NAS FRINCHAS DO TEMPO
DOS TEMPOS DE DIPANDA* - BATALHA DE CUITO - CUANAVALE
RETIRADA CUBANA - Crónica 3599 – 21.07.2024
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji)** – O NIASSALÊS em Amieiro do M´Puto
A Batalha de Cuíto Cuanavale foi assim, o maior confronto militar da Guerra Civil Angolana, ocorrido entre 15 de Novembro de 1987 e 23 de Março de 1988. O local da batalha foi na região do Cuíto Cuanavale, província de Cuando-Cubango, onde se confrontaram os exércitos de Angola (FAPLA) e Cuba (FAR) contra a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o exército sul-africano.
Foi a batalha mais prolongada que teve lugar no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial. É considerada também a segunda maior batalha de terreno do século XX, superada apenas pela batalha de Kursk. Ambos os lados do conflito reivindicaram vitória, e até hoje as narrativas e memórias sobre a batalha são objecto de debate.
Não obstante, o evento tornou-se o ponto de viragem decisivo na guerra que se arrastava há longos anos, incentivando um acordo entre Sul Africanos e Cubanos para a retirada de tropas e a assinatura dos Acordos de Nova Iorque, que deram origem à implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU.
É a resolução 435/78 que conduz à independência da Namíbia e ao fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul. Em 23 de Março de 1988, trava-se a batalha decisiva. O Alto Comando das tropas sul-africanas decidiu passar à ofensiva. As forças conjuntas SADF/UNITA, após intenso fogo de barragem, lançaram-se numa derradeira ofensiva contra as posições angolano-cubanas.
Aquele ataque, foi rechaçado ao fim de 8 horas de combates, com as forças revolucionárias a desencadearam uma contra-ofensiva, obrigando-os a recuarem… Em Dezembro de 1988 o MPLA e a UNITA, assinam o Acordo Tripartido na cidade de Nova Iorque, acordando com a retirada das forças estrangeiras do conflito angolano. Na mesa das negociações, o regime da África do Sul vê-se obrigada a aceitar os acordos aqui supra citados (Afirmações generalizadas, afirmam que é quem perde que cede...)
Desfecho Final: -O impasse militar de Cuíto-Cuanavale foi reclamado por ambos lados como uma vitória. O lado angolano afirmou que, em situação inferior, impediram a invasão do território angolano, pelas forças da África do Sul. Porém na África do Sul, os partidários da guerra proclamavam como triunfo o facto de o exército deles menos equipado mas melhor treinado, ter impedido o avanço do comunismo.
Em Janeiro de 1989 os cubanos iniciam a sua retirada de Angola, pelo que o representante Episcopal, Cardeal D. Alexandre do Nascimento difunde a mensagem de “Reconciliação e Paz”. A 22 de Junho de 1989, Eduardo dos Santos e Savimbi encontram-se em Gbadolite, no Zaire, sobe mediação de Mobutu. No plano negocial apresentado por Luanda, o “caso especial Dr. Savimbi” é o ponto 5 da agenda que exige a retirada temporária do líder da UNITA da cena politica angolana.
Inicialmente, Jonas Savimbi concorda em afastar-se. Chega a estabelecer-se um cessar-fogo, mas a euforia nas frentes de batalha de um e outro lado, foi breve. As armas voltam a crepitar, quando Savimbi dá o dito por não dito anunciando que não se retirará de Angola. O MPLA utilizando 20.000 homens e 400 tanques lança a “Operação Último Assalto” para recuperar Mavinga. O objectivo não é conseguido pelos governamentais pois que não conseguem o pretendido - atingir a Jamba.
:::::
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange, da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto e RTP - Notícias e Wikipédia…
(Continua…)
O Soba T'Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
DOS TEMPOS DE DIPANDA* - OPERAÇÃO PROTEA - 1ª E 2ª BATALHA DE MAVINGA
- Crónica 3597 – 19.07.2024
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji)** – O NIASSALÊS em Amieiro do M´Puto
Em 1984, assina-se o 1º acordo Luanda/ Pretória para a retirada das tropas cubanas e constituir-se uma comissão especial, militar/mista, de verificação das operações de recuo, no entanto, por várias vezes, os sul-africanos regressam a Angola em apoio da UNITA, utilizando o “Batalhão Búbalo”.
O “Batalhão Búbalo” era composto essencialmente pelas topas da “Revolta do Leste”, de Daniel Chipenda além de voluntários de várias nacionalidades, entre os quais alguns portugueses. Foram necessários mais quatro anos com repetidas pressões internacionais, para se chegar à primeira reunião tripartida de Londres, na qual pertenciam Angola, Estados Unidos da América, Cuba e África do Sul.
Seguem-se novos encontros, em Brazaville, Nova Iorque e, finalmente, a assinatura firmada em Washington. Estes acordos, garantidos pelos Norte-Americanos e Soviéticos, tornaram possível a independência da Namíbia com a sequente retirada de 55.000 cubanos estacionados em Angola, no prazo de 27 meses.
Pretória anuncia a retirada total dos sul-africanos de Angola, mas e, em contrapartida, os Estados Unidos da América, levantam o embargo de nome “Emenda Clark” passando a apoiar a UNITA – Estava-se em Julho de 1985… Seguindo uma série de tentativas frustradas de dominar a região em 1986, oito brigadas da FAPLA realizaram uma ofensiva, conhecida como "Operação Saludando Octubre" em Julho e Agosto de 1987.
Esta «Operação Saludando Octubre», que envolveu a 16.ª, 21.ª, 47.ª, e 59.ª, Brigadas das FAPLA tinha como objectivo a captura dos «SANTUÁRIOS DA UNITA» no Sudeste de Angola. Após um período de acumulação de material e grandes concentrações de infantaria, as forças armadas angolanas, as FAPLA, desencadearam essa ofensiva.
E, foi-o com toda a força, contra os centros vitais da UNITA em Mavinga e Jamba. A logística da operação partia das vilas de Luena e do Cuito, contando com o apoio de artilharia pesada, de caças e bombardeiros soviéticos MIG-23 e SU-22, tanques T-62 e helicópteros de ataque ao solo MI-24/25.
Em verdade, as forças governamentais, foram com tudo, contando com apoio de unidades motorizadas cubanas. A ofensiva das FAPLA colocou a UNITA numa posição insustentável; as bolsas de resistência criadas pela UNITA sob pressão contínua dos governamentais, tinham séries dificuldades em articular-se na perfeição.
Perante a eventual derrocada das forças de Jonas Savimbi e a pedido deste, os sul-africanos, a partir das suas bases instaladas em território angolano e na Namíbia, desencadeiam as operações «Moduler8» e «Hooper», com o objectivo de parar a ofensiva angolana, lançando as suas melhores tropas e material militar de última geração, nomeadamente caças Mirage F1 AZ e aviões de ataque Impala, Lançadores Múltiplos de Foguetes (Multiple Rocket Launcher, MRL) e obuses G59…
Nota 1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota 2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange, da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto e RTP - Notícias e Wikipédia…
(Continua…)
O Soba T'Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
DOS TEMPOS DE DIPANDA* - OPERAÇÃO PROTEA - 1ª E 2ª BATALHA DE MAVINGA
- Crónica 3596 – 16.07.2024
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji)** – O NIASSALÊS em Amieiro do M´Puto
Depois da descrição sucinta dos Congressos Ordinários e Extraordinários da UNITA, voltamos a rever aleatoriamente no tempo, outros eventos de destaque: No ano de 1980 a UNITA fixa-se na JAMBA do Cuando-Cubango. Em Novembro, os antagonistas, UNITA, MPLA, Cubanos e África do Sul envolvem-se na 1ª batalha de Mavinga que resultou em mais de 800 mortes.
O apoio sul-africano à UNITA viria a tornar-se mais efectivo com a invasão da província do Cunene a 23 de Agosto de 1981 na «Operação Protea», e a subsequente ocupação de uma faixa tampão na fronteira sul de Angola numa profundidade de 200 quilómetros, com o duplo objectivo de neutralizar as operações de guerrilha da Organização do Povo do Sudoeste Africano (South West Africa People’s Organization, SWAPO).
O território da Namíbia, então ocupado por protectorado pelo África do Sul, teria de, por outro lado, estabelecer um ponto de partida para novas operações no interior de Angola. O propósito imediato era a consolidação do domínio da UNITA nas províncias do Cunene e do Cuando-Cubango, na perspectiva da criação de um “bantustão” no sudeste angolano..
É nesta altura que o presidente José Eduardo dos Santos pede ao Secretário-Geral da ONU, Pérez de Cuéllar, a convocação do Conselho de Segurança da Nações Unidas – ONU, para discutir a agressão Sul-Africana. Mas a resolução da condenação foi vetada pelos Estados Unidos, de acordo com a estratégia delineada por Washington e pela África do Sul para aniquilar as FAPLA e o MPLA (o comunismo…).
A situação em todo o sul de Angola agrava-se com o aumento das hostilidades. A UNITA reforça-se militarmente em armamento e conselheiros militares e, com o apoio das administrações Reagan (EUA), Thatcher (Grâ-Bretanha) e a ajuda do seu aliado Sul-Africano que desencadeia operações militares contra as bases da SWAPO, do Congresso Nacional Africano (African National Congress, ANC).
Também contra posições das FAPLA, para além de acções de sabotagem às linhas dos Caminhos de Ferro da Benguela (CFB), com destruição de infra-estruturas políticas e económicas e minagem de linhas de abastecimento, entre as populações, aldeias, vilas e cidades do Sul de Angola.
O ano da “Operação Protea” leva ao controlo militar da UNITA com a ajuda Sul-Africana, na Província do Cunene. Estavam ali sediados 8.000 guerrilheiros da UNITA. Porem, até à chegada das forças angolanos, Mavinga recebe um reforço de 4.000 tropas da SADF (South African Defence Force), vindo a confrontar uma força de 18.000 soldados angolanos.
Na visão das FAPLA, Mavinga seria o primeiro passo no caminho para a Jamba - Cueio e, assim, penetrar na Área de Kaprivi. Ao tentar travar o seu avanço, os governamentais são surpreendidos por nova frente dando-se a 2ª Batalha de Mavinga, que provoca mais de 1.200 mortos. A UNITA sai vitoriosa e ocupa a cidade. O ataque a Mavinga foi uma derrota total para as forças angolanas, com baixas estimadas em 4.000 mortos. A manobra de contra-ataque das SADF, nomeada “Operação Modular” foi um êxito, forçando as tropas das FAPLA e das FAR a retroceder 200 quilómetros de volta a Cuito-Cuanavale numa perseguição constante através da Operação Hooper.
:::::
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange, da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto e RTP - Notícias
(Continua…)
O Soba T'Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
DOS TEMPOS DE DIPANDA* - A HISTÓRIA DA JAMBA
- Crónica 3587 – 18.06.2024
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji)** – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
No sistema escolar da Jamba, o domínio de Francês e Inglês era obrigatório, por isso TODOS os ex-alunos pelo menos, falam e escrevem uma língua nacional, escrevem e falam bem português e falam pelo menos uma língua estrangeira; Um aspecto importante: Era obrigatório nos liceus a escolha pelo aluno duma língua nacional e a obrigação de apreender sem titubear matemática e português.
Havia um ensino mais ovacionado para relações internacionais e, para isso, tinham em seu curriculum outras incidências técnicas dirigidas para o esforço militar sobretudo. Para o efeito, alguns eleitos, por via de suas capacidades, iam para Bona (Alemanha), África do Sul, Marrocos, Portugal, França, Inglaterra, EUA e lá onde existia cooperação firmada.
No tocante à saúde, todos os lugares e comunas, tinham postos médicos tendo no topo o hospital central da Jamba dirigido por médicos Angolanos; estes hospitais funcionavam tanto para civis, crianças como militares e dependentes dum Ministro da Saúde que coordenava a estrutura de saúde em todo país, gratuitamente. Dos médicos destacam-se Anastácio Sikatu (foi Ministro em Luanda e actualmente deputado), Manassas (foi Ministro em Luanda), Albertina Hamukuaya (foi Ministra em Luanda);
Serafina Gama Paulo (irmã do cantor Mário Gama), Raimundo (foi deputado), etc.; . - Destaca-se ainda o grande cirurgião de nome Tenente que formou grandes cirurgiões e, que são hoje, dos melhores nas FAA e, em vários hospitais públicos e privados. Também Carlos Morgado, antigo médico pessoal de Jonas Savimbi, que morreu em Outubro de 2013, em Lisboa Ex-militante e dirigente da UNITA, Carlos Morgado acompanhou Abel Chivukuvuku, na saída da UNITA e que esteve envolvido na fundação da coligação eleitoral Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE), terceiro maior partido angolano.
O paludismo não matava crianças e era impossível existir endemias porque para além do aspecto sanitário os programas de vacinação e saúde preventiva sempre funcionaram. Aspectos sociais: Como os recursos eram escassos, a administração dos mesmos eram feitos com disciplina, sem desvios/roubos, distribuição equitativa, entre outras boas práticas.
Roupas, detergentes e bens materiais eram distribuídos protegendo os mais desfavorecidos (crianças, órfãos, velhos, doentes) premiando a excelência; . Desporto e cultura - O desporto com destaque ao futebol eram obrigatórios e existia campeonato nacional onde se destacavam os clubes Estrela Negra, Estrela Vermelha, Mártires da Liberdade, UREAL, etc.
Ainda vivem muitos destes protagonistas como o Genial Wambu (Chegou a Presidente da Federação de futebol), Lito Kandambu (actualmente Deputado e antigo jogador do Estrela Negra, Vermelha e UREAL), Tito Marcolino (Jornalista do Folha , Félix Miranda, Jessé, Zé Manel, Camilo, Satchiambo (Quadro Do Mirex), Tchituku, Beto Tchindombe, Tony Tchivemba, etc;
Havia o Movimento Sindical e Estudantil - Destaque para o SINTRAL (sindicato dos trabalhadores de Angola Livre) cujo primeiro presidente é Franco Marcolino Nhany (actual Deputado e Secretário Geral da UNITA), da UREAL (União Revolucionária de Angola Livre) cujo primeiro Presidente é o actual Deputado Estevão José Pedro Katchiungo e antigo bolseiro em Portugal e, por algum tempo representante da UNITA no M´Puto…
Nota 1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota 2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e relatórios da Jamba - agência Kwacha UNITA Press (KUP)
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
DOS TEMPOS DE DIPANDA* A HISTÓRIA DA JAMBA
- Crónica 3586 – 13.06.2024
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji)** – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Do ponto de vista Administrativo a JAMBA funcionava como capital como qualquer Estado do mundo com estruturas que atendiam a Defesa e Segurança, economia, agricultura, pecuária, indústria, educação, saúde, etc. Na Defesa e Segurança, por se estar em período de guerra, todos os seus habitantes tinham a noção clara de que a sobrevivência colectiva dependia basicamente da instrução militar com o adequado uso das diferentes armas.
