Crónica 3129 – TEMPO COM CINZAS, 15.03.2021
-O poder da oração é importante! Mery, ali fica horas meditando até que o troço de tabaco se apague com o tição feito morrão dentro da boca …
Por T'Chingange. No AL-Gharb do M'Puto
O Mundo parece ter-se tornado ilógico, surrealista, como se estivéssemos a viver num tempo muito ido com trogloditas a fugir à frente de dinossauros, costassauros ou paquininossauros, estabelecendo em cada dia um novo plano, apagando os avanços tecnológicos de voar em aparelhos mais pesados que o ar, abrindo postigos dos mukifos para dizer “bom dia” ao vizinho assim com um “"bonjour" porque é, um francês de Lourdes de França…
Um francês de França que teima em falar um português de catacumbas. O tempo melhora com Sol primaveril, os britânicos andam amedrontados por causa da nova estirpe da mosca covarde XIX mas, e porque tomaram a dianteira no picar das agulhas em ossos doloridos. O postigo volta a ser usado para impedir para além do bafo perigoso, a mosca da fruta que surge do nada nas cozinhas herméticas.
O clima está a mudar! Hoje tive uma longa conversa com a minha empregada Mary natural de Kampala do Uganda que teima sempre em repetir que nós, os t´chinderes, agora já não mandamos no futuro. Tento parecer neutral esperando a abertura de voos para a América mas ela, só faz muxoxos, deitando a língua de fora numa expressão recreativa com laivos muçulmanos – talvez, murmúrios de concordância.
Como se estivesse a fazer uma corrida de três pernas comigo que, só tenho duas! Diz ela que lá no Uganda, as coisas são diferentes, que têm quimbandas avondo, que falam com Deus e, que tudo curam com banha de surucucu e fumos de retorcidas cordas de tabaco. Agora entendo do porquê de Mary, bem à noite e, antes de se deitar fumar uns charros, cigarros grossos de cheiro intenso.
Ela, a Mery, ali fica horas meditando até que o troço de tabaco se apague com o tição feito morrão dentro da boca, como se fora um pavio de fazer explodir a pólvora dum canhão. A lavadeira lá do Caputo da Luua de N´Gola, Joana Kitunda, também o fazia assim fumando grossos charutos com o tição dentro da boca horas a fio. Creio que enquanto fumam meditam com os anjos e arcanjos e kalungas que desconheço. Sempre fingi que não sabia e, nunca a tinha visto matar saudades de Kampala desta forma tão invulgar ou peculiar.
Também ela anda em um outro plano, fumando o futuro! Queimando o presente com espíritos meus desconhecidos. Estas peculiaridades exóticas fazem meu coração bater desordenadamente, latejando-me nas têmporas. Talvez o fumo daquele charuto queime o tal bicho gelatinoso que teima em seduzir gente mais velha; gente que não pactua com coisas mal entendidas.
Não obstante as evidências destes mistérios alheios, também e, como a Mery, uso a minha máscara de manter tréguas sem palavrear o caso mas, cá no íntimo sinto que ela anda a fazer macumba de cazumbi de fumos e fumarolas. Lá terei de continuar assim pagando do meu bolso sem essa tal de “lay off” simplificada ou complicada. O que quero mesmo é que haja tréguas entre nós até chegarmos ao futuro…
Assim mesmo, cada qual na sua! Sem o querer, um destes dias observei na socapa da noite a Mery depois dessa sua especial meditação dar um sonoro peido que até buliu a calidez da noite. Pois! Pude ouvir e até cheirar por detrás das pitangueiras. Caramba, cheirava a áfrica! Apimentado e salgado surgia também gorduroso como as salsichas bóher com becon de kudu. Rindo-me escondido na palidez do escuro e já esgueirado no meu mukifo, rio de fartura. Talvez até este cheiro ajindungado o seja curativo, noé!? Ele há coisas. No Uganda, até os moribundo ficam na cama!
