CONHECER MELHOR O BRASIL
– TROPEIROS
1ª Parte - Crónica 3425 – 16.06.2023 - N´Guzu é força (Kimbundo)
Por T´Chingange (Otchingandji) – Na Pajuçara de Maceió
Dom José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal já no tempo de D. José I tinha feito uma leitura da situação do Portugal decadente e, fez saber da necessidade de se mudar a capital e a corte para o Brasil, de onde vinham os grandes recursos da balança comercial. O facto de a França estar numa viragem cultural e política, por via da revolução de 1789, que terminou com a realeza magnânimo e promíscua com a decapitação de Maria Antonieta e, mais tarde as invasões Napoleónicas, favoreceram a concretização da ida da corte, do ainda príncipe regente D. João VI, para o Brasil.
De forma apressada fizeram-se ao mar, com protecção da marinha Inglesa, um dia antes da chegada das forças francesas com o comando de Junot. Lisboa, a capital do Império, era uma beleza vista do rio Tejo mas, dentro das ruas e ruelas, o bafio e o mau cheiro era deprimente; pela noite atirava-se pelas janelas de Alfama, Mouraria e outros bairros, penicadas de dejectos humanos, urina ou águas saponáceas.
Foi neste quadro que, D. João VI, sua corte, nobres, algum clero, dependentes privilegiados, largaram do Tejo. As Musas e Ninfas, Tágides daquele rio deveriam estar muito ocupadas em um qualquer outro lugar; talvez andassem encavalitadas nos botos do Amazonas. O dia 27 de Novembro de 1807 naquele cais da Ribeira foi agitado; com as presas nem tudo se pode levar para bordo, as forças francesas já tinham passado a linha de Torres. Na viagem com tempestades, imundice, água estagnada, velas rasgadas, mastros podres, carne bolorenta e piolhos a viagem fez-se, até que a 7 de Março de 1808 no início da tarde, parte da esquadra do Príncipe Regente chega à baia de Guanabara no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, à semelhança de Lisboa, era deslumbrante com seus morros de escandalosa verdura e 60 000 habitantes, dos quais 13 000 eram escravos, os excrementos também aqui, corriam com água suja pelo meio da rua; também aqui se atirava tudo para essa sargeta, com porcos chafurdando e galinhas repenicando. Havia muitas crianças deambulando, pois naquele tempo só havia o coito interrompido como salvaguarda da linha zero; a era ”light”, o látex, o método tântrico e o sexo digital viriam muito mais tarde. Havia bostas largadas por bestas, cavalos e mulas dos muitos tropeiros almocreves.
Pois é destes almocreves tropeiros que ocuparei as falas seguintes. Tropeiro é o termo referido na historiografia brasileira à actividade relacionada com tropas de mulas criadas nos campos de elevada salinidade, terras planas do Rio Grande do Sul. Devido à salinidade estes pastos foram criadouro de manadas de mulas reservando os bons pastos para o outro gado dos quais se extraia leite, peles e a própria carne. Devido a existirem muitos burros xucros, termo para definir animais ainda selvagens, aproveitaram sua rusticidade para transportarem em seu dorso mercadorias. Em verdade também não havia vias e os charcos eram mais que muitos dificultando o uso de carroças.
As mulas xucras podiam percorrer cerca de dois mil quilómetros subindo e descendo encostas agrestes e suportando invernadas agressivas nos campos do Paraná. Saídos do Sul, chegavam a Sorocava, cidade situada perto de São Paulo, exércitos de tropeiros conduzindo suas mulas, concentrando-se naquela que era a maior feira a Sul do Brasil no início do século XIX. Os condutores destas tropas tinham uma dieta que consistia na própria carga que as mulas carregavam: carne-seca, charque, carne de sol, feijão e angu de milho, farinha de mandioca, café, açúcar e melaço deste, na forma de rapadura – produtos metidos em sacos de sisal para se ajustarem ao dorso das mulas cargueiras.
Calcula-se que cerca de vinte mil muares eram negociados anualmente nessa feira anual de Sorocava, havendo anotações de se transaccionarem 100 mil no ano de 1850. Dom Pedro II, neto de D. João VI, era neste então o imperador do Brasil, entre 1840 e 1889, período no qual o país passou por muitas transformações como a Guerra do Paraguai e a abolição do trabalho escravo. Da feira de Sorocava eram comercializadas milhares destes animais para o resto do Brasil e, li que na região de Jaguari de Minas Gerais foram importadas 12 mil destas “bestas”. Sem trem nem estradas, o recurso era adquirir estes animais para transportarem grandes cargas em longas distâncias.
