NAS FRINCHAS DO TEMPO – NO REINO XHOBA - (HOODIA)
"DOS TEMPOS DE DIPANDA“ - Crónica 3496 – 01.10.2023
-Às margens do Cubango - “Missão Xirikwata”
- Escritos boligrafados da minha mochila – Aleatoriamente após 1975 e, ou entre os anos de 1999 a 2018
Por: T´Chingange (Otchingandji) – Em Lagoa do M´Puto
Hoje, aqui no Mukwé, vou só relembrar coisas já ultrapassadas para me distrair na conversa: Naqueles muitos dias de dipanda aproveitava-se o espevitar da inteligência limpa de quem só tinha coração de ouvir. Nos tempos mangonhosos da idade maisvelha, sem precisar condicionantes de pôr mais minha conversa no ar, cada qual ouvia o que cada um tungava na sua maneira. Se der um tiro no passado, posso bem ser apanhado com uma bazuca do futuro e, deixando a sequência das coisas soterradas em uma cova sujeita à criatividade dos contadores muitas vezes fraudulentos. Também sujeito à critica de gente com os neurónios falaciosos num empenhamento de visão de Pilatos, senão coisa pior, assim do tipo Estalinista ou Leninista…
Cadavez, quando um ria, outro ria também só à toa. Agora, ali, Teles Ferrujado simpatizante do glorioso “Eme”, meu mais-velho amigo da Chibia, Capunda-Cavilongo das terras do fim-do-mundo. Contava seus dias de caça; tinha muito de esperto caçador e com muito mais de velhos anos, ainda estava vivo! Mentia também em suas calmas, esfregando sua barba rala e crespa, companheira de muitos segredos, de mentira, mesmo embrulhada por vezes em kafufutila de bombô com açúcar. E, eu até gostava de ouvir sem franzir o sobrolho. Falava dos muxitos, das pacaças, desenhando aquela sua luz de verdecida vaidade de pontaria no centro do querer. Eu e mano Fernando Teles Ferrujado amigos do tempo do tundamunjila sabíamos que os espíritos antigos, depois de tanta guerra necessitavam de descansar .
Nós mesmo queríamos esquecer essa encruzilhada de muita maka e muito sangue. É que as lições da vida têm de ser sempre passadas a limpo, só nossa morte é quem pode ficar em rascunho - li isto nos guerrilheiros do Luandino. Teles me olhou muito mais macio, falar suave de caça de bichos não é o mesmo que a guerra do kwata-kwata e mata-mata de gente; Teles era bom e se via nos olhos dele, medo de acordar outros medos.
Longe das anharas da Chibia, do Calai e Munhango de Angola, sentíamos então o cheiro do grande rio que descia ora barrento das chuvas, ora escuro na junção das chuvas com sombras. Só sentíamos mesmo o cheiro dos longínquos Québe, Cuito e Okavango. E, eu era de novo o Mazombo guerrilheiro gweta da Unita a afogar-me naquele cheiro de sol e mangue com o vento do mato e do zungal aonde cassumbulavamos com garimpeiros. Assim contava coisas legitimamente enferrujadas, como que aproveitando pregos retorcidos de antigas tábuas de caixão ou porta duma administração de posto colonial.
Um, não era igual ao outro, nem um era como o outro ou contra o contrário do outro porque tudo o que se passava era só assim, mais nada, era como era, mais nada. De coração grande e espinhoso, esta cumplicidade, fugidos do mundo, nenhuma mata ia poder nunca lavar catinga de geração recordada nos encontros com o Fernando Teles da Chibia que sabia fazer biltong (carne seca com ou sem jindungo), como ninguém. Carne seca para vender nos seus chimbecos, mukifos de taipa cobertos a zinco, espalhados por ali, sítios de gente dispersa…
Teles o caçador, um conhecido dibengo, zebra, voltou à sua terra da Chibia na Quipungo, levando seus candengues Hugo e Carmita, faz tempo, nunca mais que soube da sua vida mesmo buscando no FB nada de nada! José Manuel Fernandes Teles, seu verdadeiro nome, bazou mesmo! Num dia de mãos cheias nas falas de tempos lembrados ao sabor de uma moamba bem à maneira kaluanda, com os respectivos quiabos, gimboa, saca-saca da folha de mandioca e funge, escafedeu-se ué…
Tudo feito pelo ajudante de cozinheiro Tata kadinguila do Mukwé, bem à maneira de como os trabalhadores da construção faziam no meu antigo bairro da Maianga e Malhoas da Luua. Lembrei que em kandengue assistia curioso ao fazer daquela cola de sapateiro como minha mãe Arminda dizia. Agora, íamos fazer igual para relembrar. E, na hora de almoço sentados, em bancos de pau ferro undianuno, e umas quantas tábuas grossas e soltas de kibaba a fazer de mesa, improvisávamos no quintal relembrando bem aquela forma de vidas biscateadas.
Com os calos de nossas mãos fazíamos bolinhas de funge acinzentado e molhando na lata de dendem besuntávamos, levando à boca com prazer deglutindo, Aiué. Estávamos mesmo recordando nossas juventudes. Amanhã vai mesmo ser peixe bagre ou tigre seco para matar saudades… Dona Elisabete anuiu, quersedizer, disse que sim. Aqui, entre amigos e no lugar do Mukwé os dias iam passando falando coisas, umas àtoa e outras bem afincadas em nossa lembraduras (tempo atado nos fundilhos da memória)! Estavam reunidas as condições para falarmos da recente guerra de TUNDAMUNJILA, cada qual falando suas furúnculosas recordações …
Glossário: *Dipanda é o somatório das coisas positivas e negativas que ocorreram antes, durante os longos anos da crise angolana, e após o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, Tundamunjila: mandado embora, sair à força em contra-vontade; bazar: Cassumbular: - ser matreiro e ligeiro em tirar algo de outrem; kazucutar: viver de expedientes, viver à toa; Zungal: - capinzal, erva áspera de charco ou pântano.
(Continua…)
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