Sexta-feira, 8 de Março de 2024
VIAGENS . 146

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3557 – 08.03.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI” Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

unita04.jpg Na percepção parcial das vitais contingências de que a vida é feita, encontraremos o rigoroso sentido do passado, por fortuitos efeitos que determinam o futuro próximo ou distante. Cada um de nós foi o que foi por uma coisa pequena, que sem se lembrar do primeiro choro, outros choros se lhe seguiram e, como um risco feito no chão, nem sempre se escolheu dedo ou arado, nem por onde fazer o rego que influiu na  mudança de nossas vidas. E, lembrando esse passado difícil de Jonas Savimbi e seu povo, algures nas matas do Moxico, relembra-se:

Nas margens do rio Cuíto, Savimbi enviou uma patrulha de batedores constituída por três homens, através da escuridão, para o local da travessia da noite anterior. Nenhuma das três emboscadas armadas pelo inimigo se situava ali, mas, apesar disso, Savimbi estava preocupado com o facto de  o resto da coluna poder cumprir estritamente as ordens dadas na noite anterior, de começarem a atravessar o rio, e de que fossem descobertos .

unita003.jpg Uma patrulha de dois homens vindos do outro lado, tinha atravessado o rio e estavam à espera um pouco mais a norte do local da travessia. A estes, foram-lhes transmitidas novas ordens no sentido de ser abandonada a ideia de atravessarem em massa: a coluna oriental deveria, em vez disso, tomar o rumo do norte, ao longo do rio Cuíto, em direcção à região do Bié e, reunir-se a quaisquer guerrilheiros da UNITA.

Que espalhassem a notícia entre a população de que Savimbi estava vivo e, organizassem a resistência. Todavia, se Mulato fosse encontrado, ele deveria tentar atravessar juntamente com mais vinte homens reunindo-se a Savimbi. Mulato acabou por ser encontrado por um grupo de buscas. Perdera-se ao seguir o rasto de antílopes que ele pensava serem os do grupo  de Vanguarda.

luua24.jpg Mulato, atravessou o rio e conseguiu juntar-se a Savimbi 24 horas depois. «Quando Mulato se reuniu a nós, elevou-se a moral dos homens», disse Savimbi. «Ele era o nosso companheiro de armas e, gostávamos muito dele. O facto de ele estar a salvo, permitia mantermos  os nossos planos inalterados». O grupo era agora formado por 250 homens.

Eram em sua maioria soldados, mas também havia quinze mulheres e dez homens civis, em grande parte, administradores experimentados. O tamanho reduzido da coluna do próprio Savimbi proporcionava certas vantagens. O grupo poderia assim, ser mais facilmente controlado, deixando rastos menos pronunciados e poderia movimentar-se mais habilmente para longe das zonas de maior perigo.

besanga2.jpg A carne proporcionada pelo gado abatido depressa acabou e, a velocidade da marcha abrandou transformando-se numa caminhada muito lenta. Ao fim de uma semana estavam todos tão fracos que Savimbi foi obrigado a fazer uma paragem. Em defesa da moral dos guerrilheiros, o contacto com os camponeses teria de ser restabelecido para se conseguir comida: o contacto era também necessário por razões politicas.

Foram por isso, enviadas patrulhas desde o local em que descansavam, bivacados  na mata, para tentar estabelecer os contactos com as aldeias. Todavia, esta área era esparsamente povoada e, porque os homens estavam muito debilitados, não o podiam por isso, patrulhar a zona a fundo e, não conseguindo encontrar povoados tão rápido como o seria desejável.

ÁFRICA10.jpg Havia pouca caça acessível mas, os guerrilheiros Tchokwes, que eram exímios caçadores há gerações, conseguiram matar um javali. A coluna, esfomeada, comeram não só a carne mas, também os ossos; estes foram fervidos proporcionando uma sopa rala com folhas comestíveis. Sopa de ossos que depois  de amolecidos e esmagados o fora bebida, com sofreguidão. A outra fonte de sustento eram bagas silvestres de cor vermelha  que após o serem apanhadas, eram cozidas, tirando-se-lhe a pele e seu interior que ere venenoso.  

Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:42
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Terça-feira, 27 de Fevereiro de 2024
VIAGENS . 143

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3554 – 27.02.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

mucuisse.jpg Da singeleza de tudo, descrevendo o medo com vontade de viver, risco o  anseio feito odisseia nas desventuras medonhas de um povo seguindo seu líder. É Savimbi que traça suas argutas, astutas de ladinas, premonições para alcançar a liberdade através da “Longa Marcha”. Atravessando rios, charcos e pântanos com sanguessugas e muitas bichezas rastejantes, risco também e, deste modo, o chão das savanas pisadas pela fuga.

Ungindo sem regras no linguajar, revolucionárias só no pensar, despromovo-me num sonho que ainda sobrevive. Nesta vanguarda estética em que as futilidades suplantam o óbvio, passados quase 48 anos, dizer que desgostei ou o inverso disto, não faz parte do meu adeus à estória que inexoravelmente continua… «Podia ter ordenado a todos que continuassem; porém, queria verificar se o piloto tinha conseguido enviar qualquer mensagem pela rádio», recorda ele – Savimbi.

maun08.jpg «Se os cubanos não viessem, era certo que eles não sabiam onde tinha caído o helicóptero; neste caso, estávamos a salvo. Se eles viessem dentro de um curto espaço de tempo, então, é porque sabiam onde fora abatido o helicóptero e, nós saberíamos que eles estavam no nosso encalço com todos os meios de que dispunham, já amanhã». Ao fim de meia hora, os helicópteros chegaram e descobriram imediatamente, o local do desastre.

Sabendo que os helicópteros regressariam às primeiras luzes do dia a seguir, Savimbi ordenou uma rápida marcha nocturna em direcção a oeste. A densidade das matas dessa área dava vantagem aos guerrilheiros, mas estava demasiado escuro porque não havia luar. Por isso, Savimbi teve de ordenar uma paragem. Deu ordens a Ernesto Mulato que fosse à frente e dissesse à vanguarda das tropas para parar também e, assumir posições defensivas para a eventualidade de emboscadas.

ÁFRICA11.jpgA manada, cujo numero baixara para 12 cabeças, de um total inicial de sessenta, não avançou com os guerrilheiros para não se deixar um grande rasto. O boiadeiro, recebeu instruções para espalhar o gado numa frente ampla e, reunir-se mais tarde ao grupo de Savimbi. Após o descanso, Savimbi avançou com o grosso da coluna para se juntar à vanguarda. Mulato não estava lá e ninguém pareceu tê-lo visto. Savimbi ficou seriamente preocupado. Os cubanos poderiam chegar a qualquer momento e Mulato ficaria em perigo de ser capturado.

Isso era particularmente perigoso porque Savimbi tinha tomado a decisão apenas partilhada com N´Zau Puna, Chiwale  e Mulato, de abandonar a ideia de adoptar o Muyé como zona ideal para um futuro acampamento-base , em vez disso, estabelecê-la na área do Cuelei, a oeste de Serpa Pinto. Se Mulato fosse capturado seria logico pensar que seria torturado e, pressupunha-se que, eventualmente revelaria o segredo.

cubango4.jpg Savimbi decidiu avançar mais par oeste: não haveria alteração dos planos durante quatro dias, altura em que se saberia, ao certo, se Mulato se perdera ou não. Os batedores informariam se estavam a ser largados cubanos na retaguarda. Se assim fosse, então Savimbi, teria de concluir que Mulato fora capturado, precisando de traçar planos inteiramente novos. Mais um dia de marcha trouxe a coluna principal para a mata, podendo dali avistar a anhara, bordejando as margens  do Cuito.

Savimbi enviara um grupo avançado de três homens, em marcha muito rápida, para tentarem encontrar uma canoa que servisse para se fazer a travessia do rio com 400 metros de largura.  Existiam problemas, informaram eles. Apenas tinham encontrado uma canoa que poderia levar três pessoas; isto significava na prática que apenas duas pessoas poderiam ser transportadas de cada vez.

papalagui5.jpg Nas proximidades, a leste da margem do rio, existia uma área pantanosa profunda, com Ceca de 300 metros de extinção. Significaria também que o gado não poderia atravessar o rio… Savimbi ordenou que as doze cabeças fossem abatidas e cortadas em pedaços, de modo a que poessem ser transportadas. Estava-se no início de Agosto e, o gado fora a única fonte de alimento durante o último mês de Julho. As pessoas foram transportadas para a outra margem do rio Cuito durante toda a noite. Sucede que quando Savimbi ordenou uma paragem cerca das quatro horas da madrugada, muita gente do grupo estava ainda na margem leste. 

