T´Chingange - No Carnaval do Nordeste brasileiro
Últimos 3 Livros em cima da mesa da cabeceira, o criado mudo.
Pitu, ciriguela na muela - é ela, é ela! E, era em cantoria que o povo da CAPOTA DA KUKIA cantava repetidamente. Já tinha passado na avenida da Pajuçara o Galo e o Pinto da madrugada – agora era a Capota da Madrugada a recordar um lugar muito antigo recordando a festa da massemba, uma umbigada de um carnaval que o tempo fez mudar. Era um lugar ainda por conhecer chamado de Cabassa. Aonde? Angola pois então!
Já esquecidos de tudo isto por via desta singularidade entrapada nas falas e distância temporal, todos pulam ou dão dois para a esquerda e dois para a direita arrebitando o mataco tal como é de lei a recordar os orixás na senda umbanda com urubanda do mundos perdidos e, para lá do iemanjá - kalungas dos tempos perdidos. Pitu, ciriguela na muela - é ela é ela! A bateria composta de mais que muitos tambores, repica sem freios num agora feito antes.
Junto ao tronco, que teria um diâmetro de muitos metros, destacavam-se grosas raízes que mergulhavam no solo assemelhando-se a colunas de uma autêntica catedral. Tinha sido montada um estrado, sobre o qual se erguia um imponente cadeirão de madeira dourada, forrada com ricos panos de seda carmesim. De ambos os lados, estavam colocados na vertical dois enormes dentes de elefante. O chão estava atapetado com peles de leopardo. Era noite.
Notavam-se já sinais de impaciência nos presentes, ansiosos pelo início da cerimónia para o qual tinham sido convidados. Naquele então isto era representado agora em um carro alegórico alto como aquele imbondeiro e, os negros eram retintamente pretos parecendo pintura. Em dado momento ouviram-se os sons peculiares de marimbas e tambores, e um pequeno cortejo rompeu pela multidão em direcção ao palanque.
Uma pele de naja enrolada à cintura e vários colares de dentes de leão adornavam-lhe o peito. Finalmente, uma bengala de ouro maciço conferia-lhe a dignidade da sua autoridade. Um pouco trás do rei e deitada numa liteira, uma criança era transportada por escravos num estado que faria supor adormecida. A seu lado, como que protegendo-a, destacava-se uma figura bizarra. Parecia ser muito velha e magra. As peles pendiam-lhe em pregas sobre os ossos, porém movia-se com agilidade, braços e pernas rijas e finas.
Já não era a primeira vez que a intervenção dos espíritos se fazia sentir sobre sua filha primogénita. Com várias mulheres e muitos filhos, Kiluanji nutria pela filha uma especial afecção. Apesar da sua pouca idade, oito ou nove anos, N´Zinga tinha já um porte altivo de princesa, pouco dada às tropelias dos garotos. Era ágil, decidida e destemida. 432 anos depois, revivíamos uma estória nunca contada. Hoje em dia, eu, T´Chingange, nem me queixo de nenhuma coisa para não tirar sombras dos buracos que relembro. E, dessa, mesmas sombras, o que tenho é só medo de cagufa! Já que minha vida não deixa benfeitorias vamos gozar o carnaval, dizia-me a mim mesmo…
ANGOLA DA LUUA XLIV - TEMPOS PARA ESQUECER – 27.08.2018
“A guerra, que matou e estropiou tantos, alimentou um punhado de pessoas, que se tornaram insultuosamente ricas e prepotentes” – Nós e os mwangolés…
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T´Chingange - No M´Puto
Estávamos em fins de Julho do ano de mil novecentos e setenta e cinco. Costa Gomes - o Presidente Rolha da República do M´Puto (Portugal), nunca se comprometeu quanto ao concordar com Otelo Saraiva de Carvalho no envio de e, em força (uma intensidade Salazarenta) dos expedicionários cubanos para Angola. Garcia Marques do Alto Comando Caribenho refere isto mais tarde. A estória dum novo país a chamar-se de Angola, vai sendo desvendada aos poucos como coisa envergonhada e muito cheia de traições, tractos falaciosos e sucessivas enganações aos chamados colonos.