O Soba T´Chingange
PELO SIM PELO NÃO SOU "LENDA" - 21.08.2019
- Talvez as pessoas dos governos estejam a encher os bolsos, mas os políticos em África enchem sempre os bolsos! São os maiores…
Por
T´Chingange - Em Panoias do M´Puto
Minha empregada Mery de Kampala é esperta, diligente e ladina como as raposas. Tem o seu clã que não é só familiar, pois abrangem os sobrinhos dos sobrinhos e amigos que consideram do peito. Alguns têm tentado fortuna em países limítrofes dos dela mas, o que contam por vezes é assombroso; andam em minas de metais raros para nós usarmos aqui e ali mas mais na Europa e Américas, nos iPad, andróides, sansungues e outros micro-ondas falantes, aonde quem não tem pelo menos dois, está desactualizado ou desmilinguido. É mesmo, falei! -Talvez por isso muitas pessoas dos governos de lá estejam a encher os bolsos, dando contractos de exploração onde há escravidão não é?
Sim! É verdade! Disse isto porque torci o nariz meio descrente da veracidade ao que repetiu: -Os políticos em África enchem sempre os bolsos, disse ela… Em todo o lado? Perguntei. Ela continuou assim com suas falas rápidas como quem, até tem medo da sombra das palavras e num foi dizendo ao seu jeito num claramente de que o africano foi é e vai ser sempre assim, quando é rico, é-o à fartazana, à lagardere, faz questão de que se saiba; compra coisas à toa só para fazer isitayela! Isso é o quê? É banga, vaidade com estilo – quase um tique geral de quem manda ou tem poder.
Notei que ela a Mery estava mesmo nevosa e falou rápido coisas que nem entendi; coisas da língua dela: - Unembile, umphathi! Bona abavela kuhulumeni badla inkukhu futhi bathumele amathambo kubantu! Caramba, troca-me isso em miúdos. Pouco a pouco fui entendendo desta forma: - É assim mesmo patrão! Eles do governo comem a galinha e mandam os ossos para o povo! Nem fiquei embrutecido porque já sabia muito bem o que isso era e, neste entretanto notei que também tremia dos olhos, de raiva por nada podermos mudar. Deve ser do ADN deles!?
-Lá em teu kimbo, cada um vive das coisas extraídas das lavras, da t´xitaca, das hortas da mulola, da ñhaca, das galinhas e dos ovos e do porco que cria e mata!? Num fala assim patrão, meu coração está a bater com força. Fiquei só assim neste entretanto de conversa. O riso ainda me voa dentro do peito como um passarinho. Qualquer dia dão-lhe uma fisgada, patrão! Pópilas, não sou teu patrão! Ficamos assim mesmo com o futuro a prender-nos ao passado, pois, ganhando massa muscular…
Li em uma reportagem da «Time-revista» aonde revela que a função «vibrar» dos telemóveis é activada pelo uso de um mineral chamado wolframita, que é extraído na região do conflito que decorre no Congo; lá para as tuas terras. Um conflito que, é financiado pela exportação de metais usados em produtos tecnológicos de ponta; empresas multinacionais estão a proceder ao comércio de minerais, que estão a financiar a guerra na República Democrática do Congo e os “boco harans” para desestabilizar, ter os materiais a preço de uva mijona. Meus primos falam isso sim! Eles, os africanos bem ao seu jeito, vivem sempre pedindo mas, vão dizendo que os brancos sempre fingem que são o que não são!
É por isso que tem muita maka! Tem os senhores da guerra, os intermediários, os compradores internacionais e nós que os usamos! Verdade, disse ela com os olhos húmidos. As ONG´s asseguram que, quando chegam à posse das tecnológicas, estes minerais podem já ter trocado de mãos até sete vezes com todos a ganhar. É bem possível que o leitor, ao colocar seu telemóvel no modo de vibrar, está usando esse tal de wolframita, originário da zona de conflito, lá aonde financiam essas guerras sangrentas que as televisões nem falam.
