CASSOALÁLA – ANGOLA - Outros tempos
Crónica 3436 – 16.07.2023 - TEMPOS DA DIPANDA* - Estávamos em Junho de 1975; tinha 30 anos de idade…
PorT´Chingange – Em Cantanhede do M´Puto
No ouvido ficou em fundo aquele ruído de rumba cubana. Os trilhos do comboio eram a minha referência, deslocava-me penosamente a caminho do Dondo; não sabia ao certo para onde ir, caminhava para me manter inteiro e ocupado, tinha em mente chegar a um sítio no sentido do mar kalunga, aonde pudesse confiar em alguém que me levasse a Luanda descendo o rio Kwanza até à Muxima, em canoa que ainda teria de roubar ou descolonizar.
Ali, com alguma sorte, iria encontrar o camundongo Zacarias, um ajudante de fubeiro conhecido desde candengue e, a quem salvei da morte numa dessas andanças em descoberta por terras de Cambambe; Naquele enquanto, eu era um estagiário de montador electricista recém-saído da Escola Industrial de Luanda, hoje Instituto. Não esquecer que estamos agora em 2023.
Descrever o que se passou na salvação daquele desinfeliz Zacarias levava muito mais tempo que escrever esta pequena crónica mas, o certo é que o salvei de morrer electrocutado; foi a minha maior façanha, como electricista, salvar Zacarias de uma morte certa com a fase a atravessar seu coração; Agora, ele levar-me-á a sítio de segurança, pois sempre foi bem visto entre os emepelás de Catete, amigos de escola do próprio Agostinho, o sofrível poeta que respirava cachaça assim fosse kimbombo.
A flor-do-congo, com a caminhada, tornou o andamento muito por demasiado penoso, tive até de recorrer a uma pêra abacate para besuntar as partes dolorosas, o certo é que melhorou um pouco pela gordura que este fruto tem. Fazia calor pra burros tossir asneiras, uma humidade de escorrer suor salgado, bichezas zangadas com a vida delas, picando só átoa e até se metendo nos olhos – um inferno; Um inferno de calor, antigo cemitério de brancos, chamado de Dondo.
Já junto ao rio Kwanza pude ver mais abaixo no sentido da corrente umas canoas presas a uns arbustos pendentes na água. Deduzi... Estava em Massangano! Longe, mas não tanto podia ouvir bafos esfarrapados de rumba e merengue; eram extintos ou fugidos guerrilheiros afogando-se em mágoas, dançando em bolero crueldades transpiradas, libertações sem sucesso das restolhadas revoltas de guerra ou daqueles tais cubanos que já ali estavam na tarefa de cooperação internacionalista do projecto Rosa ou Otelo, os vermelhuscos da revolução dos cravos importados por estes e outros generais da mututa, de aviário do M´Puto.
Esfarrapado por entre um ermo de coisa nenhuma, muita verdura e água barrenta, deslocava-me com o máximo dos cuidados assim como uma gazela perseguida por onça. Fechei a boca para não me denunciar e, os dentes nem se deram conta da minha mão que a tapava, por vezes para ouvir os sons além da ofegante respiração. Conduzindo o medo através dum cacimbo cerrado, de árvore em árvore, sentia o próprio bafo de fome; o peixe-seco, a cerveja, o funje em um equívoco de pensamento.
Massangano, haka!... Ai-iu-é; já estava mais, por detrás. Esquindivado entre capim cortante parecido com caxinde, vi (talvez a uns cinquenta quilómetros de Massangano), rio abaixo, homens gesticulando mujimbos. Já todo xuxado, riscos de sangue, só pedia mesmo ao meu tio Nosso Senhor que não aparece-se um jacaré. Na medida da vista mais aproximada pude ver equilibrando-se na jangada, o kamba Zacarias Catetense, bem me parecia pela voz mas, estranhei a falta de uma perna pois, tinha em seu lugar, uma de pau tipo capitão “charuto” do baleizão (gelado de chupar da Luua)…
T’ximbicando um bordão ajustado no sovaco e, naquela borda do kwanza, repito, parecia até um corsário como nos livros dos desenhos animados do Emilio Salgari ou fugitivo Tirado do livro papillon esqundivado da ilha do inferno. Quando lhe gritei o nome, fez-se um silêncio silencioso medido de medo mas, no despois um grande abraço, aperto de mano katé e, quis saber das makas de N´Dalatando e dos kazucutas penetras do sistema... Eu bem que te avisei naquele entretanto lá na Samba, te lembras de quando fomos apanhar mabanga, te lembras? Sim, lembro! Graças ao meu Tio, estou salvo, bem-haja …
Glossário
Bandalheiros – sem ordem; Imbambas – coisas, bikuatas ; *Dipanda: acontecimentos após o onze de Nov.1975, sociais, políticos, das makas e posterior guerra; Maka – rixa, briga, barulho, confusão; emepelá – movimento popular de Angola; banguista - vaidoso, com estilo; camundongo - rato, natural de Luanda ou arredores; fubeiro – negociante de fuba, tasqueiro de mato em Angola; Pópilas – expressão de admiração; flor-de-congo – eczema na zona das virilhas, parecido com psoríase; esquindivado – escondido de forma fintada; caxinde – erva-do-chá príncipe (Angola); mugimbos – diz-que-diz, boatos, mexericos, conversa por conversar; NT – Nossas Tropas – Militares portugueses; kamba –amigo, conhecido de infância; Catetense – natural de Catete; kazucuta – que vive de expedientes, bandalheiro, dado a embustes; mabanga – bivalve; funje – farinha de mandioca; marufo – vinho, seiva de palmeira fermentada; bazar – dar o fora, fugir; haca! – Exclamação por admiração, espanto em Umbundo (generalizado por toda a Angola); T’ximbicando – acto de navegar com pau longo ou bordão, em zig-zag; candengue – criança, jovem; Porrada – pancada; Esquindivar: fugir com astucia…
(Continua…)
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