ANGOLA, TERRA DA GASOSA . VI
CANTINHO DO INFERNO – TERRA DE MATRINDINDES
Lembranças de escritos antigos - “Angola, quanto tempo falta para amanhã?” – Em Julho de 2002 (quatro meses após a morte de Savimbi – 22 de Fevereiro de 2002)
– Crónica 3287 de 20.04.2022, em PortVille da Pajuçara de Maceió – Republicação a 05.11.2022 em Messejana do M´Puto
N´Nhaka: - Do Umbundo, lameiro, plantação junto ao rio, horta…
Por T´Chingange –(Otchingandji)
CA -Já estamos no Sumbe, terra do eclipse e da eleição de misse 2001, um ano atrás, mas ainda lá está o jardim que proporcionou mostrar a fantasia com lençol de água escorrendo em cascata e, muita luz de coloridos brilhos. Tudo para trabalhar pela televisão as invencionices de lavagem da governação sem os desmandos, roubos e superfacturamento que a nomenclatura vinha praticando. Agora está tudo seco, o fingimento de beldades já sem águas escorrendo, deu lugar à terra crua e vermelha no lugar da grama - as árvores definham por falta de água!
Água, aiué…foi aparecendo nas torneiras em alguns dias entre as cinco e seis horas da manhã, depois, adeus… Não deu para tomar banho de chuveiro; na casa do pai de Balbina, Pais da Cunha o caneco funcionou todo o tempo. A luz da lâmpada também só aparecia nos dias ímpares; com gasosa até podiam dar-nos uma fase por mais algum tempo. O mundial de futebol de 2002 (vinte anos atrás) estava a decorrer. Todos desejavam a victória do Senegal e, só depois o Brasil – Os Tugas já estavam de fora.
CA - Os grandes discos de antenas parabólicas proporcionavam aos mais abastados da cidade do Sumbe verem o canal de África – RTP Internacional entre outras e de todo o mundo. Xingú, o mais candengue da família Pais, nas falhas de energia lá ia a correr até à casa do gerente do gerador ligar a fase pirata da zona par; aconteceu até levar uma lata de gasóleo, o necessário para o gerador funcionar.
Era uma luta pelos vistos! É que nem sempre os vizinhos estavam nos ajustes indevidos para que o gerador funcionasse na borla devida. Mas, nestes dias a febre do futebol fazia milagres de luz para sempre se verem os gooolos. Em um dos vários dias comemos de vela acesa, talvez a gasosa do lado impar tivesse sido mais substancial. Até foi bom que acontecesse a escuridão porque tivemos oportunidade de assim entabular divagações com ajustes de posturas nos muxoxos e kazumbis.
CA - No meu sentido de inserir palavras nesta descrição, frases e estruturas sintácticas, fui acumulando palavras novas oriundas do kimbundo, do umbundo e outras maneiras de linguajar tendo sempre como base o português do M´Puto com as declinações e palavras novas, inventadas até e, u oriundas do tronco bantu. Sendo assim um misto de narração, inventação, conto ou testemunho de reportagem, coloco em meus próprios sonhos, as vontades de reconciliação com um profundo agradecimento a todos os que me proporcionaram dias tão diferentes.
Envolto em ideias díspares, quase psicografava em vontade, nas contradições, algumas das sanguinolentas, macabras até e, que sem o devido tato, poderiam resvalar para ressentimentos; acontecia assim ao falar com o filósofo Pipocas, um responsável do património local do MPLA que de tanto beber, se esqueceu dele mesmo – pifou em sabedoria!
CA - Pipocas era em verdade um símbolo kazukuteiro descartável, ágil e de falas suaves, peneirava-se na beleza das malambas, esperto, agressivo no beber, desconsiderado ou desclassificado por raiva, ciúme ou desdém, poucos o tinham em conceito concebido mas, tinha sim uma mente aguda: Ginasticando suas manigâncias da vida definhava-se na permanente curtição do álcool, vinho Camilo Alves, cerveja, cachaça e outras mistelas de bangasumo e capo-roto.