Agustin Quintana da 10ª Direcção e mais cinco oficiais cubanos chefiados por Argwelles, fazendo escala em Lisboa, chegavam a Luanda a 3 de Agosto de 1975. Estando já em Luanda com a família como desalojado e inscrito no Quadro Geral de Adidos, foi mais ou menos nesta proximidade de datas que me inscrevi na 13ª viajem da ponte “LuuaLix” por meio de uma Guia de Marcha a fim de embarcar para Lisboa. Nesta altura, ainda tinha esperanças fortes de voltar à Luua quando tudo ali acalmasse mas, ao invés disto fui cadastrado e crismado como Retornado assim que desci do avião no Aeroporto da portela em Lisboa. De branco de segunda fui promovido a Retornado. Haja Deus!
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Dizia eu que estava em Luanda como deslocado de guerra e colocado no Palácio do Governo como Adido auxiliando como “destacado” nas tarefas de “repatriação” de cidadãos perseguidos pelos Movimentos ditos de Libertação com a principal envolvência do MPLA muito carregado de ódio e, que fomentado ou não, provocava escaramuças em todo o território, com maior incidência na capital - Luanda. Os desalojamentos em áreas suburbanas da Luua eram em catadupa incidindo sobre comerciantes fubeiros, taxistas, administrativos e genericamente todo aquele que tinham a tez de pela mais clara – brancos! Gente condenada a serem tratados como “OS TINHAS”, um palavreado que nem o gerúndio da língua pátria comportava …
Como “destacado” no palácio da Cidade Alta e com um Cartão de Identidade assinado por Leonel Cardoso, tinha permissão de me deslocar após o recolher obrigatório. Meu normal itinerário hera feito entra a Rua José Maria Antunes junto ao Rio Seco da Maianga com o número 22 e o Palácio do Governo com um Alto-Comissário a gerir a “Bagunça de Angola” que mais tarde apelidei de “Tundamunjila” – Thundá mun n´jila – vai prá tua terra, branco T´Chindere, seguido de “kwata-kwata” ou agarra, agarra que é branco.
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Minha tarefa era essa, a de telefonar para o endereço certo a avisar que tal Fulano tinha embarque marcado na PONTE LUUALIX para tal dia e a tal hora; para que se preparasse e de modo próprio ou através de transporte fornecido pelo Alto-Comissário. Era uma viagem sem volta, só ida mesmo! Tudo era apontado para que a logística de meios proporcionassem sua saída. Eram normalmente Administradores de Concelho, Directores de serviços estatais, Chefes de posto Administrativo, jornalistas e ou individualidades refugiadas em pensões, hotéis, suas próprias casas ou em casa de familiares e amigos. Tudo gente hostilizada pelos Movimentos, assim fosse o MPLA, a UNITA ou a FNLA.
Havia outros cidadãos perseguidos e, por razões diversas. A bagunça instalada mais fazia lembrar uma escaramuça de formigas “kissonde” que anarquicamente e aleatoriamente procediam de forma desconexa; sem regras de protecção ou outras a adivinhar com agentes da PIDE misturados com os membros traidores da FUA (um pseudo movimento branco), colaboradores da Defesa Civil, Guardas de Fronteira e Reservas Estatais, Polícias brancos ou Fiscais de Caça. Os ódios raspavam um rancor desmedido e sem controlo.
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Costa Gomes aceitou a demissão de Silva Cardoso nomeando interinamente Alto-Comissário Ferreira de Macedo, o homem que Rosa Coutinho e a CCPA queriam para este cargo. Este General e mais outro chamado de Carlos Fabião e um outro major de nome Canto e Castro iriam a Luanda estudar a situação. Nesta altura, as notícias eram desconexas e o tempo comia as palavras de ordem ventilando-as em desordens. Ninguém entendia o que se passava e quando sabia já aquilo que parecia ser tinha alterado para coisa-outra. Não havia como gerir este estado de coisas pois o descomando era verificado naquele agora.
Esta barafunda mais parecia ser propositada para confundir o medo que crescia em todos e, a cada dia, a cada hora, a cada minuto! Coisa diabólica difícil de se conceber. O maior herói de Angola e para a visão do MPLA deverá ser este traidor à pátria Lusa do M´Puto. A história de Portugal, para ser justa, terá de dar o título de traidor-maior a este Almirante Vermelho. Foi ele o feitor principal da página mais negra na história de Portugal, coisa nunca vista e com sequente lavagem em purificação pelos seus apaniguados do m´Puto.