Todos andam a corromper uns aos outros, pedir favores em troca de favores e assim vivem, todos favorecidos. É isso digo eu - é a corruptocracia, talqualmente como no Brasil do Lula, Mary! O problema mesmo é que, neste favorecimento, uns vivem mais favorecidos que outros! Sabes, agora é isto, um de fazer-de-conta? Mas o wolframita não é o único mineral de utilização tecnológica com origem no centro do conflito e seu financiamento. Cassiterite, coltan, Nióbio e ouro que também são extraídos na região.
Uma lista de minerais usados para os mais diversos fins, desde as vulgares lâmpadas eléctricas até os portáteis computadores, MP3 e consolas de jogos. Não demora, se Bolsonaro não abrir os zolhos, estarão no Amazonas do Brasil! Depois virá a luta entre os HP, Dell, Nokia e Motorola mais esse tal de Sansung duma lista ainda mais comprida. Depois esta gente do trabalho duro, ganha uns tostões e foge para a Europa e também para o Sul formando cidades em volta de outras cidades. As chamadas “townships”.
Eu vi, ninguém me contou: A poucos quilómetros das belas paisagens que transformam a Cidade do Cabo em um cartão-postal da África do Sul, ficam localizadas as “townships” sul-africanas. Elas cresceram de maneira desproporcionada após o início do Apartheid, em 1948, quando receberam milhares de negros, mulatos e indianos expulsos de suas residências. Há diferentes tipos de townships; algumas misturam raças com muitos indianos Monhês, Sirios s até Libios e outras reúnem apenas tribos específicas. O mundo está uma ervilha Mery!
Esta gente em comum compartilham a miséria e a hostilidade aos sul-africanos brancos, funcionários despedidos bóhers e outros marginalizados no tempo pela acção afirmativa do ANC – dar primazia de trabalho aos negros. Mas temos disto ao redor do Rio de Janeiro, ao redor de Lisboa, Paris e aonde tu possas imaginar – Uma cidade grande com gente que ganha cumbú e emprega gente desfavorecida, tal como uma moderna escravatura aceite por todos! Olha vou ter de me encontrar com o John Wayne para ir desbundar ao festival de Paredes de Coura! O M´Puto está em crise mas só falam em festivais e, todos cheios… Isto vai dar prótorto… Dei um abraço a Mery e fui seguindo no pensamento…
O Soba T´Chigange
– BOOKTIQUE DO LIVRO – IV … 19.09.2018
O Adão e a Eva eram africanos! Disse a minha empregada Mary de Kampala… Também disse: - Leão que ruge muito, não caça nada…
Xicululu: Mau-olhado
Por
T´Chingange – Em Johannesburg
Ainda não eram seis horas e a minha empregada Mary de Kampala já andava pela casa saracoteando afazeres nos preparos do matabicho. Cheirava-me a mutton do rynfield, um grande mercado que tem várias qualidades de boerewors. Desfrisei meus parcos cabelos com os papudos dedos e, foi quando reparei, ter as unhas demasiado grandes; como crescem, aqui no altiplanalto de África!? Por agora afaguei minhas sobrancelhas que esbarravam contra a lente dos óculos; lá tive de as limpar da gordura com o pensamento no alicate para as cortar.
Estes pelos grossos e brancos cada vez se parecem mais com os de Álvaro Cunhal. E eu que sempre eu o via na televisão do M´Puto sempre reparava naqueles entrelaçados arames quilométricos que saíam dos olhos de abutre; e estas condiziam até com os pelos longos a sair das narinas como pinceis. Não é que agora também me sucede este pormenor e, quando noto isso corro para o banheiro apetrechado dum especial alicate que até arame ou linha de pesca corta.
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Levantei-me e frente ao espelho aparei-me destas estranhezas lavando também o alçado principal da minha t´xipala. O cheiro do café santa clara trazido do Brasil, espalhava seu aroma bom pela casa. Já afeitado e aromatizado com meu preferido perfume aramis seguia meu roteiro da manhã; sempre acontece tomar em primeiro lugar um café para lubrificar as mucosas e micoses do meu istmo da felicidade.