Pipocas, tinha sido comandante mas, por ter arrecadado o dinheiro dos mortos de guerra saiu dos mecanográficos e, por ali está agora comandando os imóveis, remexendo continuamente mugimbos almoxarifados, efémeros de quanto baste para encantar linguistas; isto, antes de rodopiar os olhos liambados de coisa ruim. É um personagem típico dum grande palco que é Angola, passando os dias num faz de conta divagando e bebendo frias cucas; e, assim sua cuca se adia, sempre adiado nas obrigações. (…Com ele, Pipocas sóbrio, tive conversas bem interessantes, senti-lhe uma arguta esperteza, ideais bem formulados, revelando ter principios de sábia concertação social de elevada erudição – acima da média …)
Ilustrações de CA -Costa Araújo
(Continua…)
O Soba T´Chingange (Otchingandji)
.ANGOLA . TERRA DA GASOSA - Não há palavras para vos descrever o que senti ali acocorado entre aquele imbondeiro das Mabubas…
Missosso: Da literatura oral angolana, contos, adivinhas e provérbios com homens, monstros, kiandas de Cazumbi, animais e almas dialogando sobre a vida, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de dialecto quimbundo. Óscar Ribas foi o seu criador.
De T´Chingange: - Este missosso não deveria ter acontecido tão verdadeiro e tão actual mas, aconteceu! Introduzo aqui em segundo relevo a minha vida em tempos idos quando era preto na cor e era pescador…
Por
PARTE 1 - O CACUSSO, O IMBONDEIRO E OS MOSQUITOS
Encontrava-me em Luanda a dar formação, ensinava no ex-Inorade como se construía e se geria uma empresa nos momentos de início da sua vida, naquele mês de Março do início do século, integrado num projecto da Associação Industrial Portuguesa. Instalado no hotel Trópico saía à rua só na viatura que estava ao serviço do curso, que era conduzida por um funcionário ministerial angolano. Durante a semana ficava pouco tempo para reconhecer a cidade, pois a formação decorria entre as 9 e as 17 h e no hotel tinha meios de me entreter e, sobretudo, conhecer os assuntos do dia pela televisão, o que é um meio de nos actualizarmos depressa com a realidade local. Mesmo assim, numa tarde subi a pé a antiga Rua Luís de Camões, onde se situa o hotel, e fui visitar o prédio e a zona onde residi cerca de dois anos, na década de sessenta, mais acima, no Bairro do Maculusso.
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No fim-de-semana de intervalo das aulas aceitei o convite do Teófilo, um amigo angolano que trabalhava na Sonangol e com quem estava a construir um programa de formação para ser instalado localmente, para ir comer cacussos grelhados ao rio Dange (ou Dande), entre o Caxito e as Mabubas. Ele passou pelo hotel para me apanhar e saímos por volta do meio-dia. No caminho tive oportunidade de rever o trajecto que tinha tão bem conhecido noutros tempos, mas encontrava-se muito mais movimentado agora, com multidões passando e vendendo toda a espécie de bens ou recursos nas ruas e à beira das estradas. Surgiam montureiras de lixo a esmo, em locais escolhidos à sorte de grandes dimensões e musseques a seguir uns aos outros, cobrindo quase todo o espaço disponível. Só depois do Cacuaco, entrados na área rural, é que deixei de os ver.
Não conhecia ainda os peixes que serviriam de almoço no nosso convívio. A prova foi uma agradável surpresa. Pude verificar que este peixe é de gosto acentuado mas de bom paladar. Experimentámos o cacusso grelhado ao natural e o mufete de cacusso, onde imperou o feijão com óleo de palma, a mandioca, a banana pão e a batata-doce regados com molho frio de cebola e tomate e outros ingredientes. O repasto demorou até ao meio da tarde pois aproveitámos para conversar e comentar as possibilidades de trabalho que nos interessavam mas que, por razões que não interessa agora referir, não vieram a resultar.
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Lembrou-se o Teófilo de irmos até um pouco mais à frente, ver a barragem das Mabubas e assim aconteceu. Passámos a ponte e nem reparámos que se encontrava lá instalada uma brigada mista de polícia. Demorámos um pouco a visitar a célebre barragem de memórias militares ainda vivas e regressámos, já o sol apontava ao ocidente.