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Uma cambada da pior espécie que ainda hoje a quarenta e três anos de distância mantêm estatutos de gente VIP. E, não surge ninguém de peso a clarificar esta história de merda – de tugi, como se diz em kimbundo da Luua. Mais tarde veio a saber-se que assim era! Rosa Coutinho era o cérebro diabólico que tudo urdia, tudo subvertia para vingar sua tenaz heroicidade invertida em traidor de primeiríssima filiação, ele traía seus colegas de armas, seus patrícios para favorecer o Movimento MPLA.
Havia que atemorizar os brancos a fim de fazê-los fugir para aonde quer que fosse; o problema era de que não havia uma voz de comando fiável! Os governantes ali postos - em Angola, Generais de Aviário e gentes do PREC afecta ao PCP português, tinham em mente fazer sair os brancos de Angola. Costa Gomes deu plenos poderes a Rosa Coutinho que junto com Carlos Fabião e o major Canto e Castro para ir a Luanda estudar a situação.
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Preparavam tudo para que a intervenção do exército expedicionário de Cuba não tivesse qualquer impedimento com a sub-reptícia desculpa e com o sufismo necessário para parecer o que não era para assim ser, porque o factor de tudo se fazer à “revelia do estado” era só uma coisa para tapear, enganar os inocentes opositores – nós, os indesejáveis colonos! Evidentemente!
No dia 28 de Julho de 1975 a FNLA e o MPLA aceitaram a saída dos deslocados desde que a evacuação fosse feita exclusivamente pelo Exército Português. Os primeiros a partir foram os cerca de duzentos militares da UNITA, funcionários do chamado Governo de Transição e familiares dos mesmos. No dia 31 de Julho havia uma coluna de 300 viaturas com cerca de meio milhar de refugiados em Nova Lisboa (actual Huambo).
Aqui não havia água ao domicílio e os cinco médicos temiam um surto de peste na cidade, devido aos inúmeros corpos mortos espalhados um pouco por todo o lado. O material e armamento do ELNA (exército da FNLA) decorrentes das rendições de Malange, seriam entregues pelas NT (Nossas Tropas) ao MPLA. A cidade de Malange foi abandonada por toda a população branca e preta que morava no asfalto. A 7 de Agosto de 1975, as mais de duzentas viaturas fizeram seu regresso a Luanda com todo o pessoal do Batalhão das NF ( Nossas Forças)…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
ONGWEVA - DIA DO PAI - A EDUCAÇÃO QUE O MEU PAI ME DEU
Ongweva em Angola é saudade
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O meu Pai dentro daquela sua maneira muito própria de ser, dizia que somos todos iguais mas que havia horas e alturas em que tínhamos que ser mais iguais do que os outros. Isto veio a propósito de uma altura em que andei á pancada na escola Primária e como a minha Mãe, galinha que era veio logo acudir ao menino, o meu Pai resolveu o assunto ao dizer-me: Se me voltas a chegar a casa com queixinhas, tornas a levar mais outras tantas. Homem que se preze resolve os assuntos na Hora e no local.!!....... E eu assim fiz !.....
Eu já aqui contei que a minha primeira paixão Angolana foi na escola Primária por uma menina negra que se chamava Graciete.Andei com ela desde a primeira classe até á quarta classe e ambos na mesma carteira. Isto num tempo ( 1962/65) em que os ânimos andavam exacerbados e como tal os miúdos aplicavam na rua o que ouviam em casa.Até aqui tudo normal, só que em minha casa a minha Mãe dizia que somos todos iguais e tanto assim era que uma vez levei a Graciete a minha casa e não demorou muito a minha Mãe vestiu-lhe um dos vestidos da minha irmã mais velha e mais umas sandálias e no final olhou para ela e chamou-lhe; Princesa!
Naquele tempo a minha Mãe punha-me sempre na pasta dois pães,um com manteiga e outro com queijo. Ora num belo dia estava eu no intervalo e ía começar a comer o meu pão quando a Graciete se vira para mim e pergunta: Luis,o que é isso? Eu respondi: É um pão com queijo. E pergunta-me ela: Pão com queijo é bom? Eu olhei para ela e dei-lhe o meu pão e ela na troca deu-me o dela que era doce de goiaba que eu nunca tinha comido e perante isto dei-lhe um beijo,arrebatador porque eu bem no fundo gostava da Graciete.Até aqui tudo normal não fosse o Margarinas me ter visto dar o beijo e como tal começou a chacota porque foi dizer a toda a gente que eu tinha dado um beijo na preta mandinga.