Assim sendo todos os jovens do sexo masculino ao atingirem a idade adulta tinham de ter preparação militar e política para que pudessem ser úteis a si próprios com a necessária cidadania, prontos para integrarem os mais variados órgãos de defesa, diplomacia e segurança se necessário , aprendendo técnicas de comunicação, informação e contra-informação.
Sua estrutura social que tinha pendor militar e paramilitar exigia que usassem vestimenta adequada ao seu enquadramento e, segundo suas aptidões e funções; assim, todos os homens poderiam ou deverem estar fardados dos pés à cabeça. Os dirigentes, tinham por norma graduações militares, podendo andar armados… Eu próprio (T´Chingange), na diáspora, caso fosse para a Jamba, teria o tratamento do posto de Major…
Como qualquer estado, existiam as polícias (secreta, ordem pública e outras), forças especiais (comandos), batalhões regulares e semi-regulares e forças especiais de guerrilha, etc… Os sistemas de comunicações e intercepções militares que em áfrica, poderiam até superar África do Sul, tinham para além dessa, a Israelita, Alemã e Norte Americana. Tinha a VORGAN, rádio resistência das terras Livres de Angola que tinha por missão dar a informação e esclarecer a forma diabólica de como Luanda fazia passar a noticia - com muita deturpação…
O factor de disciplina e rigor era primordial. A UNITA teve o condão de introduzir códigos feitos por angolanos, usando parcialmente e, de forma conjugada, usando línguas nativas angolanas. Falando de comunicações e intercepções por exemplo, não havia nenhum plano operativo das FAPLA e da sua força aérea, que não fosse conhecido o que, permitia aos chefes militares delinearem planos de ataque e defesa eficazes…
No tocante ao ensino – foram criadas escolas do ensino geral e profissionais essencialmente dirigidas por antigos professoras da Administração Colonial, das missões protestantes e católicas e gente entretanto já formada na Diáspora, em universidades de variados países principalmente europeus e africanos. O Liceu Nacional da Jamba era dirigido pelo Padre Justo Félix.
Leccionavam nos liceus e não só, os melhores quadros que transitaram da administração colonial e do estrangeiro com conhecimentos académicos e científicos certificados. Passam assim à memória os Professores/as: Francisca Prata, Eugénio Manuvakola, Bunju (chegou a ser Ministro da Geologia e Minas de Angola), Elias (vinha dos EUA), Heitor Simões, Toya Tchivukuvuku, Kapapelo, Padre Bongo, Simões Bernardo, Bela Malaquias, Joia Wassuka, Madre/irmã Maria, entre muitos outros e outras.
Na área de ensino de Transmissões Militares por exemplo, não haviam férias e, num ano civil era possível fazerem-se dois anos lectivos, permitindo assim ter em pouco tempo mais letrados e prontos para as tarefas intelectuais. Os melhores alunos (média igual ou superior a 15 valores) eram seleccionados para continuarem a estudar na Costa do Marfim, Senegal, França e Portugal, entre outros…
Nota 1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota 2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA*“ - Crónica 3580 – 19.05.2024
“FRACCIONISTAS DO MPLA DA LUUA – O 27 DE MAIO DE 1977” - Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
A um deixe para lá senhor TC (de Tenente Coronel), descanse, ele reclamava: Foi assim mesmo, dizia isto para nózes (plural de nós) com duas lágrimas estancadas no rosto, que secavam em seguida. E, desse jeito continuou: - «Presos atirados pelas escadas e, no pátio, espancados só átoa. Berravam e pediam por amor de Deus, não fiz nada…
Quase sem vida eram atirados para dentro de viaturas. Até um mercenário norte-americano, lembro bem, comentou no pormenor: Yes yes, era em um bairro chamado de Bungo bem à beira mar. Você não colabora - vejo-me obrigado a entregá-lo aos militares. «Os detidos passavam para os militares, e para as torturas.» baia de S. Pedro da Barra, uma faixa de terra entre a linha do Caminho-de-Ferro e o mar.
«Carlos Jorge, Pitoco e Eduardo Veloso chicoteiam o Costa Martins, batem-lhe com um pau com espigão de ferro, massacram-lhe as costas com correias de uma ventoinha de camião. Ao chicote chamavam Marx e, ao espigão, Lenine. Também o puseram numa sala, junto a uma máquina de choques eléctricos. Só cheirava a carne queimada.»
Este Tenente-Coronel estava mesmo nas últimas; nem sei se estes nomes existem mesmo. Junto com o ranho e as excrescências tossicadas pude ver grossas pastas de sangue. Os cuidados esmerados daquele grupo de gente já não alcançariam êxito de vida para aquele imortal.
Naqueles tempos ainda nem sabíamos que usavam a propaganda de forma exaustiva na falácia de tudo vir a ser uma liberdade linda em Angola! Não! Não conhecíamos as filosofias do mal… Nos intervalos dos lapsos de memória quase petrificado, posteriormente, este velho Tenente-Coronel, ex-vizinho, esfarrapado de mente falava no tempo desencontrado - os efeitos da Luua no quarto decrescente, penso eu-de-que!
Babando-se pelo canto esquerdo descaído, insensível ao cérebro abanado por uma trombose, com a lentidão na descrição das coisas graves, titubeava muxoxos – Hum, a kalashnikov, a febre do paludismo, dos malvados da UNITA… E, tudo era na mistura com bolas de trapos, meias a cheirar a sulfato de peúga, impregnando a desconversa!
Entre a vida e a morte, as diferenças estão nos pormenores pois algumas são demasiado trágicas e outras, por demais sofríveis… Ele teve a sorte de morrer num ai, repentinamente - a bala do monacaxito… Aquele senhor fardado com um pijama às riscas, sentado num sofá de orelhas, olhava para o infinito, definitivamente.
Saí daquele para um outro lugar, lugar de Chokola num jeep willis até Catima Mulillo aonde apanhei um voo até Lusaka. Ainda estou em crer que aquele velho senhor não era esse tal de Monstro Imortal do MPLA mandado matar por Agostinho Neto. Seja como for, para mim o Tenente-Coronel fardado de pijama às riscas deixou de ser Imortal, defuntando-se.
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA*“ - Crónica 3579 – 17.05.2024
“FRACCIONISTAS DO MPLA DA LUUA – O 27 DE MAIO DE 1977” - Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
É verdade que Ele, o Nosso Senhor nos dá Sua paz, mas isso só se trata daquela espécie de paz que provém do espirito: “isso está certo? É isso mesmo o que eu devo entender?”. Será que em cada dia tenho de incentivar meu ânimo para resistir àquilo que sei estar errado!? E, claro, alegrar-me-ei no caminho cristão legado por meu pai Monteiro de sobrenome…
Lembrar-me agora daquele ex-vizinho, que feito Tenente-Coronel, se fardava com um pijama às riscas sentado num sofá preto de orelhas. Passado dos carretos, já kota, era alto em sua juventude mas agora curvado com o peso das traquinices do seu MPLA, tornou-se num espeto seco, desmilinguido, invulgarmente marreco e bexigoso por tantas ruindades frutificadas na violência - vicissitude da política.
E, o tempo foi passando. Em um momento de lucidez perguntei ao TC por seu nome e veio de lá a resposta: Monstro Imortal! Ué? Fiquei de boca aberta pois que este figurão tinha sido morto na guerra dos fraccionistas naquele ainda recente ano de 1977, ano em que meu pai Manuel, foi para o M´Puto com uma bala no corpo.
Isto, há coisas que só acontecem acontecendo! Constava-se que o tinham cegado mas nada lhe perguntei porque o delírio da velhice pode bem dar para estas divagações; ele via mal, mas via! Sendo assim deixei-o a falar entre dentes; -Aquele cabrão do Pedalé (Pedro Tonha) nem teve coragem para me fazer perguntas.
Deixaram-me ali a gemer para um gravador, enquanto apertavam o garrote - Iam e vinham; iam e vinham. Atiraram-me ao mar de um avião mas sobrevivi! Será? A história coincidia com os muxoxos mas aqui, num lugar do cú de Judas, já ninguém lhe dava ouvidos. Todos sabiam que tinha chegado em uma avioneta trazido por um homem loiro; talvez uma ONG falsificadora! Pensei eu. Deve ter sido salvo por um submarino soviético, só pode!
Agora que diz coisa sem coisa, todos os desculpam de coitado, nem sabe o que diz, nem sabe o que fala! Muito cheio de catolotolo a dado momento fica apontando a miragem do seu sonho referindo-se ao porto da Luua: aonde dinamizava homens para não carregar as bikwatas dos colonos brancos e mazombos- gente zebra…
Sobressaltado, com os olhos muito abertos falava pró vazio: Hoje vai haver maka! Repetia a todo o instante. E, punha-se a rir no canto do beiço babado, contando centenas de mortos e ordens de carrega nos unimogues dos Tugas, ofertas do MFA - leva na vala. Nosso Coronel, fazemos como então, com os feridos? - Leva tudo junto e, bota neles cokteil molotov!
Esbufarado com as kinambas a tremer dava ordens. Ordens são ordens e, rapidamente dali e acolá saiam frotas de carros goteando sangue nas ruas da Luua até chegar à casa mortuária da Avenida Craveiro Lopes ou Avenida de Lisboa. A lamparina dele acendia e apagava num repentemente junto à Delegacia de Saúde, ali bem perto da mortuária, assim com tecnologia nova, de correia de defuntação. Creio que era sim, muitos diabos a torcê-lo pelas maldades.
Nota 1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota 2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto…
(Continua…)
O Soba T'Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA*“ - Crónica 3577 – 13.05.2024
“FRACCIONISTAS DO MPLA DA LUUA – O 27 DE MAIO DE 1977” - Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Um novo livro escrito por Carlos Taveira detalha os horrores e o dia a dia na prisão de São Paulo de Luanda antes e depois do 27 de Maio de 1977. Quando o “autocarro do amor” chegava à prisão de São Paulo de Luanda os presos sentiam o terror e o medo de que eles poderiam ser os próximos a serem levados para a morte num local desconhecido.
Carlos Taveira, o autor do livro, que esteve ali detido mais de dois anos disse: Que recordou como os presos jogavam xadrez comunicando de cela para cela através das sanitas nas celas que eram buracos no chão e serviam de câmara de eco. Taveira foi preso em Dezembro de 1976 sob acusação de pertencer à Organização Comunista de Angola, OCA, que se opunha à presença soviética e cubana em Angola, portanto antes da tentativa de golpe de Nito Alves em 27 de Maio de 1977.
A cadeia foi tomada de assalto por elementos ligados a Nito Alves para soltar os seus apoiantes que ali se encontravam presos.“vivemos debaixo de fogo quatro ou cinco horas”, recordou Taveira sublinhando que os apoiantes de Nito Alves apoiavam “ideias opostas da OCA” por se considerarem marxistas da linha soviética…
Os apoiantes de Nito, “quando entraram disseram-nos que nos iam matar nesse dia”. Membros da chamada Revolta Activa que ali se encontravam detidos foram também ameaçados de morte pelos aderentes de Nito Alves . “Quando nos puseram contra uma parede”, recordou – pareceu-nos ser o fim…
“Todos os que entraram depois do 27 de Maio passaram pela sala de torturas; alguns foram barbaramente torturados e alguns morreram de tortura, enquanto outros eram levados simplesmente à noite para serem mortos”, recordou. O escritor disse: Até ao 27 de Maio, “não havia tortura” na prisão porque o dirigente da policia politica DISA, que lá se encontrava, Helder Neto, “não acreditava nisso”
Helder Neto, preferia tentar “recuperar“ os presos para trabalhar com eles. “Helder, suicidou-se no 27 de Maio – só depois se deu início na tortura em cheio", contou. “Havia entre nós um grande medo. Cada vez que aparecia o tal “autocarro do amor” para levar gente para ser fuzilada havia um ambiente de terror”. Disse recordando que, numa noite foram levados 16 ex-políciais para serem fuzilados. “Foram levados debaixo de pancada até ao “autocarro do amor” e os 16 numa noite desapareceram”, recordou.
Agora, sou eu que digo: Meu pai Manuel - “o cabeças”, que foi para a praia errada chamada de Angola num vapor chamado de Mouzinho de Albuquerque no ano de 1950, como colono, ali ficou até este 27 de Maio de 1977. Na ida para o Banco de Angola aonde exercia a função de segurança noturno, foi desapossado de sua arma walther P99, raptado e levado para lá do aeroporto de Belas aonde o encheram de pancada, vulgo porrada; e, havia ali, uns quantos mais, amontoados, esperando o toque final – a morte…
Ali, no chão, desmaiado, num magote, deram-lhe um tiro de rajada atingindo decerto os demais! Era noite. Teve a sorte de uma aleatóriria bala não lhe ter atingido órgãos vitais, alojando-se no joelho. Arrastou-se pela noite até se recolhido por uma patrulha mista de cubanos e militares do MPLA. O médico do Banco de Angola (Boavida), não vendo possibilidades de Manuel ser socorrido ali, no Hospital Maria Pia e, por via de estar repleto de muita gente moribunda, deu-lhe uma licença a prazo, metendo-o no avião da TAP a caminho do M´Puto. . Dias depois fui esperá-lo no Aeroporto da Portela em Lisboa, ainda com a bala no corpo…
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes e, durante os longos anos da crise Angolana e, na diáspora de angolanos espalhados pelo mundo.
Nota2: **Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e da revista descartável do semanário Expresso do M´Puto…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA*“ - Crónica 3571 – 23.04.2024
“DO CUELEI ATÉ KAPRIVI” – Na Faixa de Kaprivi, com Savimbi…
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Antes de tudo isto… Naqueles longínquos anos de entre sessenta e setenta do século passado, o XX, todo eu estava metido na Mata do Maiombe, tropeçando na força das circunstâncias e num entretanto que só durou quatro anos, a guerra foi um conjunto de acidentes suados a paludismo. De um para outro lado, subindo e descendo rios procurando rastos de turras, com o soba Mateus, também preto já condecorado com ida grátis ao M´Puto….