Nota: - Com “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:09
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Sexta-feira, 23 de Fevereiro de 2024
VIAGENS . 142

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3553 – 23.02.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

lua54.jpg Lá nas matas do Moxico  a “Longa Marcha com Savimbi”, prosseguia rumo a um futuro incerto, permanentemente atentos aos ruídos de helicópteros, escolhendo os melhores rumos de fuga. Quando a coluna se aproxima das margens do rio Gunde, um afluente do grande rio Cuito, todos se sentiram mais aliviados: o MPLA e os cubanos pareciam ter-lhes perdido o rasto e, não tinham avistado aviões desde o dia de partida.

Às margens do rio Gunde, tal como a maioria das margens dos rios angolanos, eram ladeados por anharas com capim de quatro metros de altura e, nalguns locais com 500 metros de extensão. Savimbi mandou parar a coluna na mata e enviou dez guerrilheiros através das faixas da anhara e, através do rio para se assegurar, que a margem ocidental era segura.

moxico2.jpg N´Zau Puna levou também consigo cinco homens através da anhara para a margem oriental a fim de encontrar qual o melhor ponto de passagem para a coluna. Foi quando se ouviu um helicóptero que se aproximava, vindo do sul. Savimbi ordenou de imediato a todos da coluna principal, para que se espalhassem sob as árvores. O grupo de N´Zau Puna começou a recuar da margem do rio para um pequeno grupo de árvores formando como que uma pequena ilha na anhara circundante e, a cerca de duzentos metros do Gunde.

Puna e dois dos seus homens conseguiram chegar às árvores antes do helicóptero pairar por cima de suas cabeças mas, os outros três estavam ainda em campo aberto. Foram localizados e, o helicóptero começou a metralhar a baixa altitude. Os três responderam com armas de fogo ligeiras, tiro tenso e, o helicóptero rodou descontrolado, caiu e explodiu  a cerca de três quilómetros mais adiante.

moxico4.jpg Da sua posição na mata, Savimbi observou o percurso da queda do aparelho. Voou para além dos três guerrilheiros que estavam parados, parecendo dali mergulhar em direcção ao solo, ergueu-se de novo para, em seguida precipitar-se em terra. Savimbi calculou que o piloto teria mantido controlo do helicóptero  até aos últimos instantes: por consequência; decerto teve o tempo suficiente para transmitir para a base, seu SOS.

Teria via rádio, dado a sua posição com outros breves detalhes sobre o que tinha acontecido. Dentro de pouco tempo outros helicópteros estariam no local. «Todos estavam confusos», recordou Savimbi  anos mais tarde. «cada qual davam ordens separadas». “voltem para trás”, dizia Chiwale. “Ide para norte, ao longo da margem do rio”, dizia N´Zau Puna. Eu disse que devíamos seguir em frente, nunca recuar, e ordenei a imediata travessia do rio.

mucuisse.jpg Tinhamos esperado encontrar uma pequena ponte de madeira para pedestres, tipo daquelas que são construídas pelos caçadores locais. Agora não havia tempo a perder. Disse às pessoas que atravessassem em qualquer lugar. «Mergulharam nas águas até o pescoço e, minha mulher, perdeu os sapatos no rio». Tendo atravessado o Gunde, a coluna de Savimbi agora com 350 pessoas, atingiu a mata mais densa a quilómetro e meio para além da anhara. Ordenou a todos que parassem um pouco, dentro dos limites da mata.

Todos nós vivemos em um país, é um facto! É a partir da singularidade legal de uma nação, suas características peculiares e sua identidade conforme a lei que surge o conceito de soberania. Os componentes desta grande marcha buscavam isso! Sua singularidade. Ter uma nação com símbolos próprios com os órgãos instituídos que representassem a sua Nação; com dificuldade, posso imaginar um tal acto de resiliência a pensar numa soberania, visar ter uma identidade naquele espaço no meio do nada, um manto verde onde e aonde, encontrar dois habitantes, já o é: um milagre…

Nota: - “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 17:43
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Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 2024
VIAGENS . 141

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3552 – 21.02.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI”Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

nasc3.jpgEnquanto transcrevo a “Longa Marcha de Savimbi”  na Luanda de então, a vida mantinha-se claustrofóbica, periclitante e sem saídas fáceis para a província; os corredores aéreos encontravam-se ameaçados. Iam abrindo lojas de kinguilas nos muros de quintais, o trânsito ia ficando já com algum parque automóvel moderno e caro, também muito mais caótico. O  contraste da “cidade capital e o musseque” iam ficando entre o abandono e a  deterioração com amontoados de chapas de zinco e placas ratadas de fibrocimento.

Ainda se podia visualizar entrelaçadas com velhas portas arrancadas de um qualquer armazém as aduelas de barris de vinho “Camilo Alves” idos do M´Puto e até latas espalmadas de azeite galo ou, latas das grandes de  tinta pintal, com ripas de madeira das antigas caixas de sardinha ou atum  importadas de  Portimão do M´Puto. No centro da Luua as caixas de elevadores dos prédios mais antigos, iam ficando atulhados de lixo vasculhado por gatos e ratos com  o mau cheiro inerente…

luanda6.jpg As ruas da baixa da Luua iam ficavam envoltas em nuvens de fumo com cheiro intenso de gasóleo queimado saído dos escapes de geradores construídos a partir de velhos motores de GMCês, Magiros e Fordes e outras ainda não seleccionados pelos cubanos para levar para Cuba; assim, património como coisas de “tecnologia de ponta”, assim consideradas lá na ilha – troféus de guerra para o Fidel. Esta guerra de Angola que nos era servida, não se diferenciava das atrocidades do Corno de África ou das escaramuças do Iraque.

Mas, lá nas matas do Moxico  a “Longa Marcha” continuava com seu líder – o melhor chefe de guerrilha em África. Enquanto Savimbi instruía seus oficiais, o condutor de gado reapareceu como por milagre com a manada de rezes. Savimbi, mandou-o directamente em direcção a sudoeste, caminho que ele pensava seguir com a sua própria coluna. Quando tudo ficou pronto, Savimbi ordenou às colunas de Samalambo e Chimbijika que partissem: a primeira para nordeste e a segunda para noroeste.

Cubango1.jpg Cerca de quatro horas e trinta minutos da manhã, ambas as colunas e toda a gente da coluna de Savimbi, excepto o próprio Savimbi e os cinquenta homens que constituíam a sua retaguarda, tinham partido; a seguir, ele ordenou à retaguarda que também partisse. A coluna de Savimbi não parou de andar até às três horas e trinta minutos da tarde para um descanso, mas já ao romper de um novo dia, os caminhantes ouviram explosões  e  tiroteio na direcção do local de onde tinham descansado na mata.

Os batedores disseram que os cubanos tinham sobrevoado o local, fazendo disparos de metralhadora dos helicópteros. Decididamente, mais tarde os cubanos informaram dirigirem as suas buscas em direcção às colunas de engodo. O resultado do desencontro com o MPLA e os cubanos, resultou no desmembrar a coluna original de Savimbi em cinco grupos. As crianças, as mulheres e a sua  escolta de guerrilheiros permaneceram sem o serem detectados ou molestados durante várias semanas, na que ficou sendo a “aldeia segura” porque nunca o foi visitada por tropas inimigas.

cubango2.jpg O grupo de Chivinga formada por cinquenta pessoas, manteve imobilizadas as tropas do MPLA, precisamente a norte de Chissima; durante várias horas e, até Chivinga ter sido ferido numa coxa: Em consequência disso dispensaram levando o comandante mas, não conseguiram reunir-se às colunas principais, nem mesmo com a coluna das crianças e mulheres. Só meses depois é que Savimbi recebeu mensagens de que as mulheres, as crenças e Chivinga com seus homens, estavam a salvo.

Quanto ao major Samalambo e ao capitão Chimbijika, estes, conduziram as suas colunas de forma segura para longe do perigo. Durante uma semana, a coluna de Savimbi não enfrentou problemas, excepto quando da travessia atribulada do rio Cuanavale: aí, eles tiveram de derrubar várias árvores para construir uma jangada que os ajudou a atravessar o canal de águas profundas. Isto, deixou-os expostos em campo aberto, durante algumas horas, mas o inimigo não apareceu. Aqui chegados direi (do relator): que a logística do MPLA já nesta fase, alegava ser o dono da história seguindo subserviente à mentirosa versão russa.  Isto iria continuar sem se vislumbrar um sine die, com revolta musculada de todo o mundo democrático ocidental – eternas fragilidades das democracias…

Nota: -  Com “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:55
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Domingo, 18 de Fevereiro de 2024
VIAGENS . 140

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3551 – 18.02.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI” Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

moxico1.jpg Entretanto recorda-se (Via Wikipédia): O Presidente da Guiné-Conacri, Ahmed Sékou Touré, foi quem fez a proposição de reconhecimento da RPA na reunião da Organização da Unidade Africana (OUA) de 10 de janeiro de 1976 em Adis Abeba. A 11 de Fevereiro de 1976, a OUA, então presidida pelo Presidente do Uganda Idi Amin Dada, reconheceu a RPA como legítimo governo de Angola, aceitando-o como o 47º. membro da organização.

