KIBOM . I – É um sorvete gostoso
TEMPOS BRABOS DE CALOR… 16.01.2020
Por
T´Chingange – No Nordeste do Brasil
Espetei meu chapéu verde e branco bem junto à Kanoa na pequena enseada da Pajuçara da Ponta Verde. Ainda não eram seis horas da manhã e, meu chapéu era o primeiro a ser fincado na areia de cor amulatada. Um homem bem moreno, cambuta de baixote no atarracado, mas ágil nos movimentos, espeta na areia bem junto de mim e no final da borda do beijo molhado da maré cheia, suas canas de genuíno bambu.
Galho recto e nodoso de simples natureza quanto baste, um escasso metro e meio de seda de nylon enrolada a partir do fino extremo e presa com um atilho saído dum vulgar pneu de bicicleta. Nada de sofisticados carretos a dar ares de pescador abastado. Ajustou seus dois baldes com letras de tintas de pintar paredes bem ao lado das esguias canas, meteu seus chinelos de dedão junto dos trapos dentro das mesmas e deu-se aos preparos finais.
Calçou sua cabeça com um chapéu camuflado de cobrir orelhas, pescoço e pala saliente a encobrir seus olhos e, em actos contínuos de mestria conhecedora, entrou na água de mansidão verde, cor de esmeralda, iscou seu ínfimo anzol na ponta dos cento e cinquenta centímetros, mais coisa menos coisa e, apontou a água num indefinido ponto de horizonte bem na curva como se fora num longínquo paralém. O pedaço de quase nada penetrou na água.
Assim e num repentemente, daquele lençol aguado, não demorou muito a puxar da água um peixe reluzindo pintura de prata chamado de xexéu. A cada lançada, novo peixe metido em seu pequeno balde pendurado no pescoço com um baraço de tira larga. Não demorou a ficar bem cheio com outros pequenos variados peixes daqueles que depois de fritos na forma crocante fazem babar vontades de apetite.
No transbordo do peixe da lata pequena para a outra grande na areia e, muito perto de mim, o senhor olhando para minha ansiedade falou: - Moço, quer pescar? - Quero! Foi a resposta. Já com meio corpo dentro de água, apercebi-me da pequenez do anzol na forma de unha de gato quando enfiei um pedaço de camarão cru passado na pega entre os grossos polegar e indicador do senhor pardo matuto.
Enfiando pedacitos de camarão cru, fui lançando frustrações seguidas de ansiedade do vai ser agora e, bolas, pica, pica e num lança e tira e mete o isco, dá repelão e fugiu o filho da peste; assim num nadica de nada de só mesmo a picada, talvez por falta de jeito ou mesmo sorte fui lançando muxoxos de sundiameno aos pequenos roncadores. Assim apontando o horizonte fui ficando cansado dos pedaços frustrados de coisa nenhuma até que resolvi dar continuidade à minha talassoterapia.
Num meche perna, num torce e estica e roda, alonga braço e salta endurecendo músculos meus aperreados de tempo, idade e moleza, ele o senhor fala de novo: - Como é seu nome? À pergunta feita e respondida iniciámos falas de aproximação, nome de peixes, este é bom, este é espinhoso e assim por diante sem recta definida.
Meu nome é Isaac, estou meio aposentado e ainda vou mexendo com minha macarronaria, sabe! Deduzi que isto tinha algo que ver com macarrão, massa de comer mas e, entretanto enquanto lança o caniço acrescenta: - Macarronaria do Isaac! Fica ali mesmo na paralela da Durval Guimarães, depois do Bom Preço, vira à direita, vira à esquerda e, é logo ali.
Negócio na parte baixa e residência no lado de cima. Hoje tenho de levantar dinheiro no banco para pagar aos meus seis empregados, visse! Agora, eu só fico entre as dezoito e vintiuma horas – meu tempo já foi, noé!? Pois! Disse eu poupando as falas entre outras ouvidas bem mais interessantes. Vá até lá seu António – vá provar minha macarronada de camarão, gostosa de roer vontade! Acredito seu Isaac, irei sim senhor!
Já quase no ir, foi-me dizendo que voltaria sábado a horas de maré alta que é quando o peixe pega. Hoje é quinta-feira e, talvez no sábado próximo lhe pergunte pelo biónico personagem, o tal de General Emérito Fala Kalado, meu amigo de velhas antiguidades; quem sabe não é seu freguês lá na sua venda tasca ou lá o que seja, talvez restaurante. Quem é chambeta de pena falsificada e tem uma orelha plastificada decerto, sempre ficará preso na retina da ideia.