Mateus, o soba e guia ocasional, à frente, ia barafustando com o ar, cortando capim à catanada, mastigando uma bolunga escura e pestilenta, pisando charcos infestados de sanguessugas, larvas com milhões de patas e escorpiões pretos e pré-históricos a fingir de lagostins. Buscando turras num secalhar perdido entre a bruma e o cacimbo, o gozo da liberdade, corria como se a vida fosse um jogo de poker…
Um jogo de poker duma azarada toma de pastilhas vermelhas para anular maleitas com micróbios fosfóricos na única água estraganada. Com as costas das mãos afastávamos as bicharias visíveis e, em seguida engolíamos aquilo escorrendo da mão ou numa qualquer folha verde a jeito. Guardando soberania da pátria do M´Puto, camuflados ensopados até o tutano, assim seguíamos em fila de pirilau, duas granadas presas ao peito, uma G3 em riste e uma cartucheira repleta de balas para o que desse e, viesse procurando o MPLA.
Mas, agora é tempo de relembrar a formação em comunicação e técnicas de controlo aéreo de Abel Chivukuvuku com seus companheiros Aniceto Cavala e Jardo Muekalia na base secreta de Delta ou Ómega na Faixa de Kaprivi da actual Namíbia, antigo Sudoeste Africano. No Rundu, esses três jovens iriam receber formação em tráfego aéreo. Muito mais tarde, eu, o T´Chingange, viria a saber outros pequenos detalhes…
Pisando os mesmos caminhos, vendo as mesmas acácias e aquele capim do Okavango com o qual se cobrem as casas dos kimbos e das cidades e, com João Miranda, um próspero comerciante do Mukwé, Andara, Nyondo e Divundu, pois por ali andei, na secreta “Missão Xirikwata” com as credenciais da UNITA escondidas no forro daqueles calções de zuarte, mais um colete muito farto de bolsos para meter balas de matar jambas (elefantes) - tudo a fingir…
Fazendo futurologia sem bola de cristal e auto-risco, com o conhecimento descomprometido de José Pedro Cachiungo representante do Movimento em Lisboa, assim ia fazendo turismo de guerra como se o fosse, um espião de craveira - uma suave adrenalina regada com Windhoek lager e empatia de toda a família Miranda, sempre à beira do Cubango, que aqui só conhecem por Okavango - vendo Angola, sua gente e gado pastando ao alcance de um grito.
Relendo o livro de Agualusa fica-se a saber que em Abril de 1977, fica concluída a formação no Rundu na Faixa de Kaprivi; Chivukuvuku foi colocado no aeroporto da Mapunda junto à fronteira com o Sudoeste Africano - o tráfico deste aeroporto era usado quase exclusivamente pelos aviões que vinham de Kinshasa e do Sudoeste Africano.
Neste então, as insígnias da UNITA ainda mantinham as palavras de Socialismo, Negritude e Democracia. Nos anos de reestruturação da UNITA, a principal base do movimento foi a base secreta Delta, do outro lado da fronteira, mais propriamente na Faixa de Kaprivi do Sudoeste Africano. Era necessário em primeiro lugar ter-se a suficiente eficácia na defesa do principal bivaque da UNITA, a Jamba, já em fase de construção…
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana…
Nota2: Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e do livro de Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku de José Agualusa
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA*“ - Crónica 3570 – 22.04.2024
“A 2ª MARCHA – DO CUELEI ATÉ KAPRIVI” – Na Faixa de Kaprivi, com Savimbi…
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Respirando a noite, metido em calções de caqui, o bafo quente de África contorcia-me a mente como num remoinho de orgasmo. O encanto do mato, seus cheiros e ruídos, em África, são tão especiais que ofuscam a mente com espíritos. As vozes rugosas entrecortadas com choros de hiena e latidos de mabecos arrepiavam ao cair da noite.
Sem pálpebras no olhar, o escuro da Faixa de Kaprivi era mais inebriante que qualquer outro, a lua feita um risco com nome de nova; o cacimbo miudinho fazia levantar um aroma extasiante, a luz difusa do xipefo vulgo candeeiro de petróleo, tracejava-o ondulante para além do mato cerrado da margem do Okavango. Para lá desses matos a cagufa latejava nas temporas amargando a boca de gosto rançoso de minha antiga guerra, no lugar aonde também andou esse tal de Ché…
Ali e, naquele agora cada burro poderia carregar entre trinta a cinquenta quilos, resistindo bem ao calor e à sede. Foi desta forma que passados uns largos dias, cinquenta por aí, os guerrilheios de Savimbi chegaram à base de Cuelei, acarinhados por cânticos e danças fazendo renascer o Galo Negro das cinzas. A ajuda Sul-africana, foi a partir daí bem substancial, permitindo à UNITA tornar-se mais forte que nunca.
Em Dezembro de 1976, tendo já o apoio do regime do apartheid, da China e dos Estados Unidos, algures na base de Malengue e, tendo Jonas Savimbi recuperado das longas marchas, preocupado que estava em reagrupar e reorganizar o que restava da UNITA, tendo a seu lado Samuel Chiwale, N´Zau Puna,Tito Chingungi e Altino Sapalalo, conhecido por Bock, dirige-se aos dois jovens corajosos que proporcionaram o encontro destes com os Bóhers na Faixa de Kaprivi dizendo:
- Depois do feito destes jovens por sua determinação, estou verdadeiramente convencido de que vamos sim, formar um exército! Tratava-se dos jovens saídos da Missão do Dondi, Abel Chivukuvuku e Vituse que fizeram um primeiro contacto com as autoridades Bóhers da fronteira sul de Angola, a chamada Ovoboland, entre a cidade do Rundu e o Divundu.
De forma eufórica, Sabimbi, levantando seus braços afirmou: Dentro de quinze anos a revolução trunfara! Os jovens guerrilheiros ficaram bem taciturnos, bem dismilinguidos de frustração com esta firmação, do mais-velho! Tanto tempo, assim! Nesse entretanto, ali na base de Malengue, em um outro dia, foi lido aos soldados um conjunto de despachos. Chendovava era promovido a major tendo como adjuntos os capitães Bock e Tito Chingungi.
A Companhia dos “jovens intelectuais” que entretanto tiveram três meses de instrução e especialidades, é dissolvida. A cada soldado é dado o específico destino como soldado da UNITA. Uns irão para o Rundu, mais propriamente para as bases Ómega e Delta da Faixa de Kaprivi, na Namibia adquirir formação em explosivos.
Ouros, terão formação em comunicações, logística militar de defesa antiaérea, formas de disciplinas militares e outras tecnologias modernas em uso de armas inteligentes. Formas de informação, de desinformação e controlo aéreo. Outros, têm a missão de prosseguir os estudos em países africanos e europeus. A Chikukuvuku foi-lhe destinado ir para a base secreta do Rundu, a secreta Delta na Faixa de Kaprivi num dos acampamentos, juntamente com Aniceto Cavala e Jardo Muekalia.
Nota1: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise Angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional. Corresponde à diáspora de angolanos e afins espalhados por esse mundo.
Nota2: Texto elaborado a partir das anotações do baú de T´Chingange e do livro de Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku de José Agualusa
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3563 – 28.03.2024
“A LONGA MARCHA DE SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Hodiernamente, não sei se voltarei a passar nas ruas da Luua que me viram crescer numa mulola chamada de Rio Seco da Maianga porque, também minha passada irá entristecer-se na recordação, do que foi e, já o não é. A sombra que preside aos tempos de agora (2024) e, que por dá cá aquela palha, se ateia a mente, queimando os fusíveis dos coiros, sempre lembrará o tempo em que o fui, feliz, na compreensão muda e queda, das muitas e, alheias infelicidades circunscritas.
Em 1975, embarquei para o M´Puto sem o querer, pela inquieta, medonha ou desolada guerra do tundamunjila. A terra do futuro ficou tardia, sarando-me das pústulas feitas vulcões na diáspora, comendo sandes na “Tendinha” de Lisboa do Rossio do M´puto, um panado ou posta de bacalhau regada com um penalti. Mais tarde comendo arepas com carne mechada na Venezuela, biltong na África do Sul e coxinhas de galinha no Brasil. Agora, recordo a odisseia da “Grande Marcha de Savimbi”, como uma prometida vontade a mim mesmo: sentir com a UNITA, essa nova era da mudança para Angola.
Algures na mata. «Estávamos preocupados com medo de que algum helicóptero pudesse sobrevoar-nos», disse Savimbi. «Disse-lhes que esta não era a maneira de conduzir uma guerra de guerrilha; não queremos riscos. O povo, porém, disse que não nos preocupássemos, que não fora ainda molestado naquele lugar. Numa aldeia, apenas a dois dias de caminho da base, estavam milhares de pessoas a dançar e a cantar. Disseram que nos acompanhariam até à base.
Respondi ao soba que isto não seria bom, que se a população se portasse assim, não teríamos segurança. Um dia eles seriam descobertos e atacados pelo MPLA e pelos cubanos. Afirmei ao soba que não queria o povo atrás de mim. Chamá-los-ia dentro de uma semana, para um grande comício, já na base. Falhei porém, seguiram-nos sempre, a cantar durante todo o caminho.
Desisti e afirmei, vamos correr o risco. Por isso, eles vieram connosco até o Cuelei e foi este o fim da longa marcha. A base do Cuelei ficava a cerca de 150 quilómetros para sudeste do Huambo. Estava sob o comando do major Katali, que reunira nesse acampamento cerca de oitocentos guerrilheiros e, duzentas mulheres com crianças.
A “Longa Marcha” terminou com a entrada de Savimbi no Cuelei a vinte e oito de Agosto de 1976, cerca de sete meses, com três mil quilómetros percorridos após a sua fuga do Luso, seguido por dois mil adeptos. Destes, apenas setenta e nove, incluindo 9 mulheres, estavam com ele, tendo os demais morrido, sido separados para outros locais ou, simplesmente, ficando para trás.
Foram alguns meses trágicos; porém contra todas as probabilidades e contra todas as espectativas dos estranhos, Jonas Malheiro Savimbi, sobrevivera. A guerra que muitos comentadores anunciaram ter terminado com a victória cubana, em Fevereiro de 1976, iria continuar. Seguem-se agora entre estórias recolhida do baú de lata cravadas com ripas de pau kibaba, o desenrolar da odisseia de sobrevivência de um punhado de gente resiliente com o espirito sempre presente da UNITA…
E, porque já em tempos disse de quem pensa que sabe tudo, um dia vem a saber mais um pouco, de novo o digo. E, para não ficar só no espírito, volto à carga com a estória que me liga a uma felicidade estrangulada. Foi assim que arrumando meus cacifos de memória, achei ser justo neste espírito de letras e valores, passado que é meio século após o ano de setentaecinco, retroceder aos itens de dignidade que persistem passeando um galo de cerâmica na lapela do terno diplomático…
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3562 – 27.03.2024
“A LONGA MARCHA DE SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
Pude ler recentemente - ano de 2024, que já estamos a viver no FUTURO. Que este VÍRUS MUTANTE, pode ser ALIANIGENA, um mecanismo preliminar de nosso salto genético espacial. Partir a gente feitos pedras parideiras algoritmos, que exige especial atenção para descortinar os pensamentos de querer fazer rebelião como algo inerente às "torpes" eficácias cientificas e também duma covarde gravidade vinda de GOVERNOS formatados por gente igual a nós. Não podemos condescender com aqueles que bestializam um passado que já o foi PRESENTE…
Li também que, somos um projecto de bioengenharia e, que tudo começou algures há 75 mil anos atrás, muito antes de Cristo surgir e, muito antes de quando saímos das algas como micróbios alienígenas. A cultura e o conhecimento, elevando-a de parvidades nem consentir com tolices ou pecados, por assim andarmos cativados numa burlesca depravação e, também enfrascados numas quantas hipóteses de vontade libertadora...
Posto isto, relembro o passado, continuando a descrição da saga do Mwata chamado de Jonas – “A grande Marcha de Savimbi”… Naquele dia, já em finais de Agosto de 1976, Savimbi queria dissipar qualquer ideia de que viria a ter ajuda do exterior, antes de o povo se ajudar a si próprio. Afirmou: «Teremos de lutar primeiro e, só depois, vocês verão que as pessoas do exterior quererão entrar de novo em contacto connosco».
O Presidente também afirmou que os cubanos detinham uma vantagem evidente, em termos de qualidade das suas armas e, da crueldade com que estavam habituados a actuar. E, acrescentou «Porém, estavam em total desvantagem em termos de conhecimento do território, da população e da língua».
Savimbi despediu-se do soba e dos mais-velhos duas horas antes do romper do dia vinte e quatro de Agosto. Durante algum tempo, ainda, a coluna caminhou em direcção ao Norte, através da mata que ficava paralela e à vista da estrada. Às nove horas da manhã um comboio de blindados e camiões, transportando tropas cubanas e do MPLA, começou a passar rumo ao Sul.
Ao longo da estrada e à vista dos homens de Savimbi, era perceptível ouvirem o inimigo a cantar de forma descontraída. Os guias da aldeia disseram à coluna que continuasse a avançar, assegurando a Savimbi que os seus homens não podiam ser vistos da estrada. Savimbi tencionava progredir rápidamente em direcção à zona da nova base. Ele sabia que avançava por entre uma cadeia de camponeses pró UNITA.
Savimbi afirmou-se, nessa aldeia, com um perfil bastante mais elevado do que pensava. As patrulhas de guerrilheiros oriundos da área para onde se dirigia, a cerca de 120 quilómetros para oeste da estrada principal, vinham estabelecendo contactos com a coluna e espalhando a notícia, à medida que avançavam, da sua chegada iminente. As pessoas vinham ao seu encontro, em plena luz do dia, com bandeiras, cantando e dançando.
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3561 – 21.03.2024
“A LONGA MARCHA DE SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – O NIASSALÊS em Lagoa do M´Puto
(…) Cada um de nós tem uma lenda! A minha foi preterida por ser o que ainda estava para ser, uma inventação lançada para fugir às realidades da Luua. Para encobrir eventos desonrosos, coisas sem heroicidade, um quarto de hora antes da meia-noite do dia 11 de Novembro de 1975, minha “nação”, meu barco, levantou âncoras ao largo da Luua – Niassa...