O General Kamalata Numa da UNITA anos mais tarde em resposta a uma pergunta esclarece ter  havido actuação de tropas congolesas ao lado das tropas ditas regulares do MPLA: - É verdade! À coligação MPLA/cubanos juntam-se tropas congolesas com um total aproximado de 10 batalhões que passam a actuar no Centro/Sul de Angola…

moxico01.jpg Continuando com a descrição do que foi a grande marcha de Savimbi e, ainda muito longe do seu termo, a coberto da escuridão, Savimbi dividiu em três grupos inteiramente novos, os seus próprios seguidores, os de Samalambo e os do capitão Chimbijika, que os oficiais de Savimbi descobriram ter montado uma base da UNITA com 100 guerrilheiros. Cada um dos grupos partiria durante a noite em direcções diferentes.   

Esperavam iludir os pisteiros do MPLA, levando-os a acreditar de que a maior coluna, a de Samalambo, era a que protegia o líder Saviambi. Os três grupos tomaram o rumo das matas mais densas, afastados tanto quanto possível das margens dos rios, estradas e povoações. Os oficiais de Savimbi observaram  que os cubanos patrulhavam regularmente ao longo do curso dos rios e das estradas, na sua busca pelos homens da UNITA. Aventuravam-se pouco nas zonas de matas que se estendiam pelas áreas rurais e, com as quais, só os guerrilheiros  da UNITA estavam familiarizados.

moxico2.jpg Às  primeiras horas da noite, homens e equipamentos movimentaram-se  para cá e para lá, entre os três grupos, através dos muxitos das matas. Savimbi transferiu o seu rádio e operador para Samalambo, que poderia vir a precisar mais deles: ele deveria dirigir-se a uma área sob muito maior controlo por parte do inimigo e estabelecer uma base da UNITA perto do Caminho de Ferro de Benguela.

Savimbi disse aos seus guerrilheiros que dormissem, porém, passou a noite a dar instruções aos oficiais superiores das três colunas. Ele disse: «Como homens do exército, poderiam querer desesperadamente combater o inimigo. Em vez disso, porém, tinham de com firmeza e depressa actuarem, afastando-se do problema». Para conseguirem  o que se propunha, teriam de conciliar a necessidade de uma rigorosa obediência por parte de seus homens, com a capacidade de lhes demonstra  compreensão numa situação de desespero.

moxico5.jpg Foi bem peremptório ao dizer-lhes que existiam razões de sobra para terem  esperança. O inimigo mostrava que a sua estratégia era fraca. Estavam a actuar como estranhos: Não conheciam o terreno nem tinham o apoio da população, pois, de outra forma, nessa altura já Savimbi teria sido capturado. Estava bem claro, agora, para os oficiais, que a população estava com a UNITA. E Savimbi disse-nos: «Se o povo não desiste, porque razão desistiria eu?».

Nesse mesmo ano, após um veto por parte dos Estados Unidos, a Assembleia Geral das Nações Unidas admitiria Angola como membro 146º, em 1 de dezembro de 1976. Mesmo reconhecendo a independência angolana deste 10 de Novembro de 1975, o Governo Português somente reconheceu a autoridade do MPLA, sob o comando do Presidente de Angola Agostinho Neto a 22 de dezembro de 1976.

Nota: - “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:39
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Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2024
VIAGENS . 139

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3550 – 16.02.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

Acácia rubra1.jpg ( Na mata…) Ao Longo da Caminhada Surge a Senhora Vinona que pressentia que a qualquer momento a caravana da UNITA poderia ser atacada não escondendo seu pensamento. «Sinto que vamos ser atacados», disse ela a Savimbi. A voz de Vinona não era uma voz que se pudesse ignorar. Era uma mulher decidida, de poucas palavras, capaz de mobilizar e disciplinar outras mulheres com o seu exemplo. «Savimbi, porém, não lhe concedia privilégios especiais nem se dirigia de maneira diferente à própria mulher. Ela era apenas uma pessoa mais, na coluna».

Savimbi chamou N'Zau Puna e Chiwale e falou-lhes sobre o aviso que Vinona lhe fizera. Savimbi não ignorou completamente aqueles pressentimentos: «É verdade, quando se está há muito tempo numa guerra de guerrilha desenvolve-se um discernimento instintivo, um sentimento de que, vai ou não haver um ataque».

zem4.jpg Não obstante, Vinona insistiu que tencionava partir e juntar-se aos filhos, enquanto os pais chegavam da sua aldeia natal para saudarem a filha e o genro. Vinona pediu a Savimbi para vir falar-lhes, antes de regressarem a casa. Savimbi mal tivera tempo de dizer adeus aos sogros, quando Chivinga voltou para trás a correr, com notícias de que tinham sofrido uma emboscada, por parte das tropas do MPLA, justamente a norte de Chissimba.

Fora capturado um guerrilheiro da UNITA e era virtualmente certo admitir por parte da força conjunta MPLA/cubanos, que Savimbi estaria por perto. «Dificilmente acreditei que fosse possível a presença do MPLA», afirmou Savimbi. «Todavia, a minha mulher tinha tido razão na sua insistência por isso, dei imediatamente ordens para partir». A coluna mal podia dirigir-se para sul, na direcção do local da emboscada.

zem3.jpg Não ousavam voltar para norte e qualquer retirada em direcção a leste estava bloqueada Quembo. Só lhes restava tomar o rumo oeste, atravessando uma vasta área de cultivo com dois quilómetros de extensão, zona desbastada de árvores. Savimbi reforçou o grupo de Chivinga elevando-a para cinquenta homens enviando-o rumo ao sul para Chissimba de modo a aguentar o MPLA, enquanto fosse possível. Cerca de meia hora depois de Chivinga ter partido, começou a cair fogo de morteiros e rochets no local aonde Savimbi se encontrava.

Por via disto, Savimbi ordenou ao seu grupo que também partisse. Apenas tinham travessado a área cultivada e atingido a mata quando, à distância, apareceram dois helicópteros. «Assumi pessoalmente o comando porque compreendi que estávamos perante uma situação muito grave», disse ele. Mandei que todos se deitassem no chão. Disse que ninguém mais daria ordens, fosse em que circunstâncias  fosse, nem mesmo N´Zau Puna ou Chiwale. Não queria confusões».

zem2.jpg Havia um posto avançado de guerrilheiros da UNITA acerca de dois quilómetros para Norte do local onde estavam escondidos e aonde Savimbi queria chegar. Eram necessários suprimentos de comida para a fuga e, ele, estava agora a planear com base em informações recentes trazidas por mensageiros: No posto avançado, tinham reunido grandes stocks de carne seca de antílope. Savimbi conduziu o seu grupo mais para o interior da mata e mandou oficiais com instruções para o comandante do posto avançado, major Samalambo.

Quando descansava durante o dia, o povo de Savimbi avistou helicópteros movimentando-se de Chissima em direcção à posição de Samalambo e já quase ao anoitecer, chegaram noticias alarmantes. Um mensageiro de entre os oficiais que tinham sido enviados até Samalambo, disse que um helicóptero o tinha sobrevoado, quando se deslocavam em terreno aberto: estavam certos de terem sido localizados. Não havia tempo a perder.  A estratégia delineada para confundir o MPLA e os cubanos, tinha de estar concluída ainda antes da noite acabar…

Nota: - “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 16:31
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Domingo, 11 de Fevereiro de 2024
VIAGENS . 137

NAS FRINCHAS DO TEMPO

"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3548 – 11.02.2024

 “A LONGA MARCHA  COM SAVIMBI” Segundo Fred Bridgland

- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”

Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto

selos1.jpg Continuando a descrição de Fred Bridgland, a coluna de Savimbi parou, de noite, durante um curto espaço de tempo na pequena povoação de Lucusse, a 135 quilómetros de distância do Luso. Como a estrada para Gago Coutinho era também a estrada para a Zâmbia, Savimbi ficou preocupado com o facto de muitas pessoas poderem pensar que estava a abandonar Angola, a caminho do exílio. «A população estava em pânico».

Fiquei atónito ao verificar como o Presidente lhes conseguia transmitir a sua confiança e organizar uma evacuação calma. «Disse-lhes que não ia deixar Angola e que ia para as matas continuar a combater». Savimbi chegou a Gago Coutinho na tarde do dia 11 de Fevereiro, depois de ter atravessado cerca de doze grandes afluentes do rio Zambeze, que corria para leste. Até ser obrigado pelos cubanos a sair dali, um mês mais tarde, Savimbi utilizou o tempo que passou em Gago Coutinho para se reorganizar.

tukya13.jpg Mandou soldados voltar para trás, na direcção do Luso, para destruírem todas as pontes de estrada, mas com ordem para deixarem cada uma delas intacta até ao último instante possível, antes de os cubanos avançarem. A população local, em fuga para o Sul, tinha de ter tempo suficiente para atravessar os rios. O dia 13 de Março de 1976 marcou o décimo aniversário da fundação oficial da UNITA.