Quando encetávamos a passagem pela ponte no regresso fomos mandados parar por um elemento da brigada que nos pediu a identificação. Foi só nesse momento que reparei que tinha deixado o passaporte no hotel, ato que nunca me tinha acontecido nem nunca mais me aconteceu depois, sempre que estou no estrangeiro. Confessei imediatamente a situação, que o passaporte estava no hotel e o meu amigo, depois de se identificar, chamou o guarda à parte para lhe dizer o que se adivinha, metendo “gasosa” e o resto na conversa. Nada feito! (Talvez o cumbu ofertado fosse insuficiente!)
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O homem, de baixa estatura e um pouco franzino, chegou-se ao pé de mim, olhou-me de frente, depois recuou por evitar ter de olhar um pouco para cima e, saboreando já a hipótese de vir a exercer o poder de que estava mandatado, disse-me: - Tu ficas preso, ali, debaixo daquele imbondeiro, e só sais quando o teu colega trouxer o teu passaporte se o tiveres no hotel, como dizes!
Assim aconteceu. Dirigi-me para o local que me indicou, junto ao rio, onde existia uma pequena construção de adobes sem reboco, onde os guardas trocavam de roupa. Ali fiquei, objecto da vigilância, ao longe, dos guardas que, entretanto, iam procedendo à identificação de outras pessoas não africanas sem obterem vitória idêntica à que tiveram comigo.
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O Teófilo regressou cerca de 2 horas depois, já o sol desaparecera há muito para o lado do mar e o tempo arrefecia ligeiramente, o que notei de forma clara, pois estava de camisa de meias mangas. Os mosquitos faziam o trabalho deles e eu tentava, em vão, evitá-lo. Lá fui libertado com uma lição de moral cívica breve mas incisiva e cheguei ao hotel sem vontade de comer.
PARTE 2 – T´CHINGANGE EM KIFANGONDO … MOKANDAS DO REINO
Fui à torre do N´Zombo buscar jóias literárias do meu Reino de fantasia e, encontrei-me xinguilado no ano de 1486 - Estávamos em Janeiro de 1486. Eu, não era eu, retrocedi no tempo. Pela incorporação dum espírito de nome N´gesso voltei àquele ano, em plena kiangala. Os nomes eram diferentes, falava outra língua que não era a de hoje e, por isso vou ter de explicar no fim deste desassombro o que todas estas velhas palavras querem dizer naquele dialecto banto, o m´bundu.
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Meu pai, Miconge N´futila das Mabubas, o kota da vata, decidiu abandonar terras do Kifangondo e, para tal saiu bem cedo para trocar impressões com o Umbanda e, só depois falaria com o M´fumu; sopado com minha mãe Kilua N´zinga desde candengue, entrara agora nas dificuldades da velhice, não podia mais sustentar a familia como kibinda; seus pés estavam pesando demais e o espírito dos kijikus estavam na trapalhação. Foi no M´fumo e explicou que era por demais kazumbi para aguentar, tinha na obrigação de levar o candengue (eu) na habituação da apanha dos n´zimbos na terra dos Ku-luanda.
Eu, que já tinha treze kixibus, entendi que as dificuldades de meu pai era kubasular aquela vida de matacanha. Miconge N´futila tinha no lumbu um irmão que era m´banda bem visto aos olhos do m´fumu-a-vata, que conhecia a ciência dos kalundu; este, podia muito bem dar trabalho para mim e espantar o mau-olhado dos defunto espíritos da Yanda. Na entrevista do velho kikongo chefe M´fumo com meu pai, as explicações foram aceites na reticência e, de satisfeito, quando chegou preparou as imbambas, corotos, a uanda,os kofus e a mukuali, sentou-se debaixo do m´bondo (aquele mesmo imbondeiro da maka de Júlio Ferrolho) e bebeu todo o marufo que tinha na kubata; ainda teve tempo de arrastar as quinambas para se despedir do mwani kazuca, amigo de muitas andanças.
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No primeiramente ficamos no ka-kuaco, passadas as kalembas da barra do rio com a kalunga do mar; dificultadamente ximbicamos e remamos na vista de terra, minha mãe Kilua chorava de medo, os muandu brincavam na nossa volta. Ficamos ali uns dias na reparação pequena no n´dongo pois as calemas fizeram estrago. Entretanto consegui apanhar duas kiangus na minha lança que por ali se esconderam nas águas baixas; no seguidamente preparamos com n´tondo a acompanhar.