Enquanto isso, olho da varanda as xiricuatas que apanham fagulhas e raspas de comida na grama meio ressequida! Quando os jindungueiros pintam seus frutos de vermelho, são as primeiras consumidoras. De regresso ao quarto e antes de trincar o boerewors de mutton apanho do chão um amarrotado papel; entro no quarto meu e de Ibib, minha cara-metade e, já sentado na cama ainda por fazer, desdobro o papel das conta do rynfield supermarket.
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Pude ver num esboço, uma escrita misturada com contas de somar e subtrair. Por vezes também faço isto para ver quanto gastei em Euros mas este não sendo meu, agudizou-me a curiosidade pois que mencionava uma conta de números altos em randes e xilins; bom! Se não era um gatafunho meu, só poderia ser de Mary e, dai, ainda mais curioso fiquei. Dizia assim: “ O dinheiro que ganhei com meus patrões bazungus está a crescer como um caroço de manga caído no chão do mato do Uganda”
Fiquei assim meio brutefeito com isto, pois que os bazungus só poderiam ser eu e a Ibib. Nem sabia bem o que era isso de bazungu mas, porque nem sempre sou tolo, achei que era relacionado com muzungu que quer dizer branco em língua xhosa; Não sei como é mas os negroas daqui todos se entendem e falam línguas com nomes raros de maxangana, isixhosa, isiZulu, seSotho usando cliques como fonemas da língua bantu, características dos khoisans.
Aquela frase de “em breve a minha vida estará cheia de mangas” apoquentou o meu mukifo do cerebelo. E, porque razão Mary, escrevia isto? Talvez para preencher o tempo e não se esquecer de isto referir em suas conversas com seu boy friend de Kampala. Só pode! Mas havia mais referências. “ Meus patrões muzungus com a minha comida, já defecam como as cegonhas de Campala… Ué…como pode?! Defecam caganitas mal cheirosas como aquelas cegonhas do Uganda!?
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Escondi o esboço amarrotado no livro do Mu Ukulu e, de calções e flanela dos bafanas do n´Zinpeto, fui tomar o meu breakfast com o tal café de Santa Clara mais o mutton de fazer caganitas de cabra ugandesa, o maizpap ( papa de milho), afadigando-me em nada dizer do que li no papel – contas de Mary e edecéteras de mulungu. Bom dia patrão! Bom dia Mary, respondi na maior das quietudes. Foi quando reparei nas mangas de cores gulosas encavalitadas cuidadosamente numa grande fruteira de vidro!
Foi neste então que bebendo de novo aquele café à mistura com leite do dia e aquele milhipap ou maizpap, perguntei: - Mary, lá no Uganda há muitos turistas como nós à busca de leões, fazendo safari? Assim como nós, que gostamos de ouvir os leões a rugirem? Haka patrão! No Uganda tem bué de bazungus assim como vocês carregados de bikuatas. Fica esperto T´chindere, afinal, bazungu era mesmo o que pensava ser: Branco a fazer visita ao mato – fazer safari!
Mas, a gente de Kampala não vai em safaris patrão; só mesmo os bazungus que gostam mais dos animais do que as pessoas! Gostam de leões, de crocodilos, springboks e até das cobras! N´Zambi me livre, só mesmo de pensar já estou de arrepiada. Eu não gosto, diz Mary e, continua com suas falas: tornei-me até muito amiga das cabras que dão leite de beber, porque só gostava mesmo do meu namorado que as guardava. Pois! Disse eu, aquele bafana para quem tu tanto falas ao telefone…
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Mas, os bazungus velhos assim como o patrão e, seu amigo Reis das Vissapas com seus carros de tracção às quatro rodas, vestidos com roupas muito cheias de bolsos que parecem soldados antigos expedicionários, e com o equipamento de combate pendurados, binóculos, máquinas de vídeo, celulares, bengalas e garrafas de água. Ué, como é então? Eu sou assim mesmo? Ela, nada disse, só mesmo oscilou os braços e fez um muxoxo a comprovar ser verdade com um sorriso de quem canta victória.
