NAS FRINCHAS DO TEMPO
- Crónica 3545 -01.02.2024 ::: A CARAVANA.6 – A FUGA
- Escritos boligrafados da minha mochila, aleatoriamente após 1975
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Continuamos com a descrição de Sonia Zaghetto: Em menos de um mês casei três vezes. Felizmente, com o mesmo homem. E assim deixei minha terra - Angola. Um ano na África do Sul foi suficiente para sabermos que lá não era o nosso lugar. Além da cultura muito diferente, começavam a ocorrer ali os mesmos episódios violentos que havíamos testemunhado em Angola. Decidimos mudar.
Escolhemos o Brasil, país que desde minha pré-adolescência eu sonhava conhecer. Partimos para Portugal a fim de cuidar da burocracia. No dia 7 de Fevereiro de 1977 zarpamos num navio italiano rumo a Santos, onde desembarcamos dez dias depois. Eu estava com seis meses de gravidez. A imensa maioria dos brasileiros nos recebeu de braços abertos, principalmente as pessoas mais humildes.
Alguns, mais abastados, nos tratavam friamente, mas nunca fomos hostilizados. Aos poucos aprendi a amar a terra nova, a querê-la a ponto de ficar amuada quando falam mal dela. Percorri este Brasil quase todo, conheci cada lugar que nem tens idéia, senhor. Andei por picadas, atravessei pontes que eram apenas duas tábuas paralelas, morrendo de medo que elas quebrassem e o carro despencasse.
Comi queijo de coalho em casebres de gente muito simples e coração enorme. Ah, senhor, que país maravilhoso é esse teu Brasil! Descasei, casei de novo. Quando a saudade dava botes sobre a gente, o Walter fazia a muamba. Comprava cachos de dendê e tirava o óleo em casa mesmo. Era o único jeito de ficar igualzinho ao de Angola. Aqui as frutas são praticamente as mesmas que tínhamos, a temperatura e as praias também, mas não é a minha casa, entendes senhor?
Aqui eu me sinto bem, mas falta o cheiro da minha terra, falta o cacimbo e a silhueta única do imbondeiro em meio à névoa. Há uma ausência que não consigo definir. Tudo tão igual, mas ao mesmo tempo diferente. Talvez a gente seja mesmo filho de nosso chão, não sei. Parece que nesta paisagem familiar falta a alma da minha terra, a casa que posso realmente chamar de minha.
Eis-me aqui, senhor, aos 60 anos, com três filhos e dois netos brasileiros. Sou feliz, bem sabes, mas a saudade é bicho traiçoeiro: quando a gente menos espera, ela surge, arrepiando a pele, cravando as unhas na carne, abrindo ocos no peito. Recolho então minhas lembranças, as músicas e fotos de minha terra, e choro mansamente!
Angola ainda vive em mim. Como tatuagem de alma… O relacto de Sonia chega ao fim deste modo e eu T´Chingange, na qualidade de relator, ouso dizer que muitos mais estórias houve nesta odisseia, fuga de Angola. A partir do dia 11 de Novembro de 1975, dia da independência de Angola, mais de 30 países envolveram-se na longa guerra civil que se seguiu, apoiando ao nível logístico e em equipamentos os três movimentos.
A União Soviética e Cuba aproveitaram o momento - a saída de Portugal (as últimas tropas - NT, chegam a Lisboa a 23 de Novembro de 1975) e situação de fragilidade dos EUA, para aumentarem o seu apoio ao MPLA. Pela frente iriam encontrar a ajuda do Zaire e da África do Sul que não queriam ficar para trás no processo de descolonização de Angola.
(Continua…)
(Texto corrigido de Sonia Zaghetto)
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