Naquela noite estava frio, as hienas choravam de fome e eu metia lenha na fogueira por medo; não preguei olho toda a noite, o meu lumbu estava agora a compor-se, mas o meu medo era por demais, só as kalembas abafavam os meus soluços debaixo daquela n´sanda; Uma manada de n´zaus passou por ali perto e só nesse meio tempo as hienas de manchas feias me deixaram em paz. Depois daquela noite ganhei coragem e, se calhar já nem ia para o layoteso pois que nos costumes do sítio para aonde íamos, eu não tinha amizades; assim passei aqueles longos dias até avistarmos a Mazanga.
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O vento enchia as n´dele do n´dongo com força e rápidamente passamos a baía do m´bungo. Sei que paramos por ali e meu pai N´futila foi tirar informações de aonde podia encontrar o seu irmão e, meu tio m´banda de profissão e kadinguila de nome. No entretanto da espera vi na observância que aquela ilha era demasiado comprida e, dias depois chegamos na xicála sitio da dibata, dos seguranças do reino de N´dongo aonde meu tio tinha pré-ponderância.
A partir daquele dia por direito de Kanda passei a ser ka-mundongo, apanhar búzios de n´zimbo na ponta da Mazanga e lá mais no longe, os caurins da Korimba e muito n´tadi no Mussulo. 486 anos mais tarde ressuscito maiombolado, mundele em plena Korimba; Já não havia hienas nem n´zaus e ali estava eu esperando lugar no kapossoka, atravessar o mar baixo e regressar no kitoco. Foi neste barco que a agora minha sopada, cafeco de então, Ibib, me mandou fazer continência à bandeira Portuguesa; estávamos no meio de um jogo de namorados que resultou em Ka-mundongos ou Ka-Luandas e que agora vão ter de passar pelas mesmas privações desse pai N´gesso T´chingange, a provar que o são.
Com cinco escudos em 1973 na Samba lembro-me de ter comprado um grade peixe-espada (kinbiji). Se um n´zimbo valia cinco caurins, naquela primeira encarnação 5 escudos seriam talvez uma canoa cheia de kinbijis.
Estamos a 24 de Maio de 2016 - 530 anos depois daquelas tormentas. Háka…
GLOSSÁRIO: Candengue:-rapaz; corotos:- trastes; caurins:- búzios pequenos, cêntimos do zimbo; cafeco: - donzela; libata: - palhota; kanda:- descendente por via matrilinear; ka-mundongo: - nascido no reino n´dongo (Luanda) ou súbditos do chefe N´gola kitunda; ka-luanda: - nascido em Luanda, calcinha; kazumbi:- feitiço; kiangala:- pequena estação seca; kifangondo:- aldeia; kibinda:- caçador; kijucos:- gente de outras tribos, de fora; kalundu / kilundu: crimónia de chamar os espíritos ao culto; kixibus:- cacimbos, estação fria; kubasular:- passar bassula, dar a volta por cima; kicongo:- natural do Congo; korimba:- lugar de costa, ancoradouro; kapossoca:- nome de barco com motor; kitoco: - traineira trnsformada; kota:- mais velho; kofu:- cesto estreito e comprido para apanhar conchas; ku-luanda:- a ocidente, mais importante e sabedor; ka-kuaco: - sítio, lugar; kalemba: - ondas de mar bravo; kalunga:- abismo, sitio de muita morte; kiangu:- raia; lumbu:- descendente por parte do pai; layoteso:- casa da puberdade para rapazes; m´bundu:- de fala banto, em quinbundo; m´banda:- guarda, sub chefe; m´fumu:- chefe; mfumu-a-vata:- chefe da aldeia; matacanha:-pulga da terra, o mesmo que bitacáia; mukuali:- catana, facão; muandu: - tubarão; N´dongo: - reino da Matamba, parte central de Angola de ambos os lados do rio Kwanza, nome dado pelos portugas às canoas ou pirogas desta gente do reino; kinbijis: - peixe espada; n´tondo: - batata doce; n´sanda: cobertura improvisada de pescador com folhas da vegetação à mão; Mazanga: - Illha de Luanda; sopada/o: - casada/o
O Soba T´chingange
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fogareiro da catumbela
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