O Margarinas tinha esta alcunha porque mamava duma só vez três pães com manteiga e era um menino gordo a que hoje se dá o nome pomposo de obeso.Ora estávamos na aula e o Margarinas passou a aula toda a chamar-me besugo e Cafuso,e Preto da Guiné,talvez a pensar que como tinha mais fisico do que eu o podia fazer, mas ele não sabia o que estava a desenterrar. No final da aula viemos para o recreio e o Margarinas continuou corrosivo e de tal maneira que eu furioso disse: Ouve lá ó Margarinas, tu és pior do que o Quissonde!
Eu disse isto mas já em guarda e pronto para fugir, só que escorreguei e caí e o Margarinas ao ver tal atirou-se para cima de mim com aquelas banhas de tal maneira que eu fiquei por debaixo dele sem me poder mexer e sempre com ele a dar-me murros. Eu estrebuchei,esperneei e nada de me safar até que já aflito dei-lhe uma dentada de tal modo nas mamas que ele guinchou e largou-me.
Perante isto fiquei de castigo na aula de joelhos na carteira a olhar para o Margarinas todo choroso, que tinha uma mama com o desenho das minha dentolas para minha alegria e o olhar de reprovação da inocente da minha professora porque me castigou sem querer saber a verdade.Quando cheguei a casa com as beiças todas rebentadas e a minha Mãe ( sempre ela) me perguntou o que tinha acontecido eu respondi que tinha caído.?!
Luis Magalhães in Kizomba com Historias da vida
As escolhas de T´Chingange
ANGOLA . OS DUROS DA ESTRADA - Os camionistas – Com alguns enxertos do livro " O Tempo e a Memória "
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Muito do progresso de Angola e, particularmente a cidade de Malange, se deve ao labor corajoso e duro de uma determinada classe de profissionais: os camionistas! A vida daqueles homens foi uma saga, arrostando com situações de extrema adversidade, como o mau estado dos caminhos durante o tempo das chuvas, o pó do tempo seco que se entranhava em tudo o que fosse orifício, ou as imprevistas avarias acontecidas em locais desertos e longe de tudo, que só lhes deixava ao acaso e à sorte a hipótese de alguém os poder socorrer.
Se não houvesse alguma sanzala ou povoação nas redondezas de onde pudesse vir auxílio, corriam o risco de ter que permanecer longo tempo à espera até passar outro veículo que os livrasse dos enterranços ou das avarias, situações que os camionistas tinham que enfrentar nas picadas de uma Angola em construção. Esta situação só melhorou a partir da década de 1960, quando aconteceu construírem as principais vias de ligação asfaltadas. No interior, o mato como se dizia, as ligações entre os povoados mais pequenos e distantes continuavam a ser caminhos toscos, picadas estreitas de terra batida, dura e poeirenta no cacimbo, mole e enlameada no tempo das chuvas.
Quase sempre esquecidos, teremos agora, com mais de quarenta anos de independência de lhes fazer justiça, pois era nas cargas de seus camiões que se vivenciava a seiva do progresso daquele imenso território. Eles eram o elo de ligação entre aquelas longínquas terras. Existia já o Caminho-de-Ferro no troço Luanda e Malanje mas era através daqueles que se sabiam as últimas novidades lá, aonde o ferrocarril não chegava. Os jornais levados por estes, mesmo atrasados, eram um luxo para as gentes e locais inóspitos sempre ávidos de notícias.
Eram estes e os Rádios Clubes que os ligavam ao mundo; bastantes vezes serviam de correio, levando encomendas variadas ou mesmo cartas para aqueles habitantes isolados, os comerciantes e gentes das fazendas. Esse trabalho incansável e persistente, era uma luta aonde todos os obstáculos tinham que ser ultrapassados, dia após dia, fizesse sol ou chovesse a cântaros; sem horários, sua labuta fazia-os permanecer longas temporadas fora de suas famílias. Uma tarefa que jamais deve ser esquecida para que os vindouros reconheçam neles os verdadeiros pioneiros de uma Angola civilizada.
