as catorze almas e alminhas do clã Miranda degustarem um bem surtido e nutrido breakfast com iguarias de crepes e outras ternuras mais adultas.
Já de regresso, de novo nos internamos numa sinuosa picada de areia a visitar um lugar já conhecido como Suclabo Lodge propriedade duma madame de nome Suzi mas, agora com o nome de Divava Okavango Lodge e Spa, cinco estrelas de “elegant style and luxury”. Cumcatano, disse eu depois de pisar o paradisíaco sítio cheio de coisas “good” logo a seguir a cubatas feitas de barro e capim com dois por dois metros, e muito matutar de como caberia ali um par de gente sem os pés encolhidos. Eu, João, Bruno e seu tio Alemão Franz lá fomos em uma pequena balsa com motor à popa e um bafana enfarpelado de caqui, seu chapéu de carcamano do Divava, um surtido de águas, refrescos e cervejas na caixa térmica, ate á base dos rápidos do Popa Falls. Naquela turbulência e com nossas canas de carretos, estralhos, amostras bizarras e bizarrocas, farfalhudas ou reluzentes, atiramos e recolhemos, atiramos e recolhemos e, por aí, repetido sem nada pescar e, eis que o campeão João num truz recolhe um peixe tigre cheio de dentes pontiagudos aí com uns dois quilos que, foi tudo na soma da pescaria, um tigre e três nadas.
E porque é vulgar dizer-se que os gestos não totalmente sinceros vão sempre atrasados, agradeci logo tais luxuriosas horas de lazer a Ana Maria e seus dois filhos quase carcamanos, mas com rusticidade na traça mirandesa ou bragançana em seus sotaques, falas e cantorias. Soe dizer-se que todo o acto humano interfere com a vontade de Deus por mais insignificante que seja e, neste dia de Domingo, quatro de Janeiro do ano da graça de 2015, só fui livre para poder ser castigado na míngua da pesca com um escassíssimo nada. Também nisto, não posso ter remorsos! Um dia de cada vez com encontros decisivos de nula ou muita importância, um simples dia de vida com rooibos tea and rusk bread, Windhoek lager, biltong boher e bacorinho no espeto, assado pelo Thinus de Outjo, o mais genuíno carcamano da família Miranda.
O Soba T´Chingange
MALAMBAS NO OKAVANGO – Passagem de ano - 31 de Dezembro 2014 para Janeiro de 2015
MALAMBA: É a palavra.
Por
T´Chingange
A escassos metros do rio Okavango, sentado em meu chinxorro, divido-me entre os barulhos da chuva e os rápidos do rio, dos piares de pássaros na boca dos ninhos, das rolas sempre gemendo e dos muitos milhares de cigarras que abanam prolongados trinados. No d´jango da Kikas, casa de Nduvu Stores de Andara, também posso escutar a zoada de carros circulando ao longo da estrada de macadame, areia e pedras soltas. A enfeitar o pátio entre a casa e o rio uma árvore frondosa que conheço por mulungu orna a cena com flores vermelhas na forma de laçarotes, coincidência na comemoração da passagem de ano de 2015. Uma marula de grande porte dá soberania ao local por via de sua fruta ser a rainha do Calahári.
Neste lugar de Andara, entre mato verde e picos medonhos, vejo Angola do outro lado, em tudo igual a este, duma solidão infinda podendo apreciar em primeiro plano uma pedra na forma de hipopótamo, salpicando-se na correnteza sem sentir abandono ou desespero, uma consolação de esperança perdida, talhada na natureza para ali permanecer de forma perene, afogada na água. Há muitos anos atrás naquele outro lado, nada se pode opor à vontade do Senhor, qualquer que fosse e, o Senhor fez de mim seu cordeiro, logo a seguir noutra vontade contrária eu fui senhor noutro lado distante, logo a seguir irá ter outra contrária ou não, nunca saberei se farei parte duma nova contradição; uma responsabilidade que se me alheia por aventura e risco, um diferente horizonte.
Não querendo entregar meu coração à tristeza vim aqui lembrar seu fim, jogar serpentinas de alegria, pular o ano vendo no caminho das estrelas o fogo de artifício, uma surpresa da Ana Maria, beber e divertir-me com gente amiga na dignidade da vida, que tudo indica, foi outorgado por Deus, que pelo que se diz ilumina as frinchas de todas as portas. Desta feita, toda a grande prole da família João Miranda, quatro filhas de nome Ana Maria, Marlene, Vanda Kikas e Margarida, dez netos para preencher uma lenda com carcamanos e khoisans e, com a grande mãe Elisabete a dar ordem a tudo e a todos. Debaixo de um sol ardente, um abafado calor de crispar sobrancelhas em escondidos pensamentos, a estória do Cubango, das terras longínquas no fim do mundo do Rundu, do Dirico, Calai, Mucussu e Divundo, cabe a mim transformar as coisas dispersas em adultas majestades, tornar as fábulas em lendas, coisas que só os pastores podem criar confundidos entre ovelhas.
