XICULULU . CCVIII
PANOIAS III - TEMPOS DORMIDOS - 02.12.2017
-NAS CINZAS DO TEMPO - O esquecimento existe mas, nós não somos só silêncios... Na magia do Natal
Por
T´Chingange
Eram quase dez horas quando me levantei; estava um frio de matar passarinhos! A noite deve ter chegado aos cinco graus mas, pelo sim pelo não, lá pela meia-noite levei uma botija com água quente para me aquecer os pés e as quinambas. Foi da trempe que retirei esta água; para quem não souber, a trempe é de ferro forjado, tem três pés como o próprio nome diz. Era normal e ainda o é, mas não tanto, deixar esta na lareira da aldeia para se ter sempre água quente e, também para lançar alguma humidade no ambiente.
Durante a noite fiz uso do meu quico toytoy-zulu com as cores garridas da África do Sul espetado até às orelhas; Após as diligências de arrumo pessoal, coloquei as minhas botas de Uzinto de Durban e dispus-me a ir comprar torresmos de flor mais costeletas do cachaço de porco preto em Santa Luzia. Tive de parar bem no centro da vila para comprar dois pães de cabeça ao senhor António padeiro.
Como uma magia de Natal fui vendo correr os suaves morros ondulados, salpicados de verdura tenra, mais os pontos brancos mexendo-se na forma de ovelhas nas chapadas. Estas vistas largas da savana alentejana com um e outro morro em ruinas, em tempos idos, frustravam-me; pouco tempo passava aqui, sempre de rabo alçado para rumar outros destinos mas agora, talvez pela idade, vejo esta paz carregada de nova percepção de perceber o vazio.
Enquanto percorri este espaço de caminho fui pensando nesta crónica analisando em conjunto a natureza real, interrogando-me se este vazio era também uma ausência de existência. Não o era! Num lugar em que toda a gente cumprimenta toda a gente, o Bom-Dia surge com magia diferente. A sociedade, tão mudada neste mundo actual alterou regras sem zero e, sem o zero é impossível contar! Magia de natal.
O prazer de ver depende muito da nossa atitude mental; assim encorujado nos meus farelos antigos, queimo as pestanas das muitas e antigas lembranças!… Foi mesmo ao sair do carro no talho da Abelhinha da Suzel e bem junto a uma roulotte com a bandeira dos USA que ao abrir a porta traseira do carro que alguém me dirigiu a palavra num português defeituoso: - Senhor, aqui vender…has black pig? Olhei a figura e fiquei espantalho; era nem mais nem menos que o Jack Palance, um ruivo cavalheiro que me inchou de felicidade nas peliculas de cinema lá do passado da Luua!
Engasgado de assombro, frente a ele e na descrente veracidade do facto, lembrei num meio segundo suas vozes roucas, beata no lábio, artista principal azedo da vida e com uma cicatriz famosa em seu rosto. Será que estou mesmo neste mundo, nem pedindo licença para entrar no outro; só assim sem mais nem menos!?
Mal refeito aparentemente, olhei de arregalado sua pessoa, seu perfil altivo e respondi enquanto olhava seu cão negro e peludo, um cão-de-água de raça tuga. - Sim! Aqui os perros podem quedar-se sim problemas! Bolas! No estupefeito do caso dei por mim a falar espanhol confundindo cães com porcos. Sim! Repeti cirurgiando a sua figura: - Sim, here is a black pig.
Eu também vinha comprar essa delícia de comezaina. Sempre mais alto e agora mais kota ali estava esta kianda assombração, reganhando competência antiga nas adivinhações do meu silêncio. Obligado! Tank You! Duas vezes repetiu agradecimento e na forma de saudade antiga consegui ainda dizer: - OK! Pode comprar o pig preto e até passear seu perro! Até ir pescar na barragem do Monte da Rocha; aqui tem liberdade de apalpar o sabor dos silêncios e até os ventos que sopram de Panoias: - Podes mirar las sierras, volver en los tempos viejos e até encontrares o John Wayne. Num repentemente já o tratava por tu.
Ele, Jack Palance deu um pulo de satisfação. O quê: - John Wayne está aqui!? Pois, ainda ontem estive com ele em Aljustrel disse eu; mas bazou, nem sei para onde em seu cavalo holográfico. No seu sentido de eloquente grandeza, girou seu espaço em cento e oitenta graus e fez estalar os dedos de contentamento! Sua alegria era mais que muita. Enquanto fui comprar os lombinhos, ele ali ficou solitariamente taciturno afagando seu cão de água, creio que jogando inúmeras tristezas ao vento semi quieto dizendo, este mundo é mesmo uma ervilha.
O perro, ia e vinha alegrando seu dono solidário com seu contentamento e, eu já ali estava especado segurando a microondas para lhe mostrar as imagens de Assunção Roxo, uma kianda viva jogando roxomanias na forma de imagens fosfóricas. Meu chapéu dos big-five verde descalibrado neste sonho, bulia com meus neurónios. Ando preocupado com estas minhas visões mas, por agora ali fiquei apreciando os talentos de Jack Palance fazendo gaifona a seu cão.
Meu artista preferido nos filmes de índios e gente robusta do frio norte, lugar meu desconhecido, aproximou-se ao meu chamamento. Foi quando lhe mostrei as ilustrações do John feitas por Roxo. De novo rodopiou 360 graus de contentamento, tirou seu chapéu e, com energia bateu-o em sua perna direita. Bem! Mostrei-lho no mapa o caminho para a Barragem de senhora da Rocha aonde ele Wayne, deveria estar a comer churrasco à mbukusho… My friend, thank you! Deu-me um grande braço e lá seguiu munido de suas carnes de black pig de santa Luzia…
Jack Palance (Vladimir Palahniuk). Actor norte-americano falecido a 10 de Novembro de 2006. Antes, foi lutador de boxe, acreditando-se que sua face desfigurada se devesse aos golpes recebidos, mas em verdade a desfiguração foi causada por um acidente de aviação.