Em 1954 e, tendo eu nove anos, tive oportunidade de viajar com um camionista amigo de meu pai quando e como trabalhador de Brigada dos Caminhos de Ferro de Luanda, construíam a ponte sobre o rio Lucala. Não mais poderei esquecer os mais de mil quilómetros percorridos e recordo as passagens por N’Dalatando, Lucala, Camabatela, Uíge e depois e, já regressando Mabubas, Kifangondo e por fim Luanda.
Recordo-me de no acampamento aonde dormi com meu pai, ter ouvido hienas a chorar e urros distantes de leões; relembro os bidons ao redor do acampamento contendo tochas de fogo pela noite para afugentar as feras. Cada qual à sua maneira, contribuiu para a Angola que hoje existe! O reconhecimento formal não se fez por quem de direito e, creio nunca tal se verificar porque os mwangolés são ingratos nas interpretações que fazem daqueles tempos ditos coloniais, mesmo tendo lá deixado tudo! Estarei aqui para recordar, até um dia!…
O Soba T´Chingange
ANGOLA DAS CINZAS – LEMBRANÇAS RETROACTIVAS - O escuro das nossas vidas era mesmo só a noite, sem cores repentinas…4
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No repouso sagrado das almas, relembro que nós, eu e ele, o Zeca Kafundanga não tinhamos ausências superlativas porque ainda desconhecíamos os métodos de tristeza que a saudade ainda nos iria trazer. O escuro das nossas vidas era mesmo só a noite sem cores repentinas, nem mesmo eram nuvens, só mesmo a brincadeira que fazia o nosso todo no completo com carrinhos de fingir feito com verguinha, restos de obras, rodas com eixos sem semieixos e complicados chassis, tracção às quatro e guarda-lamas; uma verguinha fazia de rodas com larguras de carreiro e, uma outra mais comprida o guiador com espigão a engatar no travessão das rodas, tudo em ferro robusto para durar e com o motor de vruum-vruum saindo do jeito se DKV, se Mercedes, se Fiat, se Chevrolet ou Dodge, volantes de banga e uma pequena mudança de fingir com manete redonda de madeira, berloque de uma velha cama. Os sons de nossos automotores eram mesmo de uma só categoria, bons e duradouros.
Difícil mesmo era fingir o ruido do guincho e correntes quando enterrávamos. De tudo fazíamos brincadeira e, o tempo, nem se dava conta de passar. Entre malta multicolor tudo era galhofa. Sara Chaves, uma cantora nossa vizinha na rua paralela à nossa gargarejava sua voz bonita, eram agudos e graves mais trinados e nós achando graça cantarolávamos também cantigas de só à toa com inventos vocais de merengues e cantigas do chá das seis do Restauração do tal de Luis Montês, empresário de artistas e eventos da Luua.
Por volta de 1957 ou 1958, meu pai Manuel Cabeças, foi para o Lucala em trabalho; estavam a construir uma nova ponte sobre o rio Lucala às ordens do Engenheiro Paiva Neto da Brigada dos caminhos de Ferro do Norte; refiro o nome deste engenheiro porque mais tarde também veio a ser o meu chefe na mesma Brigada da Divisão de Estudos e Construção. Sucede então que Kafundanga já com os seus dezassete ou dezoito anos foi levado por meu pai para trabalhar como cozinheiro; ele tinha a seu cargo fazer a comida para aquela gente que viviam em barracos em forma de acampamento circular, telha de zinco.
Havia nele chinguiços ao redor com arame farpado a impedir invasões de bichos, predadores; havia também umas latas a fazer de archotes que ardiam iluminando de noite o recinto e também com o objectivo de afugentar felinos que por ali se vinham esfregar no óleo derramado. Fiquei nesse então a saber que as ditas bestas, hienas, mabecos e até leões, faziam isto para se livrarem de carrapatos que a eles se agarravam. Soube disto em uma visita que fiz quando de férias, viajando em magirus, uma aventura e tantos por essas picadas de terra, atasca aqui, desvia acolá e, assim durante dois dias pude rever as aventuras de Kafundanga em sua nova actividade; eu, o patrão-menino ali estava recolhendo as farpas das estórias que virão a seguir nos retroactivos de estórias desse então.