Patrão (só faltou dizer muzungu) nós no Uganda não temos kitar de xelin, dinheiro para bafunfar férias como os europeus; só mesmo fazendo companhia aos muzungus para limpar as cagadelas dos brais (assadas de churrasco). Agora entendi essa do cagar como as cegonhas ugandesas. Pois! Pelos vistos ela não conhece mais nada para além de Campala. Para terminar disse-lhe: - Um dia vais ter dinheiro para ver os leões! Haka! – Para quê patrão; Leão que ruge muito não apanha caça! Tudo ficou assim; eles são imprevisíveis, tambulakonta – disse-me assim mesmo e, baixinho…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
TEMPOS QUENTES – 15.08.2018
– BOOKTIQUE DO LIVRO – III
- A minha Empregada - Editorial Estampa de - Maggie Gee …No Muquitixe da Munenga vi as estrias duma kalax AK47 bem à frente dos olhos…
Xicululu: Mau-olhado
Por
T´Chingange, vulgo António Monteiro
Ainda ando a mastigar o livro da minha empregada de Campala e entre os muitos afazeres da casa, por vezes paro a conversar com ela enquanto espero que chegue o padeiro pela manhã, ou fico a ver a piscina encher, ou ponho a mangueira a correr água nos pontos semiautomáticos da rega do meu anárquico jardim do M´Puto. Um destes dias por via de não fazer isto, quando olhei o nível da água da piscina, ui-ui, ela já corria na rua.
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Depois tive de tirar este grande volume excedente de água para regar os aloendros, os mióporos, o merey, as pitangas e limpar o chão a balde. Depois já sentado ela, a Mary assombração de Campala disse-me que aprendeu a ser feliz, a dar-se por feliz, quando não havia indícios de revolução, não havia mujimbos de assaltos e emboscadas nas ruas e estradas, num talvez tenhamos de voltar a ter medo, a correr só átoa como doidos sem saber bem para onde, acumular enlatados e pacotes de comida.
Talqualmente como nós no tempo de kwata-kwata, ali tem branco na guerra do thunda mu n´jilla (tundamunjila) da Luua de novecentosesetentaecinco, um ano que ficou comprido e comprimido numa só palavra em todos os outros sítios de Angola. E, em verdade, também muito antes, quando o gweta mwana-pwó, feito magala maçarico besugo fazia rusgas átoa prápanhar turra no sessentaeum, um ano também estóricamente colado com sangue vermelho. Tudo guerras de kwata-kwata preto, kwata-kwata branco. Uma merda, sabes!
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Assim falando sem um discurso directo eu recordava a Mary de Campala no frio do medo que tive numa guerra no ano de sessentaesete, quando fui emboscado nas terras altas do Maiombe, terra de muitos gorilas, assim como na tua terra do Uganda. Estou a ficar um pouco kota, falando sozinho as muitas lembranças de dormir de dia porque de noite os turras do MPLA por vezes atacavam. E, olha que tinhamos de ir de burro para o Batassano, perto do Belize de Cabinda. Era assim que nos reabastecíamos; eu e os magalas idos do M´Puto para estabelecer a soberania, sabes!
Assim meio rameloso, ela a Mary de Campala, mudou um pouco as falas dizendo que agora, sabes, as coisas estão ficando melhor! Ficou comigo, talvez connosco a filosofia de viver um dia de cada vez. É mais fácil, sabes; um sabes continuado - falas dela. Há coisas que perdemos, coisas que sofremos, mas agora, hoje, o sol brilha. Há muito que estamos mortos, portanto deixem-nos ser felizes! Aqui fiquei apreensivo e até me belisquei - doeu, estou vivo! Sei lá, talvez, porque não há meio-vivo nem meio-morto. É ou não é!
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Talvez as pessoas dos governos estejam a encher os bolsos, mas os políticos em África enchem sempre os bolsos, disse a minha empregada de um tempo antigo. Em todo o lado, disse eu! Ela continuou com suas falas e, foi dizendo no seu jeito que o africano é mesmo assim, quando é rico, é-o à fartazana, à lagardere, faz questão de que se saiba; Tem o seu clã que não é só familiar, pois abrangem os sobrinhos dos sobrinhos e amigos que consideram do peito.