As chamadas tropas eram compostas pelo condutor-chefe, companheiros, cozinheiros fazendo-se acompanhar por cães; estes eram usados para evitarem a dispersão das mulas xucras. Algumas destas mulas eram designadas de madrinhas, porque por hábito tornavam-se experientes na condução do restante lote de muares sendo dispostas de forma intercalada para melhor gestão da fila de pirilau de mulas, umas atrás das demais. Estas mulas eram normalmente enfeitadas com arreios de prata, guizos no peitoril e chapéu de plumas na cabeça. Talvez não o fossem em todo o percurso mas assim eram arreadas de bonitas para fazerem boa figura na feira.
(Continua)
O Soba T´Chingange
CONHECER O BRASIL
BRASIL – Recordar o que são os TROPEIROS - parte DOIS … 10.03.2019
Construiu-se no tempo uma imagem romântica de tropeiro, o herói, quase um bandeirante que enfrentava onças e outros animais entre agrestes caminhos ou lodaçais descritos e esboçados em livros de bandas desenhadas…
Por
T´Chingange – No Nordeste do Brasil
Analisando a zona cafeeira do Vale do Paraíba, pode avaliar-se o tropeiro como hierarquicamente inferior e dependente do proprietário de terras, posto que, itinerante, precisava dele para manter seus animais nas pastagens das fazendas. Os condutores de tropas, fariam parte do pessoal da fazenda, levando a produção de café até aos agentes intermediários em vilas ou cidades e, voltando com mercadorias para o bom funcionamento da fazenda, ficando assim mais subordinado ao proprietário, major, capitão ou até major segundo a gíria local que com o tempo se tonou regra.
Fica assim incerto no tempo se o condutor, como “homem livre do povo”, seria comerciante ou tropeiro. Mas, no entanto nas funções de tropeiro, encontram-se pessoas de fortunas variadas. Para além de do comércio de muares e fazer frete de mercadorias, poderiam ser proprietários de terras e escravos, comercializando seus produtos muitas vezes conduzindo pessoalmente sua tropa.
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Reconhece-se a dificuldade de o tropeiro ascender socialmente a cargos públicos que lhe valesse prestígio, dada a extrema mobilidade de sua actividade embora alguns o fossem: abastados. Era evidente haver tendência para ocultar essa actividade segundos relatos biográficos descritos por homens cujas famílias “enobreceram”. Ser-se tropeira tinha com conotações com o ser-se pobre, coisa bem relegada ou escondida como uma pobreza nada enaltecedora ainda nos dias de hoje.
O crisma de se ser pobre é como uma doença cancerígena que se pega e, daí o querer parecer outra coisa num faz de contas. Por isso o garçon chama para agradar a todo o cliente: Siô Dôtor! Quem não conhece este tipo de comportamento social que tudo faz para parecer o que não é! Quantas desilusões têm, um ou outro, com gente que não valendo um caracol sem bicho, se arma e sobe na sociedade fingindo-se! Ninguém quer ser pobre, é uma realidade e, os tropeiros tinham também esta dificuldade de vencer noutras áreas sociais.
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A actividade de transporte de mercadorias assim como o comércio em si, no século XIX, ainda permaneciam malvistos. Quando D. João VI pôs em leilão a venda de títulos nobres com o fito de fazer nascer e crescer o banco do Brasil, foi um Deus nos acuda na pretensão de se ter um título e, assim foram vendidos escalões de nobreza distribuindo pelo Brasil a envaidecida vontade de se ser alguém: -Conde, Barão, Duque entre outros.
E, foi assim por algo quase fútil ou no mínimo curioso que se deu solidez ao grande país que é hoje sem se dividir em uns quantos fragmentos, outros tantos possíveis países tal como os demais existentes de língua espanhola do continente Sul-americano. O poder foi aparentemente distribuído por senhores que no tempo se iam debatendo por si próprios originando áreas de influência que mais tarde se tonaram estados como se condados o fossem e que hoje formam o Brasil, uma federação de Estados.