A população começou a reunir-se no campo de futebol da Escola, em Gago Coutinho, para assistir a uma parada e ouvir um discurso comemorativo proferido por Savimbi que, ao pequeno-almoço, dissera aos seus ajudantes mais antigos que a localidade seria eventualmente bombardeada e que, em consequência disso, eles deveriam preparar-se para dar inicio à evacuação.

tuiui3.jpg Às 10 horas da manhã desse mesmo dia, pouco tempo depois de terem terminado as celebrações do aniversário, os caças MIG-21 atacaram. No primeiro ataque, três aviões bombardearam e metralharam a última ponte do rio que ainda estava intacta, 35 quilómetros a norte de Gago Coutinho. Alguns dos guerrilheiros que estavam de guarda à ponte sobre o rio Luanguinga foram mortos e outros ficaram feridos. O segundo ataque dos MIG foi contra o campo de aviação de Gago Coutinho.

Um pouco antes do pôr-do-sol, os dois aviões MIG sobreviventes voltaram a bombardear as casas de Gago Coutinho. Ninguém ficou ferido, mas Savimbi ordenou os preparativos para uma evacuação completa no dia seguinte, 14 de Março. Ao nascer do sol do dia 14 de Março, uma coluna da UNITA, agora  formada por 4.000 guerrilheiros e civis, iniciou a caminhada, abandonando Gago Coutinho.

lifune01.jpg Embora a segurança da fronteira zambiana se situasse apenas a 70 quilómetros para leste, o povo de Savimbi tomou o rumo do oeste, em direcção ao interior de Angola. A evacuação continuou durante todo o dia: os peritos em explosivos ficaram para trás, para dinamitar alguns edifícios-chave. Savimbi levou consigo três camiões e cinco carros.

Os caças MIG desviavam agora a sua atenção, metralhando a coluna. Os condutores dos veículos mantinham as portas dos carros abertas, à medida que avançavam lentamente, e, sempre que ouviam o ruído dos aviões, levavam os carros para a sombra das matas que ladeavam a estrada. Depois de os MIG voltarem à base, os condutores voltavam à estrada, com os veículos grosseiramente camuflados com ramos de árvores, para se distanciarem suficientemente antes do próximo ataque.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:49
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Quinta-feira, 23 de Setembro de 2021
MOKANDA DO SOBA . CLXXXV

ANGOLA DA LIBERTAÇÃO - XXII

–”TENTATIVAS DE RECONCILIAÇÃO” – Tragédia anunciada

Crónica 319619.09.2021 - “A guerra, que matou e estropiou tantos, alimentou um punhado de pessoas, que se tornaram insultuosamente ricas e prepotentes”

kuito7.jpg

Por soba k.jpg T´Chingange, no AlGharb do M´Puto

Em carta datada de 11 de Março de 1992 destinada ao Secretário de Estado Norte-Americano James Backer, Jonas Savimbi admitiu as execuções de Pedro N´Gueve Jonatão Chingunji, “Tito” - delegado da UNITA nos E.U.A. e de Fernando Wilson, delegado da UNITA em Lisboa, assim como toda a família, de ambos e, respectivos guardas pessoais, por via de “actos de alta traição” e, após julgamento. Ainda declara que haviam sido mortos em 1991 e não em 1992. A Amnistia Internacional contesta a Comissão de Inquérito da UNITA, fazendo saber ao movimento, que a mesma não obedecera aos “critérios geralmente aceites de independência e imparcialidade”.

Na carta dirigida a Backer, Savimbi acusou “Tito” e Fernando Wilson de pretenderem envenena-lo: “Depois do regresso à Jamba, a 11 de Novembro de 1988, promovi um encontro entre nós e, alguns de seus amigos para discutirmos o que se falava. Tito confessou que pretendia derrubar-me ou envenenar-me com um tipo de veneno de camaleão bem conhecido pelos angolanos”. “Na altura em que a estória emergiu, “Tito” que nomeou Wilson como conspirador, estava convencido de que um acordo poderia ser fechado com o MPLA, se eu fosse afastado.

kuito1.jpg Entretanto a UNITA chamava de “criminosos de guerra” a Almeida Santos, António Guterres, Jaime Gama e Durão Barroso. Em 1988, no Palácio de Belém, Mário Soares, na qualidade de Presidente da República, agracia com a Ordem do Infante Dom Henrique o empresário Horácio Roque, cuja mulher, Fátima Roque, acompanha Savimbi num périplo por vários países. Só em 1992, pela primeira vez, é que João Soares se demarca de Savimbi ao certificar-se de que este mandara fuzilar os dirigentes da UNITA Tito Chingunji e Wilson dos Santos.

Tito e uns quantos mais – entre eles Fred Bridgeland, um britânico, autor da biografia oficial de Savimbi e autor de outros artigos, denunciava a crueldade, associada a eventuais desvios mentais de Jonas Savimbi, e também uma tal de Olga Mundombe, estudante da UNITA nos EUA, e recentemente afastada do movimento – desenvolveram um plano para destruir a minha reputação, alegando violações dos direitos humanos com uso de drogas, numa tentativa de criar um clima favorável a “Tito” para tomar a presidência.

 bicesse2.jpgO plano alternativo era envenenar-me na Jamba e arregimentar jovens e outros indecisos à sua suposta bandeira. “A situação fica particularmente delicada porque “Tito” alegou que o seu plano beneficiava de apoio actuante da CIA”. São desconhecidas as movimentações de Backer mas, é conhecida a carta que o presidente e vice-presidente da “Senate Select Committee on Intelligence”, respectivamente David Boren e Frank Murkowski, enviaram a George Bush: “Os nossos membros estão profundamente preocupados com as repetidas acusações de abusos dos direitos humanos em Angola e, em particular, às mortes de Tito Chingunji, Wilson dos Santos e suas famílias.

Podemos nunca saber quem foram os responsáveis por estes crimes, mas o Dr. Savimbi tem de aceitar a responsabilidade pelo facto de terem ocorrido na jurisdição controlada pela sua organização politica e militar. O facto de estes acontecimentos, terem acontecido depois da paz ter chegado a Angola, deixa-nos apreensivos. Espera-se por isso que certas e especificas acções sejam tomadas por ele, Jonas Savimbi que comanda o movimento UNITA.

ong5.jpeg Com o título de Galo Negro em inglês (“The Black Cockerel”), existe uma peça teatral sobre Savimbi, da autoria do nigeriano Ademola Bello, o primeiro africano a obter um mestrado em arte dramática pela Universidade de New York.“The Black Cockerel” estreou em Junho de 2008 numa encenação da companhia do Out North Theatre de Anchorage, Alaska, onde o autor reside; esteve longe de ser um sucesso, mas teve pelo menos o mérito de atrair o interesse de Hollywood para a vida de um dos maiores líderes africanos. A acção da peça decorre entre 1985 e 1992 e os personagens são Savimbi e Tito Chingunji, secretário dos Negócios Estrangeiros da UNITA entre 1980 e 1990 e representante do movimento em Washington e o americano Jack Abramoff, lobista ligado ao Partido Republicano e que conseguiu que Savimbi fosse recebido com passadeira vermelha na Casa Branca.

Estando eu na odisseia da diáspora “ Kikas Xirikwata” por terras de Ovoboland e, no final do ano de 2014 no alpendre de soalho e tecto em madeira da Guest House Willtop de Vanda Potgieter, pude repensar em fim de tarde os últimos dias percorridos entre Okavango na Faixa de Kaprivi e os desertos de Swakopmund, pelas quenturas agrestes dos morros de Ozakos e Kiribib. Pude rever esta matéria com “João Miranda”, o chefe dos khoisans do batalhão Búfalo, quando da invasão a Angola naqueles primeiros tempos da invasão Sul-Africana.

guerra19.jpg Também senti um desassossego de excitação inquieta nos porquês mal respondidos e, que só África nos transmite; há fogos em guerrilhas escondidas com vinganças incompreendidas, queixas e gemidos, quiçá chorando nova dores, quebrando os hábitos dum quotidiano em noites de espaços perdidos. O que foi e, como foi que aconteceu é uma ideia que sempre nos acode e adianta ao acontecido. África é imprevisível na soma de angústias, incêndios com sinais de pavor, traficâncias com segredos de podridão. Deus não se vai fiar em qualquer um, por muito boas que sejam a recomendações. Esta temeridade advém de coincidências da África, de guerras subterrâneas do poder, do branco e do preto, das coisas que dão zebra.