O Soba T´Chingange.
ANGOLA . LUANDA – CHIBATA O CANHOTO E O MUKUANKALA PERNETA - 3ª de IV partes
Dy - Dionísio de Sousa (Reis Vissapa)
Em 1901 perto da região do Mocundi o clã acampou junto ao Cubango durante dois meses, completara o candengue seis anos. Resolvi mandar escavar um dongo num tronco de uma árvore para poder atravessar o rio para a outra margem o que acabou por redundar numa tragédia. Alfredo Aranha fez uma pausa na sua narrativa. Vislumbrei uma certa comoção a embargar-lhe a voz e pareceu-me que uma ténue névoa se instalara nos olhos mortiços. Tanto eu como o meu pai respeitámos o seu longo silêncio sem perguntas até ao momento em que reatou recomposto a sua narração.
- Um hipopótamo ergueu-se debaixo do dongo fazendo-o virar e vi aterrorizado o meu filho perder-se nas águas profundas do grande rio. Em vão percorremos as margens em busca do “ Mukuankala Mestiço” nome com que fora baptizado pelos seus congéneres.
Embora nutrindo uma profunda afeição e uma enorme admiração por aquele povo acabei por abandonar o grupo, e vim de novo para esta região. Nova pausa e mais uma caneca de café que o meu pai aproveitou para ir buscar uma garrafa de aguardente de Mangongo e três cálices servindo-nos em seguida a aromática bebida. Depois de esvaziar de um trago o seu cálice o velho Aranha continuou.
- Certo dia volvidos quinze anos acampei junto a um grupo de bosquimanos na região do Cambeno e à noite junto à fogueira e talvez devido à minha presença ouvi-os comentar a odisseia de um “Mukuankala Perneta” vulgo conhecido pelo “Mestiço” vilipendiado e maltratado por um banto gigante de etnia Muakahona a quem faltava a mão direita e de alcunha “O Chibata”.
- Nova interrupção e mais um trago de aguardente e o velhote deixou-nos em suspenso durante três longos minutos, absolutamente impacientes pelo retomar da história pelo enfraquecido caçador.
- É conhecido o desprezo que os bantos nutrem pelos “Khoisan” em geral e os maus-tratos que lhes infligem. Ao que parece o Chibata era o mais temível de todos eles. Homem de má índole e cruel usava sem cerimónia o seu chicote de cavalo-marinho nas costas dos desgraçados mukuankalas a quem tratava como escravos.
Uma das suas vítimas preferidas talvez pela sua mestiçagem e fraqueza física era o Perneta cujas costas dilaceradas repetidas vezes pelo chicote do seu algoz denunciavam tais desmandos em forma de lenhos sanguinolentos. Ao que parece o dito Perneta cujo membro desaparecera nas goelas de um jacaré na região do Cubango acabou por se cansar das contínuas agressões e um dia roubou o chicote ao Chibata e fugiu em direcção ao deserto. Deliberadamente ia deixando indícios visíveis da sua passagem ao Muakahona e este perseguiu-o ferozmente durante dias
Mussendo: Conto curto de raiz popular, missiva em forma de mokanda (carta) do Kimbundo de Angola (N´gola) durante o tempo colonial (Arnaldo Santos foi seu 1º mestre).
(Continua…)
Reis Vissapa
As ecolhas do Soba T´Chingenge
ANGOLA . – CHIBATA O CANHOTO E O MUKUANKALA PERNETA - 2ª de IV partes
Por
Dy - Dionísio de Sousa (Reis Vissapa)
Com o andar dos tempos aprendi os diversos dialectos dos Bantos, uma raridade que ele dominava na perfeição e pacientemente, linguística ho! Kung que nem as etnias da região do Cunene e do Cubango entendem e muito menos falam. Aos setenta e dois o Aranha abandonou quase por completo a sua vida de caçador devido a uma miopia avançada e a uma saúde decrépita acabando por adoptar a nossa casa como lar permanente. Reservado como um cágado nunca nos falou de alguma família que algures tivesse e tanto eu como o papá nunca nos atrevemos a indagá-lo sobre tal assunto. Aproximando-se a passos largos os seus últimos dias contou-nos então uma história arrepiante.