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No Brasil e desde tempos antigos, todos os que trabalham com as mãos, são considerados como portadores de “defeito mecânico” e, contra este preconceito nem os políticos de primeira linha, os pseudo nobres trabalham para se fazer a mudança, dando a si mesmas regalias majestáticas. Não é sem razão que existem descontentes formando gangues de mando nos arrabaldes, nos lugares de favelas, cortiços ou quilombos que traficam desde droga a coisas de primeira necessidade como gás ou água ou cobrando taxa de segurança a quem labuta em quiosques mercados de pouca monta, como se fosse um jogo de bicho.
Na função de tropeiro havia a agravante de alguns dos chefes de tropas serem ex-escravos; por isso ser tropeiro e mais tarde carreteiro, condutor de carretas com bestas ou motorizadas, chegando ao pau-de-arara, caminhão de caixa aberta fazendo de táxi colectivo, não era e, ainda não o é, um motivo de orgulho. Mas como já disse muitos ficaram ricos – ter dinheiro dava a condição de poder vir a ser nobre. Em verdade D. João VI foi de uma visão extraordinária mas, e infelizmente, é conotado como o rei da “coxinha de galinha”.
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Dois casos são exemplares, apesar de excepcionais. O barão de Iguape, António da Silva Prado (1788-1875) do Estado de São Paulo, provavelmente foi um dos maiores comerciantes de animais do século XIX; com seus negócios em Minas Gerais, chegou a actuar como arrematador de impostos de animais em Sorocaba. Tornou-se grande empresário, cafeicultor e patriarca de ilustre família paulista. Entre seus netos destaca-se o conselheiro, senador e ministro do Império, António da Silva Prado – entre 1840 e 1929.
David dos Santos Pacheco (1810-1893), que foi barão dos Campos Gerais, enriquecido com terras de invernada d animais no Paraná e pastos em Grande Rio do Sul e Sorocaba. Ele próprio conduzia as tropas no começo de sua actividade, tendo depois delegado a terceiros. Seu maior fornecedor de animais era também o barão de Jacuí. Construiu-se assim uma imagem romântica de tropeiro, o herói, quase um bandeirante que enfrentava onças e outros animais entre agrestes caminhos ou lodaçais.
O Soba T´Chingange
N`ZINGA E O CAVALO ALADO – 2ª de Várias Partes
- A onze mil metros de altitude em um Boing A.340 - 31.01.2019
Rodando a bobine em paratrás, voltei a Ot’chakáti, a Oschikango da Namibia, e a Ondjiva, antiga Pereira D´Eça …
Por
T´Chingange - No Nordeste brasileiro
Dia vinte e dois de Janeiro. Ainda em Guarulhos, Aeroporto Internacional de S. Paulo esperando as malas vindas do M´Puto no carrocel nº 3, voo TAP, continuei a olhar para o grupo de três homens e uma mulher no carrocel ao lado, um voo vindo de Johannesburg. Não tive dúvidas de que aqueles eram efectivamente Hoji-ya-Henda e Monstro Imortal, heróis da guerra do Tundamunjila mais a Rainha N´Zinga. Fantasmas ou não, tinham corpo com olhos e tudo o mais como um qualquer de nós.
O outro matulão, mulato de feição e de estatura gigante, mirando bem a t´xipala dele não me era totalmente desconhecido. Havia qualquer coisa a dizer-me que já tinhamos estado juntos algures na Namíbia. De início não me pareceu mas, fiquei olhando especado para ele a fim de tirar duvidas e foi quando se virou de frente que me deu um vaipe de lampejo; era ele! O tal que fugiu morto pela fronteira de Namakunde. Mais tarde explico como foi esta cena passada entre a Caála e a Chibia.
Também me reconheceu! Agora tinha a certeza, era ele! Com a minha insistência no olhar, ele dissimuladamente fez um aceno meio escondido, levou a mão à boca e com os dedos indicador e polegar, correndo pelos lábios fechados e como se ali tivesse deslizando um zipe. Era uma nítida indicação para eu ficar mudo e calado. Acenou de costas para os demais com a mão direita, movimentos curtos de baixo para cima repetidos com vice-versa para que me mantivesse ali; Kinga aí pá! Pois ali fiquei!