São coisas dos últimos e antigos tempos e, embora seja cruel deixar os kotas velhos sem resposta, as pessoas, genericamente, não escolhem as sombras que têm e, também o amanhã que não pertence a ninguém! Isto acontece no “This is África”! Lugar, aonde tudo é possível.  Na voz do bom senso, terei de esperar o amanhã, sem mais nada ter que fazer e, em paz, divorciar-me de mim, dando a chave do cofre ao mestre da charrua da vida. E, porque foi que vim aqui, se não era necessário afastarmo-nos tanto, a um lugar tendo por testemunho absoluto o céu que nos cobre, para onde quer que se vá.

xiricuata2.jpg Como podemos nós acrescentar à ciência o entendimento de simplicidades tão abrangentes; uma mão amiga! As pedras surdas e mudas que não podem testemunhar porque elas têm seu próprio destino, transformar-se em pó, e nós, em coisa nenhuma. Para provar que o que tem de acontecer acontecerá, haverá sempre um milagre a alterar o curso do destino, pequeno grande! Desta feita tem o nome de “Kikas Xirikwata”, no feminino, que move vontades e ternuras a alterar este simples destino, seu toque milagreiro de bem-haja, pequenas grandes coisas que fazem a diferença!

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 08:13
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Sábado, 23 de Dezembro de 2017
MALAMBAS CLXXXVIII

MOKANDA DO DIA – 23.12.2017 – Tukeya. V - Nas falas do fim-do-mundo (Leste de Angola), apaziguando rijezas adversas com a singularidade do mundo.

Por

soba0.jpegT´Chingange

Disposto a escrever a crónica Tukeya V, coloquei o rato do microondas (leia-se computador) em cima de uns escritos amarelecidos no tempo, coisas minhas do antigamente. Pude ver em letras maiúsculas ”A CHUVA BATE NA PELE DO LEOPARDO, MAS NÃO TIRA AS SUAS MANCHAS”. O mesmo deve suceder com a gata “princesa” que dorme aqui a meu lado no sofá. Recordo agora que este regalo de falas foi-me enviado pelo nosso Kimbanda Ninja para que constasse na Torre do Zombo do Kimbo e anexos da Kizomba.

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Estes dizeres são em realidade um mítico provérbio africano aonde para além da onça, do leopardo e da chita existem a hiena e o mabeco que também as têm tal como a gata princesa que em seus primeiros dias dormia no dorso do faísca, o cão-aviador que já morreu em terras do moçárabes. Com a zebra ocorre o mesmo fenómeno de manter suas riscas, mesmo que chova muito mas, com esta, acontece um outro pormenor.

tukya13.jpg As riscas irregulares das zebras são para fazer com que o leão fique tonto ao persegui-las perdendo a noção e desequilíbrio. Pois, muita gente não sabe, mas o leão ao fim de algum tempo de perseguição, e por via de sua fixação em uma, fica com tonturas acabando por desistir. O facto de todas correrem em simultâneo causa o efeito psicadélico e, o que era, fica turvo com tantas riscas a se moverem.

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A natureza ensina muito a quem se detém a observar os mistérios tão perfeitos dela. Mas lá terei de voltar à tukeya e com Dom António o primeiro governador do distrito do Moxico achador de um vasto campo com milhões e milhões de peixinhos empoleirados nas árvores. Na verdade, as árvores não eram árvores, senão arbustos ou, por outro dizer, bissapas comuns e capim alto, a normal vegetação das chanas do Leste de Angola.

tukya14.jpg Dom António mandou dois escravos que fossem buscar algumas daquelas coisas prateadas que se viam à distância. Entretanto, abandonou a tipóia onde se fazia transportar, estirou as pernas, erguendo seu comprido pescoço sobre a vegetação. Quando, por fim, pôde tomar nas mãos os peixinhos, viu que estavam secos, mumificados pelo sol. Procurou entender o fenómeno e interpretar o confuso palavreado dos vassalos. Parece ter entendido alguma coisa entre o cazumbi das falas  com eles, seus monangambas.

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O que é isto? …Vozes: - «Tukeya, patrão!», responderam-lhe (…) E «tukeia», é o quê???!!!(..) Monangamba - «Tukeia», não vês patrão, é mesmo os peixe! Dom António: - Peixe, como? Os peixes ficam em cima das árvores como passarinhos, é? Uma voz: - (Dirigindo-se aos monangambas) - Oh pá... Esse n´gajo tá falar  só átoa. Ele está só maluco dos cabeça n´dele, pôssa, pah! É peixe, mesmo. Outro monangamba: - É, não siô! Eu não… Si siô. É mesmo os peixe. Não vês, patrão? São mesmo os peixe de comer. VOZES – Eh, eh, eh...

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Os peixe sai atão em cima dos pau? Oh! Você viu? «Ombise, o kanjila ko? Aieku, ué!» Os peixe não é os passalinho, não…Todos opinavam mas ninguém explicava a razão pela qual havia peixinhos pousados nas folhas e a discussão não terminava. A caravana aproximou-se da misteriosa esteira prateada que o sol retocava de reflexos azuis. - «O aroma é pestilento. Só se pode andar por aqui com o nariz tapado» - anotou Dom António em seu canhenho de viagem.

MIRAN2.jpg Rodeado de peixinhos e opiniões, queria entender o desentendível e o diálogo generalizado não lhe dava informação compreensível ou válida. O exame mais atento dos peixinhos tampouco! Tinha visto tudo isso com os próprios olhos mas, estava convencido de que o feitiço daquele mato era mais poderoso, porque criava peixes nas bissapas e peixes que tampouco bebiam água.

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Das anotações à teoria dos peixes voadores foi um passo. Para melhor conclusão faltava, apenas, encontrar o rio ou lago de onde partiam os cardumes... – «...Cardumes ou enxames?», interrogava-se o governador. «Nadam ou voam? Quanta distância? Qual a altura? E, por que razão aterram ou caem todos juntos? Acidente ou suicídio colectivo? Sobre os arbustos vêm-se nuvens de peixinhos prateados, ressequidos, tão extremadamente delgados que, em vida, são tão leves que podem deslocar-se pela planície, voando como enxames de gafanhotos, até caírem exaustos sobre as plantas».

tuiui3.jpg Nunca regressou ao lugar e, morreu anos mais tarde sem desvendar o mistério ou os feitiços da «tukeya». Contudo a sua fantasia não andava longe da verdade. A «tukeya» brota do chão como as nuvens de gafanhotos. Este peixe minúsculo nasce na anhara, nos lagos de curta vida que a água das chuvas forma, todos os anos. Nas gretas de lama seca, no fundo, ficaram depositados os ovos que produzem miríades de peixinhos de crescimento alucinantemente rápido.

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Em dois meses cumpre-se o ciclo vital e começa a desova. A forte evaporação devida à secura do clima e o baixo nível das águas obrigam à concentração dos cardumes, facilitando a tarefa da recolha. As mulheres da região chegam em grupos, empunhando cestos com aspecto de raquetas enormes. Entram na água juntas, formando parede e avançam umas ao lado das outras, repetindo canções de técnicas seculares. Agitam os cestos com movimentos de baixo para cima e atiram os peixes ao ar, para que caiam sobre as plantas. Dias mais tarde, voltam à anhara, desta vez com kindas e juntam a «tukeya», como quem colhe frutos do alto das bissapas. Na próxima crónica saber-se-á de onde advém a palavra Moxico…..

tukya1.jpg

 Nota: 1 - Muitos dados, foram retirados das Crónicas de Kandimba de Sebastião Coelho; 2 - Somente na crónica final será publicada o glossário de palavras não habituais na língua portuguesa…  

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 13:50
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Quinta-feira, 21 de Dezembro de 2017
MALAMBAS CLXXXVII

MOKANDA DO DIA – 21.12.2017 – Tukeya. IV - Apaziguando rijezas adversas, perfilando anjos com a singularidade do mundo.

Por

soba0.jpeg T´Chingange

Na crónica Tukeya III acrescentei ao dito que o peixe saltador do lodo se baseia em um ecossistema, como existe nos manguezais, lagos ou lagoas rasas que secam no verão mas, não é bem assim porque estes ao invés dos peixes pulmonados eclodem de ovos depositados em buracos no lodo, aonde antes havia água e, depois secou tornando-se uma massa gretada parecida com o chocolate trinchado em barras. Lá iremos com tempo e depois de sarandar por outras paragens.