Eles, os bajuladores e edecéteras, entre si, sustentam o seu quinhão mantendo por vontade corrompida ou submissa o seu mwata, seu líder, preservando-o a fim de garantirem seu sustento de gasosa e, que por vezes é choruda. Este grande chefe vai dando benesses às estruturas dele, na orgânica do estado como se fosse sua, na sua xitaca, sua fazenda, suas casas e lá aonde o seu carisma preserva o seu stato-poder, sua permanência no bombom, adquirindo dinheiro do erário público e distribuindo pelo seu clã, seus comparsas da preservação.
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Dinheiro para um africano, só é mesmo necessário para se manter no poder, bafunfar prosápia com prepotência como que um aviso constante, quem manda ali é ele! É ele que dá contornos à lei e pronto! E, o dinheiro dos brancos é sempre bem-vindo; não é problemático dar um golpe senão vários a um gweta besugo que quer entrar no esquema, num negócio de venda de parafusos ou graxa de sapato. Por vezes ficam sem nada numa do que é meu, é meu, o que é teu, é nosso! Estás feito branco! É assim mesmo, é o seu ADN disse eu interrompendo momentaneamente a minha antiga empregada de Campala, esperta como uma chita!
Eles, não sabem que a maioria dos brancos vivem pedindo emprestado ao banco para comprar a casa, o carro, o barco, a quinta, a amante e os favores dos outros! Digo eu que vejo tanto faz-de-conta aonde parece até que ser-se pobre é uma grave doença – ninguém quer ser pobre! Não entendem que os brancos na ânsia de ter este mundo e o outro vivem endividados. O país do M´Puto é o primeiro a dar o exemplo, vivem todos no negativo, abaixo da linha d’água mas, os políticos apresentam sempre formas de ultrapassar indo ao seu curral buscar as valias – Nós, pois claro! Eles, os africanos nem sabem que afinal os brancos são pobres…
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Eles, os africanos não percebem que os brancos, bem ao seu jeito, vivem sempre pedindo mas, fingindo que são o que não são! É por isso que todos se têm de corromper uns aos outros, pedir favores em troca de favores e assim vivem, todos favorecidos. É a corruptocracia, Mary! O problema mesmo é que, neste favorecimento, uns vivem mais favorecidos que outros! Sabes agora o que é isto de fazer-de-conta?
Lá no teu kimbo cada um vive das coisas extraídas das lavras, da xitaca, das hortas da mulola, da ñhaca, das galinhas e dos ovos e do porco que cria e mata! Num fala assim patrão, meu coração está a bater com força. Fiquei só assim neste entretanto de conversa. O riso ainda me voa dentro do peito como um passarinho. Qualquer dia dão-lhe uma fisgada, patrão! Pópilas, não sou teu patrão! Ficamos assim mesmo com o futuro a prender-nos ao passado, ganhando massa muscular…
(Continua…)
O Soba T´Chingange
TEMPOS QUENTES - 20.07.2018
– BOOKTIQUE DO LIVRO - I
Xicululu: Mau-olhado
Por
T´Chingange, vulgo António Monteiro
Um Desafio de Maria João Sacagami
Livros em cima do criado mudo (mesa da cabeceira)
1 - A minha Empregada - Editorial Estampa de - Maggie Gee
2 - O ano em que Zumbi tomou o Rio - Quetzal - José E. Agualusa
3 - O Último Ano em Luanda - ASA - Tiago Rebelo
4 - BURLA EM ANGOLA – Burla em Portugal - Guerra e Paz – Susana Ferrador
5 - História da riqueza de brasil – Estação Brasil – Jorge Caldeira
A MINHA EMPREGADA - Obra de classe, escrita com um elegante humor, uma prosa límpida como o vidro que é o líquido mais espesso que conheço. Tem um ritmo gracioso e uma fluidez de maravilha. Tal como o vidro, escorrega num mistério que só descobri quando visitei a casa velha de passar férias em Alcantarilha do Algarve, propriedade de Ramalho Ortigão; vi nesse então que o vido da janela já rachado era muito mais grosso na base. Era para mim um desconhecido mistério mas, uma verdade difícil de compreender.