- No final do século dezanove com apenas dezasseis anos de idade e o vício da caça, aventurei-me pelas terras do Cubango com intuito de abater leões que ao que constava eram abundantes na região onde o rio Quatir desagua no Cubango. Tudo correu bem até ao dia em que me perdi naquele lugar desabitado e inóspito. Com a estação das chuvas o rio dilatou transformando-se numa jibóia gigantesca que me fez caminhar sem norte durante um mês. O pisteiro que me acompanhava um Muakahona com mais de dois metros de altura e desprovido do braço direito que conheci no Kuroca, desapareceu e nunca mais lhe coloquei a vista em cima.
Acabei por ser encontrado meio morto de febre, sem roupa e completamente estropiado por um clã de Mukuankalas que trataram de mim. Caçadores experientes e conhecedores dos segredos das florestas e dos desertos, decidi percorrer com eles numa vida nómada todo este território do sul de Angola durante sete anos. Cerca de um ano depois de me juntar ao grupo uma das Mukuankalas teve um filho meu. – Disse de supetão obviamente incomodado com o assunto. - Tanto eu como o meu pai abrimos os olhos de espanto perante tal confissão e após uma pausa o Cabral Aranha continuou. – Comecei a ensiná-lo a falar português e dei conta da rapidez com que ele aprendia a minha língua e quão exímio era na arte de perseguir a caça e a facilidade com que identificava raízes e frutos comestíveis.
Mussendo: Conto curto de raiz popular, missiva em forma de mokanda (carta) do Kimbundo de Angola (N´gola) durante o tempo colonial (Arnaldo Santos foi seu 1º mestre).
(Continua…)
Reis Vissapa
As ecolhas do Soba T´Chingenge
ANGOLA . LUANDA – CHIBATA O CANHOTO E O MUKUANKALA PERNETA - 1ª de IV partes
Mussendo: Conto curto de raiz popular, missiva em forma de mokanda (carta) do Kimbundo de Angola (N´gola) durante o tempo colonial (Arnaldo Santos foi seu 1º mestre).
Por
Dy - Dionísio de Sousa (Reis Vissapa)
Alfredo Cabral Aranha foi meu avô por adopção. A primeira vez que tomei conta da sua existência andava eu na casa de um dígito em matéria de idade. Seis anos vividos junto ao meu progenitor num lugarejo esquecido de Deus perto de Melunga a escassos quilómetros da divisa com a fronteira do antigo Sudoeste Africano. Privado do carinho maternal desde o dia em que nasci fui amamentado por numa mulher Dombondola que acabou sendo a minha segunda mãe. O Cabral Aranha tinha mais similaridade com um bicho pau que propriamente com um aracnídeo. Sessenta primaveras soalheiras tinham tornado o seu corpo franzino numa amálgama de músculo, pele e osso e um rosto de uma ruga só onde dois pequeninos olhos negros brilhavam nas noites de lua cheia, como os holofotes de um Cuio à luz de um farolim. Quando ocasionalmente passava pelo exíguo comércio do meu velhote aproveitava para descansar das suas sortidas como caçador uns tantos dias o que fazia as delícias tanto minhas como do meu pai.
Joana Sadiki servia-lhe litros de café na varanda colonial da nossa humilde casa do mato. Ao entardecer quando a atmosfera abrasadora da região do Cuvelai nos dava finalmente tréguas dando lugar a uma brisa fresca o meu pai e eu juntávamo-nos a ele no alpendre rodeado por uma balaustrada caiada a branco. O velho caçador assentava o esqueleto em posição inversa na tosca cadeira de mucibe com os braços peludos enegrecidos por mil soalheiras escaldantes apanhadas entre o Curoca e o Cubango, apoiados no espaldar. Faziam parte integrante da sua figura três objectos dos quais nunca o vi separado: Um enorme chapéu de cor castanho e aba larga cobrindo-lhe os cabelos grisalhos, uma beata demolhada e adormecida entre as falhas dentárias e uma Mauser “Oito Sessenta” de coronha polida pelo uso.
Era então que começava a desfiar o seu rosário de aventuras vividas no mato ao compasso de goladas de café na caneca de esmalte que Joana Sadiki tinha a preocupação de manter cheia. – Esta menina aqui não é de grande calibre mas onde eu ponho o olho ponho tiro e é quanto basta. - Comentava em voz rouca apontando a arma de bala encostada à parede quando nos descrevia alguma das caçadas que fizera durante a sua vida aventureira nessa Angola imensa. Com o andar dos tempos comecei a tratá-lo por avô Aranha e aguardava ansioso a sua passagem pela nossa casa para beber das suas histórias que inexoravelmente envenenaram a minha imaginação e moldaram o meu futuro como caçador.
(Continua…)
Reis Vissapa
As ecolhas do Soba T´Chingenge
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