VIAGENS . 25
CASSOALÁLA - ANGOLA. Outros tempos
Crónica 3435 – 14.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA*
- Estávamos em Junho de 1975; tinha eu, 30 anos de idade…
Por T´Chingange – Em Cantanhede do M´Puto Metido em apertos, transpirando desaforos, entalado em imbambas, apanhei boleia numa GMC até Cassoalála. Uns pseudo militares do MPLA encostaram-nos à parede de uma casa em ruínas algures num lugar do Zenza do Itombe – nunca mais o esquecerei! Enquanto revistavam a camioneta, partiam tudo sem mais nem menos, nem porquê e, por querer. Senti ali a minha vida a correr para trás na própria marcha-à-ré; teria de me raspar na primeira distracção dos barulhentos guerrilheiros que fumavam Caricocos e AC de uma forma tensa, no intervalo ou por falta da liamba, maconha.
Os olhos daqueles improvisados tropas chispavam raiva demais e, não se entendiam nos conformes militares, ali havia maka! Encostado às ruínas, via o além muito mais próximo do que pretendia. Não quero morrer aqui estupidamente nas mãos duns desclassificados, pensava assim na tentativa de manter meu cerebelo irrigado com água fresca; ébrios militares andrajosos e todos com manias de chefe. Pópilas! O chofer, dono da GMC tremendo, não sei se de medo ou indignação vociferava: - Tomem o meu bananal, minhas imbambas, tudo o que me custou os olhos da cara...
Agora só quero mesmo levar o meu cabedal para o M´Puto, disse para mim na forma de muxoxo quase calado e entre dentes. E, ia mordendo a raiva com aqueles desclassificados militares. Por via e apatia dos Tugas, merdosos traidores, feitos vendilhões. Antes deste aperto e, ainda a caminho desta barragem chamada de controlo de bandalheiros, ele, o Senhor Alcobia foi-me dizendo num tom áspero: - Isto há coisas! As NT, esses do MFA do M´Puto, não sabiam (assim o dizem), que em Janeiro de 1975, (muito antes do 11 de Novembro), 20 instrutores cubanos a fim de treinar tropas do emepelá assentaram arraiais em Massangano... Aqui tão perto!?
Eu até que já tinha ouvido um zunzum mas, admirei-me de este Senhor Camionista saber destes detalhes ainda tão insipidamente conhecidos e nunca falados na rádio Oficial e Rádios Clubes espalhados por Angola. Entretanto nesse mesmo Janeiro, o MPLA, a UNITA e a FNLA assinavam o acordo de Alvor em Portugal.
Sabemos agora pela boca de Lopo do Nascimento, quase cinquenta anos depois, que seu Movimento não tinha alguma intensão de o cumprir. Pois, logo se veio a saber na penumbra da traição e mentira que em Junho desse ano de 1975 (muito antes do 11 de Novembro) eram introduzidos mais 600 cubanos na região de Cabo Ledo. Quanto a isto, segredo total das NT e Generais afins do MFA.
Também desta vez, debaixo da vigilância portuguesa – operação ultra secreta – Isto era demasiado recente para ser falado nesse então pelo Senhor Alcobia (camioneiro), mas agora, sabe-se que assim foi! E... foi-o, bem perto de Luanda! Se isto não é traição, o que é que se lhe pode chamar!? Bem! De momento eu, estava num aperto, não era agora a hora de pensar nos senhores de Lisboa do M´Puto e no que os russos, americanos e o povo mal informado de Portugal pelo seu MFA, determinavam…
Menos mal que apareceu em um jeep um mulato fintador, muito cheio de banga, com divisas de tenente, penteado de balas em diagonal que, de tão herói, destabilizou a guarda em curiosidade – tudo parecia um filme a preto e branco retirado do cinema, guerra do Vietname aonde ninguém parecia ter lido o texto a cena…. Estou lixado!
Quem sabe não seria este, também um candidato a ser outro “Monstro Imortal”, essa figura lendária da luta anticolonial que veio a morrer barbaramente torturado pelos seu pares e, executado com um garrote aplicado na cabeça mais tarde… Pois! Deixa para lá! Para mim este era o momento - A oportunidade surgiu nesta aberta de descomandada hierarquia, ordens e contra ordens e assim num repentinamente, esgueirei-me por entre um bananal.
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; *Dipanda: acontecimentos sociais e politico militares após a independência dada a 11 de Nov. de 1975; Imbambas – coisas, bikuatas ; maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola; banguista - vaidoso, com estilo; camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas – expressão de admiração; flor-de-congo – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba –amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); T’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; Porrada – pancada;