A bandeira do M´Puto era embrulhada num baú dum velho carcamano de colono aonde tiveram de caber todas as ilusões. Foi assim que me tornei Niassalês. A bandeira verde-vermelha, tornada num trapo vulgar, estava condenada a criar bolor. Minha nação Niassa fez-se ao alto mar vendo-se de longe os festejos celebrando de forma dantesca o nascimento dum país. Eram tiros e rajadas a fingir de fogo-de-artifício.
Agora que passam já 48 anos desse tempo, relembro a odisseia da “Grande Marcha de Savimbi”, um ano depois de eu já ter saído de Angola, a terra que me viu crescer - A terra que nunca saiu de mim. Estávamos a 23 de Agosto de 1976… O caminho a partir da mata, levou a coluna da UNITA através da estrada do aglomerado central de cubatas e, das demais espalhadas ao longo da estrada, para Norte.
Se tivessem atravessado mais para o extremo Norte, para além dos limites do aglomerado de cubatas, teriam feito com que os cães uivassem e, isso teria atraído a atenção dos cubanos; qualquer movimento na aldeia, por parte dos homens da milícia local, armados apenas com arcos e flechas, não provocaria nos cães qualquer reacção invulgar.
Uma vez do outro lado da estrada, no sentido oeste, os grupos de homens da UNITA caminharam entre o aglomerado principal do kimbo e as trincheiras vazias para um ponto de encontro na mata, a cerca de um quilómetro para sudeste dos limites da aldeia. Completada a travessia, um grupo de vinte aldeões, o soba, os mais-velhos e suas mulheres, reúnem-se a Savimbi na mata.
A coluna e os aldeões caminharam durante mais dois ou três quilómetros para o interior, de maneira a que Savimbi pudesse discutir com os sobas e os mais-velhos, explicando-lhes os seus planos para o futuro e, de que forma os aldeões podiam ajudá-lo. «O presidente argumentou que a UNITA não teria quaisquer probabilidades de sucesso a não ser que o povo estivesse do lado do Movimento».
Fizeram perguntas embaraçosas e, não haveria maneira de essas perguntas poderem ser evitadas. Perguntavam por exemplo se a guerra acabaria em breve ou se seria longa. Era evidente que nenhuma vitória seria rápida; a situação era por demais incerta e periclitante e, só a destreza, a astúcia e a sorte, poderia mudar os acontecimentos. Savimbi, afirmou ao soba que um dia, o inimigo iria descobrir que esta aldeia estava a ajuda a UNITA e, consequentemente, ela seria atacada.
«Aquele povo, deveria sem demora, iniciar a armazenar alimentos na mata, para quando chegasse o dia em que tivessem de fugir», frisou Savimbi. Disse que não podia esconder que todos os amigos da UNITA pensassem que nós não eramos capazes de resistir, que estávamos liquidados. O Presidente disse que a UNITA já não tinha quaisquer aliados efectivos. Teríamos de confiar nos nossos próprios esforços, no apoio da população, nas armas que estavam escondidas e, nas que viessem a ser capturadas…
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3560 – 17.03.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Algum tempo atrás, desconhecia que podíamos fechar o tempo dentro de casa e, atazanado, comecei a beber dez gotas de cannabis para truncar as vicissitudes, misturando o gosto estranho com kefir, um pouco de café pilão e um pouco de mel com um ou dois croissants para entulhar a malga. E assim, lá pela tarde, na kúkia do sol, meto também num pão tipo da avô os trocadilhos com chouriço e, por vezes pão rust do Calahári…
Intercalando este intróito antes da continuação na descrição da “Grande Marcha de Savimbi com seu povo” e, porque o tempo esvoaçou desperdiçado, a fim de sentir algum prazer de viver matabichando resiliências e, outros desmandos de tantas maleitas sociais, descrevo isto olhando para as roupas manchadas do tempo a abanar no quintal com os pássaros chamados de charnecos e melros a alegrar-me com seus voos e seus cantares.
Continuando a epopeia da UNITA, um dia depois, Savimbi ordenou a cerca de vinte soldados, que tinham rápidamente perdido as forças, que voltassem para trás e se juntassem ao povo, que se ia dispersando da coluna, até convalescerem. Ao fim de mais de um dia, avistaram uma aldeia amiga, na estrada principal. Durante a noite, o soba e os mais-velhos trouxeram comida, reunindo-se a Savimbi na mata.
O soba disse-lhe para descansar ali durante o dia e mudar-se depois, para a aldeia, quando as condições lhe fossem mais favoráveis. Ali ficaram durante dois dias, sendo informados acerca de potenciais pontos e passagem ao longo da estrada fortemente patrulhada. A travessia teria de ser feita aonde os cubanos menos esperassem e, aonde fosse menos provável estarem os seus pisteiros e batedores em acção,
Tomou-se a decisão de atravessar directamente através da berma da estrada da aldeia com cerca de quinhentos habitantes, protegida por uma paliçada e um posto defendido por dez cubanos e, com alguns soldados do MPLA, colocados nas imediações. «conseguimos ver os cubanos e os soldados do MPLA a movimentarem-se à volta da paliçada, empunhando suas armas», disse Savimbi.
«O soba, porém, disse que eles eram tolos. Nunca se dirigiam à mata a pé e, não supeditariam de nada, desde que não fizéssemos barulho. Confiamos nele porque era um antigo membro do nosso partido». Cerca de uma hora antes do anoitecer, no dia da travessia, dia 22 de Agosto, o soba regressou e disse ter organizado um espectáculo na aldeia nessa mesma noite, para os cubanos da guarnição e, também para o professor da escola, um activista do MPLA que fora nomeado pelo governo.
Oito deles, estariam a beber nas cubatas para leste da estrada e, os outros três nas cubatas situadas a oeste. Os homens de Savimbi deveriam atravessar em grupos de quatro ou cinco, guiados por homens das Milicias da aldeia, cujos piquetes dariam o alarme se os cubanos alterassem suas posições. O soba, embora os cubanos não o soubessem, era presidente do Comité civil da UNITA.na aldeia.
A partir do centro da aldeia, as cubatas estavam dispersas e isoladas, numa área de cerca de dois quilómetros ao longo da estrada principal. A vinte e dois de Agosto, á coluna de Savimbi foi reunir-se um grupo de cinquenta soldados, comandados pelo major Bandeira, que fugira do Lobito em Fevereiro e, tomara o rumo do Vale Lungué-Bungo. Com Bandeira, estava Jorge Valentim, um notável da UNITA.
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3559 – 15.03.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Como parte de um rosário feito de búzios e ao jeito de missangas, continuo a descrever realidades passadas quase-quase como se o fossem de um imaginário tempo, dias de graça com desgraça do já distante ano de 1976, com a “Grande Marcha de Savimbi”. Fazendo fintas ao instinto, driblando premonições entremeadas de medo na busca sobrevivente, olhando o céu para além das copas a conferir os aviões migues feitos urubus pretos.
E, ouvidos à escuta dos abutres camuflados com rotativas e tubos de estrias de fazer tiro tenso procurando dar fim a gente; fugir das abertas clareiras é a condição de sobrevivência. Em sua reactividade humana, a esta estória recordo a frase do espírita pensador Chico Xavier: -Você não pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas você pode começar agora e fazer um novo fim! Desconseguiu-se levar adiante este conselho…
Aquela aldeia estava bastante isolada. Nenhuma patrulha cubana ou do MPLA tinha lá chegado, ainda, mas, ao fim de cinco dias, quando a maioria das pessoas já se alimentava com comida sólida, um helicóptero cubano sobrevoou a zona. «Foi apenas pouca sorte», recorda Savimbi. «Embora os cubanos não pudessem saber que lá estávamos, decerto, assinalaram a aldeia em seu mapas e, eventualmente, regressariam.
Em face disto, ordenei aos camponeses que se dispersassem e, encontrassem um novo local para se instalarem». A sua intuição dizia-lhe que os cubanos e o MPLA tentariam cobrir tantas aldeias quanto lhes fosse possível, para o forçar a confinar-se inteiramente às matas. Mais de metade do grupo de Savimbi ainda sofria muito pela exaustão, envenenamento pelos cogumelos e generalizada fraqueza.
Os mais frágeis, teriam assim de permanecer com os camponeses. Quanto aos restantes, Savimbi ordenou uma marcha rápida em direcção à estrada do Bié, que serve Serpa Pinto e, em seguida, prosseguir paralelo a ela, para a área aonde planeara instalar o acampamento de carácter mais definitivo. Os aldeões cederam dois guias a Savimbi para os conduzirem a um acampamento de guerrilheiros da UNITA, a cerca de trinta e seis horas de marcha.
Uma marcha pedestre pode ir de quatro a sete horas; a lenta pode considerar-se em quatro quilómetros, a rápida com seis e, a muito rápida com sete quilómetros. Isto dará uma ideia das distâncias, pelo que, 36 horas em terreno limpo significa um dia de marcha rápida. Esta marcha seria feita ao longo de um afluente do rio Cuanza. Pela logica seguir para montante era caminhar para sul e, o inverso, seria caminhar para norte, no sentido em que as águas correm.
É muito importante a um guerrilheiro ser conhecedor da topografia da região, saber dos ventos dominantes vendo a inclinação de árvores ou arbustos, o musgo que se acumula nos troncos das mesmas e a ideia correcta de onde nasce e se põe o sol. Neste caso, se o Cuanza corre para norte, em direcção a Luanda, o caminho do afluente seria nessa mesma direcção pelo que neste caso, seguiriam o sentido sul, contrário da correnteza, o rumo à fuga.
O objectivo, era recrutar no acampamento, guias que ainda não estivessem cansados para efectuarem a passagem da estrada. A cerca de trinta minutos de marcha do acampamento, viram dois helicópteros cubanos a metralhar o local e a desembarcar tropas. Savimbi, mudou imediatamente de direcção, cortando a direito para a estrada: mais tarde chegaram até ele notícias, de que mais de trinta pessoas, principalmente mulheres, tinham sido mortas durante aquele ataque.
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3558 – 11.03.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
A maioria de nós já não é capaz de compreender hoje, os grandes problemas morais do Mundo no passado. Já lá vai o tempo em que era só separar o joio do trigo, rezar um pai-nosso ou uma ave-maria para suspender as preocupações circunscritas, porque o longe era-o em demasia e no cercano, o senhor padre ou o kimbanda, comunicava na missa avisos de alvissaras com umas quantas defuntações, pois que sabia de tudo e até sabia encobrir o que era para não ser sabido.
E, afinal não existe "pedra" em nosso caminho que não possa ser aproveitada para nosso próprio uso em crescimento. Muita sabedoria, luz e prudência, é necessária ter para saber o que fazer com cada pedra que se encontre, tornando-as alicerces de nossas vidas. Observe-se que a diferença não está na pedra mas, na atitude das pessoas perante as inerentes coisas! Desta feita a estória da “Grande Marcha com Savimbi” de 48 anos atrás, em Angola reaviva-se aqui numa permanente angustia, surpresa e penosa admiração :
As peles das bagas eram fervidas de novo, juntando a elas folhas de uma outra árvore. A sopa liquida que daqui resultava parecia óleo vegetal queimado e, ao fim de meia hora, deixava os convivas enfraquecidos, muito mais fracos e inchados. Porém, era uma forma de se alimentarem. Um dos guerrilheiros sabia como colher mel silvestre e, trouxe consigo uma pequena quantidade. Vinoma Savimbi, perita em cogumelos silvestres, conseguir seleccionar alguns.
Porém, cinco soldados morreram envenenados, depois de comerem míscaros, apanhados sem terem consultado Vinoma… Savimbi fez um discurso encorajador exortando os soldados a não se deixarem render perante a morte, porque o povo estava à espera que combatessem. «Esse foi realmente um momento chocante e assustador porque alguns dos soldados não tinham sequer a capacidade física necessária para responder ao seu apelo, embora pudesse ver-se que o desejavam».
« … Muitos conseguiram manter-se de pé e dizer que continuariam a combater mas, alguns instantes mais tarde, caíram por terra». Apesar de tudo isto, o grupo de Savimbi foi ficando mais fraco, por falta de alimentação. Estavam deitados no chão e, ao sexto dia, a maioria, era incapaz de se arrastar pelos seu próprios meios; porém, nesse mesmo dia, uma patrulha chegou com notícias animadoras.
Tinham descoberto uma aldeia a quinze quilómetros de distância, e os seus habitantes eram de há muito, apoiantes da UNITA. A notícia sobre a existência da aldeia actuou como uma injecção vivificante. O soldados estavam anciosos por estabelecerem de novo, contactos com a população comum. Embora tivessem encontrado em si mesmos, forças desconhecidas, a jornada de quinze quilómetros, que teria demorado apenas duas horas em situação normal, legou doze horas.
Os camponeses vieram ao encontro de Savimbi e ajudaram a levar a coluna para suas cubatas. Afirmavam ter sido visitados por comandantes de guerrilha da UNITA, que os tinham informado que Savimbi estava a ser perseguido pelos cubanos e pelo MPLA. O chefe da aldeia desenhou diagramas no pó do chão para mostrar a Savimbi como enviar patrulhas, em direcções diversas, para ajudar a desencontrar a coluna do Presidente.
Os camponeses não tinham grande quantidade de alimento armazenados, mas forneceram milho, mandioca e carne de antílope. Savimbi, valendo-se de seus conhecimentos de medicina adquiridos em Portugal, reuniu os oficiais e, explicou-lhes os perigos que corriam ao comer alimentos sólidos, depois de tão grande período de fome… Em seguida Savimbi ordenou aos seus oficiais que repetissem o conselho à população, pelo qual eram responsáveis, utilizando os mesmos pretextos de subsistência.
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3557 – 08.03.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Na percepção parcial das vitais contingências de que a vida é feita, encontraremos o rigoroso sentido do passado, por fortuitos efeitos que determinam o futuro próximo ou distante. Cada um de nós foi o que foi por uma coisa pequena, que sem se lembrar do primeiro choro, outros choros se lhe seguiram e, como um risco feito no chão, nem sempre se escolheu dedo ou arado, nem por onde fazer o rego que influiu na mudança de nossas vidas. E, lembrando esse passado difícil de Jonas Savimbi e seu povo, algures nas matas do Moxico, relembra-se:
Nas margens do rio Cuíto, Savimbi enviou uma patrulha de batedores constituída por três homens, através da escuridão, para o local da travessia da noite anterior. Nenhuma das três emboscadas armadas pelo inimigo se situava ali, mas, apesar disso, Savimbi estava preocupado com o facto de o resto da coluna poder cumprir estritamente as ordens dadas na noite anterior, de começarem a atravessar o rio, e de que fossem descobertos .