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Falando da minha empregada empoleirada no meu criado mudo, direi por agora, que é negra e encarregada da rouparia branca de um hotel em um país chamado de Uganda. E, tudo começa em um dia em que o Sol brilha sobre os campos e, a roupa branca do hotel a ser um rosário buliçoso feito missanga a corar. Estávamos a gozar a kúkia (sol) num fim de tarde em Campala na companhia de Mary…
Com trinta anos nascidos num mês de Outubro, Mary a minha empregada dizia que poderia ter-se saído melhor na vida caso tivesse tirado uma licenciatura mas, de todo o modo sentia-se bem no papel de encarregada da rouparia de roupa branca, um bom emprego, apenas abaixo da governanta. Eu e ela, afinal, aprendemos a dar-nos por felizes por não termos agora uma revolução de ter medo, de correr, ou nos fecharmos num mukifo acumulando enlatados e pacotes de comida à espera dos boatos.
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Ela lembrava-me a chacina do Idi Aminm Dadá e dum tal de Obote da sua Uganda e sua Campala e eu relembrava os dias de desespero às ordens dos revolucionários da Luua, a capital de Angola. Temos de viver um dia de cada vez. Há coisas que perdemos, coisas que sofremos mas agora, o Sol cintila. Apesar do tiroteio que ouvíramos durante a noite naquele então, e dos assassínios que aconteciam não muito longe de nós, o riso ainda nos voava dentro do peito como uma celeste, um cardeal ou outro qualquer passarinho.
Falando assim, nossos corações começaram a bater com força, buzinando-nos em todas as direcções, prendendo-nos o futuro em recordações num tempo em que ambas as cidades estavam pejadas de escaravelhos de metal feitos obuses, caranguejos feitos órgãos Staline e canos compridos de meter medo chamados de monacaxitos mais canhões sem recuo. Eram guerras de tundamunjila.
Os anos que passamos noutros nossos lugares, contamo-los como se fossem missangas enfiadas num fio. Era um tempo em que surgiam guerrilheiros como ratos, nos lugares mais surpreendentes. Surgiam dos bairros com fitas cruzadas cravando uma gasosa, um cigarro, uma qualquer outra coisa de valor extorquido ao medo. Afinal eu e Mary tinhamos muitas queixas. Ela falando de Campala e eu da revolução de Lisboa que, nos virava de pernas-para-o-ar.
Se pudéssemos adivinhar o futuro naqueles idos anos, tê-lo-íamos rogado com uma praga porque não nos foi permitido falar com um tal de marketing adstrito a uma força chamada de MFA e, aliada a um tal de MPLA que na sua força de ódio nos empurravam a ambos para o desespero. Ela não sabia que lá na Luua todos desconfiávamos que os generais emergentes feitos em aviário do M´Puto, mentiam descaradamente enquanto só ganhavam tempo para preparar a sua descolonização.
Mas afinal isso foi assim!? Não vos consultaram!? Foi muito pior, disse eu: Todos teríamos uma palavra a dizer, diziam as novas autoridades mas, aconteceu exactamente o contrário disto. Acabei por dar um ponto final ao nosso encontro mostrando-lhe uma quitandeira com um balaio de fruta na cabeça, levando um filho às costas, seguro por um pano com a esfinge de Agostinho Neto enrolado a seu corpo. Podia-se imaginar o bambolear do mataco materno com o candengue adormecido sacolejando a cabeça ao ritmo dos passos da mãe.
Ela, a Mary, tal como eu, sabia que por debaixo desta normalidade aparente, havia uma grande ebulição. Afinal eram mesmo duas revoltas com nervosismo remanescente pela tardia verdade: Afinal disse ela, era preciso ser preto para se ser considerado Angolano? Talqualmente, disse eu! Olha, os donos de lá, partiram definitivamente, os serviços públicos ficaram sem funcionários. Foi um país que encerrou para dar começo a outro!
(Continua…)
O Soba T´Chingange
RECORDAÇÔES ANGOLA
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