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Com bordões e folhas de palmeira ou cassuneiras os pescadores do rio pescavam peixes nas correntezas e que ali ficavam aprisionados; este método ainda é usado em cofes ou cestos feitos a propósito tendo uma aba larga por onde entra o peixe e que depois fica alojado naquele funil que, pode ter variadíssimas formas. Isso é usado nos rios destacando-se o Kwanza, Cubango, Cuando, cassai, Luinha e tantos outros; uma actividade feita exclusivamente pelos homens.

tukya002.jpg É aqui que chegamos à pesca das savanas, chanas ou lagoas rasas dos planaltos de África e mais propriamente de Angola, tarefa conhecida por pesca lacustre e praticada essencialmente por mulheres. É este o peixe do capim ou voador conhecido por tukeya - peixes minúsculos, ainda mais pequenos que os carapaus conhecidos no M´Puto por jaquinzinhos.

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No leste de Angola e na zona da Cameia, as chuvas que caem expandem-se nas rasuras da chana formando grandes lagos temporários e de pouca profundidade. As mulheres juntam-se em ranchos metendo-se nas águas das lagoas fazendo grandes pescarias colectivas; enquanto isto vão cantando e dançando numa prática secular. Foi Dom António de Almeida que deu a conhecer esta actividade já em meados do seculo XX.

tukya06.jpg Dom António de Almeida, homem de linhagem, veio a ser governador do Bié e Luchazes, um vasto território que abrange as actuais províncias do Bié, Moxico e Cuando-Cubango. Este nobre senhor quis conhecer este vasto território mesmo antes de vir a ser governador pelo que se meteu no mato calcorreando as anharas sem fim, a pé, de tipóia, em boi cavalo e até carro bóher, comboio ou carro de gastar gasolina ou brilhantina.

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O Governador do Distrito, D. António de Almeida, escolheu, delineou e fundou, a cerca de 20 quilómetros a norte de Moxico Velho, a nova sede do distrito, designada por Moxico Novo, num planalto de 12 km de largura que se espraia entre os rios Luena a sul e o Lumege a Norte, a 1 350 metros acima do nível do mar.

tukya8.jpg O curioso com Dom António foi o de que esgotou seu tempo de comissão como governador administrando o território deixando-nos seus escritos de suas passagens por terras de Cameia. E, seria numa manha com o cacimbo a despontar, quando notou ao longe, já na linha de horizonte a existência de um estranho manto de prata que reflectia a luz do sol, da kúkia das savanas; manto que cobria as bissapas, capim a perder de vista. Pela primeira vez ouviu falar aos auxiliares e carregadores o nome desse peixe, a “tukeya”- o peixe da anhara.

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Incrivelmente empoeirados nas bissapas e capins lá estavam aos milhares os pequenos peixes com o máximo tamanho de 5 a 6 centímetros. O cheiro que exalavam era nauseabundo e, aonde a vista alcançava não existia agora rasto de água, tudo era chão de areia e lama seca

E gretada. Aqui e mais além tufos de arbustos ou capins com mais de um metro de altura. Em verdade, estes peixes já estavam secos e prontos para cozinhar.

tukya9.jpg Logologo, Dom António d´Almeida o fidalgo governador daquela vasta zona, terras do fim-do-mundo, lugar que ocupou em pleno esgotando seu tempo em andanças pelos matos, ali deu início à quase lenda dos peixes voadores das anharas do leste. Sua graça não figura na lista de t´chinganges pois que não o chegou a ser, mas foi o descobridor de um vasto campo com milhões de peixinhos empoleirados nas árvores.

tukya11.JPG Desta forma e mais tarde, Sebastião Coelho organizou com legendificação, palavra inventada por ele mesmo, para descrever algumas passagens desta estória da tukeya, saída em primeira mão dum poeta-governador que enfeitiçado, também provou aquele minúsculo peixe de cheiro nauseabundo e penetrante, mas que depois de cozinhado se oferecia como um prato muito saboroso. A cena continua para entender a fundo e com detalhes o cazumbi das falas.

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Nota: Muitos dados, foram retirados das Crónicas de Kandimba de Sebastião Coelho

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:28
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Sábado, 13 de Junho de 2015
MALAMBA . LXXXVIII

ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO - Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso… 11ª de 11 Partes

Malamba e a palavra - As escolhas do Kimbo

Publicada por

nasc1.jpgH. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto - Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

kimbo1.jpg Nunca consegui entender de onde vinha a vocação daquela malta do kimbo para estas coisas, mas a verdade é que a possuíam. E foi assim que a vida rapidamente retomou o seu ritmo ronceiro e venturoso. Aos seis anos, como já contei, abalei de vez dos Luchazes para o Luena. Aos tempos de felicidade que tinha vivido, outros tempos de felicidade, diferente embora, se foram seguindo. Mas nunca mais esqueci Cangamba, os putos do kimbo e o mais velho de todos, aquele chefe negro a quem cabia defender o seu povo, escutar as queixas da aldeia, arbitrar disputas, pacificar, buscar comida que matasse a fome aos seus. Ele era o mais velho, /século) o que tinha o papel a que nós, portugueses, chamaríamos de “ouvidor”, porque ouvia o povo e julgava as causas.

moc2.jpg É verdade que a palavra “ouvidor”, que se usava em Portugal no tempo dos nossos reis, caiu entre nós em desuso. Ironia do destino foi mantida no Brasil, que a usou também na época dos capitães - donatários, a preservou e dela faz, hoje, a nível federal ou a nível estatal, no sector público tanto como no privado, um uso extensíssimo. Malhas que o Império teceu… O “Ouvidor do kimbo” é, assim, um título de simbiose, pois advém quer de Portugal, que é minha Pátria, quer de Angola, que é a minha Terra. Pretende ser esta, um desenrolar de memórias e de saudades, de poesia, de estórias e de comentários, incluindo comentários políticos, os melhores para a gente se rir.

preto4.jpg Será também uma forma de deixar aos meus treze netos um rasto meu, porque, pela ordem natural das coisas, sobretudo os mais pequenos, é provável que dele, nada retenham. No mais, caro caminhante de passagem por aqui, nunca se esqueça daquele provérbio saloio que diz assim: ”se não gostas do que lês, pois não leias”; ou, se preferir um provérbio ganguela, então escute este: ”um homem não é um jacaré. Um jacaré não é um homem. Mas o jacaré come o homem”.

kimbo2.jpg NOTA: Convem expor aqui uma de suas afirmações para que se entenda um pouco a mentalidade de quem veio de África por fruto da descolonização a comparar com o metropolitano do M´Puto; daqui a forma rsoluta com que milhares de retornadoas solucionaram suas vidas a partir do nada em 1975:  -“ Em África, ninguém espera nada do Estado, apenas de si próprio; é o contrário do que acontece em Portugal, e por extensão, no resto da Europa”.

(FIM)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 21:37
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Segunda-feira, 8 de Junho de 2015
MALAMBA - LXXXVII
ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO - Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso… 9ª de 11 Partes

Malamba e a palavra - As escolhas do Kimbo

Publicada por:

nasc1.jpg H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto - Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

mutopa0.jpg Era então que os mais velhos ficavam sentados ao redor das fogueiras, a beber marufo e a fumar nas suas mutopas e contavam as estórias de caçadas antigas, fabulosas, daquelas que não mais se repetiriam porque já não havia tanta caça e porque os jovens do kimbo tinham perdido o gosto da aventura de calcorrear matos e montes, galgar rios e penetrar até ao fundo dos fundos da floresta. Numa dessas ocasiões, por gentileza, trouxeram-me uma bâmbi cuja mãe fora morta na caçada. A pequenina gazela mal se sustinha nas esguias e muito frágeis pernas, tinha o focinho húmido e uma pele castanha, quase sedosa, que apetecia cheirar. Para mim foi amor à primeira.

corimba3.jpg Minha Mãe ocupou-se dedicadamente do bâmbi, porque percebeu o que eu não podia perceber: que o bâmbi, sem a mãe e com tão poucos dias, corria risco de vida. Alimentou-a a leite, com os meus mais velhos biberões, entrapou-a em pedaços de manta à noite, deixava-me pegar-lhe ao colo e tenho uma vaga ideia de que até sulfamidas lhe dissolveu no leite, não sei para quê.

mutopa5.jpgTudo foi em vão, porque uma certa manhã veio dizer-me que o bâmbi tinha morrido e a tinham enterrado no quintal, lá para os lados do kimbo. Ainda hoje tenho a certeza de que esse foi o primeiro grande desgosto da minha vida e recordo-me de ter chorado desalmadamente. Se há coisa, porém, que rapidamente cura desgostos é precisamente essa idade da meninice. Os “putos do kimbo” em breve estavam de volta, agora traziam a última maravilha: um carro feito de canas de bambu, com um enorme guiador, que não passava de um longo e estreito pau que servia para o mover.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 19:21
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Segunda-feira, 1 de Junho de 2015
MALAMBA - LXXXVI

ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO - Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso… 9ª de 11 Partes