Sabendo eu das particularidades de FK, dos gostos de matumbola reciclado em gente, dissimulado nas manhas e sempre prazeroso no trato, que gosta de whisky puro como quem só é fanático de água, bem pode ser um seu dissimulado cliente mesmo que o seja no incerto pois que, o personagem não é muito de usar roteiros rotineiros, um defeito desses propícios modos de surtidas com tocaias. O hábito faz o monge talqualmente os tempos sangrados servem para assossegar segurança. Tomei um gelado Kibom com sabor a graviola e segui o rumo de casa a pensar de como vai ser o futuro, dos altos prazeres…
Muxoxo é uma espécie de estalo que se dá com a língua aplicada ao palato, em sinal de contrariedade. No M´puto costumam chamar de “chocho", com o sentido de beijo.
O Soba T´Chingange
“Olha a cabeça do Zezé, será quele é!?” … Será que ele é? Há problemas, trauteei!? Reconheci-o pela cicatriz que baixa da sua falsa orelha até ao meio do queixo papudo – Há batalhas que não adianta ganhar e outras que vale a pena perder. - 03.03.2019
Escrito por – José Eduardo Agualusa
Por
T´Chingange, vulgo António Monteiro . No Nordeste brasileiro
Livros em cima do criado mudo (mesa da cabeceira)
1 - A minha Empregada - Editorial Estampa de - Maggie Gee
2 - O ano em que Zumbi tomou o Rio - Quetzal - José E. Agualusa
3 - O Último Ano em Luanda - ASA - Tiago Rebelo
4 - BURLA EM ANGOLA – Burla em Portugal - Guerra e Paz – Susana Ferrador
5 - História da riqueza de brasil – Estação Brasil – Jorge Caldeira
6 - GLOBALIZAÇÃO de Joseph E. Stiglitz
7 – VIDAS SECAS – Graciliano Ramos
8 - A viagem do Elefante – José Saramago – Da Caminho
9 - O Livro dos Guerrilheiros de José Luandino vieira - Da Caminho
10 – O CORTIÇO - Romance de Aluísio de Azevedo – IBEP – S. Paulo, Brasil
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Eram 5.55 horas deste dia. O telefone tocou!... Preparava-me para ir à Praia da Pajuçara - deposito a xicara de café Santa Clara ainda muito quente no balcão de granito preto. Surpreso pela hora tão matinal e com o carnaval a desfilar na televisão tão cheio de cor no sambódromo de São Paulo penso: Quem será!? Vou atender pensando ser a Margarida a dizer que afinal, mesmo depois de passar a noite na refrega do samba do Jaraguá, sempre vai à praia. Atendo com um alô, alô! … Num espanto de quase susto, ouço: Sou o José Agualusa, o dono do Zumbi!... E, segue-se um espaço descolorido em cima dum branco fosforescente… Caramba é ele, o próprio! - Mas que prazer, disse assim meio tremendo de emoção com um formigueiro nos gémeos das quinambas. O José Agualusa!?
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Mas que prazer, repeti de forma escusada, meio encafifado e, ainda tendo na cabeça a musica “Olha a cabeça do Zezé, será quele é!?” … Será que ele é? Há problemas,… trauteei!? Não! Diz Agualusa meio a rir-se de meu titubear feito bobagem de susto! Não, diz ele do outro lado da linha… (uma pequena pausa, creio que um gole de whisky, dum surdo e insuspeito gluk…gluk…)… É para te agradecer pela propaganda que tens feito do meu livro do Zumbi!
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Também para te desejar um bom carnaval!... Estou em Curitiba num “Work Shop literário” e ontem vi alguém que tu descreves nas tuas mokandas do Kimbo! Também na Kizomba! Alguém que anda por aqui a farejar negócios - reconheci-o pela cicatriz que baixa da sua falsa orelha até ao meio do queixo papudo, disse isto como se eu apreendesse a mensagem vendo a figura. Não sei do que falas nem de quem falas! Disse eu, muito verdadeiro na surpresa. Nem tampouco conheço quem tenha uma orelha postiça. Pois, eu assim disse: - Não sei de quem falas amigo? Ele, o Agualuza, tinha sido meu vizinho lá no Huambo, podia dar-me a estas íntimas aproximações… Afinal quando ele cresceu, eu estava na Caála (Robert Williams).
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Resposta rápida: Do teu personagem Coronel Fala Kalado, o morto vivo! Pópilas… (eu, no discurso directo) nem sabia que assim era! Às tantas até tem uma perna de pau que vira metralha ou catana em casos de periclitãncias e, eu sem saber. Pois é! O cara andou por aqui rondando. Não fosse eu saber de vossas relações e nem te iria perturbar a esta hora! Assim, como quem demonstra estar muito ocupado e após um Hic…Hic… xuk…xuk…krás…krás disse: - Fui! E, foice, digo foi-se mesmo!