Uma patrulha de dois homens vindos do outro lado, tinha atravessado o rio e estavam à espera um pouco mais a norte do local da travessia. A estes, foram-lhes transmitidas novas ordens no sentido de ser abandonada a ideia de atravessarem em massa: a coluna oriental deveria, em vez disso, tomar o rumo do norte, ao longo do rio Cuíto, em direcção à região do Bié e, reunir-se a quaisquer guerrilheiros da UNITA.
Que espalhassem a notícia entre a população de que Savimbi estava vivo e, organizassem a resistência. Todavia, se Mulato fosse encontrado, ele deveria tentar atravessar juntamente com mais vinte homens reunindo-se a Savimbi. Mulato acabou por ser encontrado por um grupo de buscas. Perdera-se ao seguir o rasto de antílopes que ele pensava serem os do grupo de Vanguarda.
Mulato, atravessou o rio e conseguiu juntar-se a Savimbi 24 horas depois. «Quando Mulato se reuniu a nós, elevou-se a moral dos homens», disse Savimbi. «Ele era o nosso companheiro de armas e, gostávamos muito dele. O facto de ele estar a salvo, permitia mantermos os nossos planos inalterados». O grupo era agora formado por 250 homens.
Eram em sua maioria soldados, mas também havia quinze mulheres e dez homens civis, em grande parte, administradores experimentados. O tamanho reduzido da coluna do próprio Savimbi proporcionava certas vantagens. O grupo poderia assim, ser mais facilmente controlado, deixando rastos menos pronunciados e poderia movimentar-se mais habilmente para longe das zonas de maior perigo.
A carne proporcionada pelo gado abatido depressa acabou e, a velocidade da marcha abrandou transformando-se numa caminhada muito lenta. Ao fim de uma semana estavam todos tão fracos que Savimbi foi obrigado a fazer uma paragem. Em defesa da moral dos guerrilheiros, o contacto com os camponeses teria de ser restabelecido para se conseguir comida: o contacto era também necessário por razões politicas.
Foram por isso, enviadas patrulhas desde o local em que descansavam, bivacados na mata, para tentar estabelecer os contactos com as aldeias. Todavia, esta área era esparsamente povoada e, porque os homens estavam muito debilitados, não o podiam por isso, patrulhar a zona a fundo e, não conseguindo encontrar povoados tão rápido como o seria desejável.
Havia pouca caça acessível mas, os guerrilheiros Tchokwes, que eram exímios caçadores há gerações, conseguiram matar um javali. A coluna, esfomeada, comeram não só a carne mas, também os ossos; estes foram fervidos proporcionando uma sopa rala com folhas comestíveis. Sopa de ossos que depois de amolecidos e esmagados o fora bebida, com sofreguidão. A outra fonte de sustento eram bagas silvestres de cor vermelha que após o serem apanhadas, eram cozidas, tirando-se-lhe a pele e seu interior que ere venenoso.
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3556 – 04.03.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Recordando a “Longa Marcha” no ano de 1976, terei de relembrar que tive e continuo a ter com orgulho de exibir, um galo em cerâmica que sempre ficou agarrado à lapela do meu terno de azul diplomático, oferta como se assim o fosse: um louvor medalhado, por essa gentil pessoa, diplomata e guerrilheiro da UNITA com o nome de Alcides Sakala que anos depois, representaria a UNITA em Portugal, sendo eu coordenador da Zona Sul do M´Puto por ele indigitado…
Nesta descrição, andarei um pouco à frente e atrás para inserir o essencial dos problemas que afectavam milhares de seres como eu e, em iguais circunstâncias; gente que quis esquecer e, que acabou mesmo por assim o ser… Perturbado com os punhos no ar e assembleias a toda a hora, em terra de Otelo Saraiva, zarpei, bazei, fugi de licença ilimitada rumando para a Venezuela de Andrés Peres até ao ano de 1982 …
Mas, lá longe, a “Grande Marcha” em terras do Moxico, em Agosto de 1976, já quase no fim, tinha sua continuidade. A causa pela qual Savimbi combatera durante mais de uma década, parecia perdida. Durante seis meses, ele fora perseguido e incessantemente acossado través destas vastas matas e savanas de Angola pelas tropas cubanas, por aviões e helicópteros: O inimigo aproximava-se ao entardecer, enquanto ele confortava o soldado moribundo.
Savimbi perdera o contacto com os demais grupos do seu fragmentado exército. Os seus aliados do exterior, em África e noutros continentes, tinham-no abandonado… Savimbi parou de confortar o soldado doente para verificar o estado do resto de seu exército. Uma hora depois de ele ter partido, um oficial de ordens, deu-lhe a notícia de que o jovem guerrilheiro morrera. Pouco depois morreram mais dois guerrilheiros.
A travessia dos quatrocentos metros do canal principal do rio, fora muito má. Os hipopótamos, que reclamavam mais vidas humanas do que qualquer outro animal da selva, tinham ameaçado voltar a única canoa que fazia a travessia em vai-e-vem: apesar do risco de as explosões poderem ser ouvidas por patrulhas inimigas, preciosas granadas de mão tinham sido lançadas à água no intuito de assustarem as feras que resfolegavam.
Contudo a parte mais difícil da travessia, fora feito a pé, mergulhados até à altura do peito, através de trezentos metros do pântano inundado que ladeava a margem leste do rio Cuito. As temperaturas geladas e o avanço penoso a pé esgotaram as últimas reservas de energia dos três homens falecidos. «Não podíamos movermo-nos. Não tinhamos escolha. As minhas tropas estavam exaustas após a travessia e alguns estavam já a morrer», recorda Savimbi.
«A minha gente estava separada, uns na margem ocidental e outros na margem oriental, e Mulato continuava perdido. Disse-lhes que deveríamos adoptar posições defensivas e, se os encontrássemos no nosso caminho, lutaríamos. Quando o combate começasse, poderíamos ter já recuperado forças; então, a maior parte da coluna poderia fugir para a mata, enquanto os outros procurariam aguentar o inimigo».
Durante a tarde chegaram mais dois helicópteros e, deixaram mais homens, tendo um deles aterrado a cerca de quinhentos metros do piquete de segurança de Savimbi, na orla da mata. Desta maneira, haveria talvez entre sessenta a oitenta soldados inimigos a patrulhar os canaviais do rio. Antes do cair da noite, os cubanos começarem a tomar posições para emboscadas. Savimbi decidiu que a sua gente teria de se afastar da zona perigosa…
Nota: - Com “transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3555 – 01.03.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Nesta marcha desesperante, eu branco, descrevo-a imaginando-me a comer raspas de cascas de mandioca, o vai e vem na volta da contra volta, já cansado de esganar a saudade, de esganar a traição, de esganar a mentira da descolonização, ela, esta coisa, deu-se conta e, sem enfado, muito pausadamente disse-me: - O seu azar, assim quase titubeando a verdade para não se ferir, o seu azar, notei a dificuldade de ir mais além; acenei-lhe assim-assim com o dedo indicador rodando, anda, desembucha! E, repete, o seu azar patrão… o seu azar foi ser um branco mazombo! E, foi!
Na diáspora, prometi a mim mesmo não me enganar continuando a ser eu próprio peneirando as opiniões, gerindo silêncios e, mesmo estando naquele então no exterior de Angola, fiz trabalho fiel por quem acreditava ser o futuro em Angola. Saí da UNITA mas, ela continuou comigo recordando grandes nomes com quem tive o privilégio de lidar como Carlos Morgado, Kalakata, Alcides Sakala, José Kachiungo Marcial Dachala ou Adalberto Júnior entre tantos outros. Savimbi, o líder, sempre será visto em um leque alargado que vai do génio ao monstro mas, a UNITA foi mesmo seu grande legado: o da liberdade…
Mas lá, às margens do Cuito, em Agosto de 76, Savimbi transmitiu ordens para que eles que ficaram na outra margem, se escondessem na mata; a travessia reiniciar-se-ia na noite seguinte. Foram lançadas granadas para dentro do rio para afastar os hipopótamos e, provavelmente, elas teriam sido ouvidas pelas patrulha inimigas. Ele temia que os cubanos e o MPLA estivessem na área no dia a seguir.
Na margem ocidental, Savimbi conduziu seu próprio grupo desmembrado através da anhara, deixando atrás de si rastos bem visíveis no capim, coberto de pó e geada. Aqui, de noite, as temperaturas baixam do zero graus; os soldados não tinham fardas para mudar as calças ensopadas em água gelada. Os únicos cobertores que cada um levava também estavam molhados, que para além de serem frios, estavam rasgados. Qualquer um de nós, fica por esta real descrição feito uma pedra de gelo.
Assim foi! Muitos estavam enregelados depois de terem passado o pântano com as inerentes dificuldades do rio e, de tal forma que mal podiam falar. «Estavam exaustos, mal alimentados e tinham as faces encovadas». Savimbi continuava a marchar entre a frente e a retaguarda da coluna, exortando o povo a seguir em frente, com coragem, em direcção à mata , onde teriam de chegar antes do nascer do sol. Deu ordens à sua ordenança para dar suas roupas de reserva aos soldados mas, seus oficiais superiores esconderam dele um conjunto completo para seu próprio uso.
Savimbi calculara que a marcha através da anhara demoraria cerca de meia hora. Em verdade, demorou três horas, dadas as condições de fraqueza da coluna. Cerca das seis horas e trinta minutos da manhã, quando o sol começou a despontar, estavam ainda a meio do capim, pelo que tiveram de reunir forças extras para correr até à mata cerrada. Mais tarde, nessa mesma manhã, dois helicópteros de fabrico soviético MI-8, chegaram ao local aonde fora feita a travessia do rio Cuito.
Pairaram a pouca altura do solo e, de cada um deles saltaram quinze a vinte militares cubanos. Felizmente, para a gente de Savimbi, o sol brilhava num céu sem nuvens, secando o gelo que anteriormente tornava bastante visíveis os rastos da UNITA através do capim. Era o dia três de Agosto de 1976 – Jonas Savimbi, um negro angolano, em tempo estudante de medicina na Universidade de Lisboa, licenciado pela Universidade de Lausanne, líder de guerrilha, sentava-se perto da margem esquerda do rio Cuito, no interior de Angola…
Estava-se no solstício de Inverno na África Austral, quando as temperaturas nocturnas descem abaixo de zero. Savimbi, acalentava em seus braços, um adolescente guerrilheiro que delirava, morrendo de frio e exaustão depois de ter sofrido no corpo a tortura de uma enregelante travessia do rio, que lhe tolhera os membros. Não poderia existir maneira mais deprimente de o líder dos guerrilheiros celebrar o seu 42º aniversário…
Nota: - “Transcrições parciais de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3554 – 27.02.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Da singeleza de tudo, descrevendo o medo com vontade de viver, risco o anseio feito odisseia nas desventuras medonhas de um povo seguindo seu líder. É Savimbi que traça suas argutas, astutas de ladinas, premonições para alcançar a liberdade através da “Longa Marcha”. Atravessando rios, charcos e pântanos com sanguessugas e muitas bichezas rastejantes, risco também e, deste modo, o chão das savanas pisadas pela fuga.
Ungindo sem regras no linguajar, revolucionárias só no pensar, despromovo-me num sonho que ainda sobrevive. Nesta vanguarda estética em que as futilidades suplantam o óbvio, passados quase 48 anos, dizer que desgostei ou o inverso disto, não faz parte do meu adeus à estória que inexoravelmente continua… «Podia ter ordenado a todos que continuassem; porém, queria verificar se o piloto tinha conseguido enviar qualquer mensagem pela rádio», recorda ele – Savimbi.
«Se os cubanos não viessem, era certo que eles não sabiam onde tinha caído o helicóptero; neste caso, estávamos a salvo. Se eles viessem dentro de um curto espaço de tempo, então, é porque sabiam onde fora abatido o helicóptero e, nós saberíamos que eles estavam no nosso encalço com todos os meios de que dispunham, já amanhã». Ao fim de meia hora, os helicópteros chegaram e descobriram imediatamente, o local do desastre.
Sabendo que os helicópteros regressariam às primeiras luzes do dia a seguir, Savimbi ordenou uma rápida marcha nocturna em direcção a oeste. A densidade das matas dessa área dava vantagem aos guerrilheiros, mas estava demasiado escuro porque não havia luar. Por isso, Savimbi teve de ordenar uma paragem. Deu ordens a Ernesto Mulato que fosse à frente e dissesse à vanguarda das tropas para parar também e, assumir posições defensivas para a eventualidade de emboscadas.
A manada, cujo numero baixara para 12 cabeças, de um total inicial de sessenta, não avançou com os guerrilheiros para não se deixar um grande rasto. O boiadeiro, recebeu instruções para espalhar o gado numa frente ampla e, reunir-se mais tarde ao grupo de Savimbi. Após o descanso, Savimbi avançou com o grosso da coluna para se juntar à vanguarda. Mulato não estava lá e ninguém pareceu tê-lo visto. Savimbi ficou seriamente preocupado. Os cubanos poderiam chegar a qualquer momento e Mulato ficaria em perigo de ser capturado.
Isso era particularmente perigoso porque Savimbi tinha tomado a decisão apenas partilhada com N´Zau Puna, Chiwale e Mulato, de abandonar a ideia de adoptar o Muyé como zona ideal para um futuro acampamento-base , em vez disso, estabelecê-la na área do Cuelei, a oeste de Serpa Pinto. Se Mulato fosse capturado seria logico pensar que seria torturado e, pressupunha-se que, eventualmente revelaria o segredo.
Savimbi decidiu avançar mais par oeste: não haveria alteração dos planos durante quatro dias, altura em que se saberia, ao certo, se Mulato se perdera ou não. Os batedores informariam se estavam a ser largados cubanos na retaguarda. Se assim fosse, então Savimbi, teria de concluir que Mulato fora capturado, precisando de traçar planos inteiramente novos. Mais um dia de marcha trouxe a coluna principal para a mata, podendo dali avistar a anhara, bordejando as margens do Cuito.