Malamba e a palavra - As escolhas do Kimbo

Publicada por:

nasc1.jpg H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto - Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

quil5.jpg (…) E em regra era mesmo a questão das culturas, o desaparecimento de gado e, portanto, a situação de fome ou a de saúde dos povos do kimbo o principal motivo dessas conversas, como mais tarde me explicaria meu Pai. Era muito difícil, então, encontrar-se solução adequada para a substituição dos métodos tradicionais de cultivo praticados pelas gentes do kimbo, o puro trabalho muscular pela enxada, e explicar-se que as terras mereciam pousio sob pena de inevitável degradação. Bastava um ano de chuva torrencial ou de sol ardente para que tudo se perdesse. E daí à fome era um ai.

nasc4.jpg O gado, que não era abundante - umas vacas raras, uns cabritos e galinhas - era frequentemente atacado pelos predadores do costume: as cobras, as hienas, por vezes o leão, queixava-se o chefe da aldeia. Menos gado, ou criação a menos, significam também mais fome, está-se a ver. E finalmente, mas não menos grave, existiam as doenças clássicas, como o paludismo à cabeça, a doença do sono que, nessa altura, não tinha ainda ataque sistematizado, a lepra, e também os golpes mais fundos no corpo, causados pelo uso errado das catanas ou das enxadas.

nasc5.jpg Era por essas ocasiões que a conversa entre meu Pai e o velho “sécúlo” do kimbo terminava com as soluções possíveis: mandava-se retirar do armazém sacos de milho, distribuía-se fuba e algum arroz, e minha Mãe era mandada ao armário de nossa casa buscar os frascos de quinino para atacar o paludismo, ou alguma gaze e tintura de iodo para limpar as feridas das lâminas da catana.

nuno1.jpg Em situações mais delicadas, meu Pai autorizava a distribuição de uma meia dúzia de canhangulos, velhas espingardas que já não tinham memória do tempo do seu nascimento, mas que seriam capazes de disparar sobre javalis, gazelas e mesmo impalas-- carne para comer - umas duas ou três vezes em cada dez disparos. Os homens do kimbo percebiam o gesto de confiança, pois nunca vi meu Pai com uma arma na mão, sequer uma simples caçadeira para andar às perdizes.

nasc6.jpg E retribuíam, porque nessas ocasiões, regressados da caça e devolvidas as armas, havia festa no kimbo noite adentro, com cantares e dançares, as palmas das mãos marcando o ritmo dolente da música, as ancas das mulheres requebrando em direcção aos corpos dos homens, numa calucula que mais tarde me soaria parecida com as rebitas da cidade.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 16:42
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Sexta-feira, 29 de Maio de 2015
MALAMBAS . LXXXV

ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO - Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso8ª de 11 Partes

As escolhas do Kimbo

Publicada por:

nasc1.jpg H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto. Nasceu no Luena (Kangamba)… Faleceu no ano de 2010

moc1.jpg (…) Fui apanhado pela minha Mãe num esfregar de olhos e interrogado sobre a propriedade da fisga. Devo ter batido com a língua nos dentes, ainda que sem identificar qualquer dos nomes da malta do kimbo, o que os salvou. Mas não me salvaram de ver a fisga apreendida por longo tempo e de apanhar uns bons tabefes no traseiro. Nunca dei conta que, por causa deles, tivesse ficado um traumatizado para toda a vida…E muito menos quando logo percebi que as duas ou três galinhas mais maltratadas, quase moribundas, iam à faca do cozinheiro. Transformaram-se em canjas deliciosas, que eu saboreava muito melhor do que aquelas sopas grossas com que minha Mãe me martirizava.

moc2.jpg A segunda mais impressiva recordação do kimbo advém-me da figura do “sécúlo”, ou “o mais velho”, quer dizer, o kota chefe da aldeia. Era o escolhido do seu povo pela sua idade, que significava experiência e saber de vida. E em regra eram reconhecidos e desejados também pelas autoridades administrativas portuguesas, por neles encontrarem um interlocutor útil e insubstituível. O “sécúlo” do kimbo de Cangamba era um velho muito velho, de idade indecifrável. De estatura meã, franzino de tal modo que os ossos lhe despontavam por sob toda a pele do corpo, de carapinha já um pouco esbranquiçada, distinguia-se estranhamente por um porte que não era altivo mas era tão direito quanto a idade lho permitia, por um ar sereno e ao mesmo tempo como que magoado, por uma dignidade indisfarçável. Tinha uns olhinhos metidos bem lá no fundo da cara, mas eram uns olhos negros, miúdos, por vezes parece que me sorriam, por vezes parece que se quedavam distantes a olhar, lá longe, um outro horizonte.

moc3.jpgNão sei que nome tinha. Meu Pai, esse sabia-o, porque não poucas vezes os vi a conversar à varanda, ou lá na zona do fundo da casa que servia de repartição administrativa, enquanto se erguia o edifício futuro, que seria de tijolo e telha. Falavam através de um intérprete porque poucas palavras de ganguela o meu Pai dominava, apenas aquelas poucas que serviam para meter conversa, perguntar pela saúde ou saber do estado das culturas.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 13:07
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Domingo, 24 de Maio de 2015
MALAMBAS . LXXXIV

ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO - Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso – Com os putos do Kimbo…  7ª de 11 Partes

As escolhas do Kimbo

Publicada por:

nasc1.jpg  H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto.  Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

luena1.jpg Não imaginaria então, certamente, o enorme sarilho em que me iria meter, mas o certo é que me enfastiei de atirar sozinho àqueles alvos tão miseráveis para uma bela fisga como a minha. Devo ter matutado, se é que um garoto daquela idade consegue isso, na triste figura que andava a fazer aos olhos dos meus companheiros negros do kimbo, eles que não tinham sapatos nem sandálias, excepto um ou outro que possuía tiras de borracha a servir de sola para os pés.

luena2.jpgJá não me recordo como, mas um dia surgiu-me a solução luminosa: o galinheiro da minha Mãe. Claro que era uma solução arriscada, porque eu sabia que só podia entrar no galinheiro com prévia autorização, por causa das pulgas da bicharada. Mas não deixava de ser uma  saída airosa para o meu embaraço: eu haveria de demonstrar aos do kimbo que também sabia assestar em alvo andante. E assim foi. O galinheiro tinha uma extensão considerável e não era tão difícil como isso passar desapercebido lá dentro, sobretudo se me agachasse e ficasse mais ou menos quieto, para que a bicharada não começasse a grasnar. Foi o que procurei fazer nas primeiras surtidas.

luena3.jpg Não passaram muitos dias, porém, sem que o instinto não levasse a melhor, quer dizer, sem que não resistisse a metralhar as asas das galinhas com pedradas das boas, daquelas que silvavam e depois faziam “pum” ao bater no lombo das desgraçadas. As desgraçadas reagiam de modo natural, ou seja, desatavam a cacarejar como doidas, começavam a tropeçar aos tombos, feridas, e acabavam por alvoroçar o galinheiro inteiro.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 08:28
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Quarta-feira, 20 de Maio de 2015
MALAMBAS . LXXXIII

ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO - Relembrar o Luena (Kangamba) - Putos do kimbo… 6ª de 11 Partes

As escolhas do Kimbo

Publicada por:

nasc1.jpg H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto- Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010.

corimba3.jpg (...) Não foram os cheiros que levaram os “putos do kimbo” a desafiar-me para o mato, é evidente. Aconteceu apenas que eu comecei a mirar-lhes as fisgas, a namorá-las, a segui-los como um cãozinho cada vez que decidiam ir atirar aos pássaros na floresta, ou às cabeças das cobras de água do riacho que por ali se derramava. Tempos depois, fartos de empréstimos temporários de fisga, que é objecto que um puto não deve nunca emprestar, deliberaram entre si e decidiram fazer-me uma, que me foi oferecida como quem diz: toma lá e não voltes a pedir as nossas. Não voltei a pedir.

dia0.jpg A fisga era a minha maravilha, muito mais do que os brinquedos que vinham de Luanda, via Luena. Ensinaram-me a manejá-la, a fazer pontaria ao alvo, a saber esperar pelo momento azado para apanhar o pássaro distraído na árvore, nós mudos cá em baixo, e aprendi também a esticar ao máximo a borracha que lançava a pedra. Qual quê! Cada tentativa era um insucesso envergonhado, cada fisgada era um momento de risadas para os outros que, debalde, procuravam corrigir-me. Desistiram!

lu3.jpgFomos então ao tiro às latas enferrujadas, aos pedaços de garrafas, ao que quer que, mais volumoso do que corpo de passarinho ou cabecinha de cobra de água, servisse de alvo aceitável para a minha demonstrada imperícia. Ganhei mais experiência e já atingia com razoável pontaria tais alvos parados, sobretudo os montículos de salalé. Mas essa foi também a minha desgraça, porque os ”putos do kimbo” começaram a desinteressar-se de tão insignificante conquista e retomaram o rumo do mato, que eu não quis refazer, seguramente para não me sujeitar ao desafio da comparação.