Eram tempos em que nós nos entretínhamos com tudo sem espantos arrepiados ou prefácios elaborados. Mas desta feita fiquei a saber que meu pai ficou umas três horas encavalitado numa nhiwa, uma árvore parecida ao longe com o embondeiro e, porque em um certo dia que se afastou do acampamento para recolher um certo cacto próprio para fazer um certo chá, ele se viu acossado por um solitário, uma pacaça ferida e isolada da manada e, que investiu sobre ele! Ficou por ali em cima gesticulando com sua catana até que um companheiro dando por falta do Cabeças, desferiu um tiro de zagalote bem no crânio do corpulento animal. Foi carne desta peça de caça que eu comi e, ainda me lembro do seu forte sabor a ervas.
Monangamba - trabalhador sem especificação, faz-de-tudo (por vezes pejorativo).
(Continua…)
O Soba T´Chingange
SUKUAMA! - Era um desencantador de serpentes! Um pouco triste mas fazia bem o que fazia…
Sucuama!: -Exclamação de espanto; suspirou; danou-se; ena pá!; admirou-se…
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T´Chingange
Romanof, ainda em vida e sendo empregado, quase-quase capataz do seu padrinho José do Telhado, de tanto ouvir este, contaminou-se como contador de estórias dos tempos de quando ainda era sargento, mas também de como mais tarde roubava as casas dos outros. Atordoado por tanta ideia acumulada, até eu que descrevo isto, experimento um estranho sentimento de me encontrar nesse lugar esquecido do Xissa da mata, lugar aonde o mundo passou por ali, sim senhor, mas muito arrependido foi-se embora. Romanof depois de fechar a venda-tasca-boteco, misto de botequim com venda de peixe seco, propriedade de seu padrinho, já quase noite, senta-se à sombra da mulembeira falando de coisas dele e alheias, com seus kambas.
O tempo foi fazendo dele um exímio contador de inventações, estórias com ladainhas intrincadas com verdades e mentiras tudo-tudo misturado e, que no tempo, iam-se marinando em puras e verdadeiras. Ninguém do Kimbo do Xissa e arredores o dispensava em suas festas de alambamento ou casamento de papel passado! Ele era o supra-sumo do catravêz e ajudante dum padre que ali ia de vez em quando e quando solicitado exibir seu chapéu de três bicos, batina preta e colarinho branco e esticado. Ele só era conhecido por padre candimba mas, tinha nome de gente, parece que de Tomaz. Ele, padre, só ficava por ali mais tempo quando o Administrador mandava preparar um calulu com biala ou cacusso do rio Lucala ou uma muamba de capota.
Nesses tempos de caprandando o paludismo e a tsé-tsé faziam muitas baixas na população e Romanof não só fazia de sacristão como ainda ajudava a entreter o pessoal, fosse em um funeral de óbito ou outro de outra natureza por defuntação consumada ou ainda casamento de como mandam as leis dos t´chinderes do M´Puto. Em sua gestão de capataz de loja de seu padrinho Zé do telhado, ele vendia panos estampados dos monhês, sandálias de couro, panelas de barro, sangas de purificar água, peixe-seco, farinha de mandioca e uma bolunga feita de milho com o nome de ximbombo a que mais tarde se chamou de quimbombo.
Num grande armazém coberto, meio a telha meio a capim, juntava barricas de mel, de borracha e cestos de ráfia mateba com flor de algodão. Desconsegui saber de como ele tinha tempo para acudir a tanta coisa; certo que sua mulher Michelle Congolesa lhe dava uma ajuda; mais tarde os candengues dele também mas, seu coração andava sempre tumultuado para fazer ruido, organizar eventos. Um dia apareceu um homem muito moreno com um dragão, trazido por um monhé vindo dos matos, com um cesto arredondado e umas cobras orelhudas. Era um desencantador de serpentes! Um pouco triste mas fazia bem o que fazia!
As surucucus n´dele pareciam mortas mas, nas ondulações de sua flauta elas levantavam a cabeça rodopiando-se com movimentos estrábicos afinfados na flauta. Logo no início Romanof com seu linguajar esbracejado perguntou ao homem da pinta vermelha na testa de onde vinha ele. Ele, apontou primeiro para cima e depois já na horizontal apontou o sol poente. Todos ficavam de longe a ver o homem tocar, com medo e superstição! Ele era um homem espacial! Tal como veio assim se foi, num dia de cacimbo sem conseguir converter ninguém ao seu hinduísmo. Gente estranha que surge do nada como o salalé. O Xissa sempre foi assim muito cheio de misteriosas figuras, e mistérios desconseguidos. Nem sei se ficarei por aqui por mais uns tempos…
MISSOSSO: Conto de raiz popular que em Angola teve seu criador e percursor o escritor Óscar Ribas. Neles, há diálogos com espíritos, calungas ou kiandas e animais que falam e, até fazem pouco dos mortais; superstições e crendices que fazem parte da cultura dos N´Golas.