Savimbi enviara um grupo avançado de três homens, em marcha muito rápida, para tentarem encontrar uma canoa que servisse para se fazer a travessia do rio com 400 metros de largura. Existiam problemas, informaram eles. Apenas tinham encontrado uma canoa que poderia levar três pessoas; isto significava na prática que apenas duas pessoas poderiam ser transportadas de cada vez.
Nas proximidades, a leste da margem do rio, existia uma área pantanosa profunda, com Ceca de 300 metros de extinção. Significaria também que o gado não poderia atravessar o rio… Savimbi ordenou que as doze cabeças fossem abatidas e cortadas em pedaços, de modo a que poessem ser transportadas. Estava-se no início de Agosto e, o gado fora a única fonte de alimento durante o último mês de Julho. As pessoas foram transportadas para a outra margem do rio Cuito durante toda a noite. Sucede que quando Savimbi ordenou uma paragem cerca das quatro horas da madrugada, muita gente do grupo estava ainda na margem leste.
Nota: - Com “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3553 – 23.02.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Lá nas matas do Moxico a “Longa Marcha com Savimbi”, prosseguia rumo a um futuro incerto, permanentemente atentos aos ruídos de helicópteros, escolhendo os melhores rumos de fuga. Quando a coluna se aproxima das margens do rio Gunde, um afluente do grande rio Cuito, todos se sentiram mais aliviados: o MPLA e os cubanos pareciam ter-lhes perdido o rasto e, não tinham avistado aviões desde o dia de partida.
Às margens do rio Gunde, tal como a maioria das margens dos rios angolanos, eram ladeados por anharas com capim de quatro metros de altura e, nalguns locais com 500 metros de extensão. Savimbi mandou parar a coluna na mata e enviou dez guerrilheiros através das faixas da anhara e, através do rio para se assegurar, que a margem ocidental era segura.
N´Zau Puna levou também consigo cinco homens através da anhara para a margem oriental a fim de encontrar qual o melhor ponto de passagem para a coluna. Foi quando se ouviu um helicóptero que se aproximava, vindo do sul. Savimbi ordenou de imediato a todos da coluna principal, para que se espalhassem sob as árvores. O grupo de N´Zau Puna começou a recuar da margem do rio para um pequeno grupo de árvores formando como que uma pequena ilha na anhara circundante e, a cerca de duzentos metros do Gunde.
Puna e dois dos seus homens conseguiram chegar às árvores antes do helicóptero pairar por cima de suas cabeças mas, os outros três estavam ainda em campo aberto. Foram localizados e, o helicóptero começou a metralhar a baixa altitude. Os três responderam com armas de fogo ligeiras, tiro tenso e, o helicóptero rodou descontrolado, caiu e explodiu a cerca de três quilómetros mais adiante.
Da sua posição na mata, Savimbi observou o percurso da queda do aparelho. Voou para além dos três guerrilheiros que estavam parados, parecendo dali mergulhar em direcção ao solo, ergueu-se de novo para, em seguida precipitar-se em terra. Savimbi calculou que o piloto teria mantido controlo do helicóptero até aos últimos instantes: por consequência; decerto teve o tempo suficiente para transmitir para a base, seu SOS.
Teria via rádio, dado a sua posição com outros breves detalhes sobre o que tinha acontecido. Dentro de pouco tempo outros helicópteros estariam no local. «Todos estavam confusos», recordou Savimbi anos mais tarde. «cada qual davam ordens separadas». “voltem para trás”, dizia Chiwale. “Ide para norte, ao longo da margem do rio”, dizia N´Zau Puna. Eu disse que devíamos seguir em frente, nunca recuar, e ordenei a imediata travessia do rio.
Tinhamos esperado encontrar uma pequena ponte de madeira para pedestres, tipo daquelas que são construídas pelos caçadores locais. Agora não havia tempo a perder. Disse às pessoas que atravessassem em qualquer lugar. «Mergulharam nas águas até o pescoço e, minha mulher, perdeu os sapatos no rio». Tendo atravessado o Gunde, a coluna de Savimbi agora com 350 pessoas, atingiu a mata mais densa a quilómetro e meio para além da anhara. Ordenou a todos que parassem um pouco, dentro dos limites da mata.
Todos nós vivemos em um país, é um facto! É a partir da singularidade legal de uma nação, suas características peculiares e sua identidade conforme a lei que surge o conceito de soberania. Os componentes desta grande marcha buscavam isso! Sua singularidade. Ter uma nação com símbolos próprios com os órgãos instituídos que representassem a sua Nação; com dificuldade, posso imaginar um tal acto de resiliência a pensar numa soberania, visar ter uma identidade naquele espaço no meio do nada, um manto verde onde e aonde, encontrar dois habitantes, já o é: um milagre…
Nota: - “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3552 – 21.02.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Enquanto transcrevo a “Longa Marcha de Savimbi” na Luanda de então, a vida mantinha-se claustrofóbica, periclitante e sem saídas fáceis para a província; os corredores aéreos encontravam-se ameaçados. Iam abrindo lojas de kinguilas nos muros de quintais, o trânsito ia ficando já com algum parque automóvel moderno e caro, também muito mais caótico. O contraste da “cidade capital e o musseque” iam ficando entre o abandono e a deterioração com amontoados de chapas de zinco e placas ratadas de fibrocimento.
Ainda se podia visualizar entrelaçadas com velhas portas arrancadas de um qualquer armazém as aduelas de barris de vinho “Camilo Alves” idos do M´Puto e até latas espalmadas de azeite galo ou, latas das grandes de tinta pintal, com ripas de madeira das antigas caixas de sardinha ou atum importadas de Portimão do M´Puto. No centro da Luua as caixas de elevadores dos prédios mais antigos, iam ficando atulhados de lixo vasculhado por gatos e ratos com o mau cheiro inerente…
As ruas da baixa da Luua iam ficavam envoltas em nuvens de fumo com cheiro intenso de gasóleo queimado saído dos escapes de geradores construídos a partir de velhos motores de GMCês, Magiros e Fordes e outras ainda não seleccionados pelos cubanos para levar para Cuba; assim, património como coisas de “tecnologia de ponta”, assim consideradas lá na ilha – troféus de guerra para o Fidel. Esta guerra de Angola que nos era servida, não se diferenciava das atrocidades do Corno de África ou das escaramuças do Iraque.
Mas, lá nas matas do Moxico a “Longa Marcha” continuava com seu líder – o melhor chefe de guerrilha em África. Enquanto Savimbi instruía seus oficiais, o condutor de gado reapareceu como por milagre com a manada de rezes. Savimbi, mandou-o directamente em direcção a sudoeste, caminho que ele pensava seguir com a sua própria coluna. Quando tudo ficou pronto, Savimbi ordenou às colunas de Samalambo e Chimbijika que partissem: a primeira para nordeste e a segunda para noroeste.
Cerca de quatro horas e trinta minutos da manhã, ambas as colunas e toda a gente da coluna de Savimbi, excepto o próprio Savimbi e os cinquenta homens que constituíam a sua retaguarda, tinham partido; a seguir, ele ordenou à retaguarda que também partisse. A coluna de Savimbi não parou de andar até às três horas e trinta minutos da tarde para um descanso, mas já ao romper de um novo dia, os caminhantes ouviram explosões e tiroteio na direcção do local de onde tinham descansado na mata.
Os batedores disseram que os cubanos tinham sobrevoado o local, fazendo disparos de metralhadora dos helicópteros. Decididamente, mais tarde os cubanos informaram dirigirem as suas buscas em direcção às colunas de engodo. O resultado do desencontro com o MPLA e os cubanos, resultou no desmembrar a coluna original de Savimbi em cinco grupos. As crianças, as mulheres e a sua escolta de guerrilheiros permaneceram sem o serem detectados ou molestados durante várias semanas, na que ficou sendo a “aldeia segura” porque nunca o foi visitada por tropas inimigas.
O grupo de Chivinga formada por cinquenta pessoas, manteve imobilizadas as tropas do MPLA, precisamente a norte de Chissima; durante várias horas e, até Chivinga ter sido ferido numa coxa: Em consequência disso dispensaram levando o comandante mas, não conseguiram reunir-se às colunas principais, nem mesmo com a coluna das crianças e mulheres. Só meses depois é que Savimbi recebeu mensagens de que as mulheres, as crenças e Chivinga com seus homens, estavam a salvo.
Quanto ao major Samalambo e ao capitão Chimbijika, estes, conduziram as suas colunas de forma segura para longe do perigo. Durante uma semana, a coluna de Savimbi não enfrentou problemas, excepto quando da travessia atribulada do rio Cuanavale: aí, eles tiveram de derrubar várias árvores para construir uma jangada que os ajudou a atravessar o canal de águas profundas. Isto, deixou-os expostos em campo aberto, durante algumas horas, mas o inimigo não apareceu. Aqui chegados direi (do relator): que a logística do MPLA já nesta fase, alegava ser o dono da história seguindo subserviente à mentirosa versão russa. Isto iria continuar sem se vislumbrar um sine die, com revolta musculada de todo o mundo democrático ocidental – eternas fragilidades das democracias…
Nota: - Com “Transcrições de Fred Bridgland em “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3548 – 11.02.2024
“A LONGA MARCHA COM SAVIMBI” – Segundo Fred Bridgland
- Escritos boligrafados, aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018 - “Missão Xirikwata”
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Continuando a descrição de Fred Bridgland, a coluna de Savimbi parou, de noite, durante um curto espaço de tempo na pequena povoação de Lucusse, a 135 quilómetros de distância do Luso. Como a estrada para Gago Coutinho era também a estrada para a Zâmbia, Savimbi ficou preocupado com o facto de muitas pessoas poderem pensar que estava a abandonar Angola, a caminho do exílio. «A população estava em pânico».
Fiquei atónito ao verificar como o Presidente lhes conseguia transmitir a sua confiança e organizar uma evacuação calma. «Disse-lhes que não ia deixar Angola e que ia para as matas continuar a combater». Savimbi chegou a Gago Coutinho na tarde do dia 11 de Fevereiro, depois de ter atravessado cerca de doze grandes afluentes do rio Zambeze, que corria para leste. Até ser obrigado pelos cubanos a sair dali, um mês mais tarde, Savimbi utilizou o tempo que passou em Gago Coutinho para se reorganizar.
Mandou soldados voltar para trás, na direcção do Luso, para destruírem todas as pontes de estrada, mas com ordem para deixarem cada uma delas intacta até ao último instante possível, antes de os cubanos avançarem. A população local, em fuga para o Sul, tinha de ter tempo suficiente para atravessar os rios. O dia 13 de Março de 1976 marcou o décimo aniversário da fundação oficial da UNITA.
A população começou a reunir-se no campo de futebol da Escola, em Gago Coutinho, para assistir a uma parada e ouvir um discurso comemorativo proferido por Savimbi que, ao pequeno-almoço, dissera aos seus ajudantes mais antigos que a localidade seria eventualmente bombardeada e que, em consequência disso, eles deveriam preparar-se para dar inicio à evacuação.
Às 10 horas da manhã desse mesmo dia, pouco tempo depois de terem terminado as celebrações do aniversário, os caças MIG-21 atacaram. No primeiro ataque, três aviões bombardearam e metralharam a última ponte do rio que ainda estava intacta, 35 quilómetros a norte de Gago Coutinho. Alguns dos guerrilheiros que estavam de guarda à ponte sobre o rio Luanguinga foram mortos e outros ficaram feridos. O segundo ataque dos MIG foi contra o campo de aviação de Gago Coutinho.
Um pouco antes do pôr-do-sol, os dois aviões MIG sobreviventes voltaram a bombardear as casas de Gago Coutinho. Ninguém ficou ferido, mas Savimbi ordenou os preparativos para uma evacuação completa no dia seguinte, 14 de Março. Ao nascer do sol do dia 14 de Março, uma coluna da UNITA, agora formada por 4.000 guerrilheiros e civis, iniciou a caminhada, abandonando Gago Coutinho.
Embora a segurança da fronteira zambiana se situasse apenas a 70 quilómetros para leste, o povo de Savimbi tomou o rumo do oeste, em direcção ao interior de Angola. A evacuação continuou durante todo o dia: os peritos em explosivos ficaram para trás, para dinamitar alguns edifícios-chave. Savimbi levou consigo três camiões e cinco carros.
Os caças MIG desviavam agora a sua atenção, metralhando a coluna. Os condutores dos veículos mantinham as portas dos carros abertas, à medida que avançavam lentamente, e, sempre que ouviam o ruído dos aviões, levavam os carros para a sombra das matas que ladeavam a estrada. Depois de os MIG voltarem à base, os condutores voltavam à estrada, com os veículos grosseiramente camuflados com ramos de árvores, para se distanciarem suficientemente antes do próximo ataque.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
- Crónica 3545 -01.02.2024 ::: A CARAVANA.6 – A FUGA
- Escritos boligrafados da minha mochila, aleatoriamente após 1975
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Continuamos com a descrição de Sonia Zaghetto: Em menos de um mês casei três vezes. Felizmente, com o mesmo homem. E assim deixei minha terra - Angola. Um ano na África do Sul foi suficiente para sabermos que lá não era o nosso lugar. Além da cultura muito diferente, começavam a ocorrer ali os mesmos episódios violentos que havíamos testemunhado em Angola. Decidimos mudar.
Escolhemos o Brasil, país que desde minha pré-adolescência eu sonhava conhecer. Partimos para Portugal a fim de cuidar da burocracia. No dia 7 de Fevereiro de 1977 zarpamos num navio italiano rumo a Santos, onde desembarcamos dez dias depois. Eu estava com seis meses de gravidez. A imensa maioria dos brasileiros nos recebeu de braços abertos, principalmente as pessoas mais humildes.
Alguns, mais abastados, nos tratavam friamente, mas nunca fomos hostilizados. Aos poucos aprendi a amar a terra nova, a querê-la a ponto de ficar amuada quando falam mal dela. Percorri este Brasil quase todo, conheci cada lugar que nem tens idéia, senhor. Andei por picadas, atravessei pontes que eram apenas duas tábuas paralelas, morrendo de medo que elas quebrassem e o carro despencasse.
Comi queijo de coalho em casebres de gente muito simples e coração enorme. Ah, senhor, que país maravilhoso é esse teu Brasil! Descasei, casei de novo. Quando a saudade dava botes sobre a gente, o Walter fazia a muamba. Comprava cachos de dendê e tirava o óleo em casa mesmo. Era o único jeito de ficar igualzinho ao de Angola. Aqui as frutas são praticamente as mesmas que tínhamos, a temperatura e as praias também, mas não é a minha casa, entendes senhor?