MALAMBA: É a palavra

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 07:41
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Terça-feira, 12 de Maio de 2015
MALAMBAS . LXXXI

TEMPOS COM FRINCHAS . ANGOLA - O OUVIDOR DO KIMBO

Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso… 4ª de 11 Partes

As escolhas do Kimbo

Publicada por:

nasc1.jpg H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu no M´Puto - Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

 (…) - O Kimbo não passava, sei lá, de uma quinzena de palhotas feitas de paus entrançados, umas, ou de argila, outras, todas com tecto de colmo em forma de cone; e estava rodeado por uma cerca ou paliçada quase a toda a volta, assim como que para o resguardar de olhares estranhos. Não o resguardava, claro. E muito menos o resguardou quando, talvez pelos meus quatro ou cinco anos, me habituei a dele fazer uma segunda casa, sobretudo nos dias e, eram quase todos… em que minha Mãe desistia, estafada, de me meter na boca, à força, a comida do almoço que tão carinhosamente me preparara.

 Irritada, fazia com os ombros um gesto cansado, de vencida: era o sinal, tão ansiosamente aguardado por mim, de que eu podia ir brincar lá para fora. Não ia brincar, está-se a ver. Dava umas corridinhas ligeiras pela frente da casa; depois, como quem não quer a coisa, ia encaminhando-me para o Kimbo e num esfregar de olhos entrava numa qualquer cubata de uma mamã negra, agachava-me, cruzava as pernas, e sem cerimónia atirava a mão para dentro da panela de barro, quentinha de funje, ou seja, pirão de mandioca.

dia1.jpgPorque era mesmo daquele pirão grosso, quente, um pouco amargo e sem qualquer condimento de que eu gostava e, por ele trocava os pitéus de minha Mãe. Jamais qualquer mãe negra me recusou uma vez que fosse essa partilha e Deus sabe como era escassa a comida no kimbo. Eu comia o pirão da panela com os filhos negros dessas mamãs, com elas e com os seus homens, pela única forma que os kimbos e as senzalas têm para partilhar: comunitariamente, em sossego, no meio de risos, de uma fala que eu não percebia, mas entendia perfeitamente que era uma fala de amizade, de doação, de gentileza. Depois, barriga saciada, voltava a sair do kimbo e caminhava direito a casa para a sesta obrigatória como se nada se houvesse passado.

MALAMBA: É a palavra - O OUVIDOR DO KIMBO

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 09:54
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Quinta-feira, 7 de Maio de 2015
MALAMBAS . LXXX

TEMPO COM FRINCHAS - O amanhã, não pertence a ninguém!... Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso 3ª de 11 partes

MALAMBA: É a palavra - O OUVIDOR DO KIMBO

As escolhas de Kimbo Lagoa

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nasc1.jpgH. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu, pela sua elevada estatura moral, pela dedicação à causa pública e pelos relevantes serviços que prestou ao País - Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

Mas eu gostava de ouvir a chuva pausada a zurzir naquele tecto de zinco, pois me embalava em sonhos que sonhava acordado. É que em África, para se sonhar, é acordado que se deve faze-lo. Lembro-me também de que à ilharga da casa ficava uma enorme capoeira, cuidadosamente amuralhada com estacas altas e de pontas bicudas por causa das hienas que, à noite, vinham rondar. Capoeira é uma forma de dizer, porque aquilo era mais parecido com um pequeno jardim zoológico aonde coabitavam patos e galinhas, porcos, coelhos e cabritos, também um par de faisões selvagens, e se plantava, no meio, uma gaiola descomunal com pombos, rolas e pássaros de todas as cores e de todos os tamanhos, que eu ficava a mirar, encantado, horas perdidas.

muxi5.jpg Mas, na prática, a capoeira não passava de uma reserva para nos alimentar em permanência, um seguro de sobrevivência, pois naqueles recuados tempos não vinha de Luanda senão carne enlatada, quando vinha, e o peixe que se comia era o que se pescava nos rios, felizmente numerosos, que irrigavam os Luchazes: o Ricunda, o Chicalala, o Chilôlo e os outros afluentes do Cubangui; e o grande Cuando, mais além. Peixe de águas doces, portanto.

dia3.jpg Só hoje consigo imaginar um pouco o que seria a vida de trabalheira de uma dona de casa, como minha Mãe, para alimentar a família em tempos como aqueles, em que praticamente nada vinha de fora, luz eléctrica não existia, por isso geleira também não, nem sei se haveria farinha para o pão ou se este seria de milho, como julgo mais provável. Mas estes não eram os efeitos da guerra, era o dia-a-dia normal. A guerra mundial era lá muito, muito longe, e claro que eu nem sabia que era a guerra a obrigar o meu Pai, à noite, depois do jantar, a agachar-se junto ao rádio de madeira e altifalante de pano rodado ao centro para tentar captar uns misteriosos ruídos de vozes esganiçadas. Era a Rádio Oficial de Angola ou, então, a BBC.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 12:16
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Domingo, 3 de Maio de 2015
MALAMBAS . LXXIX
TEMPO COM FRINCHAS - O amanhã, esfumou-se no tempo!...
Relembrar o Luena (Kangamba) - antiga Vila Luso… 2ª de 11 Partes

MALAMBA: É a palavra - O OUVIDOR DO KIMBO

As escolhas de: Kimbo Lagoa

Publicada por

kimbo1.jpeg H. Nascimento Rodrigues - Licenciado em Direito, Jurista eminente e homem público que se destacou, em todas s funções que exerceu, pela sua elevada estatura moral, pela dedicação à causa pública e pelos relevantes serviços que prestou ao País - Nasceu no Luena (Kangamba), antiga Vila Luso em Angola…Faleceu no ano de 2010

muxi0.jpg(...) E assim teve de acontecer pela simples razão de que por toda a lonjura dos Luchazes não existia um médico, um enfermeiro ou uma parteira para mulher branca - as mulheres negras, essas tinham os filhos nas suas palhotas do kimbo, acompanhadas pelas mais velhas e por isso mais experimentadas. Claro que eu só soube disto mais tarde, quando, aos seis anos, tive de rumar, então de vez, ao Luena, para iniciar a escola primária. Nesta, formigavam sobretudo meninas e meninos brancos, que eram malta com quem eu nunca tinha brincado até aí.

moxi1.jpg Nunca mais na minha vida, que já vai funda no outono dos anos, voltei aos Luchazes. E, todavia, é curioso como guardo algumas, é certo que soltas e esfumadas, recordações dessa época que se me esvai na memória mas perdura nas profundezas do pensamento. A primeira tem a ver com o kimbo. O kimbo onde só vivia a gente negra, e que abraçava, a uns largos metros de distância, as duas isoladas casas em que moravam os únicos casais brancos do despovoado: os meus pais, por um lado, e um comerciante e sua mulher, por outro. De modo que eu fui, no início dessa década de quarenta, o quinto colonialista a irromper por aquele ignorado canto do leste angolano para lá assentar poiso por uns felizes seis anos.

muxi2.jpgDa minha casa só tenho a vaga ideia de que ela dispunha, ao belo estilo colonial, de uma larga varanda sem murete, que abria para o kimbo e, mais longe, para a floresta, lá a umas poucas dezenas de metros. O que nos separava do kimbo era terra batida, por vezes com capim que rapidamente minha mãe mandava desbastar por causa das cobras e de outra bicheza. A casa tinha cobertura a zinco, pelo menos nos primeiros tempos da minha vida. E por isso recordo também que fazia muito calor no tempo das chuvas, tantas vezes abundantes, torrenciais, de pingos grossos, e que as chuvas faziam uma enorme barulheira a zurzir o tecto de zinco; ao contrário, no tempo do cacimbo, o ar era mais seco e a casa mais fresca, por vezes até fazia frio.

(Continua…)

O Soba T´Chingange



PUBLICADO POR kimbolagoa às 08:48
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Temos um Hino, uma Bandeira, uma moeda, temos constituição, temos nobres e plebeus, um soba, um cipaio-mor, um kimbanda e um comendador. Somos uma Instituição independente. As nossas fronteiras são a Globália. Procuramos alcançar as terras do nunca um conjunto de pessoas pertencentes a um reino de fantasia procurando corrrigir realidades do mundo que os rodeia. Neste reino de Manikongo há uma torre. È nesta torre do Zombo que arquivamos os sonhos e aspirações. Neste reino todos são distintos e distinguidos. Todos dão vivas á vida como verdadeiros escuteiros pois, todos se escutam. Se N´Zambi quiser vamos viver 333 anos. O Soba T'chingange
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