O Soba T´Chingange
MALAMGE - O Secúlo Romanof guardava a morte no sovaco; a catinga já lhe cheirava a cadáver.
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T´Chingange
Romanof andava muito cúmplice de sua velha cadeira, herança em kibaba de seu antigo padrinho e patrão de nome Zé do Telhado. Sempre se queixava rezingão dos tempos e num desenrasca se vivia na sua maneira! Carecia de ocupação saudável e, sempre fingia despedida de quando um de nós, seus ávilos lhe dizíamos que mano toma cuidado! Tu vais morrer sentado nessa cadeira, levas uma vida só de sentado, sesismudo e isso não é bom para o teu sangue! Ele fazia sua cara enrugada, mastigava as palavras, tirava seus sapatos empurrando-os para debaixo da mesa refilafustando:
- Porcaria de coração! E, batia no peito como se castigando seu órgão nobre; por causa dele tinha de ficar ali todo o tempo se castigando nas lembranças de antigamente que só lhe dava sossego mesmo falando dos cansaços dos outros! Só isso lhe dava os contentamentos, falar dos alheios! Todos lhe diziam coisas que ele não gostava porque seu malembe-malembe lhes fazia confusão só à-toa. Romanof tinha este nome que de alcunha ficou mesmo seu nome; seu padrinho Zé do telhado lhe baptizou assim e com muito orgulho já com os seus setenta anos, engordava suas falas nos tristes silêncios lembrando sua mulher Xituca que se lhe morreu faz um ano, assim só sem mais nem menos! – Ela não tinha nada que morrer assim só num repentemente e sem avisar! … dizia ele muitas vezes.
À noite lhe ouvíamos cantar suas lengalengas, ralhaduras com seu filho, um descendente muito feito de preguiça e que por ali passava só mesmo para lhe pedir cumbu! E, ele que num tinha, fazer sofrer assim seu pai que não tinha mais presente! Verdade, Romanof só tinha mesmo passado, e dizia: - Eu era, eu tinha, eu fazia e acontecia e, sempre seu padrinho estava presente que até nós nem duvidávamos! Ele mostrava as medalhas de seu padrinho-patrão que ele lhe legou; e, ali estavam penduradas por cima de sua própria estória, na entrada de seu mukifo de taipa, de barro com chinguiços e bosta de boi.
Ele tinha politicas razões para falar dele, do Zé do Telhado, um homem nas direitas da vida, um mwata mesmo! não havia outro branco de mais categoria, um gweta que a estória escondeu na cortina da vida! Afirmava ele com orgulho de muito aprumo. – Devia ter uma estátua aqui em Malange! Falava assim como que barafustando com os novos mwangolés que não tinham respeito na nação! - Esta terra vem lá detrás, e eles, num repentemente matam as almas, não têm de direito fazer isto! E, assim se ficava olhando no vento do tempo, cheirando os espíritos que corriam na fé de Cristo e, nos dias de que ninguém que pode mesmo tossir, ninguém que nada; no seu pé, Zé do Telhado era um branco bom, tinha adquirido direitos de respeito!
Com tudo isto fazer dele Zé uma pedra, nós não tínhamos como falar no catravêz porque morto ele, podia não gostar? - Cala-te, não quero mais ouvir nada. Por soma de grandes cansaços nós os amigos, deixamos de lhe falar nos poucochinhos. Entartarugamos nossas falas num sono, na intenção de só apenas ficar na tristeza dele. Romanof defuntou-se um ano depois! A seu pedido, sua campa ficou ali por perto da campa do Zé do Telhado, seu patrão, seu padrinho e um bom branco. Ambos ficaram nos murmúrios das águas escuras, num sono derramado em conversas de apurados silêncios.
MISSOSSO: Conto de raiz popular que em Angola teve seu criador e percursor o escritor Óscar Ribas. Neles, há diálogos com espíritos, calungas ou kiandas e animais que falam, riem e até fazem pouco dos mortais, superstições e crendices que fazem parte da cultura dos N´Golas.
O Soba T´Chingange
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