Aqui eu me sinto bem, mas falta o cheiro da minha terra, falta o cacimbo e a silhueta única do imbondeiro em meio à névoa. Há uma ausência que não consigo definir. Tudo tão igual, mas ao mesmo tempo diferente. Talvez a gente seja mesmo filho de nosso chão, não sei. Parece que nesta paisagem familiar falta a alma da minha terra, a casa que posso realmente chamar de minha.
Eis-me aqui, senhor, aos 60 anos, com três filhos e dois netos brasileiros. Sou feliz, bem sabes, mas a saudade é bicho traiçoeiro: quando a gente menos espera, ela surge, arrepiando a pele, cravando as unhas na carne, abrindo ocos no peito. Recolho então minhas lembranças, as músicas e fotos de minha terra, e choro mansamente!
Angola ainda vive em mim. Como tatuagem de alma… O relacto de Sonia chega ao fim deste modo e eu T´Chingange, na qualidade de relator, ouso dizer que muitos mais estórias houve nesta odisseia, fuga de Angola. A partir do dia 11 de Novembro de 1975, dia da independência de Angola, mais de 30 países envolveram-se na longa guerra civil que se seguiu, apoiando ao nível logístico e em equipamentos os três movimentos.
A União Soviética e Cuba aproveitaram o momento - a saída de Portugal (as últimas tropas - NT, chegam a Lisboa a 23 de Novembro de 1975) e situação de fragilidade dos EUA, para aumentarem o seu apoio ao MPLA. Pela frente iriam encontrar a ajuda do Zaire e da África do Sul que não queriam ficar para trás no processo de descolonização de Angola.
(Continua…)
(Texto corrigido de Sonia Zaghetto)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3540 -18.01.2024
“Tropas cubanas para Angola, já!” - “Missão Xirikwata”
A CARAVANA.1 - Escritos boligrafados da minha mochila
- Aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Em Outubro de 1975, no dia 23, militares sul-africanos praticam a primeira invasão de Angola, dominando uma faixa ao longo da fronteira com a Namíbia, de modo a travar os movimentos das tropas da SWAPO, então apiadas por Luanda. A Organização de Unidade Africana tenta desesperadamente a reconciliação, enviando a Luanda uma missão que propõe um governo de unidade nacional.
Com o apoio dos seus respectivos aliados (via Wikipédia) o MPLA, a UNITA e o FNLA dão início a uma guerra civil que durará de 1975 até 2002. O principal confronto será entre o MPLA, apoiado pela União Soviética e por Cuba, e a UNITA, na zona sudoeste de Angola; as forças do FNLA encontravam-se inseridas no exército da África do Sul.
Nesta parte final que medeia entre a Ponte Luualix e o 11 de Novembro terei de descrever uma crónica maravilhosa para os meus amigos de Angola, especialmente para os que fizeram a CARAVANA de fuga pelo deserto até à África do Sul.
Já sentiu saudade de sua terra, senhor? “É uma coisa que brota na fundura do peito, percorre bem devagar a pele, arrepia os pelos dos braços, bambeia as pernas. Garra de unhas pontudas, pega o coração da gente e espreme lentamente". Pingam gotas vermelhas que abrem uns vazios na alma dos homens. Houve um tempo em que eu não sabia o que era saudade de casa.
É Sónia que conta sua própria lenda: Nasci numa cidade do sul de Angola, Nova Lisboa. Hoje ela se chama Huambo. Era o dia 2 de abril de 1958 e minha mãe tinha 16 anos. Solteira. Meu avô não queria que eu nascesse, não. Minha mãe bateu o pé e foi enfiada num convento para que eu nascesse lá. Depois eu seria dada para adopção. Minha mãe bateu o pé de novo: agarrou-se a mim – sua carne, seu sangue.
Fiquei. Até completar um ano, vivi entre os hábitos das freiras, ninada pelo som das orações, dos cânticos, dos sinos, filha das Ave-Marias, das Salve-Rainhas, dos Pai-Nossos sentidos.Talvez minha mãe tenha rezado muito, não sei. Talvez os santinhos que me viram chegar ao mundo tenham adoçado o coração de meu avô. O certo é que de repente ele se viu apaixonado por mim. Veio nos buscar.
O que sei sobre essa época é o que minha mãe contou. Eu mesma de nada lembro. O que ela conta é que eu e meu avô não nos separávamos. Alto, de cabelos grisalhos e sorriso largo, ele me carregava nos ombros pra todo lugar e me mimava, me ensinava a ser respondona, não permitia que a mãe me castigasse.
Só ficamos na casa dele até eu completar três anos. Mamãe não tolerava a “madrinha”. A bem da verdade, não era madrinha – era madrasta. Minha avó morreu quatro anos antes do meu nascimento. Assassinada. Estava na cozinha e um homem chegou. Disse estar com fome, pedia comida. Minha avó se compadeceu: sabia dos sofrimentos dos homens negros em Angola. Mandou-o entrar e sentar-se à mesa. Enquanto servia o prato, o homem se levantou. Como uma pantera, veio por trás e a estrangulou. Minha mãe e meus tios menores estavam no quintal, brincando. Nada viram. Ficou a lição de que algumas criaturas – não importam a cor da pele – são diabos. Ah, se são…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3539 – 18.01.2024
“Tropas cubanas para Angola, já!” - “Missão Xirikwata”
Às margens do Cubango - Escritos boligrafados da minha mochila - Aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Naquele dia sete de Agosto, pelas dez horas da noite eu e família, dois filhos, mulher e sogra embarcávamos no vôo 7 da “ponte LUUALIX” como desalojados via LISBOA. Recordando vivências recentes, tinha recebido a minha dose em Kaluquembe; meu carro, um Renault Major, tinha sido sabotado no dia anterior indo eu a caminho do Sul - Namacunde aonde tinha um cunhado; em verdade preparava a fuga de Angola…
O General Kamalata Numa da UNITA, mais tarde, relembra: No dia 8 de Agosto de 75, a UNITA em Luanda, teve de evacuar todos os seus ministros do Governo de Transição. Já se tinha dado o genocídio da UNITA no Pica-pau com o assassínio total de todos os seus ocupantes; todas as precauções estavam na forja da acção.
A perseguição continua até 17 de Agosto de 1975, obrigando todos os dirigentes, demais elementos e simpatizantes Umbundos a fugir para onde quer que fosse para se manterem vivos. Em verdade, quem instalou a lógica da guerra foi o MPLA com a supervisão, beneplácita oferta de material bélico e logística do MFA, dos portugueses …
Em meados de Outubro, o terminal aéreo de Nova Lisboa (Huambo) encerrava, e Luanda passou a receber entre quinze a vinte aviões por dia. Os meios aéreos para fazer chegar a Luanda os refugiados do Lobito, Benguela e Moçâmedes, sendo insuficientes, o Comando Naval arranjou meios marítimos para fazer chegar a Luanda os cerca de 250 mil cidadãos brancos (maioritariamente) mas, tendo também milhares de mestiços e negros; enfim! Seguiam todos aqueles que o desejassem!
O General Kamalata Numa já citado, ainda relembra na primeira pessoa: -Em verdade, o Relatório Final da Comissão de Peritos estabelecido conforme a Resolução 780 do Conselho de Segurança das Nações Unidas definiu a limpeza étnica como sendo: “Uma política propositadamente concebida por um grupo étnico ou religioso, para remover a população civil de outro grupo étnico de uma determinada área geográfica, através de meios violentos ou que inspirem terror”.
Continuando com o General Numa: - Pois foi isto que aconteceu com Umbundos e Brancos… As evidências e as provas de crime são tantas que, não restam dúvidas de que a descolonização da África Portuguesa foi uma limpeza étnica da população branca, Quiocos e Umbundos, promovida pela União Soviética com o total apoio dos partidos da esquerda portuguesa: - PCP e PS.
A finalizar um momento, o General Numa da UNITA refere: - Luanda ficou entregue a gente impreparada, gente racista como Lúcio Lara entre muitos outros e “miúdos pioneiros” que faziam querer tomar o controlo de tudo… Para o MPLA, era incontestavelmente seu líder Agostinho Neto, um sofrivel poeta com formação universitária em Coimbra – O homem escolhido pelos generais e afins do MFA (dizem agora, ter sido o menos mau!). O MPLA fica assim dono e senhor da capital - Luanda.
Pois assim foi. Portugal, tomou logo partido pelo MPLA pois que já antes deste acordo, se tinham reunido em Argel para consertar os procedimentos a que viemos a assistir. As consequências são por demais conhecidas e, assiste-se a uma permanente campanha de imunda falsidade da história com branqueamento de crimes com o apoio da pseudo “elite de Abril”, infiltrada nas escolas, universidade, fundações e observatórios, em quase todos os meios de comunicação de massas e até na figura principal do Estado Português.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
NAS FRINCHAS DO TEMPO - VII
- KIANDA COM ONGWEVA … Às margens do Tejo em Toledo
Crónica 3222-A de (31.12.2021) – 29.06.2022
Por T´Chingange (Otchingandji) - No AlGharb do M´Puto
CA - AS TÁGIDES DE TOLEDO - Salaam Aleikum em terras de “ Castilla La Mancha” já na cidade de Toledo. Prometi a Roxo que iria socorrê-la com uma lenda do mar um verdadeiro golfinho feito homem. Tive de recorrer a Januário Pieter uma kianda que me serve - Passeamos por Alhambra mas, ambos voamos para Toledo pois que era ali que meu Mano Corvo Araújo nos esperava na ponte San Martin sobre o rio Tejo. Há dois mil anos atrás, Marco Fúlvio comandando as legiões Romanas conquistou a cidade de Toledo. O mesmo rio que então a contornava, o Tejo, continua correndo sendo atravessado pela ponte pela qual passam os peregrinos que se dirigem a Santiago; Trata-se da ponte de San Martin do Caminho de Alicante.
Era aqui o encontro e, com efusivos abraços os Manos Corvos aqui cruzaram águas quentes nas outras frias, que ali por debaixo corriam rumo a Lisboa. Até foi patética esta cena; bem cedo num treze de Maio dum ano falecido, Januário festejou connosco e como testemunha o pacto desta amizade. Cuspimos depois nas mãos e chispamos um aperto de união; voltaríamos a fazer isto muito mais tarde num tempo sine die. Em ambos, a kianda Pieter pousou sua mão em nossos templos, nossas testas, deixando um viscoso liquido parecido com azeite.
CA - Este sítio de Toledo estava destinado ao gozo de férias de primavera das ninfas do rio Tejo (Tajo). Aqui, a partir de 1580, os espíritos instigados por “El Greco” recordam momentos épicos na companhia dos novos membros da Kianda e Mutakalombo; estes, cheios de notícias frescas dos mares de N´Gola em África, conferenciavam com sereias, nereidas e musas tomando aqui, todos, o nome de tágides (rio Tajo) – as primitivas kiandas que surgiriam desde o Zaire ao Kwanza, lugar ainda mal conhecido neste então.
Só muito mais tarde iriamos saber que entre estas estavam as primogénitas das kiandas Roxo e Oxor. Cantando, à gente nossa, gente vossa, que a Marte tanto ajuda, refrescavam-se nas águas com cantos de Camões recordando o Deus da guerra, filho de Juno e de Júpiter guardião dos exércitos troianos.
As tágides conciliavam-se aqui com a vida espiritual, trocavam experiências com as novas tendências da Globália, reciclando-se em congressos de cristandade ouvindo Simbi e N´kuuyu. Aquele lugar ficava um Pambu N´jila como se estivessem na Mazenga, a ilha do descanso dos muxiloandas, sombras de casuarinas e coqueiros. O exotismo dos trópicos espalmava-se ali, na Mancha de Cervantes. O maneta Manuel de Cervantes y Saavedra autor da obra “Dom Quixote” desencantado com a guerra e as gentes, lutava com moinhos na vasta planície de “La Mancha” com muito Suko e, associando-se a esta espiritualidade, retemperava os mudos intervalos divertindo a tertúlia com contos de ridículos cavaleiros e paródias de entretimento.
CA - Eram momentos retemperadores recuperando Mutalos desavindos recorrendo por vezes à kianda Koxo e o Mestre Costa, uma verdadeira arte estirada por “El Grego”, ele também impregnado de muito Suko - a kianda e Mano Corvo Araújo, o magnifico grego de nome Doménikos Theotokópoulos! Nesta rota peregrina, cruzando o caminho de Alicante imaginei Sancho Pança apaziguando seu amo dum ímpeto destemperado com moinhos de vento ridicularizando heróis da fancaria. Foi a partir daqui que se organizaram cursos de deformação (algumas grotescas), fantasias de mordaz parodia e ironia na escrita e cores com longos rostos na pintura contrapondo aquilo que se passou a designar de burlesco.
Pude admirar nesta terra de Aragão um quadro de “El Greco”, em que as tágides ou Kiandas se contorcem em risos aéreos, vendo-se em fundo a cidade de Toledo, a “la puente de San Martin” sobre o rio “Tajo” e, um arco iris assinalando o local daquela reunião de espíritos. E ali andava eu T´Chingange um feiticeiro acomodado a novas tarefas de agrado, partilhando e recebendo conhecimentos avondo.
AM - É este um assunto deveras interessante a deslindar ao mulato ressequido Januário Pieter pois que estão ali também as Kiandas da Mazenga, as tetravós de Roxo e Oxor e, dois negros Mutalos com grilhos presos a bolas pesadas e escuras alongando-os como que puxados para a terra. E, nos pescoços, umas barras redondas de ferro contornando-os por detrás de umas orelhas aladas amarradas às nuvens de Toledo; seriam escravos de N´Gola pela certa!
Ainda tinha na retina a imagem dum negro com semblante muçulmano que comigo cruzou em um lugar de nome “Bargas”. Este jovem senhor que se dirigia a terras de África através de Algeciras, tirou as meias, lavou os pés e, descalço refugiou-se numa sombra de alfarrobeira mais distanciada; estendeu a sua jaqueta no solo, ajoelhou-se colocando suas mãos sobre esta, baixou sua cabeça até tocar o solo por várias vezes orientando-a para um determinado ponto. Era a sua Meca distante com Kiandas diferentes, O seu Pambu N´jila.