Suavemente e em surdina afastou-se do grupo, levou a mão esquerda ao bolso, tudo muito suave na dissimulação e aproximando-se de mim, sem nada dizer meteu-me um cartão no único bolso da minha camisa. Nem ele nem eu falamos e, assim fiquei relampejando surpresa sem saber ao certo o que dali poderia advir. Juro que ainda fiquei um pouco nervoso esperando que algo de pior pudesse acontecer. Tinha agora compenetrado a ideia de que este artista era um quase mágico.
Tanto assim que em mente, já ensaiava a forma de me defender, se por esquindiva ou por bassula mas, seus gestos foram tão cândidos que esfumou meus receios. As minhocas em meu turbilhão de raciocínio estavam entorpecidas e, muito curioso por ler fora de vistas o que diria seu cartão-de-visita. Surpreendeu-me tal astucia, de tudo fazer com tanta destreza dissimulada; seus kambas de viagem de nada se aperceberam porque entretanto o matulão curibota, pegou um carro de apoio, desses de transportar bikwatas com malas e, de novo se acercou deles sem levantar vislumbre de dúvidas.
Assim sozinhado, comentei para mim, só em pensamento: - Tu que conferenciaste com uma mamba negra de Belize no Mayombe, que fumaste cigarros caricocos com um pássaro no lugar da Manhanga de Luanda, que pulaste o poço de Ot´xicoto Lake com MacGyver e que morreste pela segunda vez na curva da morte de Kalukembe, também estás preparado para tudo. Para quê esse nervosismo!? Tentei acalmar-me...
Defraudado por minha própria lentidão no raciocínio, rodando a bobine em paratrás voltei a Ot’chakáti, a Oschikango da Namibia, e a Ondjiva, antiga Pereira D´Eça e, recordei que a poucos quilómetros a Norte de Tsumeb, encontrei o angolano MacGyver, zelador do buraco de sonho Otjikoto. Foi a partir deste tocador de baladas enlatadas que se proporcionou o encontro entre nós.
Tudo começou por este furtuito encontro mas havia reminiscências escondidas que pouco a pouco foram aflorando; vamos ter tempo para escalpelizar esta maka, creio! Recordo que MacGyver preto de nascimento, tinha uns olhos visgosos, que tocando com gula a vida de simpatia numa velha viola, encantando gasosas extras aos fujões e turistas.
Pois, os turistas do buraco Otjikoto, porque eram escassos, requeriam atenção desdobrada. Tenho quase a certeza que foi aqui que conheci este curibota saído de Angola, um militar fugido da UNITA depois de morto. Posso explicar mais tarde este sucedido mas agora desesperava para poder ler o cartão que fazia arder meu coração. Estupefeito pelo rápido curriculum dos ácaros da minha vida daquele então, pestanejava incredulidades entre as brumas lembradas.
Foi naquele lugar distante de tudo, na terra do nada, junto a um poço de fundura desconhecida, a subir e a descer na maré dos oceanos que zuni uma pedra nas suas águas que por três vezes chispou a toalha lustrosa da serena água. Viver, é lembrar mas, quando a memória nos atormenta, os minutos compridos a parecerem horas, moendo e, moendo como uma dor ciática, nos arrepia a memória.
A caminho do terminal dois dos voos domésticos de Guarulhos, pude vê-los a fazer o check-in no Sector E; a placa por cima do balcão indicava o voo IATAN para Cuiabá; isto fica em Mato Grosso do Norte! Que irá esta gente da pesada fazer para Mato grosso? Será que vão só ver a Chapada do Guimarães? Aqui tem coisa!? Já bem recostado no Boing A.320 da Avianca, cinto posto a caminho de casa, pude ler o cartão misterioso. O mesmo tinha uma ponta quebrada como era de boa norma antiga para desejar o reencontro.
Pois o cartão de rico timbre, dizia no canto superior esquerdo: ONG FENIX – Rua de la Paz nº 184 - Edifício LOPANA. Bem ao centro em letras quase góticas: FALA KALADO - (Coronel Emérito), tendo por debaixo em letra romana e inclinada os dizeres: Relações Internacionais. Tinha a indicação de três telefones, um deles com o DDD da cidade e estado. Quase tinha a certeza de estar a seguir uma tramóia de avultadas proporções. Nem sei se lhe telefonar porque quem tem cú, tem medo e eu não tenho rabo de lagartixa. Mas, algo terei de fazer para saber o enredo, pois!... Iremos ver…
O Soba T´Chingange
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