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E, eu que fazia o Coronel emérito das FALA estar bem perto de Poconé a traficar armas em troca de pó feito chocolate de canábis lá para os lados da Bolívia. Assim confuso, resolvi desvendar um pouco mais de sua escrita matrix das guerrilhas do Morro da Rocinha, lendo e relendo sem conseguir atinar na quietude do desassossego. Como é que descobriu meu telefone deste mukifo? Coisas por desvendar. E, que quereria ele dizer-me com esta descrição do cara ter na cara uma cicatriz bem por debaixo da orelha esquerda que era falsa. Vou-te contar (disse de mim para comigo mesmo!)
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RIO DE JANEIRO, IPANEMA, CLUBE FRANCÊS, NOITE – Na zona do CV – Comando Vermelho; Euclides, o jornalista, levanta a voz: Ouviste o que te disse? – Ouvi. O Presidente baicou… (morreu…) - E não te interessa? Francisco Palmares franze as sobrancelhas. Toda a sua atenção está concentrada no grande mapa da sala de comandos. Coloca e retira alfinetes. Desenha círculos a tinta vermelha em redor de determinadas posições. Enlaça os dedos e estala-os. Finalmente volta-se para o jornalista: - Então o velho baicou? Morreu como? – Faleceu durante o sono, enquanto fazia a sesta, ele era do tempo em que ainda se fazia a sesta. Ataque cardíaco. Foi Monte quem o encontrou… (parecem referir-se ao JES, o dono d´Angola)
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- Monte? O nosso amigo tem um talento especial para encontrar defuntos… Diz isto distraído e retoma o trabalho. O destino de Angola já não o entusiasma. Euclides senta-se numa cadeira. Abana a cabeça. Afaga perplexo o farto bigode. Aborrece-o o alheamento do outro: - Pensei que te agradaria a notícia. A morte do Velho vai abrir caminho para a democracia plena. O regime está a viver os seus últimos dias. Se a vossa aventura tiver um final feliz, entendes?, se o Governo aceitar as vossas condições … (este governo, é referente ao Brasil do tempo do PT - José Inácio, ainda liberto…) Pois tu não entendes, coronel?!...
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Se o José Inácio amnistiar toda a gente, podes depois regressar à Luua (Luanda). Francisco Palmares enfrenta-o de novo. Desta vez olha-o com intensidade. Pousa a mão nos ombros dele. Euclides sente-lhe a febre. Uma serena tristeza: - Eu já não volto meu kota. Não terei a alegria de morrer na Luua. Primeiro porque encontrei o meu destino. E depois, talvez nem se chegue a um acordo com o Governo (de novo o Brasil), talvez não haja um final feliz. A coisa aqui está a ficar preta (feia)… - O que dizes? Tu sabes que temos problemas…
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Começa a faltar comida na cidade e, como dizia a minha avó, em casa que não tem pão todos ralham e ninguém tem razão… Há divisões no movimento (do CV-Rio - Comando Vermelho), tem gente que quer assaltar os supermercados, os armazéns…Está a ser difícil lidar com algumas pessoas… O jacaré!?... Olha, por exemplo, o Jacaré. Muito destes mwadiés não têm formação politica. Em Angola vivemos um processo semelhante, não foi?, em setenta e cinco, quando o partido do M decidiu recrutar o lumpens (?), a bandidagem dos musseques, gente habituada a fazer tiros… Mas não eram militares, faltava-lhes a disciplina… (refere-se aos pioneiros e outros desclassificados). E a seguir, ainda por cima, para saldar a dívida, deram-lhe cargos de responsabilidade… (de cabos fizeram generais num piscar de olhos).
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- Pareces o teu pai… O meu Pai? O erro do meu pai, kota, aquilo que o perdeu, foi nunca ter sido capaz de passar das palavras aos actos. Democracia plena em Angola? Não, não penses nisso. Vai ficar tudo na mesma. (já Agualusa feito osga, estava a ver o filme bem afrente, com o laranja JL…). Há batalhas que não adianta ganhar e outras que vale a pena perder. Como assim? – Em Angola talvez seja possível derrubar o regime, mas não vai mudar nada. Aqui (Referia-se ao Brasil), ao contrário, podemos até perder esta batalha. Mas, depois da nossa derrota, acredita, nada será como antes. Mesmo derrotados, teremos vencido.
(Continua…)
O Soba T´Chingange
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