AR - Aquele muçulmano, talvez marroquino, talvez argelino, ao passar por mim, riu-se em cumprimento mostrando até seu dente escandalosamente dourado, fez uma suave vénia de uma simpatia diferenciada, cumprimentando-me: - Salaam Salaam. Eu era um privilegiado, cidadão Niassalês, cidadão do mar alto, cidadão do mundo. Ele, um mustafá, viu em mim a aura de Pieter, talvez, a Kalunga N´Gombe, o “ Sangue de cristo”, T´Chingange do mesmo Cristo vestido com cores de púrpura. Eu, respondi: - Salaam Aleikum.
AM - GLOSSÁRIO: Salaam Aleikum: - da fé islâmica, fique na paz de deus, que a paz esteja convosco; Kianda: - Espírito das águas na forma de sereia, ritos de Angola; Mutakalombo: - Espírito das águas com incidência nos animais que nela vivem, divindade das águas; N´Gola: - Palavra bantu que quer dizer Angola; Marte: - Deus da guerra na mitologia Romana, filho de Juno e Júpiter, amou Vénus de forma adultera...; Simbi: - Espíritos ancestrais saídos do Kikongo com dois firmamentos, céu o lugar de deuses e terra, domínio dos mortais, na hierarquia espiritual são os avôs dos vivos; Nkuuyu: - são os espíritos pais dos vivos; Pambu N´jila: - Espaço místico, agente de ligação entre o espaço físico e místico, Elo que liga os seres aos Minkisi, os elementos fogo, água, ar e terra; Mazenga. - Ilha das cabras, Ilha dos loandos, ilha dos N´zimbos ou Ilha de Luanda; Suko: - Pessoa prodigiosa ou alucinada; Mutalo: - espírito de morto por feiticeiro sem ordem de N´zambi; Kalunga / Calunga N´Gombe : - divindade abstracta podendo ter a forma humana que preside ao reino dos mortos, em Umbundo é um Deus, em Kimbundo é o mar, sereia na forma de homem musculoso tipo o Adamastor dos Lusíadas; Kozo: - Objecto que invoca um ou mais espíritos. T´Chingange: - Feiticeiro, cobrador de impostos, assessor do rei ou Mwata, ministro de todas as relações; N´Nhaka: - Plantação
Notas 1: Este episódio já foi publicado em KIZOMBA FB – trata-se de repor o texto no arquivo base de KIMBOLAGOA; Nota 2: CA - Costa Araújo; AM - António Monteiro; AR - Assunção Roxo
Da N´Nhaka de: O Soba T´Chingange
TEMPOS DE PERLIMPIMPIM
- Com Fala Kalado, o Ex-Coronel – agora General emérito da Luua...
Crónica 3220 - 27.06.2022 - Uma estória revisitada num passado recente
Por T´Chingange (Otchingandji) - No AlGharb do M'Puto
Kambuéti - Contar estórias feitas missossos ou mussendos é muito, muito de dificultoso. Nelas, não convém a gente levantar escândalo de começo porque só aos poucos é que o escuro fica claro! Ando a tentar continuar a estória do Fala Kalado, o General emérito que antes de anteontem era só de ex-Coronel mas, aquele homem, ficou por demais indefinido; diz que já cansou de ser de ex e vai ser o que quiser e que ninguém mesmo tem nada com isso e, ponto final.
Acantonado naquele imenso Brasil, com sua orelha parabólica no sistema de G5, batuca o tempo na mistura de dendém com peixe-frito; não pelos anos que já se passaram mas, pela astúcia catucada, fico assim cafuso com as coisas a remexer em nós, nos lugares e nas nossas convicções. Carregado na mistura de mangonha com astúcia, ao fim da tarde, jiboiando na esteira, escorre catinga de suor com kimbombo. A sombra do tamarindo dava-lhes o alento de ficar ali conversando, espreguiçando balelas, inventariando feitos de guerra e capiango.
Na conversa dele espirravam canivetes do tamanho de catanas mas e num repentemente girava trezentos e sessenta graus nele mesmo. Não é que às vezes (…), até parecia chorar! Lágrima de crocodilo, só podia, só pode ser! Já a noite cobria nas sombras com barulho das cigarras a ficar sonso quando, da boca de Kambuéti, o sem-perna fazendo banga fécula, com a sua nova muleta de pau kibaba, espectaculava surgido do nada, ouvi a cena que se segue dum sonho gasto no tempo: - Sucuama! Te conto só!... Tenho de mudar minha vida e, emudecia passando logologo para uma maka qualquer que só era mesmo de sonho - (kambuéti deve ser o anjo da guarda dele com uma perna que lança petardos fragmentantes…)
Assim que num agora, num repentemente, acho que nem não, porque são tantas coisas, tantas horas de pessoas e, tudo muito recruzado. Acho mesmo que fumou liamba para desbaralhar sua má memória, tempos de caganifobeticos acontecimentos. Os cientistas desenvolveram uma orelha em impressora 3D e aplicaram as células, que formaram uma orelha animal; tal e qual aplicada na face lateral do FK, o agora General (futuro Comendador)... E, estas altercações devem ser provocadas por tanta mistela, milongos de reconstruir fissuras…
Vi isto ao vivo e a cores lá na Petrolina do Brasil, colada na lateral do meu amigo ex-coronel FK promovido a General emérito - Fala Kalado com sua orelha parabólica no sistema de 5G! Devorando-nos até ao tutano, besuntamo-nos no visgo sem os contornos monstruosos de kalashnikov a tiracolo ou os monacaxitos de mata-mata porque ambos saímos na guerra do tunda-a-munjila xindere, titubeia ele com vírgulas de auié e asneiras de topariobé entre outras muito mais asneirentas…
Zumbi - As mazelas da guerra com estrondo de quando o espírito da gente é cavalo e escolhe entrar no sítio errado para se fincar, Aiué... Coisas passadas que se agarram no olhar, com ligação directa àquela orelha de plástico-moldável, amputada para matarem a surdez. Aos poucos apercebemo-nos que todos os órgãos estão ligados porque em verdade um pico no dedão do pé afecta a cabeça sim; nunca iremos entender-nos em perfeição dizia ele com frequência. No tentar compreender esta fricção sempre, sempre saio amachucado…
Sempre repete que não deu a devida estimação às palavras daquelas que sempre têm de ficar inteligênciaveis. Agora tem de agigantar-se com e, também com perna suplente de implante. Ficamos ambos combinados em ir ao Morro dos Macacos a visitar o Zumbi dos Palmares mas, o tempo desencontrou nossas vontades neste enfiar de ideias, no achar de seu rumozinho.
Sei de antemão que já tudo mudou, que no futuro até vai ser Comendador (só eu o sei), mas como e por agora ando repondo as prateleiras no tempo assim têm de ficar por não poder descontrolar o azimute da vida. Caminhos do que houve e, do que não houve porque não vale a pena morrer de vésperas. Às vezes não é fácil! Aquele homem, o Fala Kalado, continua indefinitivo... Só sei que tudo vai mudar porque na minha qualidade de “engenheiro espiritual” posso dar-me a esses luxos mesmo sem saber quando é que a guerra vai acabar… - “N´Zambi a tu bane n´guzu mu kukaiela”, Deus dá-nos força para seguir… Foi assim que terminamos o encontro…
(Continua…)
O Soba T Chingange
UM HINO À KALUNGA – IV
Crónica 3217 de 01.12.2021 - NAS FRINCHA DO TEMPO
– Com as kiandas Roxo e Oxor, algures num recife, por vezes numa bóia…
Republicada no Kimbo Lagoa a 22.06.2022
Por T´Chingange (Ochingandji) – No AlGharb do M´Puto
CA ...Tudo teve início para a livrar Roxo do tormentoso “Princípio da Incerteza” que formata a matemática quântica no ano de 2016. Como em todas as novelas, os dramaturgos mudam no correr do suspense os episódios e, agora com este desafio de avançar com a estória de Zé Peixe e as Sereias Roxo e Oxor, vejo-me forçado a recorrer a um amigo tão, tão antigo, que anda por aqui e ali, volatilizado no tempo; chama-se Januário Pieter*.
Esta lendária figura, surge-me sem hora marcada nem outros entretantos, quando fico encafifado, descomplicando-me as verdadeiras vistas do paralém, paratrás e paracima com suas vertiginosas chiadeiras na fricção do tempo, subindo e descendo sem curvas, assim como se entrasse num portal muito tapado de cacimbo! Com o passar do tempo descubro que este espanto feito Holograma da Kalunga também vai ser o Tio ancestral das Kiandas; por agora ainda é uma suspeita…
Sac ... Com ele, já será possível esticar a estória andando no espaço-tempo de forma aleatória e acrescentando mais episódios com sereias e kiandas da Kalunga com gente normalíssima da silva assim como um tal de Joaquim de Lisboa que em dada altura e para sobreviver em sua traineira teve de fazer uma caldeirada de peixe voador; que para variar o cardápio também fez uma mistela com solas variadas de sapatos mais quedes de pele de boi, marca macambira e umas cascas de mandioca que por norma serviam de isco na apanha desse tal peixe com asas.
Lá atrás expliquei que Sereias são Kiandas que fazem parte da Kalunga, "grande mar", entidades fortemente ligadas aos Orixás e Iemanjás das águas de um outro lado do mar, um poder regenerador no campo sentimental. Chamarei de kwangiadas às ninfas do Kwanza e de Zairiardes às do rio Zaire ou Congo em Angola. Lá mais para a frente iremos reencontrar as sereias ou kiandas de Guaxuma com quem tive a experiência mais recente e aonde pude ver sentada a Sereia Roxo, tetraneta daquelas, rogando socorro a um mortal como eu. Só mais tarde me dei conta de existir uma outra igual, uma kianda gémea vista por reflexo ao espelho.
Roxo ... Pois então, num pedaço de nada, acabado de cochilar na minha rede de Pambu N´jila a escassos metros da Kalunga, lugar de antigas Sesmarias do M´Puto jiboiando no sopro invernal ele, veio até mim. No cumprimento do sonho, dei-lhe um abraço de completo vácuo; era Januário Pieter, meu guia-surpresista. Quase chorei de comoção por uma tão grande e distinta deferência. Nós que vivemos no além (referindo-me a ele e, incluindo-me…), podemos fazer diversas coisas, mesmo sem entender como as realizamos tais como locomovermo-nos e plasmarmo-nos, disse em jeito de comovida explicação (pude ver isto pelo seu semblante e ruga de seu templo, testa).
Pieter falando: Neste meio tempo e depois de ter estado contigo em Zanzibar, formei-me “engenheiro espiritual” em Toledo; dizendo isto como se tudo tivesse acontecido escassos dias antes, disse que por via dessa formação e, através dos fluidos da natureza, conseguiria pelo pensamento, criar no espaço, paisagens de multicolores holografias. Só apareço porque as pinturas relampejantes de Assunção Roxo me chamaram a atenção – disse! Foi quando reparei no assunto embrulhado de cacimbo, em que nos metemos e, ainda nem sabia que era tio dela…
Roxo ... Desde que sou “engenheiro espírita”, explico o que custa a apreender às gentes desavindas mas, boas como tu (referia-se a mim) que nutres de paixões, orações e bons pensamentos. É um prazer, concluiu. Neste meu estado, luto contra atitudes de espíritos que não são evoluídos, que não possuem compreensão e que ainda estão arreigados em paixões inferiores. Apontando para o jardim, Januário foi falando: estás a ver aquele melro a esgadanhar tuas sementeiras, coisas que tu aprecias, e as gralhas que por aí vão passando em bandos?
São condicionantes a que eu recorri para teu exclusivo agrado e, porque agora estás virado às coisas terrenas de beira-mar, venho em tua ajuda. Conferenciaremos sobre esse tal de Zé Peixe e suas ancestrais gerações em conjunto com tuas amigas Roxo e Oxor que tu tanto referes quando te espraias nas reflexões de arco-íris, as cores de roxo.
Nunca antes, Januário Pieter, figura recriada por mim, se referiu assim tão directamente como um especial meu assessor. Enquanto isto, as notas de Dó a Si do espanta espíritos da varanda N´jila do pátio andaluz, saudavam-nos mas, creio que mais propriamente à kianda ilustre vinda do álem com ventos de futuras duvidas e dádivas.
CA ...Sorrindo, indiquei-lhe o lugar da rede a meu lado, contente com sua desejada visita, dizendo-lhe que a minha principal procuração, era tentar ser útil, sentir a gratidão vendo sorrisos em olhares tranquilos, viver com dignidade e saber contribuir para alguém também ficar bem. Fabricando a felicidade com pouco mais que nada, ali estávamos prontos a desfrisar estórias de inventação, sem menosprezar a vontade de fazer ao querer fazer, sem sugar energias alheias.
GLOSSÁRIO:
KIANDA: - Espírito das águas na forma de sereia, ritos de Angola, fantasma, holograma; ONGWEVA: saudade em português; Pambu N´jila: - Espaço místico, agente de ligação entre o espaço físico e místico, encruzilhada elo que liga os seres aos Minkisi, os elementos fogo, água, ar e terra; Kalunga: - divindade abstracta podendo ter a forma humana que preside ao reino dos mortos, em Umbundo é um Deus, em Kimbundo é o mar, sereia na forma de homem musculoso tipo o Adamastor dos Lusíadas, quando alguém é levado pelo mar ou pela Kalunga faz Uafu (morreu nas águas), é uma jura de última instância apelando a kalunga
*Januário Pieter:- Um personagem amigo, um sábio que me assiste e complementa conhecimentos...Um fantasma feito guia Kalunga; o homem que nasce da morte metaforizada com mais de 300 anos. Tem no seu ADN a picardia cutucada até a exaustão, Cruz credo!
Ilustrações de Costa Araújo e Assunção Roxo ...
CA - Costa Araujo; Sac - Sacagami; Roxo - Assunção
O Soba T´Chingange
RECORDAÇÔES ANGOLA
fogareiro da catumbela
aerograma
NAÇÃO OVIBUNDU
ANGOLA - OS MEUS PONTOS DE VISTA
NGOLA KIMBO
KIMANGOLA
ANGOLA - BRASIL
KITANDA
ANGOLA MEDUSAS
morrodamaianga
NOTICIAS ANGOLA (Tempo Real)
PÁGINA UM
PULULU
BIMBE
COMPILAÇÃO DE FOTOS
MOÇAMBIQUE
MUKANDAS DO MONTE ESTORIL
À MARGEM
PENSAR E FALAR ANGOLA